2. Três teorias exegéticas
1 A hipótese da genealogia de Maria. Afirmam alguns autores que a genealogia apresentada por S. Lucas é a
genealogia de Maria, Mãe de Jesus, por conseguinte a genealogia real ou física do Senhor, ao passo que a tabela de
S. Mateus apresenta a ascendência de José, pai putativo de Jesus, por conseguinte a ascendência meramente legal
ou oficial do Senhor: José descenderia de Davi por via de Salomão (cf. Mt 1,6), seguindo a linha direta dos reis de
Israel; quanto a Maria, ela descenderia de Davi por via de Natã (cf. Lc 3,31). Visando facilitar a aceitação desta
hipótese, seus defensores traduzem Lc 3,23 de modo próprio, a saber:
«Jesus, ao iniciar (seu ministério público) com cerca de trinta anos de idade, embora fosse tido como filho de José. era
na verdade filho de Heli...»
Heli, neste caso, seria o pai não de Jesus nem de José, mas de Maria Santíssima, da qual Jesus descendia
imediatamente; assim, saltando o nome de Maria, São Lucas teria passado imediatamente para os ascendentes
maternos do Senhor.
Eis, porém, que uma dificuldade parece levantar-se por parte do nome do pai de Maria Santíssima. Conforme
tradição respeitável, seria Joaquim (Joachim, em latim), e não Heli. — Replicam que Heli ou Eli é a forma abreviada
de Eliaqim, sendo Eliaqim, por sua vez, nome equivalente a Joachim, pois o que varia é apenas o modo de designar a
Deus; no segundo caso, Jo viria de Javé (=Aquele que é), enquanto no primeiro caso Eli viria de El (=Deus); o
significado do nome seria consequentemente: «Javé (ou Deus) ergue, levanta». Os nomes Joaquim, Eliacim (e Eli) se
substituem mutuamente na S. Escritura; cf. 4 Rs 23, 34 ; 2 Crôn 26,4; Jdt 4,5.7.11 (Eliaquim) em confronto com Jdt
15,9 (Joaqim).
Este sistema de solução do problema, proposto pela primeira vez no fim do séc. XV por Ânio de Viterbo, encontrou
desde o séc. XVI bom acolhimento por parte de exegetas tanto católicos como protestantes.
A teoria, porém, não satisfaz por dois motivos:
a) A tradição quase unanimemente afirmou que ambos os Evangelistas referem a genealogia de São José; esta
convicção estava tão arraigada que até o séc. XV ninguém pensou em recorrer à solução acima, embora fosse tão
cômoda. Aos antigos, tanto judeus como greco-romanos, o que importava era a genealogia legal, oficial, não
propriamente a estirpe natural; ora, estando Maria e José unidos em legitimo matrimônio, Jesus, que nascera nesse
conúbio, era tido como legítimo filho de José, embora seu nascimento tivesse sido virginal (a prole, na verdade,
pertence aos cônjuges), por isto o Evangelista, narrando a ascendência de José, não fazia obra vã, embora José fosse
apenas o pai putativo ou oficial de Cristo.
Para resolver uma dificuldade por vezes proposta, note-se ainda: o fato de que os Evangelistas narram a genealogia
de José, filho de Davi e pai putativo de Jesus, e não a de Maria, mãe do Salvador segundo a carne, não permite
concluir que Jesus não fosse Filho de Davi, como José; muito ao contrário: Maria, sendo legitima esposa de José,
devia igualmente ser da Casa de Davi, já que os casamentos em Israel se faziam dentro da mesma estirpe.
b) O texto de Lc 3,23, que os propugnadores da sentença traduzem de modo próprio, significa, em seu sentido óbvio,
que o Evangelista entende transmitir a genealogia de José; é esta, com efeito, a sua tradução mais provável, sempre
mantida pelos exegetas (pode-se dizer) até o séc. XVI:
«E Jesus, ao iniciar (seu ministério público) com cerca de trinta anos de idade, era tido como filho de José, filho de
Heli, etc.».
É demasiado artificiosa e pouco fundada a tradução inovadora; além do que, não se entenderia a omissão do nome
de Maria na árvore genealógica da própria Virgem Santíssima ... (note-se como o texto sagrado de Lc refere a
genealogia de mulheres em 1,5; 2,36).
Na base destas observações, merece preferência uma das sentenças abaixo.