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Em primeiro lugar, como nos disse um Espírito amigo, certa vez, não
podemos colher rosas, sem jamais nos ferirmos nos espinhos. Quanta verdade
nesta imagem! Por mais estranho que nos pareça, a uma observação
superficial, os Espíritos mais terrivelmente perturbados e desarmonizados
guardam em si incrível potencial para as realizações futuras — aptidões,
experiências e qualificações inesperadas, preciosas, e, por mais fantástico que
nos pareça, uma enorme capacidade de amar.
Um deles, muito difícil, agressivo, poderoso, quase inabordável, não pôde
conter sua gratidão, depois de desperto: beijou, com emoção e respeito, a mão
de seu aturdido doutrinador, o mesmo que, ainda há poucas semanas, ele
daria tudo para destruir.
No trabalho mediúnico de desobsessão, temos, pois, que contar com
contratempos, ferimentos e angústias, especialmente se deixarmos cair as
nossas guardas. Isto é válido para todo o grupo, e não apenas para o médium,
ou para o doutrinador. O cerco aperta-se, ainda que estejamos guardados na
prece e na vigilância.
— “Vigiai e orai” — disse o Cristo, segundo Marcos — “para não cairdes em
tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Marcos, 14:38.)
O Espírito deseja a libertação, teme novas quedas, sonha com a paz, sofre
a ausência de afetos muito profundos e, de certa forma, está pronto para a vida
em plano melhor e mais purificado, ou, pelo menos, não tão difícil e grosseiro
como este mundo de provas em que vivemos; mas, no fundo, mergulhado no
corpo físico, que o sufoca, sua vontade debilita-se e a fraqueza da carne vence
as melhores intenções. Os seres desencarnados inferiores que nos vigiam, nos
espionam e nos assediam, sabem disso, tão bem ou melhor do que nós, e,
enquanto puderem, hão de reter-nos na retaguarda, pelo menos, como disse
um amigo espiritual muito querido, para engrossar as fileiras dos que estão
parados.
Mesmo com toda a vigilância, e em prece, continuamos vulneráveis. E
“eles” sabem disso: quando o esquecemos, eles nos lembram:
— Você pensa que é invulnerável?
Quem poderá responder que é? E as nossas mazelas, os erros ainda não
resgatados, as culpas ainda não cobradas, as infâmias ainda não desfeitas?
Contudo, temos que prosseguir o trabalho de resgate, a despeito dos espinhos
das rosas, das ameaças e, logicamente, de um ou outro desengano maior. É
preciso estarmos, no entanto, bem certos de que, em nenhuma hipótese,
sofreremos senão naquilo em que ofendemos a Lei, e jamais em decorrência
do trabalho de desobsessão, em si mesmo. Seria profundamente injusta a Lei,
se assim não fosse. Então, vamos ser punidos porque estamos procurando,
exatamente, praticar a Lei universal do amor fraterno e da solidariedade que
nos recomenda o Cristo?
Não aceitaremos a intimidação, mas não a devolveremos com uma palavra
ou um gesto de desafio que de provocação. É necessário não intimidar-se
diante da bravata, mas sem cometer o engano de ridicularizá-la. Há uma
diferença considerável em ser íntimorato e ser temerário. Nossa bagagem de
erros ainda a resgatar não nos permite usar o manto da invulnerabilidade, mas
não deve deter os nossos passos na ajuda ao irmão que sofre. Mesmo que ele
nos fira, com a peçonha de seu rancor inconsciente, quando lhe estendermos a
mão, para ajudá-lo a levantar-se, ele nos será muito grato se o conseguirmos
e, no fundo, bem no fundo de si mesmo, ele, mais do que ninguém, deseja e