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A “ALEITAÇÃO” DE S. BERNARDO, MARCA DA DEVOÇÃO MARIANA DOS CISTERCIENSES
personalidade de cruzado do monaquismo. Isto nos diz claramente o “Pequeno
Exórdio” ao referir como a graça de Deus enviou a esta igreja clérigos letrados
e de alta estirpe, leigos poderosos no mundo e não menos nobres, em grande
número, os trinta postulantes que entraram no noviciado de Cister”
8
. Era gente
disposta ao sacrifício, pronta para as batalhas da luta espiritual contra a carne,
como dirá também o próprio S. Bernardo
9
.
Ao contrário da Ordem de Cluny, demasiado centralizadora, a organização
de Cister, devia ser muito flexível, respeitando a autonomia dos mosteiros. De
facto, organizaram-se cinco abadias mães, a que todas as outras novas fundações
se afiliavam. Foram abadias-mães: Cister (1098), La Ferté (1113), Pontigny (1114),
Claraval (1115), Morimond (1115). Os mosteiros cistercienses portugueses da
Idade Média afiliaram-se todos a Claraval, embora depois do Concílio de Trento,
em 1567
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, constituíssem uma Congregação nacional, a “Congregação de Santa
Maria de Alcobaça”, que englobava 16 mosteiros masculinos e 7 femininos.
Desse modo, Cister tornou-se, através de Alcobaça, a instituição religiosa mais
influente nos primórdios de Portugal.
Nunca se pode esquecer o carácter guerreiro da vida consagrada em Cister,
como gostava de dizer S. Bernardo
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, e um texto coevo testemunha o rigor da
Ordem
12
. Em tais circunstâncias, mesmo para aqueles que estavam no coro
a rezar, o serviço litúrgico assumia uma dimensão teológico-laboral, a ponto
de o cisterciense Isaac da Estrela definir o “Opus Dei” ou oração litúrgica em
termos de duro trabalho físico
13
. Em paralelo com o Ofício Divino, S. Bernardo
não deixa de fazer referência ao “suor interno” necessário para a meditação,
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Exordium Parvum, “PL”, 166, 1507-1508.
9
“Caro nostra animal lascivum est, scilicet asina petula, sed castiganda est, ut dominae, id est obo-
ediat”, BERNARDUS CLARAEVALLENSIS – Sententiae , Series 3ª, Sententia 88.
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PIO V – Bula “Pastoralis officii”, 26/X/1567, “Corpo Diplomático Portuguez ”, T. X, Lisboa 1891,
283-289. As “Deffiniçoens da Ordem de Cister e Congregaçam de Nossa Senhora de Alcobaça” seriam
publicadas em Lisboa, 1593.
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“Induerunt se armatura Dei et gladio Spiritus, quod est verbum Dei, sese accinxerunt, non adversus
carnem et sanguinem, sed contra spiritualia nequitiae in caelestibus. Suscipite illos tamquam bellatores
pacificos, mansuetos ad homines, violentos ad daemones”, BERNARDUS CLARAEVALLENSIS –
Epis-
tula 335, lin. 8,”PL”, 182, 539.
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“Et quidem ipsa observantiarum duritia, et petra disciplinae, frequenter largos effundit rivos olei,
et mentis faucibus dulcedinem devotionis ministrat Ordinis quidam lapideus rigor”, GILBERTUS DE HOILANDIA – Sermones in Canticum Salomonis, S. 2, par. 5, “PL”, 184, 17-21. Este monge cisterciense
faleceu em 1172, tendo acabado o comentário de S. Bernardo ao Cântico dos Cânticos.
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“Ecce succidentes nobis novale ne super spinas seminemus, sudore defluimus, urente nos desuper
sole fere meridiano. Itaque ob terrenum semen nimis fatigati, sub patulae, quam prope cernitis, ilicis tegmine paulisper reclinemus, ubi etiam non sine interno quodam sudore divini nobis Verbi semen excutiamus, molamus, conspergamus, coquamus, edamus, ne ieiuni et fatigati deficiamus” , ISAAC DE STELLA - Sermo 24, par.1, “PL”, 194, 1768-1772; Col. “Sources Chrétiennes”, 207, 98.