nos fazem perder tempo. Note o absurdo da idéia de um Deus que "faz uma religião simples": como se a
"religião" fosse algo inventado por Deus, e não a sua afirmação de certos fatos inalteráveis a respeito de sua
própria natureza.
A experiência me diz que a realidade, além de complicada, é quase sempre estranha. Não é precisa, nem
óbvia, nem previsível. Por exemplo, quando você descobre que a Terra e os outros planetas giram em torno do
Sol, pensa naturalmente que todos os planetas devem se comportar da mesma maneira, que são separados por
distâncias iguais ou distâncias que aumentam proporcionalmente, ou que devem aumentar ou diminuir de
tamanho à medida que se afastam do Sol. No entanto, não encontramos nem métrica nem método (que possamos
compreender) nos tamanhos ou nas distâncias. Além disso, alguns planetas possuem uma lua; outros, quatro;
alguns, nenhuma; e um planeta tem um anel.
A realidade, com efeito, é algo que ninguém poderia adivinhar. Este é um dos motivos pelo qual acredito no
cristianismo. E uma religião que ninguém poderia adivinhar. Se ela nos oferecesse o tipo de universo que es-
peraríamos encontrar, eu acharia que ela havia sido inventada pelo homem. Porém, a religião cristã não é nada
daquilo que esperávamos; apresenta todas as mudanças inesperadas que as coisas reais possuem. Deixemos de
lado, portanto, todas as filosofias pueris e suas respostas simplistas. O problema não é nada simples, e a resposta
tampouco.
E qual é o problema? E um universo cheio de coisas evidentemente más e aparentemente sem sentido, mas
que ao mesmo tempo contém criaturas como nós, que têm a consciência dessa maldade e desse absurdo. Existem
só dois pontos de vista que conseguem contemplar todos esses fatos. Um deles é o cristianismo, segundo o qual
estamos num mundo bom que se perdeu, mas que ainda assim conserva a memória de como deveria ser. O outro
ponto de vista chama-se dualismo. Dualismo é a crença de que, na raiz de todas as coisas, há duas forças iguais e
independentes, uma delas boa, a outra má. O universo é o campo de batalha no qual travam uma guerra sem fim.
Creio que, ao lado do cristianismo, o dualismo é a crença mais viril e sensata existente no mercado. Porém, traz
em si uma armadilha.
Os dois poderes, ou espíritos, ou deuses - o bom e o mal - são tidos como independentes um do outro.
Ambos existem eternamente. Nenhum deles gerou o outro, nenhum deles tem mais direito que o outro de cha-
mar a si mesmo de "Deus". Cada um deles, presumivelmente, considera a si mesmo o Bem, e ao outro, o Mal.
Um deles aprecia o ódio e a crueldade; o outro, o amor e a misericórdia; e cada qual sustenta sua própria visão
das coisas. No entanto, o que temos em mente quando chamamos um deles de Poder Benigno, e o outro, de
Poder Maligno? Talvez queiramos dizer simplesmente que preferimos um ao outro — como alguém pode
preferir uma cerveja a um vinho doce; ou então queiramos dizer que o que quer que cada um deles pense a seu
respeito, e independentemente de nossas preferências humanas imediatas, um deles está efetivamente errado,
enganado ao se considerar benigno. Ora, se tudo o que queremos dizer é que preferimos o primeiro poder, temos
de desistir definitivamente dessa conversa de Bem e de Mal, pois o Bem é aquilo que devemos preferir
quaisquer que sejam os nossos sentimentos momentâneos. Se "ser bom" significasse apenas aderir ao lado que
por acaso nos agrada, o Bem não mereceria ser chamado assim. Logo, o que queremos dizer é que um dos po-
deres está errado, enquanto o outro está certo.
Mas no momento em que dizemos isto, insere-se no universo um terceiro fator, distinto dos outros dois
poderes: uma lei, ou padrão, ou regra geral do Bem à qual o primeiro poder se submete, e o outro, não. Se os
dois poderes são julgados por esse padrão, então o próprio padrão ou o Ser que o criou está além e acima de
qualquer um dos poderes. E ele o Deus verdadeiro. Na realidade, quando dizemos que um poder é bom e o outro
é mau, entendemos que um está em relação harmoniosa com o Deus verdadeiro e supremo, e o outro, não.
O mesmo argumento pode ser apresentado de outra maneira. Se o dualismo é real, o poder maligno deve ser
um ente que ama o Mal pelo Mal. Na realidade, porém, não encontramos ninguém que aprecie o Mal só porque é
o Mal. O mais próximo disso seria a crueldade. Mas, na vida real, as pessoas são cruéis por um de dois motivos:
por sadismo, ou seja, por causa de uma perversão sexual que faz da dor um objeto de prazer sensual, ou pela
busca de algum benefício externo - dinheiro, poder, segurança. O prazer, o dinheiro, o poder e a segurança,
considerados em si mesmos, são coisas boas. A maldade consiste em tentar obtê-los pelos métodos errados, ou
de forma errada, ou em excesso. Não quero dizer, de modo algum, que não sejam terrivelmente perversas as
pessoas que agem assim. Digo apenas que a perversidade, quando a examinamos de perto, revela-se como um
jeito errado de buscar o Bem. Podemos decidir ser bons por amor à própria bondade, mas não podemos ser maus
por amor à maldade. Podemos agir de forma bondosa mesmo quando não nos sentimos bondosos e não há uma
recompensa para agir assim; a bondade é simplesmente a atitude correta. Ninguém, no entanto, é cruel
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