traziam o lábio de baixo furado e metido nele seus ossos (…) agudos na ponta como furador. (…) Os seus cabelos são lisos. E
andavam tosquiados (…) e rapados até por cima das orelhas (…) “
(Caminha, como os outros, ficou maravilhado com a inocência, ingenuidade e beleza dos índios, que se mostraram bastante
dóceis desde o início).
O contato a bordo
“Afonso Lopes, nosso piloto, estava em um daqueles navios pequenos. (…) Tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e
de bons corpos, que estavam em uma espécie de jangada. Já de noite, Afonso Lopes trouxe-os ao Capitão, em cuja nau foram
recebidos com muito prazer e festa. (…) Quando eles vieram, o Capitão estava sentado em uma cadeira, bem-vestido, com um
colar de ouro muito grande no pescoço, e tendo aos pés um grande tapete como estrado. (…) Um deles, porém, reparou no colar
do Capitão e começou a acenar para a terra e depois para o colar, como se nos quisessem dizer que na terra também havia ouro.
(…) Nós assim interpretávamos os seus gestos, porque assim o desejávamos (…)”
(Durante muitos anos, Portugal desprezou o Brasil por considerar que as novas terras não tinham minérios de valor, como ouro,
prata e ferro, em seu subsolo, se contentando em pilhar o pau-brasil, madeira valiosa na Europa. Por um bom tempo, o Brasil
serviu apenas como rota e porto seguro para as Índias. Hoje sabemos que isso não é verdade, e que o país possui algumas das
maiores reservas minerais do mundo!)
26 de abril de 1500, Domingo
O palhaço Diogo Dias
“Do outro lado do rio, andavam muitos deles, dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. (…)
Dirigiu-se, então, para lá, Diogo Dias, homem gracioso e de prazer. Levou consigo um gaiteiro e sua gaita. E meteu-se a dançar
com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem,
fez-lhes ali, andando no chão, muitas piruetas e salto mortal, de que eles se espantavam e riam muito. Mas como Diogo Dias
tocasse neles e os segurasse com essas brincadeiras, logo se tornaram esquivos como animais monteses (…)”
(Apesar de “mansos”, os índios evitavam o contato físico com os portugueses. Demonstravam dessa forma não serem tão
ingênuos, assim como o fato de não deixarem os portugueses dormirem na aldeia.)
30 de abril de 1500, Quinta-feira
Gente inocente
“Parecem-me gente de tal inocência que, se nós os entendêssemos, e eles a nós, seriam logo cristãos, porque parecem não ter
nenhuma crença. E portanto, se os degradados que aqui hão de ficar aprenderem bem sua fala e os entenderem, não duvido que
eles (…) hão de se tornar cristãos em nossa santa fé. Portanto, Vossa Alteza, que tanto deseja fazer crescer a santa fé católica,
deve cuidar da salvação deles . (…) Eles não lavram, nem criam. Nem há aqui boi, vaca, cabra, ovelha, galinha, ou qualquer outro
animal que esteja acostumado a conviver com o homem. (…) Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com
os nossos, de maneira que são muito mais nossos amigos do que nós seus (…)”
(Aqui, Caminha se refere à docilidade dos índios, o que poderia facilitar a catequização pelos missionários católicos. É
interessante notar a sinceridade do relato neste último trecho, em que Caminha reconhece as “segundas intenções” dos
portugueses diante da alegria desinteressada dos índios)