Hermes no ciberespaço completo - 22.06.2011

claudiocpaiva 3,332 views 183 slides Aug 17, 2011
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Slide Content

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Hermes no Ciberespaço. Uma interpretação da cultura na era digital




Cláudio C. Paiva



Prefácio

Introdução: O espírito de Hermes e a complexidade da comunicação;

1. Do Cavalo de Tróia ao Wikileaks: Os Estilhaços do Poder no Ciberespaço;

2. Para uma epistemologia da comunicação e cultura digital;

3. Hermes & Afrodite: afeto, cognição e convergência tecnológica;

4. Walter Benjamin e a imaginação cibernética;

5. YouTube: arte, informação e videocultura;

6. A blogosfera, o webjornalismo e as mediações colaborativas;

7. O Blog do Tas e a crise do Senado Federal na gestão Sarney

8. O Observatório da Imprensa e a crítica da mídia na era digital;

9. Um paradigma lusobrasileiro da pesquisa em comunicação;

10. A contempl@ção do mundo: o Google Earth e a Terra digitalizada;

11. O cinema, a realidade virtual e a memória do futuro;

12. Vale Tudo nas redes sociais?

13. Para concluir: verdade e ilusão do ciberespaço;

14. Referências e links de leitura

15. Notas

2

Sob o Signo de Hermes. Mediações no Ciberespaço

Prefácio

Cláudio Paiva é um intelectual. Um verdadeiro intelectual. Não são muitos em
atividade. Tem a libido do saber. Pensa com o corpo inteiro. Sente aquilo que investiga.
Consegue mesclar o erudito e o popular com uma desenvoltura invejável. Domina o
universo do cinema como poucos. Vai de um ponto a outro do imaginário
contemporâneo com leveza e conhecimento.
Esta sua incursão no mundo virtual não poderia ser diferente. Traz a marca de
quem reflete sem preconceitos e sem amarras. Examina, avalia, interpreta e
compreende. Acessa um número incrível de fontes e nunca se limita a navegações de
cabotagem. Aposta na renovação.
Cláudio Paiva não quer apenas repetir as rotas tradicionais. Tem a ousadia dos
aventureiros. Está longe de se deixar dominar pela camisa-de-força dos discursos
acadêmicos positivistas. Produzir conhecimento para ele é gerar novidade, abrir novos
caminhos, sair dos trilhos e indicar novas pistas. Parece fácil. Não é.
Poucos têm essa predisposição para o confronto. Poucos sentem o aroma da
inovação. Pesquisar é muito mais do que levantar dados. Exige uma curiosidade
profunda e uma determinação especial. A determinação para abalar fundamentos,
descobrir, “desencobrir”, fazer emergir o novo, revelar, desvelar e até mesmo
“desconstruir”.
Todas essas qualidades caracterizam o perfil do pesquisador Cláudio Paiva.
Conheço-o desde o tempo em que fazíamos doutorado em Paris e ele via todos os filmes
em cartaz na cidade. Eu o admirava silenciosamente. Gostava de ver a sua autonomia, a
sua liberdade de pensamento, a sua errância pela cidade-luz.
Aprendi a conhecer um intelectual, homem livre, com suas idéias e paixões. Não
preciso dizer mais. Este livro mostra o quanto todas essas minhas observações são
limitadas para descrever ou qualificar o que Cláudio Paiva representa como pensador do
contemporâneo. Sem perda de tempo, comecem a ler. É tudo.

JUREMIR MACHADO DA SILVA
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS.
Porto Alegre, 01 de abril de 2011.

3

1

O espírito de Hermes e a complexidade da comunicação

No cenário globalizado atual, os dispositivos tecno-informacionais têm gerado
vigorosas redes sociais. O fenômeno da internet e os sistemas hipermídia configuraram
uma nova realidade eletrônica, em que os cidadãos conectados interagem de maneira
colaborativa, formando laços afetivos, comerciais e políticos. Porém, a modernização
tecnológica parece não ter trazido benefícios para todos; do lado de fora da sociedade
digital estão os desplugados, os “sem banda larga”, os outsiders do século 21.
Logo, constatamos que a grande batalha do nosso tempo se coloca em favor da
democratização da informação, facilidade de acesso, conexão ágil e banda larga para
todos. Por essa e outras razões defendemos um princípio ético-político e
comunicacional que reconhece a inclusão digital como um caminho para a cidadania.
Basta observarmos os movimentos de Chiapas, Gênova, Seatle e a explosão das
Torres Gêmeas, até a chamada “Primavera Árabe” para percebermos como as
estratégias de comunicação são tramadas em rede. Após um século de debate sobre o
status dos cidadãos na sociedade de massa, a discussão pública se volta para os meios
pós-massivos e as estratégias de empoderamento gerado pelas redes colaborativas.
Pulsa na paisagem cotidiana uma inteligência coletiva conectada que perpassa o
vasto conjunto das atividades socioculturais e políticas, abrangendo experiências tão
diversas como o correio eletrônico, o webjornalismo, o sistema bancário informatizado,
a medicina computadorizada, o voto eletrônico, o GPS, as enciclopédias, dicionários e
bibliotecas virtuais, teleconferências e programas de ensino mediados pela tecnologia.
Em pouco mais de uma década a nossa relação com o mundo social e natural
mudou radicalmente. Do presencial ao virtual (e vice-versa) estamos tecnologicamente
e sensorialmente interligados através de ambientes gerados por meios digitais como o
chat, o blog, o MSN, o Facebook, o Twitter e o YouTube, que teletransportam os
corações e mentes para uma outra dimensão da experiência individual e coletiva.
Em casa, na rua, na esfera pública e privada, nas atividades das empresas,
instituições e organizações, novos atores, códigos, valores e procedimentos ganham
vigência: um novo ethos se instala enredado nos fluxos da informatização social.
A partir da segunda metade do século 20, a mídia eletrônica passou a influir -
efetivamente - nos modos de pensar, falar e agir dos atores sociais.

4

Contudo, é preciso separar o joio e o trigo: há um complexo midiático massivo
controlado pelo sistema global de produção capitalista, meramente comercial e voltado -
exclusivamente - para o lucro. E existe, por outro lado, um complexo pós-massivo que,
parte dos “sistemas sociais de resposta” (BRAGA, 2006), favorecendo estratégias de
distribuição e socialização da informação. E sem descartar a importância do mercado na
economia de trocas materiais e simbólicas, é mais democrático e concilia a diversidade
de interesses e expectativas sociais, sendo eticamente mais inclusivo.
O acesso aos jornais e mídias do mundo inteiro, informações ao vivo, em tempo
real, a conexão simultânea entre os vários setores de produção, distribuição e consumo,
tudo isso atesta um surpreendente estado de convergência de formas, conteúdos e
linguagens, sinalizando conquistas e elevação da qualidade de vida material e simbólica.
Neste novo nicho comunicacional, os espectadores se tornam e-leitores, editores,
cibercidadãos. Ou seja, ocorreu uma transformação profunda no contexto da experiência
cultural. Antes dos meios digitais havia um ambiente sócio-político e comunicacional
orientado pelas regras da separação: de um lado, os autores, a produção massiva, a
indústria cultural, e do outro, os espectadores, a recepção passiva, o consumo de massa.
Hoje, o agenciamento coletivo dos usuários sinaliza uma conjunção mais
equilibrada face aos paradoxos comunicacionais: as redes favorecem processos de
veiculação, cognição e colaboração, assegurando a inserção dos indivíduos na economia
de trocas informacionais, num contexto comunicativo mais democrático e participativo.
Todavia, a experiência da comunicação, que evolui em sintonia com o processo
civilizatório, não se realiza num mar de águas tranqüilas; pelo contrário, opera num
contexto minado pelas tensões e conflitos, tendo que enfrentar desafios.
Como adverte Benjamin, no ensaio “Sobre o conceito de história”, inspirado em
Freud, “nunca houve um monumento da cultura que não fosse um monumento de
barbárie” (BENJAMIN, 1985, p.225). Ou como afirma McLuhan, no livro Os meios são
as massagens, citando Whitehead, “os maiores avanços na civilização são processos que
quase arruínam as sociedades em que ocorrem” (MCLUHAN, 1969, p. 7).
Vários pesquisadores têm contribuído para elucidar algumas verdades e mitos
sobre o fenômeno tecnológico. Nesse filão, Lemos ajuda a distinguirmos a cibercultura
e a tecnocultura. Para ele, “na modernidade, cria-se uma tecnocultura como um
fenômeno técnico expandindo-se para todos os domínios da vida social, sendo a
preocupação principal „procurar em todas as coisas o método absolutamente mais
eficiente‟ ”(LEMOS, 2004, p. 50). E, em defesa do uso social criativo (e responsável)

5

das tecnologias de comunicação, conclui: “A cibercultura é um exemplo forte dessa
vida social que se quer presente e que tenta romper e desorganizar o deserto racional,
objetivo e frio da tecnologia moderna”. (LEMOS, 2004, p. 262).
É preciso encontrar um dispositivo teórico-conceitual para enfrentar o paradoxo
da comunicação - que se quer aberta, transparente, democrática, mas é atravessada por
forças econômicas, políticas, institucionais, que a impelem numa direção contrária.
Então, recorremos à imagem de Hermes, o patrono da comunicação, que se inscreve
aqui como uma alavanca metodológica para nortear uma interpretação da cultura digital.

A sabedoria de Hermes e o poder da comunicação em rede

Há milênios, muito antes de esse corpo de conhecimento que
hoje chamamos de ciência existir, a relação dos seres humanos com o
mundo era bem diferente. A natureza era respeitada e idolatrada, sendo a
única responsável pela sobrevivência de nossa espécie, que vivia
basicamente da caça e de uma agricultura rudimentar. Na esperança de
que as catástrofes naturais como os vulcões, tempestades e furacões não
destruíssem as suas casas e plantações, ou matassem os animais e os
peixes, várias culturas atribuíram aspectos divinos à natureza. (...) Os
mitos são histórias que procuram viabilizar ou reafirmar sistemas de
valores, que não só dão sentido à nossa existência como também servem
de instrumento no estudo de uma determinada cultura. (Muitos) exemplos
mostram que o poder do mito não está em ele ser falso ou verdadeiro,
mas em ser efetivo. (...) na cosmogonia moderna, encontramos alguns
traços dessas idéias antigas, memórias distantes talvez, que de alguma
forma permaneceram vivas nos confins de nosso inconsciente,
demonstrando uma profunda universalidade da criatividade humana”.

GLEISER, 1998, pag.20.

Explorando os domínios da filosofia, antropologia, sociologia, psicanálise,
história e crítica literária, encontramos o espírito de Hermes, como o intérprete e
mediador diante das grandes causas da humanidade. Homero, Petrônio, Dante,
Shakespeare, Proust, Dostoievsky, entre outros arcanos do pensamento ocidental, nos
atualizam a imagem de Hermes como fonte de leitura do grande livro do mundo. E,
sendo o gestor perspicaz no enfrentamento dos contrários, pode ajudar a decifrarmos os
paradoxos e complexidades da cultura na era da comunicação digital.
Hermes é Mercúrio (na acepção latina), e é igualmente Hermes Trismegistos
(em hibridação com o deus Thot egípcio); sendo esse último mais próximo da

6

imaginação mítico-racionalista,

do pensamento holístico
1
. E Mercúrio está mais ligado
ao cogito matemático, ao saber pragmático, à dedução e contabilidade do mundo.
Hermes tem a incumbência de contemplar a vasta prosa universal e desvelar as
camadas de sentido que formam a complexidade do discurso como doxa (opinião
vivenciada no senso comum), como techné (expressão da arte e dos saberes práticos), e
como epistème (saber especulativo, ciência, filosofia).

Origem, significado e atualidade do culto de Hermes.

Hermes era, na mitologia grega, um dos deuses olímpicos, filho de
Zeus e de Maia, e possuidor de vários atributos. Divindade muito antiga, era
cultuado na pré-história grega possivelmente como um deus da fertilidade,
dos rebanhos, da magia, da adivinhação, das estradas e viagens, entre outros
atributos. Ao longo dos séculos seu mito foi extensamente ampliado,
tornando-se o mensageiro dos deuses e patrono da ginástica, dos ladrões, dos
diplomatas, dos comerciantes, da astronomia, da eloqüência e de algumas
formas de iniciação, além de ser o guia das almas dos mortos para o reino de
Hades. Com o domínio da Grécia por Roma, Hermes foi assimilado ao deus
Mercúrio, e através da influência egípcia, sofreu um sincretismo também
com Toth, criando-se o personagem de Hermes Trismegisto. Foi um dos
deuses mais populares da Antiguidade clássica, teve muitos amores e gerou
prole numerosa. Com o advento do Cristianismo, chegou a ser comparado a
Cristo em sua função de intérprete da vontade do Logos. As figuras de
Hermes e de seu principal distintivo, o caduceu, ainda hoje são conhecidas e
usadas por seu valor simbólico, e vários autores o consideram a imagem
tutelar da cultura ocidental contemporânea.
Wikipédia, 01.04.2011.

Seguimos uma cartografia lúcida e minuciosa, na obra de Junito de Souza
Brandão (1994), narrando o percurso de Hermes, que nasceu precoce, e ainda pequeno
foi colocado no oco de um salgueiro (símbolo da fertilidade e da imortalidade
2
).
A origem do seu nome está ligada à “herma”, que significa um grande platô feito
de cipós, um pilar, emanando o sentido de consistência, justiça e perpetuidade. Evoca o
poder de ligar, desligar, performar laços afetivos, comerciais e políticos.

1
No Egito, o deus da comunicação é Thot, representado metade homem, metade com as feições
ora de um íbis, ora de um babuíno; deus da escrita, da ciência e senhor de todo o conhecimento. A ele é
atribuída a invenção de todas as palavras que existem, sendo também guardião da magia; inventou a
matemática, a geometria, o uso dos medicamentos; a arte de trabalhar os metais, a invenção da música. A
ele é atribuída a invenção da lira de três cordas. Calculador do tempo, dos anos e regente das divisões
temporais. Cf. Castro e Silva. In: Marcondes Filho, Dicionário da Comunicação (2009).
2
Convém remontar ao sentido antropológico do “oco”, “concha”, “cavidade”, “nicho”, signo de
afetividade, acolhimento, que reúne as diferenças e diversidades, em oposição ao sentido da “espada”,
que separa, divide e exclui. As obras de Eliade (1998); Jung (1990), Durand (1988); Maffesoli (1999),
Rocha Pitta (2005), entre outros, favorecem leituras e interpretações fecundas dos atuais processos
sociotécnico-comunicacionais, pelo viés de uma antropológica da comunicação e das culturas urbanas.

7

Dentre as suas características particulares, é impulsivo, rebelde, outsider, possui
matizes contraculturais: roubou o rebanho de Apolo e após devolvê-lo ganhou um
caduceu de ouro, que lhe concedeu a curiosidade, a adivinhação e o pendor para a
engenharia. Essa alegoria lembra o métier dos engenheiros de comunicação, arquitetos e
criadores do soft, técnicos, inventores, atuando em meio às brechas, abrindo caminho no
emaranhado das redes de informação. Hermes antecipa a ação dos cyberpunks, hackers,
phreakers que modificam o comando dos computadores e telefones
3
.
Astucioso, do casco de uma tartaruga, Hermes fez uma lira e inventou a flauta de
Pã. É uma divindade complexa. É agrário (também protege os pastores) e simboliza o
dom da astúcia, do ardil, de uma sabedoria sagrada. Na versão latina, Mercúrio, como
vimos, é o deus dos comerciantes (dos mercadores, dos negociantes e dos “ladrões”
4
).
Mercúrio tem sido, ao longo da história, semanticamente associado às atividades
ligadas ao comércio: merces é mercado, mercadoria; liga-se - portanto - a um nível de
conhecimento cerebral, contábil, pragmático. Mercúrio tem o discernimento para os
negócios; favorece uma vigorosa imaginação criativa no mundo da propaganda e do
marketing, a sua marca no imaginário do consumo tem grande receptividade
5
.
A “galáxia de McLuhan” é inteiramente atravessada pelo hermetismo: McLuhan
é hermético na ambigüidade, no paradoxo, no oximoro, na provocação sistemática e na
arte de aproximar os contraditórios. A sua visão da cultura eletrônica tem analogia com
a alquimia cognitiva de Trismegistus, tem algo de premonitório: nos anos 60, previu o
híbrido, o fenômeno das convergências sócio-tecnológicas do século 21.

3
O conceito de ciberespaço nasce na obra Neuromancer (GIBSON, 1984) e se epifaniza no
imaginário do cinema, desde filmes como Hackers, piratas de computador (1995) até Matrix (1999). Para
entender o ciberpunk, consultar Lemos (2004); Amaral (2006), e o manual Etika Hacker organizado pelo
website Hacker Teen (com Sérgio Amadeu Oliveira) que instiga os jovens a pensar sobre um melhor uso
da tecnologia em favor da sociedade. Cf. http://www.hackerteen.com/link/etica-hacker.html
3
A acepção de Hermes como outsider é uma parte essencial na sua ontologia, e se atualiza hoje
na perspectiva da “pirataria digital”, dos hackers e da cibermilitância. É a sua porção prometêica,
roubando o fogo dos deuses e o entregando aos humanos.
Nessa direção, destacamos o caráter ético das estratégias acionadas pelo sociólogo Sergio
Amadeu Silveira, reputado pela sua militância em favor da utilização do software livre. Cf. Blog do
Sérgio Amadeu. http://samadeu.blogspot.com/2008/04/things-hackers-detest-and-avoid.html.

5
A emanação de Hermes está bem presente no cotidiano, nas expressões populares, lembrado
como o mensageiro dos deuses; sob o signo do planeta Mercúrio, tem marca indelével no zodíaco.
Transita com desenvoltura no mundo secular: nos almanaques, revistas e jornais de larga circulação. Está
nas agências de correio, na marinha e na aeronáutica. O seu caduceu consta em brasões de várias cidades
e jurisdições. Empresas, periódicos, produtos e pessoas adotaram seu nome. Internacionalmente é muito
prestigiada a griffe Hermès, de artigos de luxo, trazendo um nome de família. (Wikipedia, 01.04.2011).

8

A exploração de McLuhan dos meios de comunicação e os célebres aforismos,
como “o meio é a mensagem” e “os meios são as massagens”, remetem ao “mistério das
conjunções” entre o cérebro e a mente, o sensorial e o tecnológico, as redes neurais e os
estímulos eletrônicos, a percepção cognitiva e a tactilidade das mídias. A sua escrita em
mosaico, malgrado a assistematicidade, representa uma vigorosa hermenêutica. Buscou,
junto com o seu filho Eric McLuhan, decifrar “as leis da mídia”, querendo entender os
padrões das extensões dos humanos e as conexões tecnólogicas.
Sob o signo de Trismegistus, McLuhan, involuntariamente, decifrou a mitologia
mais celebrada do homem industrial (e não é o carro como metáfora da “noiva
mecânica”), mas sim a eletricidade como massagem, tactilidade, mensagem pura:

A roda é um prolongamento do pé; o livro é um prolongamento
do olho; a roupa é um prolongamento da pele; os circuitos elétricos, um
prolongamento do sistema nervoso central. (...) Os meios ao alterarem o
meio ambiente, fazem germinar em nós percepções sensoriais de agudeza
única. O prolongamento de qualquer de nossos sentidos altera nossa
maneira de pensar e de agir – o modo de perceber o mundo. Quando essas
relações se alteram, os homens mudam.
MCLUHAN, 1969, p.59-79.

Certamente, a transmigração simbólica mais importante de Hermes, do
paganismo ao catolicismo, está encarnada na imagem do anjo. A figura mais bem
acabada do Hermes como intérprete-explorador está no filme Asas do Desejo (Win
Wenders, 1987), em que os anjos se tele-transportam para Berlim, captando, nas
bibliotecas, vias públicas, automóveis e metrôs, as vozes e os sons das mentes humanas.
Hermes como anjo é uma figura complexa, cuja força simbólica reside
justamente no seu silêncio, sexualidade polimorfa e invisibilidade total. E isso, ao
mesmo tempo, fascina e perturba a imaginação dos humanos.
Numa cultura narcisista que idolatra a publicização e visibilidade total, o anjo,
sendo invisível, detém uma alteridade radical. Sob o signo do oráculo, intérprete,
hermeneuta, traz a promessa de revelação do oculto; não é à toa que o culto dos anjos
nos mercados globais de “auto-ajuda” seja tão bem sucedido.
A imagerie dos anjos persiste indelével no mundo secular; está nas capelas, nas
esculturas, nos grandes afrescos e resplandecem no cinema, além de Asas do Desejo, em
Cidade dos Anjos (Brad Silberling, 1998) e na série apocalíptica Anjos na América
(Mike Nichols, 2003). É importante guardarmos a sua ontologia complexa, que talvez

9

possa ajudar a compreendermos a extensão de nossas subjetividades e sociabilidades, na
era dos bots, ciborgues e avatares, os chamados seres “pós-humanos”.
O espírito de Hermes conhece o poder da linguagem formal, contábil,
legislativa, e simultaneamente, reconhece a potência da linguagem cotidiana, informal,
performativa, assimilando a parte lúdico-criadora da experiência comunicante. A sua
perícia em lidar com a coincidência dos opostos lhe concede sabedoria para lidar com as
complexidades, os temas difíceis, situações extremas. Por aí podemos entender as
noções que derivam do seu culto, como “hermético”, “hermetismo” e “hermenêutica”.
O código binário da linguagem informacional é hermético para os leigos;
entretanto, a aquisição das instruções básicas e a sua aplicabilidade podem transformar
os cidadãos em eficazes gestores dos processos sociotécnico-comunicacionais.
Hermes, no sincretismo místico religioso brasileiro, à luz da antropologia
(BIÃO, 2009), se traduz na figura emblemática de Exu, do candomblé que, no Brasil
arcaico, durante a hegemonia cultural branca, precisou se comportar secretamente para
sobreviver. É uma entidade mediadora entre o mundo dos vivos e dos mortos, protetor
da sexualidade masculina. E reúne a dimensão lógico-gerencial, corpórea, quantitativa,
e a dimensão involuntária, lúdica e exploratória da comunicação.

De um modo geral, as encruzilhadas (daí, do mundo) são loci da
comunicação, das línguas, das feiras temporárias e permanentes, dos
mercados, das cidades, dos teatros edificados e das profissões das artes do
espetáculo. Aí se encontra a Esfinge (e suas charadas mortais), Tirésias (o
que vê mais quer os demais, sem nada ver, tão importante para theorein e
para theatrum), Hermes (o que nos legou o poder da interpretação dos
textos sagrados e o grande problema da traduzir e trair; na expressão
italiana: traduttore traditore). BIÃO (2009).

O simbolismo de Hermes-Mercúrio está associado às aptidões para o cálculo, a
matemática, a estatística, a engenharia, as ciências duras, pelo seu altíssimo poder de
concentração e discernimento, mas também às virtudes criativas, procriadoras e
proativas. E, a estrutura simbólica de Hermes-Trismegisto está ligada às faculdades
espirituais, às essências humanas (às ciências do espírito, filosofia, antropologia,
psicologia, sociologia, semiologia), o que reafirma a sua simbologia complexa.
Um detalhe importante na sua indumentária é o capacete que ganhou de Hades;
concede-lhe a astúcia, inteligência, o poder da gnose, do saber e da magia. Logo, é um
experto no campo da imaginação criativa (artes da publicidade, design, arquitetura,
propaganda, gestão organizacional e administrativa). Hermes é o protetor das ciências

10

da contabilidade. Mas, o caduceu lhe envolve principalmente numa circunstância de
significação esotérica, transmitindo-lhe o dom de decifrar a invisibilidade, permitindo-
lhe trabalhar com as experiências de interpretação e decodificação.

É pelo fazer, visando à utilidade da ação, que se aprende a
conviver com a liberdade. É pela ação construtiva que o cidadão, o
empresário, o político, o comunicador, todos nós, descobrimos a essência,
o daimon, no dizer dos gregos. Na “Tábua das esmeraldas”, atribuída ao
deus Hermes, pode-se ler: “Descobre o gênio imortal que te habita
(Daimon), aquela energia apaixonada que te torna em algo e te
impulsiona em direção à tua missão aqui na terra”.

VIANA, 2006, pag. 15.

No seu culto, historicamente, podemos detectar um simbolismo ligado ao devir
dos acontecimentos, o que nos remete à atividade da reportagem, a transformação dos
fatos em notícias, matérias jornalísticas. Cumpre destacar, o hermetismo envolve o
“segredo”, a parte oculta, a linguagem subliminar da comunicação, os não-ditos, os
interditos, os silêncios, a matéria ainda em estado de elaboração.
Hermes é um especialista também na fabricação dos antídotos, poções,
remédios; é pródigo nas mediações. E se atualiza na figura profissional do técnico,
informacionista, encarnando em nossos dias uma espécie de “curandeiro high tech”, que
conserva o “disco duro”, salvando a memória virtual, o nosso cérebro eletrônico.
Em suma, Hermes é o ágil detentor de um saber que lhe permite atuar como
leitor, mediador, decodificador; é tanto um oráculo, decifrador, quanto repórter,
intérprete, mensageiro: não é à toa que é o “patrono dos jornalistas” (VIANA, 2006).

Todo aquele que recebe deste deus o conhecimento das fórmulas
mágicas, torna-se invulnerável a toda e qualquer obscuridade. Pode dar à
luz, e pode também lançar na escuridão. O olhar de Hermes, iluminado,
resiste às atrações das trevas. Assimilado ao deus egípcio Thot, torna-se o
mestre da escrita, da palavra e da inteligência. Hermes Trismegisto se
desloca do hermetismo à alquimia. É resultado do sincretismo entre o
Mercúrio latino e o deus ctônico Thot; é o criador do mundo através do
logos e da palavra.

BRANDÃO, Mitologia Grega, 2003.


Na obra As Metamorfoses, de Ovídio, Hermes-Mercúrio é sábio, inteligente,
judicioso, encarna o próprio logos. É aquele que transmite toda a ciência secreta, e faz a
revelação. Seu filho, com Afrodite - o hermafrodita - é o decifrador da “pedra filosofal”

11

no clássico de Petrônio (Satyricom). Hermes tem a estatura de Virgílio guiando Dante
em A divina Comédia, entre os mortos, nos círculos do inferno.


A imaginação mitopoética, a história e as nervuras do re@l

Fazendo uma leitura mais atenta do estudo antropológico de André Lemos,
Cibercultura, vida social e tecnologia (2004), encontramos uma etnologia das formas
de vida mental, incluindo o mito e o logos, a técnica e a magia, desde um estágio pré-
moderno da civilização
6
. A obra demonstra como a techné e a epistème estavam
interligadas na sabedoria antiga, e como isso repercute na era da cibercultura.
É neste sentido que podemos compreender a popularidade e idolatria em torno
dos chats, redes sociais, blogs, games, ambientes míticos e interativos, dispositivos
sensoriais e colaborativos, que reúnem a dimensão diurna e noturna do imaginário,
coligando linguagens e experiências advindas de interesses e motivações distintos.
Por esse ângulo podemos entender a força simbólica da internet na sociedade
midiatizada: como “toda mídia”, oferece lazer, diversão e entretenimento (o e-comerce
é a sua expressão mais evidente), e como uma “nova mídia” cria oportunidades de
trabalho e educação (como e-learning, as teleconferências, as publicações virtuais).
Seguimos a via de uma perspectiva interdisciplinar, que reúne as contribuições
da antropologia simbólica, dos estudos culturais em comunicação, das pesquisas
avançadas em cibercultura. Trata-se de um esforço de leitura e interpretação guiado pela
empiricidade dos dados capturados na internet. Mapeamos as experiências do YouTube,
blogs, Bibliotecas Virtuais, Jornalismo Digital, sistemas de geolocalização, Cinema e
realidade virtual e os processos de transmidiatização, objetivando contribuir para uma
interpretação da complexidade cultural na era da comunicação digital.
Recuperamos a iconicidade de Hermes (Mercúrio e Trismegistus) como uma
vigorosa chave interpretativa dos “mistérios do mundo” na mitologia greco-latina, que
nos serve como uma ferramenta metodolólógica para entender a prosa pós-moderna.
O signo de Hermes está presente nas narrativas mitopoéticas de Homero,
Hesíodo, Ésquilo, Sóflocles, Euripides, Píndaro e Aristófanes, servindo de farol aos

6
“O imaginário grego sobre as técnicas será influenciado pelas narrativas míticas. Os mitos de
origem do homem são também os mitos de origem da técnica (Prometeu, Décalo, Ícaro, Hefaístos,
Atenas, Pandora) que nos colocam diante da questão do homem como ser da técnica”. (LEMOS, 2004).

12

homens e mulheres de todas as épocas. Inscreve-se na filosofia antiga (na dialética
platônica
7
e na metafísica aristotélica
8
) como uma figura de linguagem poderosa,
atuando colaborativamente na articulação dos sistemas de pensamento racionais da
antiguidade – no domínio do Direito, da Medicina e da Engenharia, e cujas emanações
são irradiadas, atualizando-se hoje na trama das vivências e linguagens eletrônicas.
Com o advento monoteísta do cristianismo, evidentemente, foram confiscados os
seus atributos pagãos; todavia, persistiram na extraordinária iconografia das artes
visuais, que explodem nos quadros de Boticelli, Rubens, Turner, Celine, De Vries, e na
imaginação poética de escritores como Dante, Goethe, Oscar Wilde e Fernando Pessoa.

O conflito das interpretações no ciberespaço

No contexto da civilização cristã, é interessante notar o surpreendente
sincretismo ocorrido entre os mitos antigos e os santos forjados pelo catolicismo, cuja
atual força simbólica é extraordinária junto às comunidades de crentes. Talvez a sua
expressão mais forte, nos tempos da globalização, seja a permanência do culto e da
peregrinação no caminho de Santiago de Compostela, que arrebanha milhões de fiéis de
todas as partes do mundo, forjando um hermetismo e nomadismo surpreendentes.
O imaginário popular é fértil e os ícones derivados da figura de Hermes e suas
hibridações fervilham no sincretismo cultural contemporâneo, como indicam o culto dos
santos ligados – simbolicamente – à comunicação, à conexão e à mobilidade: Nossa
Senhora dos Navegantes (e da Boa Viagem), São Cristovão (padroeiro dos motoristas),
São Rafael (padroeiro dos motociclistas), São Francisco Sales (padroeiro dos
jornalistas), Santo Antonio (protetor dos feirantes e dos namorados), incluindo a incrível
figura de Santo Isidoro de Sevilha (padroeiro dos internautas)
9
.

7
Hermes pode ter derivado de hermeneus, que significa intérprete. Platão, dando voz a Sócrates,
tentou estabelecer uma origem do nome, dizendo que Hermes estava ligado ao discurso, à interpretação e
à transmissão de mensagens, atividades ligadas ao poder da fala (eirein), e segundo supunha no curso do
tempo eirein havia sido embelezada e transformada em Hermes. In: Wikipédia, 2001.
8
Aristóteles sistematizou o conceito da hermenêutica, a ciência da interpretação, da tradução e
da exegese, a partir dos atributos de Hermes. Ibidem. A aplicabilidade da hermenêutica filosófica de
Aristóteles permanece com vigor no jargão dos profissionais do Direito e da Jurisprudência.
9
Comemora-se em 4 de abril o dia do padroeiro dos usuários da Internet, Santo Isidoro de
Sevilha. Em março de 2000, o Serviço de Observação da Internet, sob a inspiração do Conselho Pontifício
para a Comunicação Social, do Vaticano, resolveu apoiar o nome do santo para ser o patrono da Internet.
Santo Isidoro de Sevilha foi indicado por ter escrito uma enciclopédia em 20 volumes, as “Etimologias”,
que tratam de tudo que se conhecia em sua época (século VI), desde gramática até pássaros, de animais e
medicina, de construção de estradas a moda e mobília, bem como meditações teológicas sobre a
Divindade. Ele descobriu também um sistema de pensamento, chamado de “flashes”, e ainda tido como

13

Os cortejos em torno da iconicidade formada por essas figuras híbridas, em sua
aparente banalidade, atestam a potência do imaginário simbólico que se estrutura a
partir de distintas e diversificadas influências multiculturais. Em nossa época imagético-
publicitária, a iconologia de Hermes-Mercúrio se projeta numa cartografia híbrida e
multifacetada: na hermenêutica jurídica, comercial, médica, psicanalítica, nos rituais do
candomblé, na astrologia, nos esportes, no circuito da moda e no show business.
Importa aqui é perceber a arte da comunicação como uma hermenêutica que se
atualiza nas invenções cotidianas. Desde os games interativos, como O Inferno de
Dante
10
, passando pela videologia de Harry Potter e os ambientes imersivos e
sensoriais como o Second Life
11
, até o caleidoscópio de imagens do site pornotube.com.
Fervilha nos dispositivos de arte-net minimalista dos PPS, no vasto repertório de textos
postados no site de compartilhamento Slideshare. E fulgura nas epifanias ciber-
astrológicas das páginas eletrônicas (como o site Porto do Céu), nos bizarros posts
“comemorativos” pela morte de Bin Laden, no YouTube, nos comentários indignados
dos ciberativistas no Orkut
12
e nos “segredos de polichinelo” revelados no wikileaks.
O amplo repertório destas iconicidades expressa o estilo das “idolatrias pós-
modernas”, conforme se mostra no “inventário” de Maffesoli (1997) mapeando as
“tribalizações e nomadismos contemporâneos”; De Kerckhove (2009) “investigando os
efeitos da nova realidade eletrônica”; Di Felice (2009) apreendendo a nova “ecologia
comunicacional” e as “formas comunicativas do habitar”.
Descortina-se assim uma experiência de contemplação e desvelação do sentido,
presente nas formulações de Benjamin, Simmel, Flusser e Latour, que, movidos pela
“lógica da razão sensível”, têm irrigando o pensamento das novas gerações.
Essa constelação de pensadores possui analogia com a imaginação
“antroposófica” (e interpretativa) de Hermes Trismegistus, o alquimista que parece ter
previsto a nossa era de hibridações e convergências desconcertantes.

coisa muito moderna. Seria o Google daquela época. Cf. BlogdoQueMel. Consultoria Doméstica.
http://blog.consultoriadomestica.com.br/2011/04/04/santo-isidoro-de-sevilha-padroeiro-dos-internautas/
10
Dante's Inferno é um jogo eletrônico de ação-aventura em terceira pessoa publicado pela
Electronic Arts e desenvolvido pela Visceral Games (antiga EA Redwood Shores) e Artificial Mind and
Movement (versão PSP). No jogo, lançado em fevereiro de 2010, o jogador controla a personagem Dante
numa viagem pelo inferno. A história do jogo foi escrita por Will Rokos e baseia-se na primeira parte
Inferno da obra Divina Comédia, de Dante Alighieri. (Wikipedia, 2011).
11
O Second Life é o mundo virtual gráfico tridimensional desenvolvido pela Linden Labs e
inaugurado em 2003. Cf. VALENTE & MATTAR. Second Life e Web 2.0 na Educação: o potencial
revolucionário das novas tecnologias. Novatec, 2007
12
Cf. “Eu odeio quem odeia... considerações sobre o comportamento dos usuários brasileiros na
„tomada‟ do Orkut”. In: FRAGOSO, XXXII Compós, 2006. www.compos.org.br/seer/index.php/e-
compos/article/viewFile/89/89 Acesso: 05.05.2011

14





O sono da razão (sensível) desperta os monstros

Numa época de controle sobre o livre arbítrio e a liberdade de expressão, como
na idade média, e perceptível na leitura das conjecturas e refutações de Santo
Agostinho, da teologia de Tomás de Aquino e do pós-medievalismo de Spinoza, pesam
severas formas de controle sobre a informação, a comunicação e o conhecimento. Esse
fenômeno se projeta no romance O Nome da Rosa (Umberto Eco, 1980), uma
contemplação do mundo dos mosteiros, quando os livros, o sexo e o riso (des)velavam
segredos trancados a sete chaves.
A experiência de “conflito das interpretações” foi vivenciada Teilhard de
Chardin (1881-1955), padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês, que
realizou, em sua obra herética, uma ousada visão integradora da ciência e a teologia
13
.
A filosofia hermenêutica nos favorece uma leitura do código impresso e também
audiovisual. Assim, os filmes como Janela da Alma (João Jardim & Walter Carvalho,
2002) e Ensaio sobre a Cegueira (Fernando Meirelles, 2008) são interpretações do
mundo, exercícios hermenêuticos, sob a forma da textualidade e audivisibilidade.
A linguagem hipertextual da web, semaneira inédita, propicia interpretações,
hermenêuticas, leituras imersivas, transversais, e dependendo do modo de usar, pode
tornar mais claras as nossas idéias acerca da complexidade do mundo em que vivemos.
A inteligência coletiva conectada, graças à grande hermenêutica digital, à
máquina sociotécnica provedora de vigorosas leituras do mundo, tem o poder de
transformar o discurso em ação. Todavia, essa tarefa não é fácil, pois a comunicação em
rede é atravessada permanentemente por poderes em conflito. O Estado, o capital e a
sociedade civil disputam o ciberespaço com interesses e objetivos distintos. E o êxito no

13
Teilhard de Chardin é o fundador do conceito de “noosfera” (esfera do pensamento ou espírito
humano), que influenciou Bachelard, McLuhan e Maffesoli. Cf. Wikipedia, 01.06.2011. Chardin é autor
de obras como O meio divino (1927) e O fenômeno humano (1940), em que indica as potências do meio,
contato, tactilidade, sensorialidade irradiadas nas dimensões do espaço e tempo, na noosfera que nos
abriga como uma comunidade simbólica, virtual. Consultar a respeito: o evento O Século McLuhan.
ATOPOS, S. Paulo, 02 a 03.05.2011. http://www.atopos.usp.br/mcluhan/. Papers das conferências
disponíveis em: http://vimeo.com/23890132 . Acesso em: 02.06.2011.

15

exercício das inteligências em rede vai depender do modo como puderem gerar
estratégias coletivas de informação, comunicação e interpretação do mundo.
A inteligência coletiva conectada pelos sistemas hipermídia realiza o sonho
hermenêutico, de desvelamento do mundo através da visão, audição e tactibilidade. Eis
uma experiência cultural que modifica os padrões de linguagem, encorajando os atores
sociais a usarem os equipamentos tecnológicos para se tornarem cidadãos.

Hermenêutica e Theatrum Philosoficum

A recorrência às obras Hermenêutica (PALMER, 1986), Questões fundamentais
da hermenêutica (CORETH, 1973) e Interpretação e Ideologias (RICOEUR, 1988) é
relevante na pesquisa para o refinamento da percepção acerca dos diferentes modos de
construção dos discursos. Uma estratégia filosófica essencial para a evolução do
pensamento que se desloca do preconceito ao pré-entendimento. Sendo esta uma
primeira exploração da cibercultura, buscamos capturar o significado da engrenagem
sociotecnológica que agrega a máquina de escrever, o rádio, o telefone e o video. Ou
seja, justapõe produtos de eras tecnológicas distintas e formas de percepção distintas.
A internet nos convoca e nos instiga ao exercício de uma múltipla leitura e à
coragem de criar por uma via hipertextual, polifônica, transmetodológica.
Seguimos as pistas lançadas pela hermenêutica visando a uma estratégia de
mediação entre gramáticas discursivas diferentes. Cabe ao cidadão virtual exercer o
libre arbítrio, fazer a sua própria interpretação e escolher o seu modo de agir em rede.
Este é um processo que certamente poderia ser retomado a partir da crítica de
Heidegger à técnica ou da filologia iconoclasta de Nietzsche, exorcizando a hegemonia
dos valores morais, filosóficos, estéticos através de aforismos desconcertantes.
Todavia, optamos pela contemplação de um roteiro das interpretações, partindo
de um momento histórico em que o mundo começou a ser pensado à maneira moderna.
E este momento pode ser datado a partir de Kant (1724-1804), antes de tudo, um
grande intérprete, exegeta da razão, que buscou conciliar o racionalismo dedutivo, de
Descartes e Leibniz, com o empirismo inglês (Hume-Locke-Berkeley). Kant nasceu em
Königsberg, e num certo sentido antecipou McLuhan, pois nunca saiu da sua “aldeia” e
– reza a lenda – almejou decifrar o mundo forjando filosoficamente uma “globalização”
avant la lettre, através das extensões de uma razão pura e transcendental.

16

O filósofo das Luzes empreendeu um rigoroso projeto de interpretação do real
(portanto uma hermenêutica); entretanto, empenhado em uma explicação do mundo
através de um “imperativo categórico”, deixou de fora a perspectiva da razão sensível
na contemplação do mundo. (Este projeto será levado a cabo por outros estetas e
pensadores, como os neoidealistas e românticos como Schiller e Fichte).
Capturamos em Kant a noção de “imperativo categórico”, para repensar o
conceito de “imperativo da visibilidade”, utilizado por Sibilia (2008), para entender o
estado da experiência de sociabilidade digital, quando as faculdades da visibilidade,
conexão e mobilidade são pré-requisitos para a entrada do ser na ordem da cultura.
Na filosofia hermenêutica, cintila a obra do teólogo Schleiermacher (1768-
1834), fazendo a crítica dos milagres e das escrituras que, em última instância, nos leva
a entender o sistema de padronização da linguagem como estratégia de estabelecimento
dos efeitos de verdade. (Logo, antecipa Baudrillard e a sua crítica do simulacro).
Dilthey (1833-1911), o psicólogo-pedagogo alemão, dedicado ao estudo das
“ciências do espírito” e das “ciências da natureza”, abre caminho para as futuras
reflexões, no sec.21, sobre o espírito do tempo, a inteligência cognitiva e a ecologia da
comunicação (desenvolvidas por Bateson e outros visionários da Escola de Chicago).
Husserl (1859-1938), filósofo-matemático, ousou prever uma fenomenologia do
Ser diante do número, antecipando a idéia da automação, conexão e comunicação
numérica da “modernidade tardia”. (Um processo especulativo que vai ganhar novas
proporções na pragmática da comunicação, com Austin, Searle e Peirce, no século 20).
Caminhando sozinho na rota das idéias do seu tempo, Heidegger (1889-1976),
investigador da metafísica e da teologia, antecipou uma filosofia crítica da técnica, e
desta maneira vai dominar o pensamento norteador da tradição crítica da tecnocultura.
Gadamer (1900-2002), o hermeneuta filosófico, autor da obra Verdade e
Método, empenhou-se em decifrar o “caráter verdadeiro das coisas”, e findou como um
estudioso do belo, nos estimulando a explorar os “enigmas, segredos e mistérios” da
realidade sensível estetizada pelas tecnologias audiovisuais.
Paul Ricoeur (1913-2005), o filósofo do sentido, dedicou-se às “interpretações e
ideologias”, enfrentando “conflito das interpretações”, e hoje o seu legado filosófico nos
encoraja a compreender os paradoxos e complexidades do ciberespaço.
Entretanto, valorizamos as leituras híbridas como estratégiass ensíveis e
inteligentes de apreensão da complexidade do real. Assim, apreendemos as iluminações
filosóficas clássicas, e os insights recentes de pensadores do contemporâneo, do calibre

17

de Milton Santos, por exemplo, cujos esforços em compreender o significado da
história, técnica, geopolítica e vida social na era da globalização, deixaram marcas
indeléveis no imaginário ético-político da inteligência brasileira:

A questão que se colocam os filósofos é a de distinguir entre uma
natureza mágica e uma natureza racional. Em termos quantitativos ou
operacionais, a tarefa é certamente possível. Mas é talvez inútil buscar o
momento de uma transição. No fundo, o advento da Ciência Natural ou o
triunfo da ciência das máquinas não suprimem, na visão da Natureza pelo
homem, a mistura entre crenças, mitigadas ou cegas, e esquemas lógicos
de interpretação. A relação entre teologia e ciência, marcante na Idade
Média, ganha novos contornos. “A magia, o poder da fabulação”, como
diz Bergson, “é uma necessidade psicológica, tal como a razão...”. Os
sistemas lógicos evoluem e mudam, os sistemas de crenças religiosas são
recriados paralelamente à evolução da materialidade e das relações
humanas e é sob essas leis que a Natureza vai se transformando.

MILTON SANTOS, 1997, p. 16.

Procuramos nos ater às significações do simbolismo complexo e polivalente de
Hermes, em que arte, ciência, técnica e política se mesclam no dorso da cultura.
E recorremos à (moderna) tradição filosófica, para encorajar o espírito a decifrar
a potencialidade do ser na era das tecnologias colaborativas. É essa hermenêutica que
nos importa: de olho nas redes, convergências, hibridações. Lançamos um olhar sobre a
era das mídias e redes sociais. Sem medo de enfrentar o novo discurso, a nova escrita, o
novo mundo que se apresenta no tempo forte da comunicação eletrônica colaborativa.
Convém enfrentar o híbrido, flagrar a empiricidade que está por toda parte. Nas
enciclopédias (em clássico formato iluminista) e na Wikipédia (em formato digital), no
grande livro do mundo, que não pode prescindir da ciência, da filosofia, da arte e do
pensamento organizado pela razão mítica.
Partimos de uma perspectiva interdisciplinar que aceita o diálogo com a filosofia
clássica, a filosofia espontânea dos cientistas, o jargão dos especialistas, a sabedoria da
praça pública informatizada, em que a doxa (o saber comum), a episteme (o saber
filosófico-científico), a techné (artes e práticas do saber-fazer) se equivalem na
arborescência do conhecimento.
14
.

14
Há algo em nosso trajeto que não pode ser esquecido: o exercício de investigação científica
não pode prescindir do trabalho empírico. Este trabalho é resultado da observação sistemática, análise e
interpretação, de uma contextualização social e histórica. O livro resultou de um esforço coletivo, um
trabalho de investigação realizado em conjunto com jovens pesquisadores engajados nos temas da
cibercultura (PIBIC/CNPq/PPGC/UFPB): Cf. RIOS, P; OLIVEIRA, A. Home Pages. O acesso às auto-
estradas da cibercultura (1997/1998); __ A Internet e a busca da comunicação horizontal (1998);

18

2



Do cavalo de Tróia ao Wikileaks: os estilhaços do poder no ciberespaço



A mutação tecnológica do século 20, desencadeada pelos audiovisuais
eletrônicos, redirecionou o sentido da vida mental na metrópole. Logo, as gerações
pensantes do novo milênio têm diante de si o desafio de compreender, decodificar e
interagir nos espaços reconfigurados pelas tecnologias da informação e da comunicação.
As mídias constituem um forte instrumento de poder na era tecnológica. De um
lado, o Estado e as grandes corporações, e do outro, os atores sociais, as inteligências
coletivas conectadas, disputam o controle do poder mediado pelas tecnologias
midiáticas.
A interface “poder e comunicação” atravessa a história da vida pública e
privada, desde as eras mais remotas. Foi assim ontem, no tempo dos deuses, heróis e
guerreiros, como narra Homero na Ilíada e na Odisséia, e é assim também hoje, no
tempo dos hackers e do Wikileaks
15
, das navegações, do ciberpoder e da pirataria
virtuais, em que descobrimos novas “formas comunicativas do habitar”.
A expressão “navegar no ciberespaço” tem analogia com a história do
conhecimento, em que incidem erros, acertos, naufrágios e conquistas. Como na
odisséia de Ulysses, o trajeto do saber é atravessado por crises, rupturas, derivas,
sobrevivências, novos achados e permanentes modificações no mapa da viagem.
O ciberespaço realiza a imagem conceitual de “noosfera”, que animou a
imaginação criativa e vigilante de pensadores como Chardin, Bachelard e McLuhan. É a

RODRIGUES, J. Estudo dos chats (2002); ARAÚJO, A.H.C. As organizações no Ciberespaço (2003);
LIESEN, M. Comunicação, Sensibilidade e Mediação Tecnológica (2007); SERRANO, P.H.S.M.
Cognição e Interacionalidade através do YouTube (2007); MARTINS, A.V. Blogs, Blogueiros,
Blogosfera (2008); FELIX, L. Socialidades Efêmeras no Ciberespaço (2008); LIMA, N.R.A.S.
Webjornalismo (2009); FALCÃO, L. O Second Life e a Teoria da Calda Longa (2009); MEDEIROS
NETO, R.B. Twitter, a credibilidade da mensagem sintetizada (2010); MAGALHÃES, M. Orkut e
Comunidades Virtuais (2009/2011); MEDEIROS, E. Blogs, Jornalismo e Redes Sociais (2009/11).
15
WikiLeaks é uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia, que
publica, em seu site, posts de fontes anônimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas
de governos ou empresas, sobre assuntos sensíveis. (...) O site, administrado por The Sunshine Press, foi
lançado em dez./2006 e, em meados de nov./2007, já continha 1,2 milhão de documentos. Seu principal
editor e porta-voz é o australiano Julian Assange, jornalista e ciberativista. (...) Ao longo de 2010,
WikiLeaks publicou grandes massas de documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos, com
forte repercussão mundial. http://pt.wikipedia.org/wiki/WikiLeaks Acesso: 13.05.2011

19

zona sensível do acontecimento, em que se movem as inteligências coletivas mediadas
pela tecnologia. Um campo gravitacional atravessado por forças sociais, econômicas e
políticas, que lhe condicionam. Mas, principalmente, o ciberespaço, em sua complexa
amplitude e ubiquidade, é um motor que libera a energia tecno-social da cibercultura,
cuja irradiação afeta a percepção neuro-sensorial, estética e cognitiva, encorajando
empoderamentos coletivos que desafiam os sistemas dominantes.
O triunfo na aventura do conhecimento consiste, desde os clássicos, na
habilidade para enfrentar o híbrido, a conexão entre o vivido e o sensível, a teoria e a
prática, a história e a imaginação mitopoética. E diante dessa complexidade, o espírito
de Hermes “baixa” como o mediador, árbitro, espírito ordeiro da comunicação
fornecendo as pistas para decifrarmos os altos, baixos e clarividências da cultura digital.

Inteligência conectada e empoderamento coletivo

Há diferentes maneiras dos cidadãos utilizarem os computadores, a internet, os
equipamentos hipermídia em suas rotinas diárias. Para a maioria a rede funciona como
um canal de diversão e entretenimento; para outros, além de se constituir como um meio
de informação permanente, a rede funciona como uma alavanca operacional no campo
da pesquisa científica e cria oportunidades de trabalho numa época de desemprego.
Os defensores do ciberespaço apontam dentre os seus aspectos positivos a
dinâmica dos processos de digitalização, disponibilização e compartilhamento da
informação em tempo real, mas sobretudo o seu alto poder de interacionalidade. Há os
usuários que apreciam as redes como vias de acesso a outras espiritualidades,
sensorialidades e corporeidades. (Os sites Porto do Céu, Second Life e PornoTube
distintamente servem como exemplos). Todavia, há os desconfiados que vêem a internet
e o ciberespaço como um produto do turbocapitalismo, uma garra da tecnoburocracia
gerada em alta velocidade, apagando os valores humanos e distanciando os corpos
físicos do espaço público; uma experiência com vetores regressivos.
16

Em nossa interpretação da cultura sociotecnológica e colaborativa, exploramos
alguns objetos, fenômenos e processos que representam nacos no tecido expressivos na

16
André Lemos faz uma distinção fundamental: para ele, a “tecnocultura”, fundada no sec.XIX,
consiste na aplicação da máquina e o industrialismo nos domínios do pensamento, da comunicação e da
vida social, forjando as condições materiais de existência. (LEMOS, 2004, p. 59-61). A cibercultura
surge na metade dos anos 70, com a influência da microinformática no domínio sociocultural. Ou seja, as
transformações técnicas, sociais e ideológicas propiciadas pelo microcomputador. (ibidem, p. 101).

20

cibercultura, que tem sido popularmente bem assimilada a partir do desempenho das
redes sociais. Buscando nos orientar no pensamento, guarnecermo-nos de um
instrumental conceitual, moldando um corpus teórico (contemplativo) para decifrar esta
experiência recente na história da cultura que nos envolve, nos fascina e nos escapa.
Examinamos algumas realizações da comunicação em rede, com o apoio dos
estudos de especialistas, cujos trabalhos, de cunho exploratório, analítico, crítico,
compreensivo, têm sido bons condutores para o debate
i
.
“Enredar é tecer a arte de organizar encontros”: este o mote epistemológico da
coletânea Tramas da Rede (PARENTE, 2004), um arsenal teórico que reúne estudiosos
de vulto como Bruno Latour fazendo uma exploração racional e sensível dos
“laboratórios, bibliotecas e coleções”; Marc Guillaume estudando a “comunicação
comutativa”; Hardt & Negri inspecionando a “biopolítica”; Pierre Lévy estudando o
ciberespaço e a “economia da atenção”; Henrique Antoun analisando a “democracia,
multidão e guerra no ciberespaço”; Ascott vislumbrando o “homo telematicus, no
jardim da vida artificial”, e Maciel “contemplando os espaços híbridos”.
Um rearranjo das propostas interdisciplinares contidas nos valiosos fragmentos
teórico-conceituais e empíricos, que abundam em cada um desses textos, nos encoraja a
articular uma reflexão sobre nossas preocupações particulares no campo da cibercultura.

A noção de rede vem despertando um tal interesse nos trabalhos teóricos
e práticos de campos tão diversos como a ciência, a tecnologia e a arte,
que temos a impressão de estar diante de um novo paradigma, ligado,
sem dúvida, a um pensamento das relações em oposição a um
pensamento das essências. (PARENTE, 2004, pag).

Refazendo um estudo da obra Sociedade em Rede (1999)
17
, percebemos que,
numa perspectiva crítica, Castells se empenha em decifrar o alcance e os limites das
redes sociais, como o produto mais acabado na nova fase do capitalismo global. Da sua
perspectiva, a hiperconcentração de renda, os fundamentalismos (religioso e
mercadológico), a globalização do crime, o apartheid tecnológico e a exclusão digital
compõem a face regressiva da nova conjuntura mundial na era das redes de informação.
Todavia, a sua perspicácia reside em mostrar como, no contexto da globalização,
se inscrevem novas redes de solidariedade, agenciamentos sociopolíticos afirmativos.
Essa problemática será atualizada nas obras posteriores, A Galáxia Internet, reflexões

17
Primeiro volume da trilogia de CASTELLS, A era da informação: Economia, Sociedade e
Cultura (1999); seguem-se, o vol.2, O Poder da Identidade (1999), e o vol.3, Fim de Milênio. (1999).

21

sobre a internet, os negócios e a sociedade (2003) e Communication Power (2010),
vislumbrando os modos de empoderamento coletivo por meio das tecnologias digitais.
Há autores que vêem nas (novas) redes de informação a projeção das atuais
contradições socioeconômicas, políticas e culturais, as zonas de tensão e perplexidade
da vida social, conforme se inscreve no livro Diferentes, desiguais, desconectados:

As diferenças na modernidade existem às vezes como desenvolvimentos
culturais distintos, outras vezes como resultado da desigualdade das
classes, entre as nações, entre os grupos sociais, e mais recentemente em
relação com as possibilidades de conexão e desconexão das
comunicações, ou das redes de informação, entretenimento e participação
social. A mobilidade identitária tem muito a ver com essas diferenças,
desigualdades, conexões e desconexões, com uma combinação dessas
modalidades. (CANCLINI, 2005).

As redes telemáticas, tecnoafetivamente, esteticamente, sensorialmente, geram
processos sociais de identificação, convergência e participação. Os atores sociais
conectados interagem e colaboram na nova ambiência tecno-comunicacional, acionando
estratégias de ação afirmativa. Exemplos vivos desses processos são os ambientalistas,
que se tornam cibermilitantes, organizando suas estratégias biopolíticas no interior do
ciberespaço, abrindo caminho para os chamados cibercidadãos, ou “cidadãos culturais”,
como podemos ler no trabalho Leitores, espectadores e internautas (2008):

(Um exame) das fusões entre empresas dedicadas à produção de livros,
mensagens audiovisuais e eletrônicas, em particular os hábitos culturais.
Breves artigos, ordenados como num dicionário, interagem à maneira de
um hipertexto para redefinir, não apenas o que é ser leitor, espectador e
internauta, (mas) o modo pelo qual agora somos cidadãos culturais, e nos
relacionamos com o patrimônio, os museus e as marcas e para onde vai a
pirataria, o zapping e os usos do corpo. (CANCLINI, 2008).

A correspondência on line, o webjornalismo, o cinema 3D, a tevê interativa, o
namoro virtual, o marketing digital, e-comerce, as teleconferências, o ensino mediado
pela tecnologia, a digitalização, disponibilização e compartilhamento das informações
planetárias, entre outras experiências tecno-informacionais, criaram novas
espacialidades e temporalidades redefinindo o estatuto do ser na cultura, do “estar-
junto”, novas “formas comunicativas do habitar” (Di FELICE, 2009).
Mas esses processos não se efetivam harmonicamente, envolvem relações de
poder, acirradas disputas e rivalidades. A experiência do ciberativismo sinaliza algo de
novo no contexto da tecnologia e vida social, pois adverte como é possível nos
instalarmos no interior dos “sistemas fechados” e contribuir para uma estratégia de

22

comunicação compartilhada e colaborativa. E nesse sentido, os hackers podem ser
vistos como “ativistas midiáticos” (TRIGUEIRO, 2011), que utilizam uma tática tecno-
socio-comunicacional democrática, contribuindo para a inclusão digital.

Comunicação Digital, Poder e Tecnologia

Hoje, na chamada “Idade Mídia”, emergem novas configurações sócio-político-
comunicativas que nos interpelam sobre o significado do espaço público e dos modos de
participação social no contexto das decisões públicas. À medida que a consciência
coletiva planetária vai se irrigando pelos feixes informacionais, eclodem novas
exigências, competências e empoderamentos sociais. Também por isso, no Campo da
Comunicação, na era das redes sociais, diversos esforços têm sido despendidos na
elaboração de um conhecimento sistemático da interface Poder e Comunicação Digital.
Têm expressão de destaque nesta seara os congressos da Associação Brasileira
de Pesquisadores em Comunicação e Política – COMPOLITICA, atuante desde 2006,
dos quais sublinhamos aqui a relevância da pesquisa em Política e Cibercultura18.
Na época dos mercados globais faz-se necessário perceber os níveis de expansão
e concentração, conexão e mobilidade, em que se misturam os padrões sócio-culturais
tradicionais e os arrojados padrões tecnológicos. E convém reconhecer, essas
conjunções, nem sempre são bem balanceadas, e se projetam num contexto histórico e
sociopolítico envolvendo poderes locais e globais, que podem afetar – positivamente ou
negativamente – as experiências dos indivíduos e grupos sociais.
Daí a importância de um debate vigoroso, num espaço público como a internet
que agrega os discursos dos acadêmicos, políticos, jornalistas, profissionais de mídia e,
sobretudo, dos cidadãos interconectados em rede.
Nessa direção, é pertinente a disponibilização dos papers dos congressos anuais
da COMPOLÍTICA, resultantes das pesquisas avançadas dos profissionais de primeira
linha. Sua relevância reside na atualização dos temas que têm lugar na esfera pública
(presencial e midiatizada) e ali sendo problematizados, com rigor e sistematização,
lançam luzes sobre um conjunto importante de fenômenos e acontecimentos de ordem
política, que ganham novos contornos na era da informação.
ii


18
A COMPOLÍTICA foi fundada em 2006, mantendo assiduidade, nos anos de 2007, 2009,
2011, sob a presidência de Afonso Albuquerque (UFF), Vera Chaia (vice-presidente) e Maria Helena
Weber (Secretaria Executiva).

23

A enumeração de alguns trabalhos disponibilizados pode indicar o quanto o
Grupo de Trabalho “Internet e Política” contribui para o debate sócio-político e para a
decifração da complexidade sócio-política e comunicacional contemporânea:
“Os blogs, o jornalismo e a Política”, “Orkut e os surdos”, “as ágoras digitais”,
“Internet e Desmatamento”, “Governo e Democracia Digital”, “O movimento Cansei na
blogosfera”, “Acesso à informação na América Latina”, “Websites dos Governos
Federais na América do Sul”, “O twitter na campanha eleitoral”, “Humor e Política”, “O
debate sobre o Marco Civil na Internet”
19
, “O blog e a ciberpolítica”, “Internet e
Ministério da Cultura”, “Democracia e Monitoramento”, “O fenômeno wikileaks”,
“Movimentos sociais na era digital” são alguns dos grandes temas analisados e podem
ser compartilhados na internet, o que revigora o trabalho de interpretação da cultura
política mediada pelas tecnologias colaborativas.

Estratégias político-informacionais: da tecnocracia à digitofagia

Hoje, no campo da comunicação a batalha se dá em defesa dos creative
commons
20
, na luta em defesa do copyleft
21
, software livre
22
, redes gratuitas, banda larga
para todos. Defende-se aqui os modos de acesso à informação substantiva concernente
às atividades vitais, como educação, saúde, trabalho, transporte, segurança, mas também
o acesso às diversas modalidades socioculturais e políticas que podem ajudar a
equilibrar o desnivelamento dos fluxos sócio-tecno-informacionais.
A especificidade do hibridismo cultural contemporâneo modela características
particulares no estilo de vida cotidiana, influenciando os modos de pensar, falar e agir,

19
O Marco Civil da Internet é um projeto de Lei que visa estabelecer direitos e deveres na
utilização da Internet no Brasil; tem um significado similar à Constituição da Internet.
20
Creative Commons é uma organização não governamental sem fins lucrativos localizada em
São Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos, voltada a expandir a quantidade de obras criativas
disponíveis, através de suas licenças que permitem a cópia e compartilhamento com menos restrições que
o tradicional todos direitos reservados. Para esse fim, a organização criou diversas licenças, conhecidas
como licenças Creative Commons. A organização foi fundada em 2001 por Larry Lessig, Hal Abelson, e
Eric Eldred
[1]
com apoio do Centro de Domínio Público. (Wikipedia, 15.05.2011).
21
Copyleft é uma forma de usar a legislação de proteção dos direitos autorais com o objetivo de
retirar barreiras à utilização, difusão e modificação de uma obra criativa devido à aplicação clássica das
normas de propriedade intelectual, exigindo que as mesmas liberdades sejam preservadas em versões
modificadas. O copyleft diferere assim do domínio público, que não apresenta tais exigências. "Copyleft"
é um trocadilho com o termo “copyright” que, traduzido literalmente, significa “direitos de cópia”.
(Wikipedia, 15.05.2011).
22
Software livre, segundo a definição criada pela Free Software Foundation, é qualquer
programa de computador que pode ser usado, copiado, estudado e redistribuído sem restrições. O conceito
de livre se opõe ao conceito de software restritivo (software proprietário), mas não ao software que é
vendido almejando lucro (software comercial). (Wikipedia, 15.05.2011).

24

modos de usar, “modos de fazer” (e de interagir) diante das tecnologias, como mostram,
em registros diferentes, Certeau, em A invenção do Cotidiano (1980), Maffesoli, em
Tempo das Tribos (1987) e Nomadisme: vagabondagens initiatiques (1997) e Latour,
em Jamais fomos modernos (1994). Essas leituras, ao largo de suas abstrações
filosóficas, históricas, antropológicas, apresentam os atores em rede, que se organizam
tactilmente, por vezes atuando com êxito face aos processos industriais e tecnológicos,
por vezes em desvantagem numa interface desequilibrada.
Diversas são as estruturas de exercício do poder tecnocrático dominante, assim
como são surpreendentemente múltiplas as estratégias de empoderamento sócio-
tecnológico, como demonstra o instigante trabalho Net_Cultura 1.0: Digitofagia
(ROSAS; VASCONCELOS, 2006), empenhado no esforço em refletir e repertoriar as
estratégias sociais inteligentes e conectadas geradoras de empoderamento coletivo no
Brasil e no mundo.

A concepção da digitofagia (surgiu do) pensar uma prática antropofágica
que reatualizasse esse ideário no contexto da cultura digital,
reabastecendo seu viés libertário. Para tanto, abraçar práticas espontâneas
na cultura contemporânea brasileira, como a pirataria, os camelôs e a
gambiarra, seria, quem sabe, uma forma de trazer a mídia tática para um
campo mais familiar e cotidiano aos praticantes, teóricos e ativistas
brasileiros, e também publicamente expor o sentido da colaboração nas
trocas de informações, fazeres e recursos materiais, a parafernália
tecnológica compartilhada para ações coletivas.

ROSAS; VASCONCELOS, 2006, p. 11.

A interface comunicação e tecnologia, no contexto brasileiro e latino-americano,
tem sido explorada por Martin-Barbéro, desde a obra Dos Meios às mediações (1997),
incluindo os estudos sobre a “alteridade tecnológica” (1985), a conexão entre a
oralidade e a tecnologia, até a sua defesa do uso da “inteligência coletiva (e conectada)”
e do “empoderamento social”, no enfrentamento dos problemas econômicos, políticos e
culturais (Cf. BARBÉRO, CISECO, 2010).
A experiência cultural na era da informação tem gerado investigações,
consistentes desde os anos 80, resultando num acervo privilegiado para a reflexão das
novas gerações
23
. E hoje, a imaginação vigilante dos pesquisadores contemporâneos, em

23
Convém assinalar um dos primeiros estudos em Comunicação & Tecnologia, coordenados por
Marcondes Filho e o Grupo NTC/USP, a partir da obra seminal Pensar-Pulsar: cultura comunicacional,
tecnologia e velocidade (1996), a revista Atrator Estranho (NTC, 1997) e Superciber: a civilização
místico-tecnológica do século 21 (NTC, 1997), entre outros. E caberia destacar, igualmente, o esforço

25

escala global, tem buscado acompanhar esse movimento, atualizando-se com base nas
obras, entre outros, de Morin, McLuhan, Benjamin, Flusser, Simmel, Latour:

Para Latour, entre objetos, idéias ou pessoas, não existe qualquer espécie
de diferença ontológica. Todos são “atores” (ou actantes), dotados de
força própria e de capacidade de produzir efeitos no mundo. Por isso,
nenhuma teoria ou idéia que busque reduzir a heterogeneidade do real a
algum princípio unificador é efetivamente satisfatória. Nem o deus da
religião, nem o inconsciente da psicanálise, nem o “poder” de Foucault
conseguem traduzir adequadamente essa perspectiva. Todos os seres,
animados ou inanimados, orgânicos ou inorgânicos, materiais ou
imateriais, conscientes ou inconscientes localizam-se no mesmo patamar
ontológico (“on the same footing”, como não se cansa de repetir
Harman). Como bem explica nosso comentarista, “o mundo é uma série
de negociações entre uma multiforme armada de forças, os humanos entre
elas, e um tal mundo não pode ser dividido nitidamente entre dois pólos
preexistentes chamados „natureza‟ e „cultura‟ ”.

FELINTO, 17.05.2010
24
.

Mobilidade e Poder nas Redes Sociais

Na era da visibilidade, convergência e mobilidade, é importante sublinharmos a
emergência de vigorosas ações afirmativas em curso, na organicidade da vida vivida,
formas autênticas de politização do cotidiano, aproximando as fronteiras entre a
modernidade tecnológica e a vontade de modernização social e política.
Nessa direção, são exemplares os Pontões de Cultura, “entidades reconhecidas e
apoiadas financeira e institucionalmente pelo Ministério da Cultura, que desenvolvem
ações de impacto sócio-cultural em suas comunidades”; e a criação do Pontão Digital,
que possui as mesmas funções dos Pontões de Cultura, porém, com a peculiaridade de
utilizar predominantemente os meios digitais na promoção de suas atividades
25
.

interdisciplinar dos pesquisadores da UFRJ, Carneiro Leão, Márcio Tavares D‟Amaral, Muniz Sodré;
Francisco Doria, num trabalho pioneiro que antecipa o estudo das “redes sociais”: A Máquina e seu
Avesso (1987). E enfim, indicaríamos a coletânea organizada por Anamaria Fadul, Novas tecnologias de
comunicação: impactos políticos, culturais e sócio-econômicos. (1986), atestando a preocupação com as
“redes de informação”, ainda na época da Nova República.
Hoje, no debate sobre as redes sociais, distingue-se a obra crítica de Trivinho, A dromocracia
cibercultural. Lógica da vida humana na civilização mediática avançada (2007), assim como os demais
trabalhos do grupo do ABCiber (Associação Brasileira de Cibercultura), que reúne os principais
pesquisadores na área, no Brasil. Logo, temos a formação de um vigoroso pensamento comunicacional,
com fôlego interdisciplinar, que tem redimensionado o enfoque teórico e empírico, institucional e
epistemológico no campo das Ciências da Comunicação Digital.
24
Cf. Carpintaria das Coisas. Um blog sobre tecnologia, filosofia e as materialidades dos meios.
(Erick FELINTO). http://poshumano.wordpress.com/2010/05/17/bruno-latour/ Acesso: 15.05.2011
25
Cf. Site institucional do Ministério da Cultura http://www.inclusaodigital.gov.br/noticia/edital-
para-pontoes-de-cultura-e-prorrogado-ate-o-dia-20-de-agosto/ Acesso em: 13.05.2011

26

E, analogamente, destacam-se as experiências dos Telecentros, uma estratégia de
democratização e inclusão digital, “um espaço público onde pessoas podem utilizar
microcomputadores, a Internet e outras tecnologias digitais que permitem coletar
informações, criar, aprender e comunicar-se com outras pessoas, enquanto desenvolvem
habilidades digitais essenciais”. (Cf. Wikipedia, 13.05.2011).
Para uma práxis teórica dessas experiências, consultar o livro Cibercultura:
tecnologia e vida social na cultura contemporânea (Lemos, 1996), assim como outros
trabalhos do autor, desde os registros internacionais no seu blog “Carnet de Notes”, até
a coletânea Comunicação e Mobilidade, Aspectos socioculturais das tecnologias móveis
de comunicação no Brasil, em parceria com Josgrilberg (2009) e a obra recente, com
Lévy, O futuro da internet; em direção a uma ciberdemocracia planetária (2010)
26
. Ou
seja, Lemos apresenta um sólido alicerce teórico-conceitual para compreendermos os
processos sócio-técnicos, culturais e comunicacionais, reunindo pesquisa empírica,
reflexão e síntese das tendências atuais, no Brasil e no mundo.
Diante do complexus da sociedade em rede, a percepção tout court racionalista,
cartesiana e lógico-dedutiva é confrontada com outra geografia de pensamento, que
inclui, por um lado, as investigações de Edgar Morin, focalizando as interconexões e
complexidades socioculturais e políticas globais, o que abrange os insumos
tecnológicos, e por outro lado, o trajeto antropológico composto por uma legião de
pensadores e estudiosos, como Bachelard, Durand, Maffesoli, Rocha Pitta, Machado da
Silva, dentre outros instigando uma decifração da cultura digital, pela leitura da força
simbólica que – antropologicamente – reúne e restrutura os laços sociais.
A “nova realidade eletrônica” tem sido historicamente vasculhada por distintos
especialistas preocupados com a conexão entre o homem e a tecnologia, desde Alvim
Tofler, A terceira Onda (1980), passando por Fritjof Capra, O ponto de Mutação
(1983), e o ícone teórico da contracultura norte-americana, Theodor Roszak, O culto da
informação: o folclore dos computadores e a verdadeira arte de pensar (1988).
Há todo um legado exploratório, analítico e explicativo, que tem fertilizado o
imaginário mitopoético e científico do ciberespaço. Em tempo, nessa perspectiva
conviria apontar a obra A pele da cultura (De KERCKHOVE, 2009), uma exploração
da nova realidade eletrônica que atualiza o debate numa ótica pós-mcluhaniana.

26
Cf. Vide blog Carnet de Notes. http://andrelemos.info/ Acesso em: 15.05.2011

27

Sob prismas diferenciados, organiza-se um repertório importante de enquetes,
diagnósticos e investigações sobre o fenômeno de intersecção da tecnologia &
comunicação e suas repercussões no contexto da civilização. Estes estudos constituem
passagens obrigatórias para uma compreensão histórica e social, e contribuem para uma
mediação afirmativa face à inserção das “máquinas inteligentes” na vida cotidiana.

Uma interpretação fenomenológica da cultura digital

Particularmente, miramos a comunicação digital numa perspectiva que assimila
as contribuições de uma “antropologia interpretativa” (GEERTZ, 1989), o que significa
contemplar a interface das culturas humanas com as tecnologias; interpretar a lógica
interna dessa cultura tecnológica, observando as articulações do fenômeno técnico com
o mundo da natureza e da sociedade.
Por esse prisma, é instigante examinar como funcionam as suas relações com as
formas ético-políticas, místico-religiosas, materiais e simbólicas, e como isto repercute
nos estilos de apropriação das linguagens e empoderamentos sócio- tecnológicos.
Nessa direção, são esclarecedoras as idéias de Gleiser, em A dança do Universo
(1997), uma exploração das ligações entre as ciências duras e as ciências do espírito,
que nos lança para outra margem do pensamento, o que nos concede distanciamento e
nos permite compreender melhor as experiências da comunicação na era digital.
Igualmente instigantes são as investigações de Zielinsky, filósofo-cientista,
mago da comunicação que, como um autêntico hermeneuta, realiza uma “arqueologia
da mídia, em busca do tempo remoto das técnicas do ver e do ouvir” (2006).

(Zielinsky) propõe, para a geração que começa a trabalhar com a
imaginação nos mundos da mídia, ser de vital importância saber que uma
abordagem mágica, em relação à tecnologia continua a ser possível,
assim como assegurar que o investimento nessa abordagem é
significativo. “Esses equipamentos não estão à espera para ser
descobertos pelos ativistas midiáticos de hoje, como foi o caso em
relação aos movimentos de vanguarda da década de 1920, dos pioneiros
do pós-guerra da arte, dos fluxos, da ação e dos conceitos, do vídeo ou
dos primeiros networkers. Pelo contrário, eles estão cercados por todos os
lados por equipamentos e sistemas técnicos padronizados. Encontrar um
caminho através de tudo isso - e conseguir uma expressão criativa e
original - não é tarefa fácil. (...) A atitude de uma moderna Teoria das
Mediações, em contraposição àquelas Teorias da Comunicação que se
ocupam meramente dos produtos e da produção, (...) uma teoria deveria
se ocupar, por um lado, com as raízes profundas, ou com o tempo
profundo da mídia, uma arqueologia que desobstrua o passado e recupere

28

uma real dimensão dos meios (de comunicação); por outro deveria voltar-
se para as projeções e desdobramentos futuros. Uma visão ecológica
avant la lettre, na medida em que pensa longos trajetos e seus possíveis
impactos sobre o ambiente comunicacional.

BAITELLO. In Arqueologia da Mídia (ZIELINSKY, 2006).

Faz-se necessário explorar as interfaces da cibercultura buscando captar o
sentido do pensamento social, que tanto se estabelece nas conversações corriqueiras na
praça pública, nos debates acadêmicos ou no âmbito dos mercados especializados. É
importante perceber as diferentes maneiras como os indivíduos interagem nos ambientes
gerados pela “terceira onda” do ciberespaço porque as escolhas, usos e gratificações, as
estratégias de consumo e resposta dos atores sociais face às máquinas de comunicar,
principalmente com as mídias locativas, são geralmente imprevisíveis.
Para uma visão atualizada sobre a cultura das redes, particularmente, focalizando
os sistemas de poder e as legislações prevalentes, e para entender os modos de
empoderamento dos indivíduos na sociedade informacional e suas estratégias de
comunicação mediadas pelas redes sociais, convém acessar o site e conhecer o livro
Cidadania e Redes Digitais, do especialista Sergio Amadeu da Silveira (2010)
27
.
Trata-se de um enfoque do fenômeno das redes sociais abertas e colaborativas,
demonstrando exemplos de adoções bem sucedidas, e a crítica das regressivas
modalidades de controle por parte das corporações e do Estado. É conhecida o seu
combate frente à chamada Lei Azeredo (o chamado “AI-5 digital”), que – na visão dos
cidadãos e cibermilitantes – consiste numa forma de controle e uma ameaça para a
liberdade de informação propiciada pelo ciberespaço
28
.

O PLC (projeto de lei da câmara) incentiva o temor, o vigilantismo e a
quebra da privacidade. Prejudica a liberdade de fluxos e a criatividade.
Impõe o medo de expandir as redes. (...) O projeto de lei é tão absurdo
que iguala os adolescentes que compartilham músicas aos crackers e suas
quadrilhas que invadem as contas bancárias de cidadãos ou o banco de
dados da previdência.

SILVEIRA, O.I, 01,07. 2008.


27
Cf. Blog de Sérgio Amadeu Silveira http://softwarelivre.org/samadeu Acesso: 15.05.2011
28
Cf. SILVEIRA, S.A. Projeto do Senado cria o provedor dedo-duro. In Observatório da
Imprensa, 01.07.2008. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=492CID006

29

Sérgio Amadeu Silveira combate igualmente a estratégia política voltada para a
tecnologia do Ministério da Cultura, na gestão atual, apontando para o retrocesso que
significa a retirada da licença do creative commons do site do Ministério
29
.

Primeiro é preciso esclarecer que as licenças Creative Commons surgiram
a partir do exemplo bem sucedido do movimento do software livre e das
licenças GPL (General Public Licence). O software livre também
inspirou uma das maiores obras intelectuais do século XXI, a
enciclopédia livre chamada Wikipedia. Lamentavelmente, os lobistas do
ECAD chegam a dizer que a Microsoft apóia o software livre e o
movimento de compartilhamento do conhecimento. Segundo, o
argumento do ECAD de que defender o Creative Commons é defender
grandes corporações internacionais é completamente falso. As grandes
corporações de intermediação da cultura se organizam e apóiam a
International Intellectual Property Alliance® (IIPA, Associação
internacional de Propriedade Internacional) e que é um grande
combatente do software livre e do Creative Commons.

SILVEIRA, 30.01.2011 on line

Enfrentamos em nosso estudo os paradoxos e contradições da nossa
modernidade tecnológica, procurando transcender os espectros de crise e pessimismo. E
apostamos ser possível nos instalarmos no interior desse sistema e descobrir novas
estratégias de comunicação, contribuindo para a reversão das adversidades, e neste
sentido os meios interativos podem se constituir como vetores favoráveis.
Uma perspectiva estimulante se apresenta na obra A sociedade enfrenta a sua
mídia, dispositivos sociais de crítica midiática (BRAGA, 2006). Uma articulação de
temas no âmbito da cultura midiática, que se efetiva a partir da eleição de três objetivos:

a) observar empiricamenteas lógicas do processo crítico-
interpretativo da mídia pela sociedade; b) desenvolver o conceito de
sistema de resposta social sobre a mídia; c) estabelecer bases
mínimas para uma perspectiva praxiológica, para comentar
criticamente as práticas do sistema.

BRAGA, 2006, p.339.

No que concerne ao nosso objeto de estudo, Braga dedica um capítulo ao estudo
do site “Ética na TV – Campanha “Quem financia a baixaria”, pertinente para
estudarmos as interfaces poder social e ciberespaço. No texto, o autor explica “o

29
Cf. SILVEIRA, S.A. 2011. http://telecentros.wordpress.com/2011/01/30/sergio-amadeu-
ministra-ana-de-holanda-e-ecad-atacam politica-de-lula/ Acesso: 30.04.2011

30

objetivo da campanha investigada, promover o respeito aos direitos humanos e à
dignidade do cidadão nos programas de televisão” (BRAGA, 2006, p. 232) e analisa a
processualidade dessa experiência, avaliando em que proporção o seu resultado se
mostra substancialmente relevante, e quais os limites e o poder de alcance das suas
estratégias programáticas. Ou seja, instiga a refletirmos sobre o poder dos usuários.
Paulo Paz faz a apresentação da obra e nos anima a reconhecer como Braga
“apresenta uma contribuição para a teoria da comunicação”, e nos leva a vislumbrar
uma modalidade específica da crítica do ciberespaço pela via dos fluxos, da circulação:

A circulação própria do sistema de resposta não é aquela que faz chegar o
produto da mídia ao indivíduo, e sim aquela que se inicia após o
consumo; a circulação é diferida e difusa, após a recepção, e sem
necessariamente passar por grupos organizados e instituições.

BRAGA, 2006, p. 15.

Assim, concluimos que existe uma inteligência crítica social, um exercício de
crítica do (poder e do) ciberespaço, que se efetiva nos campos da produção, recepção e
circulação das mensagens. Uma leitura mais detida do texto de Braga nos revela os
níveis de atuação dessa inteligência, que o autor nos apresenta envolvida na designação
de “dispositivos sociais de crítica midiática”.
Por sua vez, Fausto Neto (2009) investiga as estratégias da recepção (e
consumo), “pelas bordas da circulação”. Ajuda a entender como a configuração
rizomática do ciberespaço modificou a natureza e os níveis de produção, circulação e
consumo. O seu olhar sobre a comunicação em rede nos permite flagrar a intervenção
do usuário-intérprete-cidadão na instância de circulação da mensagem. Nos labirintos
hipermídia os cibercidadãos se instalam deflagrando novas relações de sentido no
processo comunicacional. As estratégias de ação dos hackers atuam na espessura de
uma comunicação blindada, mas que não resiste aos agenciamentos colaborativos.

Interfaces emergentes, estratégias de comunicação em rede

Na atividade político-partidária percebemos como o voto digital tem inibido as
fraudes eleitorais, nos espaços geopolíticos historicamente marcados pelo coronelismo e
pelo chamado “voto de cabresto”. Observamos também mudanças nos espaços
geoeconômicos em que os fluxos comerciais se perfaziam lentamente; a informatização

31

dos mercados tem agenciado uma economia de trocas mais ágil gerando bons
dividendos. Isto implica em novas descobertas, investimentos e também desafios.
Na era das imersões digitais, convém reconhecer o poder da experiência ético-
estética. Os ambientes tecno-informacionais envolvem os corações e mentes, alcançam
a biologia e a psicologia do ser por meio de imagens-sensações, estímulos eletrônico-
afetivos, informações em ondas tecno-sensoriais. Essas informações de ordem estética e
cognitiva são atravessadas por normas, valores, capitais simbólicos que moldam o
habitus, a formas do estar-junto, os estilos do gosto, a cognição e a conduta.
No plano das estruturas do cotidiano há novos modos de interação e socialidade
mediados pela tecnologia, que animam os diálogos e as conversações dos indivíduos e
grupos, criando um estilo de conjunção e magnetismo que reorganiza as experiências
coletivas através das redes sociais. Funcionam principalmente como vetores de
entretenimento, mas pragmaticamente otimizam o trabalho nas ONGs e instituições sem
fins lucrativos, voltadas para as estratégias de desenvolvimento social.
Incluímos aqui alguns exemplos garimpados por Denis Moraes, monitorando as
estratégias de ação afirmativa, na obra O concreto e o Virtual (2001), que perfazem uma
(n)etnografia das instituições e organizações atreladas aos projetos de autonomia,
emancipação e desenvolvimento, e aí se inscrevem positivamente os organismos da
sociedade civil que decidiram apostar na web:

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), a Ação da Cidadania contra a Fome e a
Miséria e pela Vida, Anistia Internacional, a Rede Telemática de Direitos
Humanos (Dhnet), o Human Rights Watch, o Geenpeace, SOS Mata
Atlântica, o Fundo Mundial para a Natureza, a Rede de Informações do
Terceiro Setor (Rits), a Federação de Orgãos para Assistência Social e
Educacional (Fase), a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB),
a Comissão Pastoral da Terra, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
a Global Exchange, o Social Watch, a Confédération Internationale des
Syndicats Libres, o Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de
Comunicação, a Ação pela Tributação das Transações Financeiras em
Apoio aos Cidadãos (ATTAC), a Associação Brasileira Interdisciplinar
de AIDS (ABIA), o Enfants du Monde, o Centro de Educação Sexual
(CEDUS), Women Rights, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Médico Sem
Fronteiras.
MORAIS, 2001, pag.?

É importante observar a eficácia dos regimes de comunicabilidade que
estruturam os serviços na “sociedade em rede”, na medida em que os novos formatos
implicam mutações evolutivas na divisão do trabalho. A informatização social tem

32

propiciado favoravelmente a otimização dos recursos nas áreas da saúde, agricultura,
política, jornalismo, arte, economia e educação. E novas estratégias colaborativas vão
sendo postas em prática na medida em que as comunidades vão se interconectando.
Cumpre discutir os processos educacionais, cognitivos, estéticos, políticos e
comunicacionais que interagem no contexto das redes sociais. Embora ainda incipientes,
considerando-se o índice populacional, as novas tecnologias têm contribuído para o
aprimoramento das condições de ensino, pesquisa e extensão nos quadros do ensino
superior, o que significa uma modalidade inédita de empoderamento coletivo.
É preciso considerar a importância da universidade nos espaços
socioeconômicos, políticos e culturais, cujos níveis de participação dos atores sociais na
esfera pública se mostram desbalanceados.
A sociedade em rede nos alerta para a urgência em enfrentar a complexidade
socioeconômica, política e cultural em que o pensamento, a linguagem e a ação passam
pelo crivo de novas articulações entre os saberes, as técnicas, a política e os mercados.
Logo, é necessário igualmente considerar a relevância do mercado dos bens
simbólicos em circulação no cotidiano midiatizado, em que proliferam competências e
saberes que levam os atores sociais, como “actantes”, a participar ativamente dos
processos de produção, distribuição e consumo.
Sob o signo de Hermes, o mentor dos interpretes e das comunicações, buscamos
encontrar um termo equidistante que nos permita decodificar as leis que presidem as
estranhas conjunções, aproximando interesses e expectivas distintos, mas que fazem
parte de uma mesma tessitura sócio-cultural.

33

3



Hermes & Afrodite na era das convergências



Observaremos aqui teoricamente e empiricamente as conexões e convergências
que formam a complexidade do ciberespaço, enredando as interesses e expectativas
distintas (como a educação, o entretenimento, o mercado e a política), mas que se
aglutinam (sob a égide da inteligência coletiva conectada) na comunicação em rede.
Na modernidade clássica (do Iluminismo até meados do século XX), a espada
era a lei. Havia, então, uma ambiência marcada pela divisão, separação, dicotomias e
polaridades. Era assim: ou isto ou aquilo. O processo civilizatório foi implacável na
construção da identidade do homo sapiens moderno, estabeleceu o cogito cartesiano
com senha de acesso ao conhecimento e expulsou do pensamento lógico-dedutivo, tudo
o que não pôde dominar, ou seja, considerado desumano, imundo, irracional.
Para preservar a sua integridade e assegurar sua permanência, o regime
simbólico da modernidade separou a razão e a fé, o científico e o poético, a arte e a
técnica, o privado e o público, a escola e o mercado, o individual e o coletivo. A “alta
modernidade” estabeleceu categorizações e hierarquias que engessaram a vida social e a
política, modelando - canhestramente - as formas de pensar, falar e agir dos indivíduos.
Em sua obstinada busca pelo progresso e desenvolvimento, o capitalismo tardio
promoveu o princípio geral da exclusividade, reforçando o “mal-estar da civilização”.
Entretanto, já na “modernidade tardia”, os anos 60/70 foram pródigos na
contestação de uma experiência cultural e política, cujos valores estavam em
descompasso com a vontade geral de transformação social. As gerações que
amadureceram durante os chamados “anos rebeldes”, sob o signo da contracultura,
deixaram um legado importante para os sucessores. E os anos 80/90 têm sido descritos
como os anos youppies, da globalização, da era Reagan, Tatcher e Guerra nas Estrelas;
mas, por outro lado, da queda do muro de Berlim, do fim da União Soviética e dos
regimes fechados no Leste Europeu: os verdes, os cyberpunks, os alternativos do
planeta sinalizaram novas convergências, tribalizações inéditas e ciberativismos
vigorosos. Neste período, os atores sociais prepararam o terreno para uma nova
reordenação do mundo, contestando os princípios da separação, exclusão e bipolaridade.

34

Certamente, Edgar Morin foi um dos primeiros a sistematizar uma estratégia de
reflexão profunda do mundo despedaçado após a 2ª Guerra Mundial. Primeiramente,
contemplando a cultura de massa no século 20, fez diagnósticos cruéis sobre o “espírito
do tempo”, como “neurose” e “necrose”. Contudo, seduzido pelas estrelas do cinema,
escreveu duas obras que atenuam um pouco o sentimento pessimista, entrevendo as
sensações do grande público, em júbilo, ligados na “comunidade afetiva” forjada pela
sétima arte. Cf. O cinema ou o homem imaginário [1956] e As estrelas [1957].
Posteriormente, Morin elaborou um sólido edifício conceitual (O Método, 1980-
1996), com base na “teoria da complexidade”, rearticulando os campos em que atuam o
biológico, o psicológico, o social, o histórico, político, o econômico e o cultural, sem
esquecer-se das experiências da educação, tecnologia, ecologia e comunicação.
Nada será como antes, na geografia do pensamento ocidental, após Foucault e
Deleuze. Desde a obra As palavras e as coisas (1966) até a publicação postmortem dos
Ditos e Escritos (1954-1988), Foucault construiu uma rede de conceitos, propiciando o
encontro inédito entre as instâncias consideradas irreconciliáveis, no plano da filosofia,
ciência, arte, política, comunicação e vida cotidiana. Assim, liberou agenciamentos
positivos através de conceitos como “arqueologia do saber”, “genealogia e microfísica
do poder”, “biopoder” e “biopolítica”, que nos permitem entender as interfaces entre o
saber e o poder, a mente e o corpo, a natureza e a cultura.
Por sua vez, Deleuze (em colaboração com Felix Guattari), transitando entre a
crítica e a clínica, propôs, nas obras O Anti-Édipo (1972) e Mil Platôs: capitalismo e
esquizofrenia (1979), a “esquizoanálise” (uma investigação crítica da psicanálise,
apreciando a alma espedaçada na era atômica); uma cartografia do social (pós-marxista
e pós-freudiana); uma filosofia atenta para a formação dos “grupelhos”, “revoluções
moleculares”, “máquinas desejantes”, estratégias de ação micropolítica que têm lançado
provocações estimulantes às pesquisas em Comunicação, Ciências Humanas e Ciências
sociais
30
. A obra de Deleuze, particularmente, postula uma “filosofia da diferença” que
reúne a economia política e a economia libidinal, o corporal e o mental, o virtual e o

30
Há várias obras no campo da comunicação e cultura tecnológica apoiadas, principalmente, na
obra de Deleuze; ver Lévy (1996), Marcondes Filho (1996, 1997, 1998), Martins (2008), Trivinho (2007),
Sodré (2002), entre outros. Relembramos, a propósito, a frase célebre de Foucault: “Um dia o século será
deleuziano”. Hoje o pensamento francês está desterritorializado; circula pelo Brasil, Estados Unidos,
Japão, e alhures. E constitui a base dos estudos culturais norte-americanos, engendrando conceitos como
pós-colonialismo, biopolítica e pós-humanismo, que configuram o jargão recente nas universidades norte-
americanas, com base eminentemente pós-estruturalista (ou pós-moderna).

35

atual, o orgânico e o tecnológico, o devir humano abrindo caminho para as novas
gerações se lançarem numa reflexão acerca do “pós-humanismo” e da “pós-metafísica”.
No campo das Ciências da Comunicação, verificamos também uma divisão
arbitrária, que separou em dois blocos os “apocalípticos” e “integrados”, gerando efeitos
regressivos. Lamentavelmente, o “paradigma clássico da comunicação” deixou de fora a
potência do social no processo comunicativo. Separou o emissor e o receptor, o ator e o
espectador, a comunicação e a sociedade; um ato falho no campo da comunicologia
31
.
Entretanto, desde os anos 60, McLuhan já vinha revolucionando a área, forjando os
conceitos de “aldeia global” e “tribalização” formados pela comunicação eletrônica.
Aos atuais pesquisadores das interações mediadas pelas tecnologias digitais,
caberia fazer uma arqueologia no passado recente, resgatando – na história do
pensamento comunicacional – os autores e escolas que vão fundo no exame da
complexidade da interface Comunicação e Cultura. E aí, teríamos de incluir os trabalhos
de Paulo Freire, criador de um avançado método pedagógico e gerador de competências
empenhadas em reunir a Educação e a Comunicação, práticas voltadas para a liberdade
e autonomia. Freire contempla as relações entre o aprendizado, as histórias de vida, o
trabalho, o cotidiano, os valores humanos e sociais na experiência do conhecimento.
Hoje, suas idéias são atualizadas pelo viés da Educomunicação, que busca decifrar as
complexas conexões entre a escola e a mídia, entre os processos comunicacionais e
processos educacionais
32
.
Com o aparecimento das mídias interativas, expressões importantes têm sido
recuperadas no campo das Ciências da Comunicação, como a Escola de Chicago
33
e a
Escola de Iowa, que pesquisaram teoricamente e empiricamente o “interacionalismo
simbólico”. Da mesma forma, recorre-se à Escola de Palo Alto
34
(o dito “Colégio

31
A crise do paradigma clássico da Comunicação está associada à emergência da telemática,
internet, wikis, redes sociais, que inverteram a relação vertical entre emissor/receptor. Para uma
interpretação histórica dessa crise, ver Wolf (2006), Trivinho (1996) e Jeudy (1989).
32
Para uma mirada na Educomunicação ligada às tecnologias, ver: KAPLUN (1999),
BACCEGA (2000), SARTORI & SOARES (2005), BRENNAND & LEMOS (2007), AZEVEDO
(2008), etc.
33
A Escola de Chicago (anos 20/30 do século 20) defende a tese de que a sociedade não pode ser
estudada fora dos processos de interação entre as pessoas, de que ela é constituída simbolicamente pela
comunicação. E a Escola de Yowa – em seguida – vai se dedicar a demonstrar empiricamente as teorias
da Escola de Chicago. Destacam-se aí as pesquisas de George Herbert Mead e Herbert Blummer. Cf.
LITTLEJOHN (1993), MARCONDES FILHO (2009), HOHLFELDT (2001).
34
Para a Escola de Palo Alto (anos 40/50), o campo das Ciências da Comunicação deve ocupar-
se com aspectos expressivos, vínculos e interações entre as pessoas. Contribuem para o vigor dessa linha
de pesquisa os trabalhos de Batelson, Watzlawick, Goffman e Hall (apud MARCONDES FILHO, 2009).
E caberia incluir aqui a obra de Kenneth Burke, nessa perspectiva do “interacionismo simbólico”, entendo
a comunicação como “drama” (Cf. LITTLEJOHN, 1993), de maneira semelhante a Goffman, que

36

Invisível”) para embasar as análises dos processos interacionais. São importantes, pois
consideram os movimentos sociais e as estratégias comunicacionais em conexão com as
instâncias econômicas, políticas e tecnológicas, prenunciando os atuais estudos das
redes sociais e das convergências tecnológicas. Convém anotar também o legado de
Norbert Wiener (o pai da cibernética), que servirá de base para as pesquisas dos
processos sociotécnicos e suas interfaces culturais, no século 21.
Cumpre ressaltar a chamada Escola de Toronto, iniciada a rigor com Harold
Innis, autor dos livros Império e Civilizações (1950) e O viés da comunicação (1951),
cujas ideias serão básicas no pensamento de McLuhan
35
. Neste filão epistemológico,
convém igualmente estudar o trabalho de Kerckhove, A pele da Cultura (2009),
estudioso das extensões humanas, das redes neurais e bio-sociotecnológicas. E mais
recentemente a obra de Di Felice, Paisagens pós-urbanas (2009), sondando as “formas
comunicativas do habitar”, no contexto do chamado “pós-humanismo”.

A cultura de convergência não é um mar de águas tranqüilas

Percebemos que historicamente, as conjunções sócio-comunicacionais e
tecnológicas não se perfazem sem tensões e conflitos. Como no campo da ação
pragmática (nas organizações, empresas, instituições públicas e privadas), também no
terreno da pesquisa científica, a “coincidência dos opostos” provoca disputas,
rivalidades e confrontos. Assim acontece nas relações entre a universidade e o mercado,
a academia e a esfera profissional, o “senso comum” e o conhecimento científico. E de
modo mais abrangente, esta ocorrência se sucede em outras modalidades de relações,
como entre o Estado laico e as mídias religiosas, as corporações multinacionais e os
ambientalistas, os advogados do copyright e os defensores dos creative commons.
E não podemos também prescindir da crítica às conjunções malditas, geradoras
de regressão social, desde os grandes trustes e cartéis da comunicação, dos
agrupamentos sem ética nem responsabilidade, até as redes do narcotráfico e da

também participou da experiência do “interacionismo”, explorando “A representação do Eu na vida
cotidiana cotidiana” (1999).
35
McLuhan publicou seu primeiro trabalho teórico importante, A galáxia de Gutenberg, em
1962, quando tinha 51 anos. Chamou-a de “uma nota de rodapé à obra de Harold Innis” (WOLF, 2006).
Nessa linha, ver: TREMBLAY, G. “De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Aldeia Global ao
Império Mundial”, in Famecos, nº 22, 2003; e MARTINO, L.C. “Pensamento Comunicacional
canadense: as contribuições de Innis e McLuhan”. In: Comunicação, mídia e consumo, nº 14, 2008.
http://revcom2.portcom.intercom.org.br/index.php/comunicacaomidiaeconsumo/article/viewFile/5460/49
82 . Acesso: 02.06.2011

37

criminalidade, que provocam a desordem e o caos social. Assim, convém entender que a
era das convergências encerra – simultaneamente - conseqüências positivas e negativas.
Dentre os seus defensores, Henry Jenkins
36
chama a atenção para as narrativas
transmidiáticas como instâncias geradoras de uma cultura da convergência, com
reflexos positivos nos processos socioculturais, como informa Jenkins, em entrevista a
Vinícius Navarro, publicada na revista Contracampo (da UFF):

Henry Jenkins é um dos pesquisadores da mídia mais
influentes da atualidade. Além do livro sobre convergência midiática,
ele já escreveu sobre comédia no cinema hollywoodiano, sobre jogos
de computador e sobre comunidades de fãs. De forma mais ampla,
Jenkins é um entusiasta daquilo que chama de cultura participatória.
Segundo ele, os usuários da mídia contradizem a idéia de que somos
consumidores passivos de conteúdo midiático ou meros recipientes de
mensagens geradas pela indústria da comunicação. Jenkins prefere
pensar nos consumidores como agentes criativos que ajudam a definir
como o conteúdo midiático deve ser usado e, em alguns casos, dão
forma ao próprio conteúdo. A convergência midiática tende a expandir
essa possibilidade de participação porque permite maior acesso à
produção e à circulação de cultura

NAVARRO, 2010, on line.

O que ocorre de “novo” na dimensão cultural é um despertar coletivo para a
possibilidade de se usar a dinâmica das interações entre os domínios da vida social, que
estiveram ideologicamente separados. Convém capitalizar os benefícios trazidos – por
exemplo – pela convergência entre a ciência e a tecnologia, a arte e a comunicação, os
agenciamentos virtuais e os presenciais, o esforço reflexivo-intelectual e o trabalho dos
profissionais de mídia, gerando também modalidades de empoderamento social.
Hoje, na sociedade em rede, vislumbramos uma cartografia regida pelo princípio
da conjunção, convergência e compartilhamento, em que “isto” e “aquilo” se conjugam
e interagem, propiciando experiências inéditas no cotidiano e na história da cultura.
É necessário entender essa nova constelação, que é de ordem fenomenológica
(pois traduz a natureza do próprio fenômeno tecno-social e comunicacional) e - ao
mesmo tempo - de ordem epistemológica (pois revela novos saberes e fazeres nas
conexões da arte, tecnologia e comunicação).

36
Consultar, a propósito, o blog de Henry Jenkins: <http://culturadaconvergencia.com.br/>;
consultar igualmente, A convergência midiática na visão de Henry Jenkins :
<http://gpc.andrelemos.info/blog/2009/07/26/a-convergencia-midiatica-na-visao-de-henry-jenkins/>. E
também nessa direção o blog de Steven Johnson: <http://www.stevenberlinjohnson.com/>.

38

Faz-se preciso reconhecer que o campo das Ciências da Informação e da
Comunicação, sendo partes integrantes das Ciências Humanas e das Ciências Sociais,
distintamente das ciências duras, passam sempre pelo crivo da interpretação, pelo
exercício de hermenêutica, como os domínios científicos do Direito, da História, da
Sociologia e da Pedagogia.
Uma mudança básica no que concerne à pesquisa em Comunicação é que se
pode hoje, com as redes colaborativas, aliar a dimensão empírica (da análise
quantitativa) e a dimensão especulativa (da análise qualitativa); os data base e outros
“dispositivos sociais de resposta” (BRAGA, 2006) gerados em rede asseguram um novo
rumo às investigações.
Logo, reconhecemos, portanto, que as narrativas sociais (no mundo do trabalho e
do lazer, na vida pública e na vida privada) são perpassadas pela linguagem
mitopoética, incluindo a dimensão simbólica da intuição, da subjetividade, induzindo à
criatividade
37
. Assim, a “razão mitopoética”, que na antiguidade conviveu com o
discurso da história, da ciência e da política, hoje pode revigorar o pensamento e ação
através de um “novo espírito científico”, diante dos fenômenos, experiências e
acontecimentos ainda em processo e, conseqüentemente, ainda por serem decifrados.
Hoje, no cenário multicultural, percebemos a atualização das estruturas
antropológicas antigas, que sempre nortearam o imaginário coletivo e hoje
potencializam a imaginação criadora da comunicação. (Não se trata de recorrer ao
passado para explicar o presente, mas contemplá-lo com os olhos do presente).
No jornalismo, na publicidade, no marketing digital, no show business, nas artes
do espetáculo, nos esportes, no mundo da moda, no cinema, nos games e videoclipes,
observamos a efervescência de símbolos, que revelam a natureza dos desejos, e
aspirações humanos, projetando-se em nossas atuais vivências eletrônicas.
O exemplo mais gritante disso é a reverência do homem pós-moderno diante do
novo totem, o computador. Nessa direção, é bastante oportuno revisitar os estudos de
Comunicação e Cultura voltados para esta temática, como os trabalhos já clássicos
Mitologias (BARTHES, 2003), As estrelas (MORIN, 1979), e os mais recentes,
Mitoironias do Virtual (BAUDRILLARD, 1997) e Iconologi@s, nossas idolatrias pós-
modernas (MAFFESOLI, 2008) e A pele da cultura (De KERCKHOVE, 2009).


37
Sobre o assunto, ver a obra de Durand: As estruturas Antropológicas do Imaginário (1989).

39

Conexões sociotecnológicas, mitologias, iconicidades contemporâneas

Na sociedade informatizada, estamos inapelavelmente interligados por
inteligências compartilhadas, que sinalizam um novo estágio na história da civilização.
A consciência dessa experiência tem gerado novas orientações, notadamente no
conjunto dos saberes que constituem as Ciências da Informação e da Comunicação. Por
exemplo, no que concerne à imaginação antropo-tecno-comunicacional
38
, fazendo
referência específica às mitologias, há uma série de livros instigantes, demonstrando a
força do seu simbolismo, seja numa apreciação de cunho mais crítico
39
.
Aliás, no contexto antropológico das mitologias, encontramos o simbolismo
marcante de Vênus (Afrodite)
40
, a deusa do amor e da beleza, nascida das espumas do
mar e que se apresenta numa “concha”, objeto pertencente à mesma bacia semântica da
“taça”, da “copa”, do “ninho”, da “rede”, na antropologia simbólica (Jung; Eliade;
Bachelard; Durand), implicando no acolhimento das substâncias, mensagens e
conteúdos distintos, que resultam numa formação fenomênica híbrida e complexa.
Essa figura mitológica, de acepção lunar, corresponde, na mitologia
afrobrasileira, a Oxum, divindade ligada à decifração dos mistérios, à arte da
adivinhação. Também aqui, o seu elemento estimula a união, o matrimônio e a
concepção. Assim, a mitologia remete a uma fenomenologia e a um espírito científico,
norteado por um ethos agregador, como se lê na obra filosófica de um especialista nas
ciências exatas, A dança do universo (GLEISER, 2000).
Mas a grande experiência mitológica contemporânea está no cinema,
funcionando como um radar, arca da aliança das nossas simbologias fundamentais.
Desde a cinematografia pós-metafísica do filme 2001. Uma odisséia no espaço (Stanley

38
Esta perspectiva da comunicação ligada às experiências da convergência possui analogia com
o simbolismo presente na lógica da “conexão planetária” (LÉVY, 2001) e destacamos: Os plurais de
Psiquê (DURAND, 1980); O mistério da conjunção (MAFFESOLI, 2005); Inteligência coletiva (LÉVY,
1998); Galáxia da internet (CASTELLS, 2003); A pele da cultura (KERCKHOVE, 2009); Cultura da
interface (JOHNSON, 2001) e Cultura da convergência (JENKINS, 2008).
39
Nesse sentido é exemplar a metáfora usada no livro Máquina de Narciso (SODRÉ, 1984), e
numa perspectiva fenomenológica, A sombra de Dionísio (MAFFESOLI, 1976). As referências se
multiplicam, conforme indicam os vários sites, livros, teses, dissertações e monografias sobre o tema:
Aramis ou o amor das técnicas (LATOUR, 1992); Hermes, a comunicação (SERRES, 1968); Anjos da
perdição (MACHADO, 1996); Hermes, a divina arte da comunicação (VIANA, 2006), Dionísio na
Idade Mídia (PAIVA, 2010).
40
Venus (Afrodite) se acasalou com seu irmão Hermes, gerando um filho, hermafrodita, o que na
mitologia antiga revela a conjunção do principio masculino, solar, e do princípio feminino, lunar. A
figuração dos seres híbridos, mutantes, como o andrógeno e o hermafrodita, serve aqui de metáfora para
uma reflexão das conjunções e convergências entre o ser humano e a tecnologia. Cf. JUNG (1990);
GRIMAL (1993); DURAND (1989); ELIADE (1989).

40

Kubrick) passando pela trilogia narrativa tecnodocumental de Koyaanisqatsi (Vida em
desequilíbrio, 1982), Powaqqatsi (Vida em transformação, 1988) e Naqoyqatsi (Vida
em estado de guerra, 2002), de Godfrey Reggio (com trilha sonora de Philip Glass).
Projeta-se nas denúncias ético-políticas e ecológicas, em filmes como Blade Runner,
Matrix, Avatar, portais privilegiados para contemplarmos as “conjunções, disjunções,
transmutações” humanas, no contexto da comunicação e cultura tecnológica
41
.
Desde a antiguidade, segundo Nietzsche, os princípios “apolíneo” e “dionisíaco”
equilibram o imaginário coletivo face às expressões da ordem e do caos do mundo.
Nessa direção, Michel Serres recorre à significação de Hermes (Mercúrio), o
mensageiro dos deuses, patrono da comunicação, fazendo uma mediação (uma
hermenêutica) entre as circunstâncias extremas, arbitrando entre as polarizações do
apolíneo e do dionisíaco. E, por sua vez, a sua meio-irmã, Vênus (Afrodite), atua
igualmente, favorecendo as conjunções, convergências e aproximação dos contrários.
42

Tais imagens nos orientam no pensamento, instigando uma reflexão sobre o
caráter dos processos ético-comunicacionais na era das tecnologias de convergência.
Então, inscrevem-se estilos inéditos de transcendências efêmeras no ciberespaço,
que conferem sentido à existência dos internautas. É no “instante eterno” das conexões
neuro-sensoriais, telemáticas que os cibercidadãos realizam as suas formas de catarse;
eis um dado antropológico que nenhuma etnologia comunicacional pode negligenciar.
As dimensões tecnoafetivas, neuroperceptivas, estético-cognitivas geradas por
meio das sensações, emoções, sentimentos, durante as conexões digitais, não podem ser
ignoradas numa análise da comunicação e cibercultura.
O ciberespaço consiste num lugar privilegiado das relações, vinculações,
conjunções e conectividades. Onde se encontram (e se confrontam) o público e o
privado, o editor e o leitor, o objetivo e o subjetivo, o racional e o lúdico.
Esta circunstância – atravessada por empiricidades inéditas – nos solicita uma
epistemologia para tratar dos fenômenos da comunicação digital. Isto ocorre com o
correio eletrônico, sites, chats, listas de discussão, comércio virtual, marketing digital. E

41
Sobre o tema, ver: O cinema, a realidade virtual e a memória do futuro (PAIVA, 2007),
incluído nesta obra, e também o trabalho de Adriana Amaral: Visões Perigosas (2009). Cf.
http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/81 Acesso em: 20.05.2011
42
No que respeita ao plano dos afetos, da estesia e das sensações geradoras da percepção estética
e cognitiva (que emanam dos cultos de Hermes e de Afrodite), já dizia o psicanalista Roberto Freire
(2004), “sem tesão não há solução”. São os próprios jovens internautas que expressam os usos afetivos às
atividades de ordem pragmática, como pesquisar, baixar programas, deletar, jogar, monitorar e “navegar
no ciberespaço”, as quais representam para eles experiências que “dão tesão”, pelo simples fato de poder
acessar, conectar, interagir, descobrir, aprender, participar, colaborar, etc.

41

os populares dispositivos formadores de comunidades virtuais (Orkut, My Space, MSN,
FaceBook, SecondLife, etc), o webjornalismo (nos blogs, twitter, portais, e outros
hipermeios) e as formas recentes das narrativas transmidiáticas (que migram dos
formatos analógicos do cinema e da TV), configurando o fenômeno das redes sociais.

Aportes teóricos e etnografias do ciberespaço

Assim, alguns elementos se apresentam para uma análise das experiências da
convergência no mundo digital, e os indicamos como pertinentes para uma netnografia.
Neste sentido, contemplamos o panorama do pensamento contemporâneo, voltado para
os aportes teóricos dos estudos culturais em comunicação, principalmente, após a
segunda metade do século 20. Exploramos os estudos realizados a partir dos anos 80/90,
quando se instalam as redes tecno-sociais de informação, sem esquecer-se das
recorrências ao tempo histórico dos saberes que precedem a idade mídia e a era da
informação, como o faz Zielinsky, “em busca do tempo remoto das técnicas do ver e
ouvir” (2006), arqueologizando as práticas socio-técnicas de reprodução, consumo (e
compartilhamento) dos ícones imagéticos e sonoros.
Verificamos que as redes, por um lado, impulsionam as estratégias do
neoliberalismo, os processos de globalização e informatização planetária, favorecendo a
dinâmica dos capitais transnacionais, das instituições econômicas e das políticas
globais. Por outro lado, geram a potencialização das forças criativas, modalidades de
empoderamento e ações afirmativas, no plano sociopolítico e sociocultural. Neste
contexto, conviria apontar o trabalho de Lévy, em colaboração com Lemos, O futuro da
Internet (2010), que apresenta uma etnografia das experiências sociais mediadas pelas
tecnologias, favorecendo modos efetivos de participação colaborativa.
A questão fundamental concernente à cultura digital não é formalizar um
veredito acerca dos seus pecados e virtudes. Isto seria inócuo, pois como adverte Walter
Benjamin, “não há civilização sem barbárie”. O que pode existir de mais relevante
numa apreciação crítica da experiência cultural na sociedade informatizada é
problematizar a parte frágil dos novos “paraísos artificiais”, que retornam como a parte
forte da comunicação através das comunidades geradas pelas redes sociais.
É importante, igualmente, explorar a parte nobre da tradição que a modernidade
reprimiu (do Iluminismo aos anos de 60/70). Um dos méritos da “subversão pós-
moderna” é buscar decifrar o sentido da coincidência dos opostos, como no caso dos

42

seres híbridos formados pela conjunção do humano, animal e digital. A partir daí,
podemos chegar a um “conhecimento aproximado” da nossa realidade contemporânea,
atravessada pelos dispositivos midiáticos e tecnológicos.
Convém examinar as interlocuções fundamentais que se processam na arena
epistemológica comunicacional. Neste sentido, é salutar rever o “diálogo” entre
McLuhan (1969; 1972) e Walter Benjamin (1984), realizado - em verdade - pelos seus
leitores, pois ambos examinaram a cultura tecnológica sob prismas opostos. Igualmente,
cumpre conhecer as convergências e divergências teóricas entre Bauman (autor crítico
de uma epistemologia da “modernidade líquida”) e Maffesoli (estudioso atento às
tribalizações, nomadismos, conjunções afetivas, sociais e tecnológicas).
Da mesma forma, é essencial ler Castells, investigador da “sociedade em rede”
(1999) e dos “empoderamentos sócio-tecnológicos” (1999b; 2007; 2009a; 2009b), mas
isso pode ser mais instigante se criarmos as condições para um diálogo interdisciplinar,
a partir das contribuições de autores como Kerckhove (2009), que focaliza as redes
eletrônicas, neurais e inteligências conectivas, e Latour (1994), observando os atores em
rede, como “actantes” (sujeitos e subjetividades) geradores de agenciamentos positivos.
Examinamos os processos de miniaturização de um mundo que se tornou
complexo e que parece se deslocar muito depressa, solicitando estratégias sensíveis para
captar os processos midiáticos nômades, locativos (LEMOS & JOSGRILBERG, 2010).
É este o problema que se impõe decifrar: a configuração de uma realidade que se
modificou desde a invenção do telescópio, trazendo para perto toda uma cosmologia
que estava distante. E convém explorarmos este jogo de lentes e espelhos que estilhaçou
o cotidiano da modernidade, numa multiplicidade de imagens e simulacros. Faz-se
necessário observar os fractais, enquanto expressões das “disjunções e conjunções” de
nossa era líquida. Tudo isso que parece ganhar vida nos vídeos, nas telas, no plasma
eletrônico dos livros digitais, nos ambientes informatizados. É necessário fazer bom
proveito desta profusão de objetos, fenômenos e experiências, buscando analisar os
nervos dos sistemas informacionais para a instalação dos agenciamentos coletivos.
Relembramos – em tempo – que um MUD como o Second Life pode ter ficado
fora de moda, mas permanece, juntamente com os games interativos, como uma
modalidade de ambiência em que a infocomunicação se faz táctil, sensorial, em que o
envolvimento dos usuários, cibercidadãos, e-leitores imersivos é total.

43

A expansão do saber e as mídias colaborativas

Tudo aquilo que se mostrou no cinema de ficção científica já é muito “real” e faz
parte do trabalho cotidiano, nos domínios da Engenharia, da Medicina, da Biologia e do
Direito, campos fundamentais na organização da vida mental na cidade.
Em nosso esforço de compreender os rumos da comunicação e cultura digital,
mantivemos em mente as ações compartilhadas e as reflexões teóricas interdisciplinares.
Em nossa cartografia, buscamos assimilar as contribuições de Lemos, Lévy, Kerckhove,
Di Felice e seus diagnósticos sobre as inteligências coletivas, neurais, conectadas.
Nesta seara, convém destacar a relevância dos trabalhos de Lúcia Santaella, que
realiza uma original semiótica do ciberespaço, demonstrada em obras importantes
como: Culturas e artes do pós-humano (2003), Navegar no ciberespaço (2004),
Linguagens líquidas na era da mobilidade (2007), Ecologia pluralista da Comunicação
(2010), Redes Sociais Digitais (2011), entre outras. Cumpre ressaltar, na obra de
Santaella, o êxito no esforço em aglutinar o texto denso, conciso e bem fundamentado, a
atualização permanente de um objeto fugidio e mutante, por meio de um código de
linguagem atento à pluridiversidade das formas assumidas pela cibercultura.
Exploramos um campo do saber interdisciplinar, caracterizado pela conjunção
de aportes teóricos distintos, acolhendo os insights filosóficos, como o grupo
coordenado por Marcondes Filho, explorando o “pensar-pulsar comunicacional” (1996).
Encontramos investigações epistemológicas relevantes para uma desvelação do
sentido das relações entre a cibercultura e as formas da ação política, e, nessa direção,
convém ressaltar o trabalho do grupo do ABCiber, explorando os produtos, fenômenos,
e processos da cibercultura e as estratégias de empoderamento sócio-tecnológico.
43

Abrindo o amplo leque das investigações filosóficas, históricas, antropológicas,
sociológicas, convergindo para uma mirada interdisciplinar da Comunicação, podemos
nos guarnecer de um pensamento ético-comunicacional e interdisciplinar que possa
abarcar a complexidade da nossa área. E não podemos deixar de lado as contribuições
de vários autores, responsáveis por pesquisas de envergadura, como é o caso do trabalho

43
ABCiber: Associação Brasileira de Estudos em Cibercultura, em que se destacam as pesquisas
avançadas de uma constelação de especialistas em comunicação e cultura digital: Antoun, Castro, Costa,
Felinto, Ferrara, Fragoso, Lemos, Montardo, Pereira, Primo, Recuero, Sá, Santaella, Sibilia e Trivinho,
são expressões da inteligência acadêmica conectada, renovando o campo da pesquisa em Comunicação,
com ênfase na filosofia, política, economia e estética dos meios tecnológicos e informacionais.

44

organizado por Juremir Machado da Silva e Francisco Menezes Martins, investigando a
“genealogia do virtual” (2004) e as “tecnologias do imaginário”.
E de maneira singular, inscreve-se o trabalho de Rüdiger, que, empenhado numa
teoria crítica da comunicação digital (2007), apresenta um inventário abrangente sobre
as pesquisas na área, analisa os problemas gerados no interior dos debates sobre
“cibercultura e pós-humanismo” (2008) e consolida uma trajetória crítica vigorosa que
problematiza o campo teórico do ciberespaço.
Lançamos um olhar em várias direções, num percurso que pode ser visto como
“transmetodológico”
44
, exercitamos uma metacrítica, sondando as diversas interfaces
críticas acerca dos processos sócio-informacionais.

A complexidade das Ciências da Informação e da Comunicação

Partimos do pressuposto de que para entender o contemporâneo é preciso
recorrer à história. E absorvendo os postulados de Walter Benjamin, convém resgatar,
sobretudo, a parte de uma “história que ainda não aconteceu”, mas cujo sentido se
configura virtualizado, solicitando uma atualização. Na era do virtual e das
convergências, os livros digitalizados, os vídeos, sites, CDs, DVDs, narrativas
transmidiáticas, audiovisuais em 3D, espalhados na microfísica da paisagem
contemporânea, nos revelam as pistas, emblemas e sinais para entendermos a “história
em processo” e interagirmos ativamente na espessura da vida cotidiana.
Sabe-se que a história da comunicação está atrelada à história dos meios de
transporte, das estratégias de guerra e da conquista dos territórios, e da história dos
movimentos de resistência. E é no período do pós-guerra que assistimos ao despertar de
uma engenharia e uma sensibilidade que vai desenvolver a comunicação digital
45
.
A Guerra Fria terminou por aquecer as redes sócio-informacionais, fruto do
trabalho e do pensamento dos cientistas, engenheiros, militares, empresários, mas,
principalmente, dos jovens inventores, outsiders, gerando o compartilhamento dos
dispositivos básicos para o desenvolvimento das tecnologias de comunicação interativa.

44
A “transmetodologia” consiste numa idéia vigorosa de “colocar a perspectiva acadêmica em
relação com as transformações culturais que atravessam a sociedade a partir da mutação tecnológica”. Cf.
MALDONADO, E; BONIN, J.A; ROSÁRIO, N.M. Perspectivas Metodológicas em Comunicação
(2008). No que concerne ao nosso objeto, conferir: “A perspectiva transmetodológica na conjuntura de
mudança civilizadora em início do século XXI” (MALDONADO); “Epistemologia e Transmetodologia
em Comunicação” (SÁ BARRETO); “O hipertexto como recurso transmetodológico” (RAYMUNDO).
45
Nessa direção, consultar um dos estudos pioneiros: O culto da informação (ROSZAK 1988).

45

As estratégias de controle da informação e o domínio da comunicacional global
contemporâneos estão entrelaçados à corrida armamentista, à política de segurança
nacional e à defesa dos mercados transnacionais. Concomitantemente, no domínio da
cibermilitância, de forma ética e socialmente positiva, são gerados modos globais de
cooperação, como aponta Castells, em seus estudos da “sociedade em rede”, “o poder da
identidade” e “empoderamento comunicacional”.
Ao contemplarmos a comunicação hoje, no século 21, relembramos os espectros
da era atômica. Cada monumento da civilização é também um monumento de barbárie.
Depois de Auschwitz, Guernica, Hiroshima e dos Gulags o imaginário ocidental recente
foi estruturado sob o signo da bomba e do medo da desagregação radical.
As narrativas dos sobreviventes da guerra do Vietnã traduzem uma síndrome da
desagregação. A vontade de potência elevada ao extremo parece ter chegado ao seu
limite, com a explosão das Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, relembrando o
fantasma da aniquilação total. Isso tudo gerou um sentimento de perda, no contexto de
uma modernidade ferida e, em contrapartida, a busca de uma reintegração. Então, o
espírito de Hermes Trismegistus, absorvendo as estranhezas e paradoxos, que traduzem
“o gênio do lugar” na paisagem do século 21, se epifaniza nas artes do cinema, música,
literatura (e do ciberespaço) afirmando a vontade de equilíbrio e reorganização.
Da Guerra Fria à Queda do Muro, presenciamos uma série de movimentos em
favor de uma cultura da paz que se opõe a uma cultura da guerra. E os meios de
comunicação, sob o signo de Hermes, o mediador, detêm o poder de administrar um
equilíbrio entre as polaridades. Do caos à ordem e da ordem ao caos, a história da
civilização tem se efetivado num movimento sinuoso atravessado por “altos e baixos”.
Os fundamentalismos, as torres fulminadas e a “guerra contra o terror” constituem
emblemas muito fortes dos acontecimentos de ordem destrutiva. Mas, ao mesmo tempo,
não cessam de proliferar os agenciamentos empenhados na reconstrução e no
reequilíbrio do mundo biológico, social e cósmico. É dessa modalidade de conjunção
que tratamos aqui e não é à toa que elegemos a figura simbólica de Vênus-Afrodite (a
deusa do amor e da beleza) como um signo que norteia o nosso percurso investigativo.
Aos pesquisadores e profissionais de comunicação cabe a observação
sistemática, a reflexão teórica e a aplicação das inteligências e tecnologias
colaborativas. As desordens do mundo vivido – dentro e fora do ciberespaço – desafiam
os comunicólogos, levando-os a fazer uso das estratégias de “visibilidade e vigilância”,
como aponta o trabalho organizado por BRUNO, KANASHIRO & FIRMINO (2010).

46

O estado da chamada “modernidade líquida” impõe o emprego de táticas sociais
de mobilidade e geolocalização (LEMOS e JOSGRILBERG, 2010). A hegemonia dos
processos tecnocráticos sob o comando dos grandes grupos econômico-políticos implica
no seu reverso, ou seja, a necessidade de controle social e distribuição coletiva da
informação (ANTOUN, 2008; SILVEIRA, 2001; MALDONADO, 2004). A ética do
narcisismo e individualismo que imperam na “sociedade midiatizada” (MORAES,
2006), faz emergir o seu contrário, a disseminação das inteligências coletivas
conectadas (LÉVY, 1998; KERCKHOVE, 2009, DI FELICE, 2011).

Para concluir: não existe ação afirmativa sem tensões e conflitos

Provisoriamente, mantemo-nos atentos ao complexo composto pelas figuras
simbólicas de Hermes (Mércurio) e Vênus (Afrodite), contemplando o mundo (virtual e
presencial) pela dimensão dos afetos, das sensações, da sensualidade (incluindo o
“sexy-appeal dos objetos técnicos). A comunicação em rede, seduz, captura a atenção, e
como uma “comunicação sem fim”, seduz e envolve o e-leitor-cibercidadão-internauta,
traduzindo a metáfora da concha, da caixa, do ninho, da rede.
A internet e as redes sociais propiciam um conforto ambíguo, simultaneamente,
masculino/feminino, filial/materno, lógico/sensual
46
. Essa imagem antropológica
encontra seu equivalente simbólico nas civilizações primitivas, na primeira mitologia
poderosa da antiguidade: a Grande Mãe, Gaia, a Terra, que hoje, segundo Morin,
resplandece ainda sob o signo da terra-pátria (de uma “terra-frátria digitalizada”).
O Campo da Comunicação é perpassado pelas experiências da ciência, arte,
técnica e política; logo, é um espaço privilegiado para a contemplação do
contemporâneo, e sendo ontologicamente pluralista, permite monitorarmos as camadas
econômicas, políticas, sociais, institucionais, epistemológicas, éticas e estéticas.
Ao longo da pesquisa observamos diversas conexões, entrelaçamentos e
convergências que se fazem em vários domínios. Economia, política, arte, educação,
etc. todas as instâncias da vida social estão enredadas nas tramas da comunicação

46
O horóscopo parece constituir uma banalidade, mas a astrologia é considerada coisa séria,
afirma ROUANET, diagnosticando a “verdade e ilusão do pós-moderno” (1987). E a propósito,
relembramos que para os astrólogos, o ano de 2011 está sob o signo de Mercúrio. Talvez a escolha do
tema do livro não seja casual. Em verdade, ao iniciar a elaboração do trabalho não sabíamos nada sobre a
regência astrológica vigente. Todavia, relembrando Jung e a antropologia simbólica em sintonia com a
psicologia das profundezas, diríamos que talvez as mediações monitoradas aqui, sob o signo de Hermes-
Mercúrio-Vênus-Afrodite, esteja absorvendo os efeitos do princípio da sincronicidade.

47

colaborativa. Em linhas gerais, enfatizamos as convergências no âmbito dos sistemas de
pensamento, pela razão inocente que esta se trata de uma elaboração teórica das
experiências digitais capturadas in loco e (grande parte em tempo real). Focalizamos
então a empiricidade forjada pela cultura disseminada pela comunicação em rede.
No cenário midiatizado pelo computador, internet e sistemas hipermídia
flagramos a configuração de ambientes que favorecem os empoderamentos individuais e
coletivos. E cumpre assinalar, que embora a ênfase do argumento não tenha incidido
sobre a dimensão do mercado, reconhecemos os fluxos da economia das trocas
materiais e simbólicas como geradoras de modalidades de desenvolvimento social.
Em diversas modulações, a comunicação em rede tem acentuado a importância
de repensarmos as teorias e práticas da comunicação, incluindo as culturas do consumo
mediado pela tecnologia como parte fundamental da dinâmica da vida cultural. Neste
sentido, sob o signo da conjunção entre Mercúrio (protetor do comércio) e Afrodite
(patronesse dos afetos, enlaces e associações), podemos contemplar o ciberespaço como
um conjunto de dispositivos que favorecem novos saberes (e aprendizagens) sobre o
métodos de venda, compra, reprodução e distribuição on line. (E talvez o site
“mercadolivre.com” seja hoje uma das suas expressões mais populares).
No início do século 21, as empresas virtuais estão apenas se consolidando; os
modos de produção, consumo e compartilhamento solicitam a elaboração de pesquisas
em marketing, propaganda e publicidade que dêem conta das novas demandas sociais.
Todavia, dada a complexidade desse universo que por ora apenas se descortina, aqui nos
limitamos a ressaltar a importância das investigações teóricas e empíricas nesse
domínio
47
. E no que diz respeita à noção de convergência, reafirmamos a necessidade
de se explorar os termos de um ethos comunicacional que contemple as formações
socioculturais engajadas na cibermilitância, em conexão com as atividades sociais
enredadas nos processos mercadológicos no contexto do ciberespaço.


47
Cf. VIANA, F. Hermes. A Divina Arte da Comunicação. (2006); JOHNSON, S. Cultura da
interface (2001); CASTELLS. Galaxia Internet; ANDERSON, C. A Cauda longa: Do mercado de massa
para o mercado de nicho . (2006). Versão anglofônica. In:
http://www.wired.com/wired/archive/12.10/tail.html; AMARAL, A; AQUINO, M.C; MONTARDO, S. P.
(org.) Perspectivas da pesquisa em comunicação. São Paulo: INTERCOM, 2010; Paper Cliq.
Comunicação e Estratégia Digital: http://www.papercliq.com.br/; ANTOUN, H. Cooperação, colaboração
e mercado na cibercultura. E-Compós, vol. 2, 2006. http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-
compos/article/viewFile/109/108; RECUERO, R. Redes Sociais na Internet (2009). Ver o mapeamento
seletivo de Alex PRIMO, principalmente, o link para “Consumo e negócios on line”:
http://bibliografiadecibercultura.com/ Acesso: 09.06.2011

48

Capítulo 4



Walter Benjamin e a Imaginação Cibernética



O trabalho de Walter Benjamin abre as portas da percepção para
compreendermos a pluralidade da cultura contemporânea. A sua leitura leva nos a
refletirmos acerca da aura das imagens, objetos e ambientes virtuais, nos impulsiona a
descobrimos as emanações neobarrocas na era da informação. Permite-nos contemplar
as figuras da sorte e as figuras do azar nos clichês da internet, e igualmente, nos instiga
a espreitar as formas do amor e do ódio ao vivo e “on line”. Suas idéias nos iluminam
para entendermos as conexões e disjunções da indústria cultural, contracultura, culturas
audiovisuais, mídiáticas e digitais, e podem ajudar num entendimento das interfaces
entre as tecnologias de comunicação, o seu modo de produção e as novas formas de
interação mediadas pelas tecnologias.
Propomos um exercício de sondagem sobre a cibercultura, colocando em
perspectiva a experiência de agregação dos indivíduos na época das auto-estradas da
informação. Para isso, um recuo na história da cultura se faz necessário, e nesse
movimento, encontramos as bases interpretativas para decifrar a realidade virtual nos
livros de Walter Benjamin [1892-1940], um filósofo que pensa o século 19 com as
antenas ligadas na modernidade do século 20. E a sua percepção aguçada – como
prognose - fornece elementos para uma discussão crítica das questões emergentes sobre
arte, mídia, sociedade e tecnologia no século 21.
Partimos do pressuposto que na passagem do fim do século 19 há imagens,
figuras, ícones que podem ajudar a entender a passagem do sec. 20 ao sec.21. A figura
do “flaneur” (flanador), andarilho solitário que passeia fascinado pelos objetos da
grande cidade (escapando das armadilhas do consumismo e da vida globalizada),
redescoberto por Benjamin, na obra poética de Baudelaire, possui afinidades com a
figura do internauta.

49

“Dessa forma, poderíamos pensar (...) a atitude do pesquisador (imerso nos
hipertextos da internet semelhante a de um flâneur midiático das narrativas
multiplataformas”
48

O primeiro é um viajante atento e transeunte desconfiado que apreende o sentido
dos objetos além da sua dimensão mercadológica; o segundo é um navegador curioso,
cúmplice da agilidade, pesquisador interativo que busca nos objetos personagens e
ambientes virtuais, algo além da sua condição efêmera e transitória.
A descrição feita por Benjamin, dos interiores, praças e passagens na obra
“Paris, Capital do Século XIX”, por exemplo, pode estimular, um olhar sobre as páginas
eletrônicas como passagens virtuais para uma atualidade exuberante, na Terra-Pátria
cibernética do século 21. Para o pensador, as vivências e narrativas dos indivíduos na
modernidade se norteiam por uma busca de sentido inscrito nas imagens, através de
uma memória coletiva que desperta para um estilo de vida mais pleno e satisfatório; é
isto que o filósofo traduz por experiência. Ele acredita no retorno das imagens do
passado como despertar, atualização e partilha do presente, livrando os homens de uma
experiência empobrecida.
A internet pode ser um meio de despertar, atualização e compartilhamento, mas
impõe desafios. Perguntamo-nos em que medida a internet, como uma “árvore de
conhecimento”, pode revigorar a experiência de sociabilidade e a inteligência coletiva;
como consegue politizar o cotidiano; como pode atualizar e fecundar a experiência das
culturas locais no contexto da velocidade global? Estas questões têm sido formuladas,
em diferentes áreas do debate sociocultural e político, em registros diferenciados, e aqui
nos servem como estímulo para observar as formas da Experiência (erfahrung), da
interação e da comunicabilidade na sociedade contemporânea.
Considerando a realidade dos países emergentes, constatamos que as redes
permitiram, favoravelmente, o acesso à informação global e a ligação entre os países,
povos e nações, numa escala planetária. O que as novas tecnologias colaborativas
podem trazer de mais arrojado é um encorajamento no exercício da pesquisa
multidisciplinar, favorecendo a investigação empírica e teórica, com o auxílio da
internet, o que permite a participação cooperativa na nova ordem da informação.

48
A referência é de Eneus Trindade, relato e comentário do paper “O consumo e a circulação da
telenovela Passione num cenário multiplataforma” (Schmitz; Oikawa; Sifuentes, Pieniz, Compós 2011.
GT Recepção: Processos de Interpretação, Uso e Consumo Midiáticos.

50

Pensar a internet e o coletivo no contexto dos países em desenvolvimento,
remete à história mal resolvida entre o espaço público e a esfera privada. Hoje, quando
há um visível declínio das formas de socialização tradicionais (família, igreja, escola,
sindicato, clube, agremiações), as mídias digitais funcionam como mediadores sociais.
Geram instâncias de diálogo entre os usuários, especialistas, voluntários, engajados,
amadores e profissionais, propiciando a configuração de uma esfera pública
informatizada. O fenômeno das redes sociais propiciado pelas infomídias digitais são
exemplos de experiências interativas e de novas formas de socio-comunicabilidade.
As noções de experiência e comunicação, para Benjamin, possuem um sentido
convergente pois traduzem a idéia de transmissão e compartilhamento, e esta será uma
das linhas mestras que vão nortear a nossa argumentação.
A internet, como vigoroso dispositivo informacional, traz novos desafios para o
debate sobre educação, ética e sociabilidade, também porque o seu aparecimento
coincide com a disseminação da violência global. A expansão das redes abriu caminho
para uma batalha pela inclusão digital, que atualizou os termos do debate sobre
integração e exclusão social; não somente porque a tribo dos “sem micro”, dos “sem
banda larga”, remete à tribo dos “sem teto”, mas porque a internet acena para a
possibilidade de integrar os excluídos numa experiência de partilha coletiva.
Os “paraísos artificiais” da internet relembram a utopia de uma “felicidade do
jardim público”, conforme escreve Voltaire, no seu livro Cândido. Hoje, uma estratégia
de comunicação social orientada eticamente por um projeto de cultivo do ” jardim
público” precisa enfrentar a nova desordem das relações entre o Estado, a sociedade, o
mercado e as novas tecnologias.
O simbolismo que emana das imagens acústicas de “paraísos artificiais”
(Baudelaire) e “felicidade do jardim público” (Voltaire), encerram – na verdade –
sentidos opostos: Os “paraísos artificiais” consistem numa ironia e licença poética, de
Baudelaire, para referir o mundo dos sonhos, do inconsciente, da embriaguez,
significando lugar nenhum, traduz portanto uma “atopia”, que só existe na concretude
da prosa do poeta. Ao seu turno, a “felicidade do jardim público”, como projeto
iluminista de Voltaire, traduz os termos de uma utopia, um fenômeno que só existe em
latência, como virtualidade, a espera de atualização pela experiência humana.
Ambas as imagens encarnam desejos e aspirações coletivas que se projetam nas
redes sociais. E as usamos aqui como metáforas irônicas, iluminadas, para designar a
matéria simbólica de que é feito o ciberespaço. Atopia e utopia ao mesmo tempo,

51

sonhos, bites, devaneios e logarítmos, energia elétrica e pele de plasma, essa é a matéria
complexa que forma a massa fenomenológica do ciberespaço. E o desafio que se coloca
para os defensores da liberdade, é contribuir para fazer dele um espaço coletivo de
compartilhamento, e isso implica numa postura ativa no ciberespaço.
A discussão é inadiável e remete efetivamente a um debate sobre a nova ordem
internacional da informação, e num plano mais complexo, diz respeito às relações entre
economia e política no contexto atual da mundialização.
O estado da arte da nossa pesquisa, evidentemente, não poderia esgotar uma
discussão do problema. A nossa proposta, no momento, consiste em mapear alguns
elementos para uma reflexão sobre do imaginário socio-tecnológico. Assim,
caminhamos contra o vento num terreno considerado propício à evolução de tendências
narcisistas e individualizantes, que é o espaço da realidade virtual. Contudo, ali
encontramos formas de agregação e sociabilidade, atração coletiva, novas estratégias de
territorialização, visibilidade e empoderamento animadas pelo sentimento dos
indivíduos de pertencerem a uma comunidade. O Orkut, YouTube, FaceBook, Blog e
Twitter são apenas algumas de suas iconicidades mais evidentes.

O singular de Benjamin: a percepção de uma cultura no plural

Retomamos as contribuições de Walter Benjamin, cujo repertório de estudos,
particularmente, A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica [1936], tem
sido recorrente na pesquisa sobre arte e sociedade, e recentemente tem iluminado as
ciências da informação e da comunicação, numa perspectiva estética, política e socio -
cultural. Tendo sido “catalogado equivocadamente ” como membro da controvertida
Escola de Frankfurt, juntamente com Adorno, Horkheimer, Marcuse e Habermas, seus
textos constituem uma ferramenta teórico-metodológica importante para uma
“antropológica da comunicação”, na perspectiva da Teoria Crítica. Todavia, Benjamin
permanece enquanto um marco referencial porque os seus ensaios se distinguem
daqueles dos seus “companheiros de escola”, pelo seu potencial de atualização das
formas culturais emergentes, assim como, pelo caráter de prognóstico das suas análises.
Julgamos pertinente remontar a Benjamin para um enfoque da chamada
cibercultura, colocando em perspectiva as formas de “experiência e pobreza” na época
da realidade virtual, por vários motivos:

52

Em primeiro lugar porque a expansão das “máquinas de comunicar” coincide
com a reaparição das representações religiosas, no fim de milênio, justo quando a
racionalidade técnica parece reger a nova des-ordem do mundo. A reemergência do
místico-religioso configura aquilo que alguns autores definem provisoriamente como
um retorno do barroco, em que a razão e a fé, a ciência e a mitologia, o sagrado e o
profano se reencontram. Isto permite compreender o computador de modo mais
abrangente, ou seja, como instrumento técnico que calcula, quantifica e performatiza as
estruturas do mundo pragmático, mas também como um novo tótem em torno do qual
os indivíduos (e tribos) prestam reverência, cultivando-o como objeto sagrado, e que
expressa a idéia de “religação”, comunhão e êxtase face à epifania das imagens, sons e
textos compartilhados nas conversações em rede.
Depois porque a propagada “crise dos paradigmas” referenciais para pensarmos
as questões da arte, sociedade , cultura e política pode ser discutida à luz de textos como
“A modernidade e os modernos”, em que o filósofo focaliza a experiência de passagem
do século 19 ao século 20. O singular na obra de Benjamin é despertar para a percepção
da “cultura no plural” (sua parte material, mística, psicológica, social e tecnológica) mas
sempre dirigida pela idéia de realização de uma experiência e de partilha coletiva.
E, finalmente, porque Benjamin sempre buscou transcender as limitações de um
pensamento ressentido e pessimista com prejuízos para a percepção. O seu conceito de
“aura” e “reprodução mecânica”, as alegorias do anjo e da História, assim como as
figuras do “flanador”, do “colecionador”, do “jogador” e da “prostituta”, ao seu ver,
não se limitam aos processos de mercantilização, são antes expressões que condensam,
simultaneamente, a dinâmica da vida mental na metrópole, a emanação do espírito
coletivo, as projeções da parte obscura e a parte brilhante da vida em tempos difíceis.
No ensaio “A obra de arte ...”, encontramos o lado do Benjamin filósofo
marxista, mas também um iniciado na cabala e astrologia, que soube enxergar na
imanência dos acontecimentos mais banais uma “aura”, a sua parte de transcendência.
Mirando os objetos de consumo, Benjamin descobre a sua face oculta, que extrapola a
mera condição utilitária; ali o autor pode contemplar o seu lado simultaneamente
mágico e memorial, que desperta reminiscências do passado. Sem saudosismo, descobre
então a oportunidade de resgatar uma experiência, os vestígios de uma tradição de
comunicabilidade. Neste mesmo contexto, no ensaio “O narrador” [1936], nas figuras
do “marinheiro mercante” e do “artesão sedentário”, Benjamin encontra os sujeitos que
transmitem uma experiência de tradição, refazendo os laços comunitários.

53

As noções de “aura” e “tradição” (ecos da influência mística), e o conceito de
“superestrutura” (de influência marxista) para tratar dos produtos culturais, não limitam
o seu percurso filosófico: Benjamin não acredita em sínteses. Percebe que a
modernidade cultural (produto do capitalismo) constrói e destrói coisas belas, isto é,
promove experiência e pobreza: os seus estudos sobre a paisagem urbana da cidade no
século 19, podem demonstrá-lo. Ali abrem-se janelas para pensarmos o estatuto da
experiência, num estágio em que a dinâmica das trocas materiais e simbólicas se tornou
mais complexa.
Pensamos no simbolismo do cinema, da televisão e da internet como campo
possível para o gozo da experiência de que Benjamin fala. Ainda no ensaio sobre “A
obra de arte...”, o filósofo descobre o caráter fecundo das tecnologias audiovisuais. O
cinema contribui para a perda da “aura” dos objetos estéticos, mas consiste numa
tecnologia revolucionária, que desperta uma nova percepção dos indivíduos, podendo
transformá-los em espectadores ativos.

As imagens virtuais têm aura?

Escolher Walter Benjamin como fio condutor para um ensaio sobre a
cibercultura parece uma estratégia feliz porque as iluminações do autor, de saída, já
desmontam a perspectiva dividida dos “fáusticos” e “prometêicos” que vêem as novas
tecnologias da informação e comunicação, respectivamente, como prenúncios do “fim
do mundo” ou como uma “terra prometida”.
Orientado por uma concepção que abrange o arcaico e o ultra-moderno,
Benjamin exerce uma imaginação criadora apreendendo “o vivo do sujeito”, sem se
limitar aos dogmas da teleologia, nem reduções do marxismo. O filósofo se agiliza
transversalmente atento para o devir das sociedades e culturas. Sua percepção e
experiência do mundo compreende as inovações tecnológicas do seu tempo (a
fotografia, o rádio, o cinema) de forma – particularmente - dialética. Isto é, impõe uma
visão crítica, reconhecendo os efeitos de uma estratégia mercadológica que favorece a
reprodução mecânica, cópia e falseamento das obras culturais, ou seja, como sintomas
de decadência, mas ao mesmo tempo as percebe como vetores de experiências estéticas
enriquecedoras, alavancas que abrem as portas da percepção para uma nova
contemplação da realidade.

54

A sua técnica de descrever o cotidiano sob a forma de “mosaicos”, nos estudos
sobre Baudelaire ou no “Trabalho das Passagens” (1927-1939) antecipam de algum
modo o estilo das narrativas do jornalismo atual marcado pelo grafismo, a estética
ligeira dos videoclipes (disponibilizados no YouTube) e as inscrições pós-modernas sob
a forma dos blogs e microblogs. O autor apreende nos objetos e tecnologias modernas a
fulguração do instante em que o espírito se ilumina, no encontro com as imagens antigas
que atualizam o presente.
Benjamin sinaliza para a percepção do hic et nunc (o aqui e agora) da
experiência cultural e comunicativa. Neste sentido, compreendemos que o acesso aos
sites de astrologia, sexo, jogos, revistas de moda, jornais do cotidiano, em sua aparente
trivialidade, realiza a felicidade instantânea dos internautas. Mesmo que passageiras, as
sensações de bem estar dos indivíduos plugados na rede, entram em sintonia com uma
camada de significação, cujo simbolismo se estrutura promovendo um êxtase
semelhante aquele experimentado pelos rituais antigos. O internauta, consumidor de
imagens, através de uma “iluminação profana”, reencontra-se ali com “entidades
imaginárias” que animam o seu cotidiano. Sob as palavras, imagens figurativas ou
discursos verbais que o encantam; as vozes ancestrais são ressuscitadas agora pela
parafernália cibernética a que está conectado.
Benjamin, dedica especial atenção às imagens acústicas, anteriores à sua forma
visível, que, para o filósofo, carregam consigo uma mensagem cuja origem é remota,
mas que favorece uma conexão imediata com as formas dinâmicas do presente. Sob o
seu significado visível, há imagens significantes que criam laços e conferem um certo
espírito de comunicabilidade aos objetos de consumo. Benjamin despreza o que os
objetos simbolizam e propõe um método “alegórico” para decifrar o seu verdadeiro
sentido.A alegoria, para o filósofo traduz a realidade histórica de modo mais concreto
que sua versão oficial ou instituída, consiste numa estratégia de comunicação que
permite flagrar o real em permanente transformação. São os rastros, pistas e sinais
deixados pelos ancestrais no longo texto do mundo que atualizam e transformam em
“comunidade afetiva” os indivíduos anônimos conectados pelas redes e telas dos
computadores.
Os textos de Jung, Bachelard, Durand e mais recentemente Maffesoli, têm
contribuído, para a sustentação de um argumento que busca focalizar, respectivamente,
“o homem e seus símbolos”, a “poética dos elementos da natureza” inscrita na vida
cotidiana, a “imaginação criadora” e a “contemplação do mundo” imaginal na

55

perspectiva de uma pujante sociabilidade. Estas contribuições têm instigado trabalhos
férteis que procuram se orientar metodologicamente nos domínios de uma
“antropológica da informação e da comunicacão”. Contudo, é o entusiasmo das
gerações mais recentes, que não param de acessar, investigar, interagir, utilizando os
computadores e a internet de modo criativo, realizando pesquisas conseqüentes, que nos
estimulam a considerarmos pertinente a recepção destas novas tecnologias.

Emanações barrocas na era do virtual

Na sua “Pequena História da Fotografia” [1931] Benjamin denuncia as formas
do falso na fotografia que substitui a pintura figurativa, limitada pela função medíocre
de apenas retratar os personagens ilustres, mas não se furta ao elogio da fotografia como
descoberta de novas formas de visibilidade e exercício da imaginação criadora. O ensaio
é fascinante porque desperta a faculdade de julgar o objeto estético além da sua mera
roupagem tecnológica. Com a evolução das técnicas fotográficas, o artista (como
produtor) e o diletante da fotografia (enquanto consumidor) perceberão que o flash da
câmara fotográfica tem o poder de resgatar imagens belas, ainda não desgastadas pela
usura, ainda não congeladas pela estética convencional. As tecnologias audiovisuais
evoluíram bastante e, hoje, uma poética tecnológica traduz a estética do feio, irregular e
insólito com traços bonitos e ângulos sensíveis criando laços com a percepção coletiva.
Encontramos no trabalho “As origens do drama barroco alemão”, sua tese
recusada pela Universidade de Frankfurt [1928], algumas sugestões para tratar a
convivência do antigo e o novo, gerando formas de experiência e comunicabilidade.
As novas imagens produzidas pelas "máquinas de visão" (nos celulares, câmeras
digitais, fotoshop, 3D) com suas técnicas arrojadas, procedimentos de multimídia,
hipertextos, wiki, etc, promovem o efeito que alguns autores, como Eco, Calabrese,
Maffesoli, compreendem como uma “(neo)barroquização”. É uma forma de
compreensão que serve de parâmetro para repensarmos a ética e estética numa época em
que as tecnologias da informação e comunicação estão por toda parte. Estas imagens
atendem a um apelo coletivo de vozes distantes. O público solicita a aparição do belo,
mas também deseja contemplar uma “estética do feio” explícita no vídeo.
As conjunções imprevistas, a coincidência dos opostos, as hibridações de
gênero, presentes na trajetória das artes e técnicas audiovisuais, fenômeno que se
convencionou chamar “barroco”, reaparecem na era do virtual, através das “estranhezas

56

on line”: instalam-se no ciberespaço sob a forma do cyberpunk (AMARAL, 2006), da
“imagem espectral” (FELINTO, 2008 ), da “iconofafia” midiática” (BAITELO, 2005),
do “sex-appeal do inorgânico” (DI FELICE & PIREDDU, 2010). Há um repertório
formidável de experiências, fenômenos e acontecimentos que se revelam através de uma
etnografia, uma semiótica da cultura, uma antropológica da comunicação.
É muito forte a carga simbólica que emana da alegoria do anjo, que Benjamin
faz do desenho (de Paul Klee): nessa alegoria, há uma visão do passado, em que se
amontoam as ruínas, os cacos da história; seria bom retornar, salvar os mortos, mas do
futuro sopra uma tempestade que nos impedir de ir, “a que chamamos progresso”.
Sem estarem presas ao passado, sem uma utopia do futuro, as tribos urbanas
estão conectadas no presente. Abolem as crenças e ideologias perdidas no tempo, em
que as imagens de Deus e do diabo se instalaram como projeções da falta. Todavia,
relembrando duas imagens filosóficas de Nietzsche, ocorre aqui – paradoxalmente e
simultaneamente – um “crepúsculo dos ídolos” e um “eterno retorno”. Ou seja, os
deuses, heróis e mitos, não desaparecem do imaginário coletivo, metamorfoseiam-se e
assumem outras configurações no paganismo do mundo cyber. Os internautas
interligados em rede, elegem novas idolatrias e iconicidades. E ao mesmo tempo se
comprazem na felicidade imediata dos objetos de consumo, refazem laços poderosos de
“tecno-socialidade”, forjando modos de “identificação” e “empoderamento”.
É desta matéria que trata Maffesoli estudando o “instante eterno” (2003), o
“mistério das conjunções” (2005), o “nomadismo” (1997); Felinto apreciando a
“fantasmagoria tecnológica” (2007) e “a religião das máquinas” (2005), Felinto &
Bentes decifrando a “ecologia das imagens” em Avatar (2010), Martins decodificando
as “impressões digitais” (2008), Carneiro Maldonado contemplando a “Chama
Sagrada, a sociabilidade e religiosidade na internet, (2000), Marcondes Filho fazendo a
critica da “civilização místico-tecnológica do século XXI (1997).
No cenário urbano pós-industrial, caracterizado pelo tecnopaganismo, cuja
celebração máxima se realiza no ciberespaço, não cessam de se projetar as sombras,
sobras e simulacros das religiões, mitologias, simulações pós-metafísicas e pós-
humanistas. Este é o substrato do caleidoscópio contemporâneo, que ganha dimensões
extraordinárias turbinado pela ubiqüidade, aceleração e velocidade; é a fonte da energia
que alimenta a vida sensorial, afetiva, estética e cognitiva dos cibercidadãos.
A imaginação tribal conectada pela tecnologia, projeta a matéria orgânica no
contexto inorgânico dos suportes materiais. Os indivíduos na “Second Life” solicitam as

57

expressões do vivo, mas se identificam e se comprazem também com a natureza virtual
dos avatares, que lembra a condição de finitude dos homens, e ao mesmo tempo acena
para um devir cyborg, biônico, super-homem, pós-humano.
Em meio à multiplicidade no contexto intermidiático e hipertextual, as imagens
se mostram outra vez, barrocas: parecem sempre prontas a se reciclar e retornar ao
“mundo visível”, e o fazem, nas telas de Caravaggio, no cinema de Greenaway, nos
videoclipes da MTV, nos games digitais, no labirinto audiovisual do YouTube, nos
hiperlinks da Internet. Atendendo às vicissitudes do espírito e às “dobras da alma”,
sempre voltam em diversas modulações, atualizando o ritual do “mana”
49
cotidiano.

Figuras da sorte , figuras do azar: os clichês na Internet

Os personagens recuperados por Benjamin na poesia de Baudelaire, como o
jogador, o colecionador e o flanador, em sua aparente efemeridade, encarnam arquétipos
que reaparecem na crônica da cidade como o “zapeador”, o internauta, o avatar, o
ciberpunk. São importantes como referência para os indivíduos que recusam a “via de
mão única” e a normatização das mídias, buscando outros caminhos, novas formas de
alteridade e o exercício da subjetividade. Entretanto, em nossa época, quando se fala em
declínio da razão e retorno das formas místico-religiosas, a figura do “corcundinha”,
reminiscência dos contos de fada alemães, presente nos textos de Benjamin, nos parece
pertinente para uma reflexão das figuras da sorte e figuras do azar que perseguem o
imaginário coletivo. O filósofo, apresenta o “corcundinha” como alegoria dos revezes
do destino e vários estudos biográficos são plenos de referências sobre esta imagem que
o teriam acompanhado desde a infância. Significando a má sorte, o desajeitado, o
corcundinha é um personagem que durante muito tempo perseguiu a imaginação do
filósofo, conforme podemos ler em seus textos para crianças:

Vou à minha adega/ beber meu vinho/ Lá está o corcundinha/ Pegou
minha garrafinha/ Vou à minha cozinha/ cozinhar minha sopinha/ Lá está
o corcundinha/ Quebrou minha panelinha.

Walter Benjamin, apud ARENDT (1987)


49
A noção de Mana, fundante da magia e da religião, corresponde à emanação da força espiritual
de um grupo e contribui para uni-lo. O Mana é, segundo Mauss, criador do vínculo social. Cf: Le Mana
Quotidien (AUCLAIR, 1970); Tratado de História das Religiões (ELIADE, 1998); Mythes et croyances
du monde entier (AKOUN, 1985); As estruturas antropológicas do imaginário (DURAND, 1988);
WIKIPEDIA, 2011.

58

É conhecido o percurso de Benjamin marcado pelas surpresas desagradáveis e
trapaças da sorte (a recusa pela academia, os desencontros no amor, o suicídio sob
pressão dos nazistas). Benjamin parece encarnar o personagem de má-sorte. Como
lembram alguns biógrafos, a trajetória do filósofo leva a pensar em “como se tornar
famoso cometendo tantos erros”
50
.
A questão da fama póstuma de Benjamin, relembra que o mesmo já gozava de
prestígio entre os seus pares, como demonstra Hanna Arendt em seu estudo sobre o
filósofo: “A fama póstuma, não comercial, não lucrativa é precedida pelo mais alto
reconhecimento entre os seus pares”. Como no exemplo de Kafka ou do próprio
Benjamin reconhecido por Adorno e Scholem, assim como por Brecht. A questão da
fama oscila, como escreve Hanna Arendt, entre “uma semana de capa de revista ou o
esplendor de um nome duradouro”.
O assunto relembra a confissão de Michel Foucault: “a gente escreve para ser
amado”, e por outro lado, faz remontar a idéia dos “15 minutos de fama”, formulada
pelo artista Andy Warhol. Hoje, a questão da fama, da projeção e do reconhecimento, na
perspectiva das redes adquirem novos contornos; a interatividade propiciada pela
Internet, produz os instantes de fama on line, ou seja, possibilita a sensação de presença,
participação e pertencimento nos tempos do efêmero e do provisório.
No que respeita ainda à sorte e ao acaso, em seu texto sobre Roberto Walser
(1929), o filósofo lembra que para aquele escritor “... caminhar sem destino constituía o
ponto central de sua vida de exclusão e de seus livros maravilhosos”. Ocorre-nos
lembrar a figura do internauta: “Não encontrar o caminho numa cidade não é muito
importante, mas perder-se numa cidade, como as pessoas se perdem numa floresta,
exige prática...” (BENJAMIN, Rua de Mão Única, 1995).
Podemos ler, nas entrelinhas, uma espécie de premonição da cibercidade, dos
nomadismos, das navegações no ciberespaço. Os internautas, e-leitores, cibercidadãos
sabem como se perder nas cibercidade. Os mapas, as cartografias, as passagens,
exploradas no textos de Benjamin, hoje se atualizam como redes sociais, como sistemas
e plataformas de geolocalização (Google Maps, GPS, Google Earth).



50
Cf. Walter Benjamin (GAGNEBIN, 1982); Walter Benjamin. Sociologia (KOTHE, 1985);
“Benjamin (1892-1940)”. In: Homens em tempos sombrios (ARENDT, 1987).

59

Alegoria do ciberespaço e sabedoria filosófica da comunicação

O projeto de Walter Benjamin é completo, mesmo na incompletude das obras
interminadas e na morte prematura de um dos mais respeitados pensadores do Ocidente.
Desde a obra A origem do drama barroco alemão, passando pelos estudos de
Baudelaire, Proust, Kafka, Brecht, o clássico ensaio sobre “A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica” e sobre “O conceito de história” até a pesquisa monumental
“O Trabalho das Passagens”, o filósofo constitui numa referência incontornável para os
estudos culturais. E as suas investidas nos domínios da arte,técnica, ciência e política,
tornam os seus textos essenciais no campo das Ciências da Comunicação.
Em ruptura com os modelos positivista, marxista, funcionalista, Benjamim abriu
caminho para uma nova base epistemológica, em que o trabalho de interpretação da
cultura encontra fontes inesgotáveis para a problematização dos temas candentes. É um
autor hermético, complexo, visionário, cujo legado nos permite decifrar o sentido das
formas culturais emergentes, o que nos remete a refletir sobre o estado da arte da
comunicação na era da informação digitalizada e a formular algumas questões.
Na episteme comunicacional da cultura digital há lugar para uma “sabedoria
encantada”, sob a orientação de uma “razão sensível”? É possível o resgate de uma
percepção estética e cognitiva que escape às limitações da mera funcionalidade técnica?
Existe espaço para uma sensibilidade sócio-técnica, perceptiva, conectada e vigilante,
atenta à aura das imagens e sons promovidos pelos meios de comunicação colaborativa?
Um mapeamento dos objetos do cotidiano reencontra no desenho dos objetos de
comunicação, ao mesmo tempo, objetos de consumo, objetos estéticos, com valor de
culto, valor de troca e de exposição. O novo “mana”, que envolve o culto e o êxtase da
comunicação, se realiza através dos sistemas telemáticos, no contexto dos ambientes
virtuais, dos processos sócio-informacionais, resultando em novos estilos de vida
compartilhados, que fervilham na dimensão da cibersociedade.
Nos jornais e revistas, no telejornais, no cinema, no cibermundo, projetam-se as
formas de experiência e pobreza do cotidiano. O simpático Tamagoshi, o bicho virtual,
as esteiras ergométricas, os controle-remotos, os celulares multifuncionais, enfim, os
objetos tecnológicos, parafraseando Mc Luhan, são extensões do homem pós-moderno.
Relembrando Sodré, pertencem ao circuito das “máquinas de narciso”, e constituem
vetores do “social irradiado” na cidade midiatizada. Mas ao mesmo tempo, geram
competências cognitivas, e empoderamentos individuais e coletivos.

60

Benjamin nos desperta para contemplar o novo naquilo que contém de antigo, e
transversalmente, instiga à contemplação do antigo, como algo que atualiza a
compreensão do novo. E, se aceitarmos a premissa da antropologia filosófica de que
todo estereótipo consiste na emanação de um arquétipo, podemos compreender as
linguagens, tendências e comportamento dos grupos humanos imersos no ciberespaço,
como o “eterno retorno” de um espírito comunitário ancestral, cujo potencial de
comunicabilidade e sociabilidade é inestimável.
Esta perspectiva pode ultrapassar preconceitos, pois reconhece a importância do
clichê, banal, provisório como elementos da cultura emergente, e que, mesmo em sua
descartabilidade, atualizam a memória coletiva, pois já carregam consigo uma alegoria
da história, sendo fontes de pesquisa e conhecimento para as novas gerações. Um bom
exemplo são os vídeos documentários, contendo fragmentos básicos para uma
compreensão da história das artes, das técnicas e da comunicação, no Brasil – desde o
início da modernização industrial até os dias de hoje – que, disponibilizados no
YouTube, tornam-se dispositivos vigorosos no agenciamento dos processos
educomunicacionais.
A ligação entre o espírito e a manifestação material interessava bastante a Walter
Benjamin. Ele tinha interesse na “correlação entre uma cena de rua, uma especulação da
bolsa de valores, um poema, um pensamento... a linha oculta que reune e permite ao
historiador reconhecer que pertencem ao mesmo período histórico”. Adorno criticava a
apresentação aberta de atualidades como Benjamin fazia; mas o autor estava interessado
em “capturar o retrato da História nas representações mais insignificantes da realidade”.
Tinha paixão pelo pequeno, pelo minúsculo, paixão pelo micro.

Das redes de dormir às redes da imaginação criadora

Como expõe Sérgio Paulo Rouanet, no ensaio “As galerias do sonho” (1987),
Benjamin tinha afinidades eletivas com Proust, Kafka e Goethe. Em Proust encontra a
noção de “reminiscência” e “memória involuntária” para construir as suas alegorias do
cotidiano. Em Kafka, particularmente, Benjamin espreita as imagens dos campos em
ruínas, áreas de desastre, montes de escombros. O seu interesse se volta para a realidade
manifesta nas expressões idiomáticas da linguagem cotidiana. As influências que sofreu
de Goethe refletem simpatia pela poética sem desprezar a filosofia (seja ela uma
metafísica, dialética, hermenêutica ou fenomenologia).

61

Benjamin sofreu ainda influências de Brecht e sua idéia do “pensamento cru”, e
assimilou muitas sugestões da sua amada russa, Asja Lacis. A estas influências irão se
opor Adorno, que lhe sustentava em Paris com os recursos da Escola de Frankfurt
(transferida para Nova Iorque) e Gershom Scholem, companheiro das leituras
teológicas; o primeiro era esquivo à estética do realismo social e reprovava a sua falta
de “trabalho do conceito”, o segundo, recusava as explicações materialistas. Benjamin,
entretanto, como filósofo que era, permaneceu atento a uma razão perceptiva, auditiva,
algo próximo do que hoje Michel Maffesoli chama de “razão sensível” (1998).
Tanto o “flanador”, como o “anjo da História” chamam atenção para uma outra
percepção do percurso histórico. São personagens que, refazendo as palavras do
filósofo, “remontam os cacos da História”. Nas suas famosas “Teses sobre filosofia da
História” [1940], onde se inscreve a figura do anjo, lemos que “a verdadeira imagem do
passado perpassa veloz”. Em contraste com a atividade apressada nos tempos do
capitalismo (quando tempo é dinheiro), o “flanador” e o “colecionador” percorrem
caminhos opostos ao ritmo da mercadoria, resgatando nas imagens cotidianas, as
expressões de uma experiência de comunicabilidade. Não é difícil encontramos uma
analogia entre aqueles personagens descritos em “Paris, Capital do século XIX” e as
figuras contemporâneas do “shoppista” (o andarilho curioso dos shopping centers), o
“zapeador” (ágil manipulador do controle remoto da televisão) ou do internauta (que
“viaja” durante horas a fio na Internet).
Benjamin se interessa pela aparência, pela aparição, pelo visível, numa palavra,
o que se mostra à percepção visual. Isto é sintomático na elaboração do conceito de
“aura”: algo essencialmente de ordem místico-religiosa. Para os intérpretes do presente,
compreender o seu sentido hoje, no contexto das mitologias do virtual, consiste num
grande desafio: cumpre procurá-las nas imagens da publicidade, nas fotos, vídeos,
filmes e músicas disponibilizados na internet.
A epifania das imagens no ciberespaço, reforçam os laços entre os indivíduos:
trata-se de um fenômeno de convergência e sincronicidade que revela uma experiência
de natureza essencialmente mítica ou encantada.
Parece um paradoxo escrever sobre Benjamin sob o signo de uma sabedoria
encantada (Adorno certamente não gostaria desta imagem). Benjamin era um
materialista dialético, e não podemos esquecer a influência exercida por Gershom
Scholem (e da mística judáica) sobre sua mentalidade; ele sempre foi fundamentalmente
norteado por uma perspectiva poética. Benjamin se orienta menos por uma

62

epistemologia; isto é, busca sempre escapar de uma metodologia científica pronta e de
lógica científica limitada por uma “razão abstrata”, e segue mais uma direção estética:
as percepções é que lhe são caras.
No que respeita ao seu cuidado e reconhecimento diante da potência das
imagens, Walter Benjamin e o filósofo Gilles Deleuze (embora em registros diferentes)
possuem geografias de pensamento que se nivelam em vários pontos: não é de se
estranhar o fascínio que ambos tinham pela literatura de Proust, que é, antes de tudo
imagética, cinematográfica avant la lettre.
Percorrendo o cenário urbano no século 19, Benjamin, encontra em Baudelaire e
seus personagens alegóricos, as pistas para pensar aquele período de passagem. Além do
“flanador”, o “colecionador”, o “dândi”, a “prostituta” e o “apache” são tipos sociais
que o poeta encontra na ruas de Paris, e se parecem arquetípicos do “homem que não
virou suco” em meio às engrenagens do sistema capitalista. Caminham, segundo
Benjamin, num ritmo próprio. Reencontramos, uma analogia da figura do “flanador” no
internauta, que surfa na Internet, “zipando” (comprimindo as informações num pen
drive e lhes conferindo nova significação).
Os objetos de consumo para o colecionador do século 19, como hoje, para o
shoppista no século 20 (nas livrarias virtuais, fazendo compras on line), não indicam
apenas o sintoma de uma reificação, alienação, mercantilização. São antes objetos de
fruição estética, objetos de interação e comunicabilidade. Distintamente da lógica
consumista burguesa, os objetos para o colecionador, internauta, cidadão, são elementos
de paixão, de culto e devoção. Os CDs de música, os DVDs de filmes, os programa de
software e os games interativos são objetos de culto (sonho de consumo) para os
usuários e colecionadores, e seu valor diletante supera o valor de troca.

Indústria cultural, contracultura, culturas excêntricas

O internauta nos chats, nas salas de bate-papo experimentam algo da ordem do
misterioso, do excêntrico, vetores de uma experiência autêntica, única e intransferível
para os usuários. É certo que a cultura globalizada mantém em perpétuo estado de alerta
as suas estratégias de persuasão com fins comerciais; mas há algo aí que é de ordem
fenomenológica, algo que encerra o seu sentido na própria realização da experiência.
Sendo assim, o que importa aqui é a maneira como os usuários adequam e se apropriam
dos objetos, mensagens, propostas, realizando experiências que lhes conferem prazer.

63

Uma viagem pela Internet oferece ao usuário sites excêntricos que, se não
surpreendem, definem os níveis de distinção das tribos que possuem alguns traços das
experiências contraculturais dos seus pais e avós dos anos 60/70. Os sites
“PQP”, “Banana loca” ou “Embromation Society”, o Blog do Tas, o vlog do
Macaco Simão, a ciberdramaturgia do grupo Terça Insana, cujas imagens estão no
YouTube, se não têm mais o poder de chocar, numa sociedade que parece já ter
absorvido todos os gêneros de transgressão, apresentam vigorosos programas críticos,
ácidos, de sátira social e elaboração de um humor inteligente no circuito do consumo,
favorecendo aos diversos estilos de identidade e sociabilidade.
Empiricamente, é possível catalogar tendências de estilos e gostos distintos dos
usuários da rede: salas de ecologia, esoterismo, gays, astrologia, ciberpunks, medicina
alternativa, entre outras compõem o repertório múltiplo e diversificado dos internautas.
Contra o típico, usual, classificável existe doravante a oportunidade de escolha,
fora dos padrões convencionais. O ciberespçao é o lugar de exercício da subjetividade e
da cidadania: o internauta, e-leitor, usuário, consumidor é um cidadão virtual.
O internauta coleciona seres, imagens e sons virtuais, como o colecionador de
Benjamin o fazia com os livros e objetos de arte do passado: é uma experiência que
realizada com assiduidade revela um tipo de culto. O internauta tem traços do místico
diante dos ídolos e imagens sagradas; o computador representa uma espécie de tótem
contemporâneo. O sentido da Internet (e do ciberespaço) pode ser compreendido à luz
de uma antropologia que contempla o mundo do trabalho, da vida, da linguagem,
vivenciados por aqueles que encaram o presente com firmeza e sem ressentimento.
O bate-papo na Internet, o que chamam de “namoro virtual” (em sua primeira
versão, quando ainda não se tinha o videofone, chama a atenção pelo retorno da imagem
acústica, como no tempo forte da literatura quando a imaginação criadora se incumbia
de “realizar” os personagens, os indivíduos, as figuras e tipos sociais. Benjamin dizia
que “a verdade é um fenômeno acústico”. Para ele “a verdade do objeto está em sua
riqueza e estranheza” em relação ao circuito mercadológico. Afirma ainda que “a
verdade é um desafio às épocas em que as referências são esponjosas e flutuantes”, o
que se aplica perfeitamente à nossa época, vista por Bauman como “modernidade
líquida” (2001) e apreciada – distintamente – por Maffesoli, como “nomadismo e
vagabundagens inciciáticas” (1997).
Em sua visão crítica da passagem do século XIX, pelo viés da poesia de
Baudelaire, Benjamin realiza o seu mapeamento da cidade de Paris, o centro da vida

64

cosmopolita e encontra nos jornais, na publicidade e nos folhetins a matéria viva para
contemplar a cidade, o homem e o espírito do tempo. Ali se depara com a informação
curta e brusca que concorre (e ultrapassa) o relato minucioso, comedido. Seria exagero
enxergar ali uma previsão do twitter, que revolucionou o estilo da comunicação atual?
Prestando atenção ao fluxo urbano, sempre por intermédio da poética de
Baudelaire, Benjamin descreve os tipos humanos e sociais, meticulosamente, “desde o
vendedor ambulante até o amante da ópera”. O passeio do “flanador” como o do surfista
da internet, em nossos dias, funciona “como um remédio infalível contra o tédio”. As
galerias ontem (e hoje as salas virtuais de leitura, assim como as salas de Bate Papo)
significam um meio termo entre a casa e a rua.

Tecnologias colaborativas, estratégias sensíveis, experiências sensoriais

Retomando o tema da “experiência e pobreza” concernente aos sentidos,
Benjamin cita o filósofo alemão Georg Simmel: “As relações humanas nas grandes
cidades se distinguem pela preponderância da atividade visual sobre a auditiva devido
aos meios de transporte. Antes do desenvolvimento destes meios não havia o confronto
dos olhares no ônibus, no bonde, no trem” (e no metrô, acrescentaríamos)
51
.
“Segundo Goethe, todos carregam consigo um segredo”. O homem continua
sendo uma ameaça: a idéia de encontrar um amigo virtual pode ser excitante, mas
inspira, muitas vezes, receio. O homem virtual se assusta diante do homem real: a parte
orgânica e animal do cyborg o leva a se manter em estado de alerta, e por vezes, a
atacar. Os signos de fragilidade e pobreza do animal urbano podiam ser observados no
cinema e na televisão, hoje são flagrados na vida on line.
A ambiência informacional pode ser vistas como laboratório para
compreendermos o regime dos afetos e das emoções coletivas.
Existe a parte de riqueza na relação entre o ser humano e a tecno-realidade, mas
as máquinas comunicantes também podem viciar: sem televisão, sem computador, sem
celular o indivíduo sofre porque – na era das tecnologgias como extensões humanas - a
sensação da falta, o mal-estar e a solidão ressurgem ampliados.

51
Caberia refletir sobre a experiência dos contemporâneos na era da dromocracia, em que a
ação, a palavra e o pensamento são mediados pelos vetores tecnológicos da aceleração e da velocidade.
Nessa perspectiva, inscrevem-se a crítica de Marcondes Filho (2004), Trivinho (2007) e Rudiger (2008),
leitores de Marx e Heidegger. E, para o exercício de um pensamento dialógico, apontaríamos, numa outra
perspectiva de análise De Kerckhove (2009), Di Felice & Pireddu (2010), Santaella (2007), Lemos &
Josgrilberg (2010), leitores críticos de McLuhan, e de olho na dimensão colaborativa da cibercultura.

65

Sob outro prisma, como na paisagem urbana da modernidade descrita por
Benjamin, as tribos urbanas atuais não se misturam na floresta do ciberespaço,
agrupam-se por afinidade, como na vida presencial. Nas redes existem sociabilidades,
rivalidades, preferências e cumplicidades, resultantes das comunidades de interesse;
experiências análogas à rua vista por Baudelaire e comentada por Benjamin.
Muitas discursos dos internautas (no MSN, no Orkut, no FaceBook, e
principalmente no blog e no twitter, equivalem às matérias noticiosas. A diferença é
que, como na ficção da literatura, ali no ciberespaço, as noções de tempo e espaço –
prevalentes na sociedade fordista, da modernidade industrial, podem ser abolidas. E se
assemelha, em quase tudo à vida vivida, assim como às cenas da crônica policial.
Através do noticiário da rede, os indivíduos se ligam aos fatos como nos romances de
Alan Poe: o “maníaco do parque”, o “serial killer”, a tsunami ou “o último vírus”... tudo
aparece aqui como uma experiência diferente, quando a realidade, a ficção, a vida real e
virtual se misturam formando aquilo que Eco chama de “irrealidade cotidiana”.
Não podemos esquecer que o jornal, o rádio, a televisão são contemporâneos da
internet: estes veículos não desaparecerem da cena da cidade, ainda que pouco a pouco
venham sendo absorvidos pelo novo veículo. Mc Luhan mostrou que cada meio de
comunicação contém potencialmente o seu meio subsequente, no que respeita à sua
inscrição no percurso histórico da cultura.
Há um modo próprio de ver as coisas da parte do homem de vida pública
domiciliado na cidade. A mídia produz ou amplia uma “cultura de eventos” (o que
implica num índice regressivo que destitui o sujeito do ato de realizar sua própria
experiência). Por outro lado, a internet abre a possibilidade do espectador intervir,
participar do acontecimento midiático. Talvez o caso dos programas de debates e
entrevistas na televisão, que mantêm “aberto” um sistema de comunicação com o
público não seja um bom exemplo de interação porque ali ainda existe uma certa
diretividade sobre o diálogo. Mas, também não podemos deixar de ali observar, um
dispositivo potencial de interatividade.
O passeio do usuário pela Internet, como a caminhada do transeunte no século
XIX, contém um efeito enebriante. Benjamin falava sobre os efeitos inebriantes do
haxixe, no sentido de experimentar outras formas de percepção. Uma multidão de
internautas experimenta um tipo de ebriedade religiosa, como o flanador ou o shoppista
na grande cidade. Os encontros do flanador com outros sujeitos, como os do internauta,
são efêmeros, no entanto, sempre fundam um tipo de arborescência, cujas ramificações

66

se prolongam. Benjamin lembra a grande cidade como uma floresta, o que serve como
metáfora para a ecologia da cibercultura. A propósito, Pierre Lévy fala em “árvores do
conhecimento”, André Lemos, recorrendo a Deleuze, fala em “rizoma” e Eric Felinto &
Ivana Bentes, estudando o filme Avatar falam na “ecologia das imagens digitais”.
A rede aparece como uma imensa floresta à disposição dos usuários, com toda a
sua dimensão de risco e fascínio. No repertório de Benjamin/Baudelaire, encontramos
ainda o personagem do “apache”, que tem uma certa significação do homem selvagem
(Benjamin tinha fascínio pela figura do índio). Este personagem mantém um tipo de
provocação e rebeldia. Mas o “outsider” na versão informática é a figura do cyberpunk,
o assustador "cracker": perigo em potencial, porque tem o poder de disseminar o vírus
no computador e desestabilizar todo o sistema. Mas este é apenas um lado da história do
cirberativismo e das subversões e transgressões pós-modernas.

Fim de partida

Beckett foi uma espécie rara de dramaturgo, pensador, filósofo, hermeneuta da
palavra, e suas peças falam do grande problema humano da “incomunicabilidade”,
como indicam os títulos, Fim de Partida; Malone Morre; Oh, Happy Days!.
O que há de sólido no debate intelectual contemporâneo é a constatação de que
as novas “máquinas de comunicar” modificaram completamente as estruturas da vida
cotidiana; para além da tecnofilia ou tecnofobia dos contemporâneos, todos parecem de
acordo que não podemos ignorar o efeito performativo das novas tecnologias.
É chegado o momento de enfrentar os “jogos de linguagem” do nosso tempo
marcado pela virtualidade. É o fim de partida para uma concepção de mundo definida
pela onipresença do mesmo. O desafio que se apresenta doravante é estabelecer um tipo
unicidade (nos termos barrocos da estética de Benjamin), que agrupe as aparentes
dispersões da cultura virtual e presencial.
Dentre as inúmeras imagens no plural de Benjamin, encontramos o jovem
orientado pela idéia de iluminação mística e o Benjamin maduro, face à tirania do
fascismo, que se norteia pelo materialismo histórico como claridade para os tempos
sombrios. As afinidades eletivas de Benjamin são controvertidas; contudo as leituras de
seus intérpretes, na diversidade de suas posições filosóficas, ideológicas, políticas,
revelam um tipo de “pensamento nômade” (no sentido empregado por Deleuze). Atenta

67

à concretude da experiência na fulguração de um momento passageiro, sua percepção
estética atualiza o passado, lançando luzes para o futuro que se tornou presente:
Hoje, quando o tempo é transformado pela velocidade, reencontramos o
Benjamin pensador do instante. A sua idéia de tratar o antigo como se fosse novo e o
novo como expressão do antigo é algo estimulante e animador: Primeiramente porque
instiga a se pensar a outra face, a diferença, naquilo que parece apenas clonagem e
repetição; depois porque os itinerários recíprocos entre o antigo e o novo revelam um
espírito comunitário, que agrega os indivíduos isolados no tempo e no espaço e,
finalmente, porque encontra naquilo que parecia morte e melancolia, expressões da
experiência e comunicabilidade, sinais do vitalismo e instantes de felicidade.

68

Capítulo 5



YouTube: artes, invenções e paródias da vida cotidiana
52




Em princípio, a consagração do dispositivo midiático YouTube junto às novas
gerações parece um mero efeito da moda. São milhões de jovens do mundo inteiro
conectados em rede e os brasileiros ocupam uma parcela importante desse
contingente
53
. Contudo, um olhar mais atento percebe que se trata de uma experiência
radical de compartilhamento e interacionalidade. O YouTube realiza o sonho de uma
multidão de aficcionados em arte, história, música, esporte, cinema, turismo, moda,
publicidade, etc., empenhados em elaborar a sua própria programação audiovisual.
Mais do que isso, os atores sociais interconectados em rede podem experimentar a
extensão dos seus afetos através de procedimentos colaborativos sem precedentes.
A experiência cultural na era da informação é de natureza distinta daquela
realizada no tempo forte da cultura de massa; mudaram as relações entre o autor, o
meio e a obra, o emissor, o meio e o receptor, e mutações importantes ocorreram
também nos exercícios da subjetividade e da sociabilidade. A cultura audiovisual,
hegemônica desde a época de ouro do rádio, irradiada com o cinema e a televisão, se
transformou bastante graças aos processos de conexão, mobilidade e colaboração.

O YouTube foi criado em fevereiro de 2005 e (a partir daí) teve
um crescimento impressionante. Nada menos que 65 mil pessoas
publicam diariamente novos vídeos no site, que recebe imagens sem
censura prévia. O jornal Los Angeles Times comparou o fenômeno
YouTube ao surgimento da rede CNN, que nos anos 90, revolucionou
os modelos de televisão adotados no mundo ao lançar uma
programação baseada apenas em notícias e informações. O YouTube
abriu as portas do mundo da imagem para milhares de cinegrafistas e
fotógrafos amadores que passaram a postar imagens, provocando uma
mudança radical nos padrões de vídeo jornalístico na imprensa
mundial.

Observatório da Imprensa, 26.02.2007.


52
Em colaboração com o pesquisador Paulo Henrique Souto Maior Serrano, PÓSLIN/UFMG.
53
A página brasileira do YouTube foi lançada junto com as versões francesa, irlandesa, italiana,
japonesa, holandesa, espanhola, polonesa e para a Inglaterra. Em outubro de 2006, o YouTube foi
comprado pelo site de buscas Google por 1,65 bilhões de dólares, dois anos depois de ser lançado no
mercado com um valor de mercado estimado em no máximo dois milhões de dólares.

69

Cumpre reconhecer a dimensão afirmativa da comunicação digital que
dissemina uma “cultura da virtualidade real” e tece novas “redes de solidariedade”,
como indica Castells (1999). As redes sócio-informacionais conformam novas
experiências culturais e políticas como mostram Lévy (1998), Kerckhove (2008), Di
Felice e Pireddu (2010): irrigam uma “árvore do conhecimento” e liberam uma
“inteligência coletiva conectada”, gerando “novas formas comunicativas do habitar”.
Na educação, nos negócios, na política tais transformações têm sido percebidas
em obras recentes como A ecologia pluralista da comunicação (SANTAELLA,
2011), Psiquê e technê. O homem na idade técnica (GALIMBERTI, 2006), e A hora
da Geração Digital (TAPSCOTT, 2010), entre outras.
Entretanto, o ciberespaço consiste num fenômeno complexo que
evidentemente resulta em debates e críticas, como o livro O culto do amador. Blogs,
MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e
valores (KEEN, 2009)
54
. E nessa perspectiva, há muitos outros especialistas e
interlocutores, cujas oposições, contribuem para atualizar uma interpretação pluralista
da cibercultura, como The Digital Dialetic (LUNEFELD, 1999), e Introdução às
teorias da cibercultura, e Cibercultura e pós-humanismo (RUDIGER, 2007; 2008).
Para compreender o YouTube, buscamos nos guarnecer de um método e este
flui – quase – espontaneamente do próprio ato de acessar, interagir, compartilhar os
seus conteúdos com as comunidades virtuais que as redes sociais propiciam. Assim, o
primeiro passo é a observação sistemática, o trabalho descritivo da estrutura e
funcionamento do site, uma netnografia, um mapeamento seletivo dos conteúdos à
guisa de análise, crítica e argumentação. Todavia, este processo se realiza
simultaneamente à organização das leituras sobre a área de interesse e sobre o objeto
específico, o que define – hermenêuticamente – um estágio de pré-entendimento.
E, é sempre salutar estabelecer uma contextualização histórica e social, no
exercício de contemplação do mundo digital, no caso, as formas culturais na era da
comunicação eletrônica colaborativa, mas sem jamais perder de vista a necessidade de
atualização na área. Assim, alguns estudos específicos podem ser fundamentais:
YouTube e a Revolução Digital (BURGESS & GREEN, 2009), Watching Youtube.
Extraordinary videos by ordinary people (STRANGELOVE, 2010), The YouTube

54
Ver, a propósito, a entrevista concedida por Andrew Keen ao jornalista Eduardo Socha, Revista CULT,
09/10/2009 http://revistacult.uol.com.br/novo/entrevista.asp?edtCode=2821A2A7-1F12-4309-9FB5-
E8B4354FEE9A&nwsCode=F9B3076D-F982-498B-B6B3-3CFE07375D86

70

Reader (VONDERAU & SNICKARS, 2009), YouTube in Music Education
(RUDOLPH & FRANKEL, 2009).
55

O estado da cultura na “era da informação” tem sido analisado diferentemente
por vários autores, como André Lemos (2004) examinando as mídias digitais, a partir
de uma “antropológica do ciberespaço”; Marcondes Filho (1996) apreciando
criticamente a “cultura comunicacional, as tecnologias e a velocidade das mídias”;
Primo (2007) explorando a “interação mediada por computador”; Parente (2007)
examinando a cultura das redes como uma nova dimensão da comunicação; Arlindo
Machado (1998, 2000, 2002) e Santaella (2004) analisando as mídias e as suas
interfaces nos campos da arte, linguagem, estética e tecnologia.

Estrutura e funcionamento do YouTube

O YouTube é produto de uma gigantesca corporação (Google) surgida no
âmbito do turbocapitalismo, programado para acelerar a rentabilidade do lazer e
entretenimento, mas escapa às limitações de um produto simplesmente
mercadológico, devido ao seu caráter de obra de arte audiovisual, rizoma colaborativo
- emanando sentido em todas as direções - que atua vigorosamente sobre a percepção
sensorial, a memória afetiva e a inteligência coletiva.
Por meio de uma razão lúdica e de uma imaginação mitopoética, os usuários
descobrem modos de interagir nos espaços públicos digitais. Ferramentas como o
YouTube propiciam a formação de redes sociais e geram modos de conhecimento,
mesmo quando parecem voltadas apenas para a diversão e o entretenimento.
Recolhemos alguns dos “mosaicos conceituais” do pesquisador mcluhaniano
Kerckhove (2009) para repensar o YouTube, “quando a televisão se casa com o
computador na auto-estrada da informação”. Nessa perspectiva o site atua sob o
“stress da velocidade, aceleração e crise”, sem deixar de forjar uma “arte salvadora”,
quando queremos “ver mais, ouvir mais e sentir mais” (p.131).
Ao abrirmos a página principal do YouTube, numa primeira leitura imersiva,
percebemos - na sua configuração, desenho e engenharia - um reflexo sócio-técnico
dos modos de ser, pensar e agir do ser humano pós-industrial, principalmente as novas

55
No Brasil, leituras de fôlego têm apresentado insights objetivos e inteligentes, como: OLIVEIRA
FILHO, “Mais que um inventário imagético do YouTube: uma possível leitura da memória em rede”. In:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-oliveira-mais-inventario.pdf Acesso em: 08.06.2011

71

gerações. Logo, as matrizes reticulares da internet revelam as matrizes culturais
(estéticas, semiológicas, cognitivas) dos atores sociais que formaram uma consciência
do mundo através dos audiovisuais, em vigorosa atuação na esfera pública digital.
Logo na página inicial, os títulos hiperlinks (nós, ligações), funcionam como
vias de acesso aos “vídeos”, “canais” e “comunidades”, se inscrevem como instruções
operacionais, mas são de fato passagens para outra dimensão da experiência. Isto é,
tecnicamente funcionam como vias de acesso aos conteúdos, mas no plano da
imaginação criadora, como sugerem Bachelard (1996) e Durand (1994), ao clicarmos
sobre cada um dos links, das janelas eletrônicas, entramos em sintonia com as
comunidades afetivas conectadas na cartografia eletrônica da vida digital.
A internet consiste numa hipermídia cujo público-alvo é preferencialmente a
“geração ponto.com”, do pós-cinema (MACHADO, 2002), pós-televisão, pós-MTV;
Trata-se de uma estratégia socio-tecno-informacional específica das “culturas do
consumo” (BACCEGA, 2008), “culturas juvenis do século XXI” (BORELLI &
FREIRE FILHO, 2008) ou “culturas de convergência” (JENKINS, 2008), que
caracterizam a realidade tecno-social contemporânea.
A ambiência midiática, em que fulgura o YouTube, forma-se uma esfera
pública midiatizada, típica da “sociedade do pós-espetáculo” (NOVAES, 2005), “em
que não há mais distinção entre palco e platéia”, em que os personagens cedem lugar
aos avatares, a representação clássica dá lugar à simulação interativa. Novos regimes
de cognição, afetividade e socialidade concorrem para a realização dessa experiência
inédita na história da civilização, em que se conjugam o imaginário e o simbólico, o
concreto e o virtual, a mídia colaborativa e a sensibilidade tecnológica.
Em verdade, configura-se na paisagem cotidiana uma formação cultural
bastante recente, que contagia os usuários de todas as idades. Esta nova configuração
exige a paciência de uma nova epistemologia, e de um “novo espírito científico”
(BACHELARD, 1995). Requer novas “imagens conceituais” para decifrarmos a
conexão dos suportes audiovisuais, telemáticos, digitais e a convergência de distintas
formações culturais, em que a oralidade, a escrita, a impressão, a audiovisualidade e a
tecnicidade, interpenetram-se de maneira importante (SANTAELLA, 2003).
Convém atentar para a paisagem sociocultural e política que se transformou,
fomentando novas “positividades”, outras epistemes (FOUCAULT, 1995), impondo
um novo paradigma científico em ruptura com o da modernidade industrial. Hoje, na
era do turbocapitalismo, agita-se um “bios midiático” (SODRÉ, 2002), “uma nova

72

forma de vida” gerada por processos tecno-comunicacionais, solicitando um enfoque
analítico distinto do pensamento linear, analógico, cartesiano.

O YouTube: a escola, o mercado, o domicílio eletrônico

As categorias de vídeos disponibilizados no YouTube são fixadas em função
das demandas dos clientes da internet, e resultam da atividade exaustiva das pesquisas
de marketing digital, opinião e mercadologia. E aqui a palavra mercado, para além do
seu sentido meramente mecânico, funcional, e deve ser entendida também no vigor do
seu sentido orgânico, social e simbólico. O espírito de Hermes nos revela que o
mercado, por excelência, é o lugar das trocas simbólicas vitais, do intercâmbio
lingüístico-cultural, dos acordos, negociações e permutas coletivas. O e-comerce, o
tele-marketing, o pay-per-bit “glocais” hoje evidenciam a sua gritante empiricidade.
Não se pode ignorar a potência simbólica que assegura a vigor da
“comunicação e as culturas do consumo”: são teias que forjam as identidades, os
níveis de sociabilidade e de empoderamento coletivo. Nessa direção, conviria
consultar os estudos Culturas do consumo (BACCEGA, 2008), A hora da geração
digital (TAPSCOTT (2020), Cultura da Interface (JOHNSON, 2001), A cultura
digital (2002), A ecologia pluralista das mídias locativas (SANTAELLA, 2011).
Os links de acesso aos vídeos estão intitulados sob a forma de rubricas
“espertas”, cuja aparente dispersão “está de olho” nas expectativas do vasto público
segmentado: “animais”, “ciência e tecnologia”, “educação”, “entretenimento”,
“esportes”, “filmes e desenhos”, “humor”, “instruções e estilo”, “música”, “notícias e
política”, “pessoas e blogs”, “veículos”, “viagens e eventos”.
O menu principal apresenta uma classificação aparentemente aleatória, mas
que aponta para a própria natureza e sentido do nicho socio-tecno-comunicacional que
nos rodeia. Ou seja, o site é organizado em meio a uma aparente dispersividade de
hipertextos que compõem as páginas eletrônicas, mas que já tem o seu público-alvo.
Se o sistema de classificação, indexação e distribuição, por um lado mostra-se
volátil, disperso, aleatório, por outro, indica um novo estado da arte tecnológica,
encarnado pelo YouTube, que sabiamente se organiza e se comunica por meio de uma
intuição enciclopédica, atenta aos jargões, gírias e idioletos que fervilham no

73

cotidiano midiatizado
56
. Mesmo efêmero, provisório, mutante, o repertório das redes
expressa grande parte das idéias, saberes, fazeres e invenções sócio-colaborativas do
mundo presencial, que se atualizam permanentemente no mundo digital.
Estabele-se um agendamento de temas que se organizam como os “mais
recentes”, “mais comentados”, “mais conectados”, “mais respondidos”, “mais
vistos”, “populares anteriores”, “destaques recentes”, “adotados como favoritos” e
“bem avaliados”: o uso do superlativo parece uma designação aleatória, mas resulta
de um cuidadoso planejamento de marketing pós-industrial, em alerta para a “tentação
do híbrido”, cortejando os corações & mentes dos usuários-assinantes-consumidores.
A palavra “mais”, característica das cultura urbanas contemporâneas, enfatiza
a vontade de poder consumir e o imperativo de visibilidade expressos nas escolhas
dos usuários. E, apesar do caráter provisório da formatação, a enunciação dos temas
demonstra o perfil cognitivo dos e-leitores, consumidores, cibercidadãos, que tentam
se organizar – colaborativamente – nessa nova terra-pátria digitalizada.
A categorização dos vídeos nos permite compreender os seus encadeamentos
lógico-funcionais, a sua intencionalidade, e nos leva a interpretar os seus conteúdos
como objetos imateriais, eletronizados, com alta potência sócio-comunicativa. E a sua
estrutura interacional permite aos usuários elaborarem eficientes “dispositivos sociais
de resposta” (BRAGA, 2006).
Como por um efeito de feed back mediado pela tecnologia, os links sugerem
novas remontagens e operacionalidades que, reenviadas às redes, podem vir a
arrefecer esta cultura organizacional e interativa, constantemente revisitada por
numerosos expertos, clientes, pesquisadores e ciberativistas.
Atentos à configuração visual, gráfica, sensorial e semiótica da página inicial,
perpassada por várias entradas, atalhos e mecanismos comutativos, podemos
“cooperar”, enviando informes analíticos, apreciações, comentários, críticas, réplicas e
observações, pois a rede está aberta às sugestões e intervenções - instigando
modalidades inéditas de gestão dos processos colaborativos.
Transitando através dos “canais”, encontramos um labirinto com diferentes
passagens que nos lançam no fluxo de diferentes redes de sociabilidade, várias
comunidades afetivas e de interesse, formadas por “comediantes”, “diretores”,
“gurus”, “músicos”, “parceiros”, “patrocinadores”, atores sociais e entidades “sem

56
“Este vídeo não está mais disponível pois a conta do YouTube associada a ele foi encerrada.
Desculpe!”. O prosaico “aviso eletrônico” no site revela o caráter volátil da informação em rede.

74

fins lucrativos”. Convém notar, o agendamento dos canais do YouTube, resultando
das escolhas seletivas dos clientes, apesar do seu caráter volátil, efêmero, projeta uma
amostra do conjunto de consumidores potenciais que participam do mercado digital.
Essa aparente desordem hipermidiática é similar à organização dos códigos
que regem a existência tecno-social cotidiana. O pulsar das cibercidades se assemelha
ao pulsar das “cidades de verdade”. E relembrando Walter Benjamin, o importante
aqui não é a linha de chegada, mas o próprio caminho, a passagem, o itinerário, a
contingência de ser e estar, a oportunidade para novas relações.
O link que nos acessa à rubrica “Comunidade” traduz um novo conceito dessa
experiência, que se estrutura (e se realiza) com base em procedimentos tecno-
informacionais geradores de formas inéditas de ciber-sociabilidade, em que incidem
encaixes pessoais, comunitários e tribalizações imprevistas: a realidade virtual em
muitos aspectos é similar ao real histórico do século 21, nas megacidades, em que as
identidades se encontram em permanente cambialidade.
No YouTube nos identificamos com os fragmentos de uma “história recente e
real”, que nos seduz e nos inclui no espírito comum, tribalista, a partir das sensações
de pertencimento a uma comunidade de cidadãos virtuais. E sendo estas forjadas por
imagens, sons e tecno-afetividades, as suas regras de funcionamento cada vez mais
têm modelado o sentido das comunidades presenciais, que, a seu turno, já são – ao
longo da história - mediadas tecnologicamente. A diferença básica, no cibermundo, é
que pela primeira vez na história, os anônimos, dispersos em meio às brumas do real,
doravante, afetivamente e tecno-socialmente conectados podem se reencontrar.
A categorização em termos de “Grupos”, “Concursos” e “Blogs” expressa o
resultado de cuidadosas estratégias de marketing digital; demonstram funcionais
recursos mercadológicos, que não deixam de ser atravessados por novas fundações
estéticas, sociais e políticas instauradas no próprio campo das hipermídias, como culto
ou como sátira, mas sempre como o resultado de um “pensar-pulsar” coletivo.
As comunidades do YouTube são irradiadas pelas mediações dos usuários-
cidadãos advindos de diferentes nichos socioeconômicos e culturais, que participam
ativamente dos “concursos” tramados pelos gestores das redes. E, como uma
ferramenta da comunicação interativa, que serve de matriz para o exercício do
webjornalismo, o blog instalado na página do YouTube, atua como um canal
informativo, como um código aberto igualmente à participação dos internautas, muitas
vezes modificando a forma, a direção e o significado da proposta original..

75

Competência técnica, educação estética e memória afetiva

Os processos hipermidiáticos são eficazes na partilha das informações, na
experiência cognitiva e no trabalho educativo. Nessa direção, as contribuições de
Braga & Calazans (2001) nos ajudam a distinguir os “sistemas educativos” dos
“sistemas midiáticos”, e estes, dos distintos “processos comunicacionais” e
“educacionais”. Caberia retomar esta perspectiva contextualizando ambos os sistemas
e processos numa ambiência social mediada pela tecnologia.
Na sociedade midiatizada, como sugere Morin (1997), a experiência
educacional envolve, de maneira complexa, as dimensões biológicas, psicológicas,
sociais, ético-políticas e cognitivas do ser humano, e ultrapassa o âmbito dos sistemas
educativos tradicionais, circunscritos às práticas pré-formatadas da escolarização
57
.
Logo, a ambiência virtual gera percepções educativas. Não o faz, é claro, nos
moldes tradicionais, mas envolve os processos biopsicológicos, neuro-sensoriais,
tácteis, físicos, corporais. O YouTube ativa a cognição por meio de um envolvimento
total em que o corpo e a mente são mediados pelas tecnologias conectadas nos
terminais da inteligência coletiva
58
.
No que concerne à realidade mediada pela tecnologia, caberia ressaltar aqui a
influência do pensador Gilles Deleuze (1925-1995), também atuando vigorosamente
no domínio da filosofia das artes e ofícios, das técnicas e da comunicação.
A experiência educomunicacional transcende a área de concentração dos
sistemas educativos e midiáticos. Da empiricidade das redes à reflexão metodológica
e à sua aplicabilidade (dentro e fora de sala de aula), várias estratégias tem repercutido
favoravelmente. No que respeita à convergência escola-comunidade-tecnologia, uma
parcela importante de professores-pesquisadores tem formado grupos de trabalho na
área, e tem incansavelmente despendido esforços para contribuir no sentido de
superarmos as contradições que separam a modernidade tecnológica e o projeto de

57
Sobre as inferências de Edgar Morin na educação, ver - a propósito: “Os sete saberes necessários à
educação do futuro” (MORIN, 2001). http://ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf
58
Num certo sentido, o ciberespaço atualiza a utopia dos grandes pedagogos, realizando a experiência da
“aula sem paredes”, em sintonia com o pensamento de Paulo Freire (1921-1997), John Dewey (1859-
1952), Jean Piaget (1986-1980), Carl Rogers (1902-1987), Maria Montessori (1870-1952), Anísio
Teixeira (1900-1971), Vygotsky (1896-1934).

76

modernização social, alguns trabalhos disponibilizados em rede podem comprová-
lo
59
.

(OROZCO) discute as novas tecnologias, a comunicação e a
educação como um conjunto importante para a formação do cidadão na
sociedade democrática. Chama a atenção para a importância da
desnaturalização das tecnologias, mostrando como elas aparecem e são
orientadas no sentido de políticas voltadas para o mercado e o consumo,
menosprezando a lógica dos interesses de cada Estado-nação e das
diferentes culturas. Outro aspecto que salienta é o da vinculação das novas
tecnologias à educação. Aborda este tema a partir da racionalidade
eficientista e da racionalidade da relevância. No primeiro caso, a prática
consiste em incorporar as novas tecnologias ao processo educativo já
estabelecido, sem preocupação com a efetiva aprendizagem. No segundo
caso, trata-se de priorizar o aprendizado, reorientando a lógica das
tecnologias para uma apropriação que parte da realidade cultural do
educando e tem como finalidade a transformação do sentido da instituição
escolar. Ao final, destaca o papel do comunicador na reorientação dos
meios de comunicação e no acompanhamento do processo educativo.

OROZCO, 2002

A comunicação que se articula no domínio do YouTube retoma o seu sentido
anterior, original, histórico-conceitual, ligado à idéia de comunitas, a medida comum,
e assim realiza a idéia da linguagem como formadora de comunidades, forjando
aproximação das fronteiras simbólicas e sociais que separam os humanos, como lugar
de fundação do ethos e da convivência em comum.

59
Ver na Revista de Comunicação & Educação, ECA/USP, um acervo de papers bastante pertinentes:
“Novas tecnologias da comunicação” (SENA, 2009); “A tecnologia em favor da ficcionalização da
violência, ou como tornar a violência atraente” (TONDATO, 2009); “Jornalismo cidadão e
Independent Media Center” (TARGINO, 2008); “Brincando e aprendendo nos mundos virtuais: o
potencial educativo dos games de simulação” (CRUZ & ILHA, 2008); “O homem nas teias da
comunicação midiática: uma análise de O Show de Truman” (CASAQUI, 2008); “Arte e mídia: a gestão
da comunicação no Arte na Escola on-line” (KONDZIOLKOVÁ, 2007); A ferramenta wiki: uma
experiência pedagógica (GOMES, M.R., 2007); “A mediação tecnológica nos espaços educativos: uma
perspectiva educomunicativa” (SOARES, I. O., 2007); “Televisão digital interativa: expectativas de uso
cultural e educativo” (SACRINI, 2006); “Os meios de comunicação de massa na era da internet”
(OROZCO, 2006); “Uma proposta para a leitura crítica dos videogames” (CURI, 2006); O que aprendi
com educação a distância (CASTILHO COSTA, 2006); “A televisão e a prática do zapping:
interatividade com a audiência” (ANDRELO, 2006); “Fale com eles: mídia jovem e visibilidade juvenil”
(MELO ROCHA, 2006); “Comunicação, educação e tecnologia: interação” (BACCEGA, 2005);
“Internet: um novo paradigma de informação e comunicação” (RODELLA, 2005); “Câmera e vídeo na
escola: quem conta o que sobre quem?” (MARICATO, 2005); “Tecnologia e construção da cidadania”
(BACCEGA, 2003); “Educação a distância – entre o entusiasmo e a crítica” (CASTILHO COSTA,
2003); “Educom.TV: um curso on line para a rede pública” (SOARES, I.O., 2003); “Informática na
educação especial”. (ALMEIDA, A. L., 2002); “Comunicação, educação e novas tecnologias: tríade do
século XXI” (OROZCO, 2002).

77

Os websites de vídeos consistem num eficiente campo de produção de
conteúdos, mas a sua principal virtude está em seu aspecto relacional, ao promover
novas relações de sentido que alimentam o conhecimento dos seres humanos. A
realização plena desta experiência vai depender evidentemente da forma como
utilizaremos tais meios, mas cumpre entender que os websites apresentam
antecipadamente as condições instrumentais e semiológicas para assegurar o êxito de
um acontecimento tecno-social, político e comunicacional sem precedentes.
Relembrando Paulo Freire (2000) e os seus postulados em favor de uma
“pedagogia da autonomia”, e atualizando o seu contributo no contexto da economia e
sociedade informacional, entendemos o sentido das palavras, imagens, sons e textos,
como elementos geradores de sentido. Assim, apostamos ser preciso negociar com
linguagens próprias do universo dos usuários, e-leitores, cibercidadãos imersos na
“cultura da virtualidade real”, para estimular e atualizar novos hábitos de leitura.
Em verdade, as narrativas telemáticas dos vídeos de filmes disponibilizados
em rede geram novos modos de ler as imagens, sons e textos; é neste sentido que
Santaella mostra a entrada em cena do “leitor imersivo” (2004b), para interpretar os
atuais procedimentos de leitura, percepção e cognição, em que ocorre o envolvimento
neuro-sensorial, perceptivo e cognitivo total. E convém notar, falamos em 2011, antes
da popularização dos dispositivos locativos audiovisuais conectados à tecnologia 3D.

A paródia e o riso da praça pública digitalizada

Cumpre destacar um dos trabalhos pioneiros, no Brasil, sobre o YouTube,
realizado por Erick Felinto (2006), “Videotrash: O YouTube a Cultura do „Spoof‟ na
Internet”. A partir da sua leitura entendemos que o autor reconhece nos vídeos
postados bons difusores de informação, são expressões de uma poética tecnológica,
mas funcionam, sobretudo, como paródias, desmontagens e remontagens do sentido
de outros produtos midiáticos, como a TV, o cinema e a publicidade.

A expansão exponencial da internet como banco de dados tem
favorecido a preservação e difusão de informação tradicionalmente
considerada como descartável ou de pouco valor cultural. Vídeos
pessoais, produções independentes, álbuns de fotografias ou trabalhos
colegiais constituem apenas alguns exemplos do tipo de material que
começa a multiplicar-se no espaço da rede. “datasmog”, ou “nuvem de
dados”, difícil de analisar e inédita na história da humanidade, antes
caracterizada essencialmente pela escassez da informação. Dentre essa

78

produção crescente, destaca-se a prática que vem sendo denominada
como “spoof”, ou seja, as virtualmente infinitas variações paródicas em
torno de produtos midáticos de grande circulação, como comerciais e
seriados de televisão (FELINTO, 2006, pág. 1).

Há outra perspectiva de análise pertinente a uma mirada no YouTube, quanto
ao seu poder de revelar a alteridade da cultura, e que pode ser considerada a partir de
uma apropriação da teoria estética e social formulada por Muniz Sodré, que nomeia o
kitsch, a “parte maldita”, a estranheza da cultura midiática como uma “comunicação
do grotesco” (1983). E num livro mais recente, Sodré (em parceria com Raquel
Paiva), lança um olhar sobre a relação entre a comunicação e a cultura, sob o grifo de
“O império do grotesco” (2002). Assim, perseguindo os rastros de uma estética do
“mau gosto” na literatura, nas artes plásticas, no cinema, na televisão, os autores nos
oferecem algumas bases epsitemológicas para repensarmos a complexidade moral das
culturas populares e sua transcrição na signagem da cibercultura.
Buscando compreender a significação desta experiência tecno-comunicacional
forjada pelos sites de vídeos na internet, fizemos um mapeamento seletivo de alguns
vídeos à guisa de interpretação, que poderiam caracterizar - em níveis diferenciados -
as expressões do lixo midiático, do kitsch, do grotesco no contexto do YouTube, sem
esquecer a dimensão irônica, positivamente desconstrutiva e dialógica da
comunicação colaborativa, assim como a sua dimensão estética, social e filosófica.

a) Um dos episódios mais célebres da internet foi o caso da modelo e
apresentadora de tv Daniela Cicarelli; uma filmagem da intimidade da modelo com o
seu parceiro numa “praia deserta” da Espanha, o que resultou num vídeo partilhado
por milhões de internautas. Este é um fato controverso, que consiste num elemento
forte para entendermos a relação entre as mídias e a “cultura do espetáculo”.
O vídeo apresenta elementos para discutirmos a questão delicada da ética, da
censura e do controle social da informação no terreno das “novas mídias”, uma vez
que o vídeo foi retirado do YouTube por decisão de um juiz brasileiro, constituindo
um dos primeiros casos de censura no campo da comunicação digital. Mas isto não
impediu que os internautas voltassem a postar o vídeo-tabu, da “Cicarelli na praia”, e
principalmente, instalassem paródias desmontando o sentido do “vídeo original”.
b) As visões escatológicas do enforcamento de Saddam Hussein encerram um
episódio que condensa um outro lado do “terror midiático”, do grotesco com ênfase
no escatológico e revelam elementos para compreendermos as atrações dos

79

espectadores pelas imagens extremas, pela simulação do crime e castigo ou
simplesmente pela projeção do mal na segurança das redes e telas.
Milhões de usuários acessaram ao vídeo com as imagens radicais do
enforcamento, o que significa um novo estilo de espetacularização, a banalização da
morte midiatizada, um flagrante do voyeurismo do horror contemporâneo, enfim uma
característica tristemente presente na nossa cultura, marcada pelo “imperativo da
visibilidade”, em que se consolidam formatos midiáticos como o Big Brother que, por
sua vez, resulta das tecnologias do voyeurismo intensificadas com as micro-câmeras
instaladas nos computadores domésticos.
c) A divulgação no YouTube de um vídeo exibindo socialities do Rio de
Janeiro, do alto de suas coberturas, atirando divertidamente ovos nos carros e
pedestres, constitui um elemento grotesco que traduz o horror dos nossos abismos
sociais, um indício revelador dos traços canhestros da nossa formação sociocultural.
A sua positividade reside em conceder transparência e visibilidade à falta de
ética e a irresponsabilidade por parte de segmentos da elite econômica. Mas,
principalmente instiga a uma reflexão acerca da supressão das fronteiras entre o
campo da esfera privada e da vida pública. A videocultura do self , no YouTube, nos
alerta para a apologia do valor de exibição, em detrimento dos valores humanos;
d) O humor do teatro foi instalado na internet através dos vídeos de um grupo
cênico, chamado de Terça Insana, mostrando - por novos canais audiovisuais - as
maneiras como a sociedade pode se ver e se autocriticar. Se por um lado, revela os
traços de nossos tempos minados pelos “medos líquidos”, na solidão das grandes
cidades, por outro lado, revela, de modo politicamente incorreto, as estratégias de
desmontagem das pequenas verdades narcísicas cotidianas; além disso, se constitui
num surpreendente canal de divulgação das artes minimalistas do teatro alternativo,
que ganham outras modulações e extensividades na contracultura das redes, e migram
para outros espaço de encenação após a sua popularização na internet.
e) O caso mais expressivo no tocante à arte minimalista do YouTube talvez
seja a extraordinária audiência do vídeo Tapa na Pantera
60
, interpretado pela atriz
Maria Alice Vergueiro, que simulando uma peça de teatro do absurdo, descreve as
experiências com a maconha. O vídeo é importante porque expressa a originalidade
dos jovens cinegrafistas (e videastas) que, de maneira transgressiva, ousaram saber se

60
Videoficção com Maria Alice Vergueiro, dirigido por Esmir Filho, Mariana Bastos e Rafael Gomes.
Produção Ioiô Filmes www.ioiofilmes.com.

80

utilizar dos dispositivos telemáticos. Estes jovens instalaram procedimentos de crítica
aos valores cristalizados pelos segmentos sociais mais fechados à discussão dos temas
tabus, como o uso dos alucinógenos. Isto é, por intermédio de um expediente
midiático corriqueiro, os jovens iniciados na prática audiovisual e informacional,
colocaram em discussão alguns problemas de ordem moral, jurídica, social e política.
Desnudaram os valores de uma sociedade que parece ter-se realizado em termos de
modernização tecnológica, mas que permanece sem competência para discutir
questões tocantes aos direitos humanos e às liberdades individuais.
A experiência é relevante ao resgatar o talento da atriz Maria Alice Vergueiro,
um ícone da dramaturgia nacional e que talvez ficasse desconhecida pelas novas
gerações se não fosse a iniciativa dos jovens videastas, conhecedores da importância
publicitária de uma hipermídia como o YouTube. E, cumpre ressaltar a maneira como
a partir da divulgação do vídeo da atriz-personagem experimentou migrações para
outros nichos midiáticos, como a televisão.
São produtos, visitados por milhões de internautas, que constituem o outro
lado do humor, ligado à paródia, à comicidade, ao riso da praça pública virtualizada.
Ácidos e inteligentes, os conteúdos dos vídeos postados no YouTube traduzem a
maneira como os artistas, criadores, voluntários e aficcionados se utilizam do meio
para expressar ao seu modo uma “ironia da comunicação”, que coloca em xeque os
valores políticos, morais e socioculturais, como escreve Jeudy (2001). Estes sites
atualizam, uma carnavalização da vida cotidiana nos termos descritos por Roberto da
Matta, no livro Carnavais, malandros e heróis (1983); só que no YouTube foram
modificados os procedimentos estéticos e ideológicos da antropofagia.

5. Das narrativas da televisão às narrativas telemáticas

O YouTube é signo de diversão e entretenimento mas o seu poder de resgatar
imagens e significações “antigas” implica também numa outra maneira de se conhecer
e de se reescrever a história. O cenário vai mudar: Cronos (e a legiferância do relógio)
cederá terreno a Hermes (e a estratégia da interpretação dos símbolos e alegorias).
A convergência das imagens e sons do presente e passado, por meio das info-
tecnologias, reunindo distintas temporalidades, favorece a desconstrução digital da
“memória cristalizada” e propicia uma nova e vigorosa contemplação do mundo.

81

Para entender a cultura tecnológica que estrutura a dimensão do imaginário
contemporâneo, convém contextualizar historicamente a inserção de uma organização
sociocultural e política como a nossa, na chamada “era da informação”: porque os
conteúdos audiovisuais da mídia analógica estão migrando para o campo das mídias
digitais, e porque as gerações do teatro, da televisão e do cinema estão se encontrando
nos espaços abertos pela cibercultura, por exemplo, no YouTube, que armazena,
atualiza e coloca a disposição dos assinantes-usuários-cidadãos imagens e sons que
alimentam a sua consciência lúdica, política, ético-comunicacional.
E nessa direção, é de bom presságio atentar para as sugestões de Barbéro &
Réy (2001), que examinando as culturas latinas, apontam para a importância da
conexão entre a oralidade presencial e a sociotecnicidade, como caminho explicativo
do estágio atual da nossa formação cultural e das interculturalidades tramadas nas
sociedades contemporâneas globalizadas. E por essa via se abrem os caminhos para a
construção das identidades individuais e coletivas.
Assim, vislumbramos uma cultura audiovisual instalada pela mídia eletrônica,
particularmente pela televisão, em seus diversos nexos temporais. Desde as sessões
matinais e vespertinas, passando pelo longo trabalho da teledramaturgia e pelas
repetições da “sessão coruja”, na televisão, que fustigaram o imaginário de quatro
gerações, nos anos 60, 70, 80 e 90, encontramos as origens da atual cultura latina
midiatizada, hoje animada também pela ficção digitalizada.
Um bom exercício escolar pode ser experimentado a partir da captura de
vídeos no YouTube, condensando imagens, sons e textos da Revolução de 30, Golpe
de 1964, retorno dos exilados, abertura política, movimento das eleições diretas,
morte de Tancredo Neves, impeachment de Collor e eleição do Presidente Lula. Um
exercício de comunicação comparada que pode ser exitoso através dos meios tecno-
colaborativos e monitoramentos realizados pelos cidadãos conectados.
O website YouTube libera as memórias afetivas e sentimentais das gerações
dos anos 60, 70, 80 e 90, mas principalmente apresenta uma memória do futuro, que -
através da interacionalidade - atualiza as nossas percepções e experiências cognitivas,
a partir das imagens sons já inscritos nas ficções do século passado.
O armazenamento e partilha dos vídeos instalados na internet leva - de maneira
similar - a uma atualização das leituras estéticas e sociais do cinema mundial, assim
como instiga novos modos de se ver e rever o cinema mundial, em suas versões
nacionais, estrangeiras, globais, locais, dubladas, legendadas e interativas.

82

E o melhor de tudo isso é que os fotógrafos, músicos, cinegrafistas e videastas
autônomos e independentes, empoderados pelas tecnologias, têm a chance de
apresentar o seu trabalho para uma grande audiência sem sair de casa.
No Brasil, do qual se fala que não se reputa exatamente por uma preocupação
com a memória nacional, verificamos que a partir da “invenção” dos websites de
vídeos é possível se falar na reconstrução de uma memória do cinema nacional.
O processo de interculturalidade, que caracteriza a cultura audiovisual e
tecnológica atual, adquire força poética a partir das narrativas conectadas na atual
cultura de convergência, em que concorrem a fotografia, a música, a literatura, o
rádio, o cinema e a televisão na configuração de um meio novo, a internet.
A compreensão do papel das “velhas mídias” (e os seus processos de
transformação pelas “novas mídias”) pode levar os pedagogos, estetas, intelectuais,
jornalistas, formadores de opinião - educados pelas matrizes culturais analógicas
tradicionais - a adquirirem outra atitude face à efervescência cultural contemporânea,
a se empenharem numa comunicação mais interativa com as novas gerações.

Para atualizar uma visão mitopoética da TV do futuro

Observando o YouTube, obtemos as pistas para compreendermos os rumos
dessa formação cultural recente em que se reúnem o analógico e o digital, o virtual e o
ficcional. Cumpre observar como - neste percurso - se instauram outras modalidades
do saber-fazer, novas inteligências, sensorialidades e competências, que nos levam a
uma inusitada e gratificante contemplação do mundo virtual.
Deparamos com um produto cultural e comunicante radicalmente novo. E ao
mesmo tempo, compreendemos o sentido de uma experiência em fase antecipada de
transformação e já em vias de desaparecimento, sem deixar de sugerir as pistas para a
emergência de novos procedimentos sócio-tecno-comunicacionais, corrigindo,
ultrapassando e otimizando o seu desempenho
61
.
Convém persistir na apreciação destas novas modulações da arte & mídia, que
fascinam pela sua intersecção poético-tecnológica, em que os atores sociais plugados
em rede não cessam de interagir. Mas devido ao seu próprio caráter de novidade -

61
Para atualizar a nossa argumentação, resgatamos o estudo de Michael Wesch, “An
anthropological introduction to You Tube” (2008), uma pesquisa de cunho quantitativo e qualitativo,
que explora o site no contexto das novas modalidades de comunicação e comunidade virtual.

83

assim como o excesso, as repetições e a extrema liberdade de acesso e utilização -
estes novos produtos exigem o rigor de um olhar seletivo. Convém separar o joio e o
trigo, esvaziando a lixeira e apreciando as pepitas de ouro jogadas no exuberante
manancial que jorra das águas da cibercultura.

84

6



A blogosfera, o webjornalismo e as mediações colaborativas



O blog é um dispositivo estratégico que permite aos pesquisadores, jornalistas,
profissionais de comunicação exercitar a função de escritores e exercerem a cidadania
através de um meio colaborativo. Nasce assim um novo conceito de espaço público e
como todo fenômeno social novo, o blog precisa de avaliação crítica.
O fórum indicado mais para uma análise dessa natureza é – ou deveria ser – a
academia, as escolas de comunicação, onde são preparados profissionais competentes e
qualificados nos saberes (e fazeres) instrumentais, críticos e organizacionais.
62

Todavia, o debate mais eticamente pluralista é feito por meio do exercício de
monitoramento realizado pelo site Observatório da Imprensa, que tem promovido uma
leitura crítica da mídia, incluindo a blogosfera. E convém prestar atenção nos programas
e sites que tratam das mídias (e dos blogs), pois geram uma metalinguagem digital
instigante, dando um novo sentido à comunicação na esfera pública digitalizada.
No contexto da “modernidade líquida”, em que tudo aparece e desaparece muito
depressa, um dos desafios que se impõe, particularmente, para os analistas da
informação e da comunicação, é examinar os fenômenos midiáticos, como os blogs que
mal acabaram de nascer já trazem consigo os sinais de transformação e os indícios de
sua terminalidade. Assim ocorre com os processos digitais, atravessados pela
velocidade tecnológica, em que se incluem os diários virtuais, os blogs e o Twitter.
O campo das Ciências da Informação e da Comunicação consiste num domínio
privilegiado para o enfoque das “novas mídias” e suas mediações, e tem fornecido
rigorosos métodos de análise empírica, qualitativa, corpus teórico-conceitual, reflexões
críticas e insights valiosos para pensarmos as estratégias colaborativas dos blogs.
63


62
Destacamos aqui as contribuições de Alysson Viana Martins (PIBIC/UFPB, 2008/2009 e
PPGC/UFBa, 2011), Laiza Félix de Aguiar (PIBIC/UFPB, 2010/2011), Eliane Cristina Medeiros
(PPGC/UFPB), e Marina Magalhães (PPGC/UFPB) analisando os blogs, o Twitter e as redes sociais.
63
Embora recente, já podemos registrar avanços da pesquisa nessa área, como demonstra a obra
Métodos de pesquisa para a internet (FRAGOSO, RECUERO & AMARAL, 2011), um esforço
interdisciplinar contemplando as dimensões da educação, mercado, comunidades de interesse e vida
cotidiana. Um rastreamento dos vários enfoques metodológicos, abrangendo as análises quanti-
qualitativas, pesquisa exploratória, observação participante, etnografia virtual, netnografia, grounded
theory, cultural studies, webnografia, e medição dos padrões de conectividade, etc. Um rigoroso trabalho
coletivo que apresenta e discute o arsenal das investigações “de ponta” nos núcleos mundiais da pesquisa

85

Apreciamos os blogs, em seu aspecto móvel, minimalista, proativo, como
vetores de sócio-tecnicidades inteligentes que – conectadamente – fundam de uma nova
arte na reportagem das ocorrências do cotidiano. Isso vale tanto para os diários pessoais
(de cunho mais lúdico, subjetivo, intimista), quanto para os blogs jornalísticos (mais
pragmáticos, políticos, publicitários).
Os blogs promovem mutações extremamente importantes no campo do
jornalismo, uma atividade que, desde o século 18, consolida uma experiência básica
para a constituição da esfera pública, do princípio democrático e formação da cidadania.
Procuramos aqui sistematizar um pré-entendimento dos blogs como expressão
de uma nova formação discursiva mediada pela tecnologia, e logo formulamos algumas
questões objetivando apreciar a sua natureza, o seu significado, os seus efeitos e usos
sociais. E a partir daí, esboçamos um campo provável de discussão que pode remeter às
reflexões sobre o retorno da escrita na era do virtual, a hipertextualidade da literatura
pós-massiva, o fenômeno do webjornalismo e o poder social das redes interativas.
O que é o blog? Embora seja um objeto recente, encontramos na internet e nos
formatos impressos um volume considerável de pesquisas sobre o seu conceito: Lemos
(2002), Oliveira (2002), Recuero (2003), Sibilia (2005), Primo (2008), e Amaral,
Recuero & Montardo (2009) têm se empenhado em traduzir o seu significado.

O termo “weblog” foi primeiramente usado por Jorn Barger, em 1997,
para referir-se a um conjunto de sites que “colecionavam” e divulgavam
links interessantes na web (Blood, 2000), como o seu Robot Wisdom. Daí
o termo “web” + “log” (arquivo web), usado por Jorn para descrever a
atividade de “logging the web”.

AMARAL, RECUERO & MONTARDO, 2009, p. 28 .

O blog é uma modalidade de diário (pessoal, coletivo, privado, institucional,
público e/ou comercial); uma narrativa telemática de caráter sócio-interativo que faz o

em cibercultura. Leia-se ainda na perspectiva de um roteiro metodológico: “Information Management”
(BERNERS-LEE, 2010); “Small-World Link Structures across na Academic web space ”
(BJÖRNEBORN, 2009); The Japanese Noise Alliance and the Internet (GOTTLIEB & McLELLAND,
2003); “Hyperlinking: From the Internet to the Blogsphere” (CISZEK, 2005); “La netnografía”
(GEBERA, 2010); “A etnografia virtual na pesquisa de abordagem dialética em redes sociais on line”
(GUTIERREZ, 2009); “Beyond microblogging” (HONEYCUTI & HERRING, 2009); “Etnografia on
line, Comunidades Virtuais” (2009); “Social Networks that matter: Twitter under the microscope”
(HUMERMAN; ROMERO & WU, 2009); Why we Twitter” (JAVA; SONG; FININ; TSENG, 2007);
“Estudos culturais e cibercultura” (KNEWITZ, 2009); “Antropologia e Jornalismo: uma questão de
método” (LAGO, 2007); “Estudo dos blogs a partir da netnografia” (MONTARDO & PASSERINO,
2006); “Jornalismo em tempos de cibercultura” (ROCHA, 2008); “Netnografias nas redes digitais” (SÁ,
2002); From counterculture to cyberculture (TURNER, 2006); The Science of a Connected Age
(WATTS, 2003).

86

registro cotidiano das ocorrências, de modo semelhante às Actas Diurnas de Júlio
César, na Roma Antiga, que confere uma dimensão pública aos discursos políticos,
anteriormente circunscritos ao espaço de intimidade dos governantes.
Quem são os blogueiros? São escritores, artistas, estudantes, jornalistas,
ciberativistas, contadores de histórias, personagens sintomáticos do hibridismo cultural,
em que se cruzam anônimos e celebridades, amadores e especialistas, voluntários e
militantes, interagindo conectadamente no contexto da sociedade midiatizada.
O que é a blogosfera? Um ambiente comunicacional recente que acolhe a
vontade de poder escrever e se comunicar dos indivíduos e grupos sociais. Trata-se de
um novo território, em que se instalam os atores em rede interagindo como
cibercidadãos; uma nova camada na ecologia política e comunicacional contemporânea.
É um espaço propício ao encontro-confronto dos escritores, jornalistas,
acadêmicos, profissionais do mercado, cronistas, historiadores do presente que
interagem em “tempo real”, mas se encontram presencialmente em lugares distintos.
Para entendermos a experiência cotidiana do blog, no trabalho e no tempo livre,
é esclarecedor o depoimento de André Lemos, falando do seu blog Carnet de Notes:

Para mim, o blog se tornou algo quotidiano, a meio caminho entre um caderno
de notas pessoal e um arquivo profissional. (...) um observatório sobre minha
pesquisa atual e como catálogo de meus projetos, livros, artigos e ensaios. (...)
Considero este Carnet de Notes parte da minha produção acadêmica como
pesquisador e professor universitário. De fato, ele é um espaço de expressão e de
contato com outros, um prazer concretizado e compartilhado em palavras,
imagens e informações. (...) Os blogs são, junto com os games, os chats e os
softwares sociais, um dos fenômenos mais populares da cibercultura. (...) Os
blogs são criados para os mais diversos fins, refletindo um desejo reprimido pela
cultura de massa: o de ser ator na emissão, na produção de conteúdo e na partilha
de experiências.
LEMOS, Carnet de Notes, 2009.
64


Fazendo uma exploração na rede, encontramos blogs acadêmicos, jornalísticos,
artísticos, filosóficos, musicais. Há os blogs úteis, os fúteis, os informativos, os
politizados, os elegantes, os esclarecedores, os desnecessários e os imprescindíveis, os
quais - ritualisticamente - consultamos diariamente, e o seu conjunto compõe uma
exuberante blogosfera de onde jorram narrativas geniais, informações quentes, flashes
de sabedoria, e valeria a pena destacarmos aqui alguns deles.
65


64
Cf. Carnet de Notes (blog de André Lemos): http://andrelemos.info/ Acesso: 21.05.2011;
65
Carpintaria das Coisas (Erick Felinto) http://poshumano.wordpress.com/; As palavras e as
coisas (Adriana Amaral); http://www.adriamaral.com/; Mediação, Mobilidade, governabilidade
(Henrique Antoun) http://governabilidade.blogspot.com/; Trezentos (blog coletivo; Sérgio Amadeu e
outros blogueiros): http://www.trezentos.blog.br/; Maquinaria de Linguagem (Luis Gomes):

87

O estado da arte na pesquisa sobre os blogs

Há um farto repertório de trabalhos sobre o blog proporcionando . Uma boa
síntese da temática blog está no livro Blogs.com. Estudos sobre blogs e comunicação
(2009), em formato impresso e digital, editado por Amaral, Recuero & Montardo.
66

Reunindo 17 autores, o livro consiste num exaustivo trabalho metodológico gerado a
partir da observação participante em diversas atividades relacionadas com os blogs ou
diários virtuais:

(...) percebemos o aumento de eventos acadêmicos sobre o tema, como o
BlogTalk – que acontece desde 2003 –, o ICWSM, International
Conference on Weblogs and Social Media – que acontece desde 2004 – e
o Encontro Nacional e Luso-Galaico sobre Weblogs, que ocorre
anualmente em Portugal. No Brasil, o evento Blogs: Redes Sociais e
Comunicação Digital, ocorrido em duas edições na Feevale, em 2007 e
2008, reuniu pesquisadores em grupos de trabalho e palestras. (...) Aoir
(Association of Internet Researchers), Compós (Associação Nacional dos
Programas de Pós-graduação em Comunicação), ABCiber (Associação
Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura) e Lista de discussão sobre
Cibercultura da UFBA, entre outras.

AMARAL; RECUERO; MONTARDO (Blogs.com, on line).

Organizado em duas partes, Blogs: definições, tipologias e Metodologias, e.
Usos e Apropriações de Blogs, o e-book se empenha em investigar as interfaces dos
blogs com os problemas de teorias e metodologias (sua objetividade e relevância; as
perspectivas de análise e as bases conceituais empregadas nas pesquisas).
O trabalho explora a inserção dos blogs na esfera política, comercial e
pedagógica, e o seu uso como ferramenta nas práticas de ensino (e profissionalização)
do jornalismo. A obra contempla o objeto como uma nova categoria do jornalismo,
examinando a sua operacionalidade como um poderoso vetor de compartilhamento da
informação. Procura detectar as suas variações enquanto moblogs e microblogs, e
interpretar o trabalho do jornalismo no uso das tecnologias móveis. Trata-se de uma
referência na área e apresenta, de maneira sistematizada, uma revisão bibliográfica
rigorosa acerca dos blogs, incluindo títulos nacionais e internacionais.
Em outro registro, o trabalho de Alex Primo se volta para os problemas gerais da
“interação mediada por computador” (2007), examinando as formas de cognição

http://www.maquinariadelinguagem.blogspot.com/; Bibliografia de Cibercultura (org. Alex Primo)
http://bibliografiadecibercultura.com/; Dossier Alex Primo http://www.interney.net/blogs/alexprimo/; The
i-Piauí Herald. “O blog diário mais elegante do Brasil”. http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/herald;
66
Cf. Blogs.com. Estudos sobre blogs e comunicação http://www.sobreblogs.com.br/

88

geradas a partir do uso das tecnologias, e o caráter de heterogeneidade dos blogs em
diferentes formas (organizacionais, educacionais, de caráter público e privado) e se
propõe a estabelecer uma matriz classificatória dos blogs.
Raquel Recuero é uma das pioneiras no estudo e divulgação do trabalho dos
blogs no Brasil, investigando o seu uso como estratégia bem sucedida, durante a guerra
no Iraque e a emergência do Jornalismo on line (2003). Recuero e Primo (2003)
apresentam uma análise do blog, como um “hipertexto cooperativo”, uma “escrita
coletiva” analogamente ao modus operandi da enciclopédia digital (wikipedia).
Nesta área são instigantes - igualmente - os trabalhos de Paula Sibilia, dos quais
inserimos aqui uma súmula, considerando o seu pioneirismo, sua pertinência
metodológica e qualidade estilística do seu argumento, senão vejamos:

Em contraste com algumas formas modernas de atualizar a memória das
próprias experiências vividas (do diário íntimo à psicanálise, do romance
clássico às autobiografias românticas), este artigo examina o fenômeno
dos weblogs, fotologs e videologs do tipo confessional; isto é, aqueles
que expõem na Internet a intimidade de seus autores. Estas novas
manifestações dos gêneros autobiográficos seriam uma tentativa
atualíssima de “recuperar o tempo perdido” na vertigem do tempo real,
do “sem tempo” e do presente constantemente “presentificado”, todos
fatores que caracterizam a contemporaneidade. A peculiar inscrição
cronológica desses novos “relatos do eu” denota uma certa
reconfiguração das subjetividades, que se distanciam das modalidades
tipicamente modernas de ser e estar no mundo. Assim como ocorre com a
idéia de interioridade, também está sofrendo alterações o valor atribuído a
outro fator primordial na constituição da identidade individual: o estatuto
do passado como um alicerce fundamental do eu. Apesar de sua
permanência como fatores ainda relevantes, essas duas noções que
desempenharam papéis de primeira ordem na conformação das
subjetividades modernas hoje parecem estar perdendo peso na definição
do que cada um é, dando a luz a novos regimes de constituição do eu.

SIBILIA, 2005, on line.
67


A análise de cunho qualitativo feita pela autora é severa, mas profundamente
lúcida e converge com a nossa perspectiva epistemológica, pois empreende uma

67
Cf. “A vida como relato na era do fast-forward e do real time: algumas reflexões sobre o
fenômeno dos blogs” (2005). http://seer.ufrgs.br/EmQuestao/article/view/110 Acesso em: 24.05.2011;
Os diários íntimos na Internet e a crise da interioridade psicológica (2003).
http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/tics/2003/body sibilia Acesso em: 24.05.2011; e “A
intimidade escancarada na rede, blogs e webcams subvertem a oposição público/privado” (2003).
http://hdl.handle.net/1904/4757. Acesso em: 24.05.2011. Ver igualmente: “A questão da identidade nos
blogs: o exemplo de uma sociedade dividida entre o moderno e o pós-moderno”. BARBOSA, A.R.
http://www.cencib.org/simposioabciber/PDFs/CC/Aline%20da%20Rocha%20Barbosa.pdf

89

aguçada hermenêutica da comunicação humana na era das redes sociais, perfazendo um
dos primeiros esforços em direção a uma psicanálise da cibercultura.

Duas novas formas de expressão e de comunicação florescem atualmente
na Internet: os diários íntimos on-line (blogs) e as câmeras de vídeo que
capturam e exibem "cenas da vida privada" dos próprios usuários
(webcams). Estes fenômenos parecem recriar um hábito que teve seu
apogeu nos séculos XVIII e XIX e que vinha agonizando lentamente ao
longo do século passado: a paciente e minuciosa "escrita de si". A
intenção é focalizar um aspecto particular dessas novas "narrativas do eu"
que hoje se multiplicam nas redes digitais: a sua inscrição na fronteira
entre o público e o privado, pois as confissões e as imagens cotidianas
dos autores são expostas aos milhões de olhos que têm acesso à Internet.
Os limites que costumavam separar essas duas esferas no mundo
moderno estão sendo desafiados, acompanhando as fortes mutações que
afetam as subjetividades contemporâneas.

SIBILIA (INTERCOM, 2003, on line).

Os seus textos exploram os diários face à convergência sociotecnológica,
aceleração e velocidade do capitalismo global (ou seja, considerando as relações com a
estrutura econômica); analisam os modos de subjetividade, focalizando as dimensões
psicológicas, sociais, ético-políticas dos blogueiros. Sibilia analisa a nova concepção de
esfera pública (virtual, digital, colaborativa) criada pelos blogs, entendida como um
“imperativo da visibilidade”, que Recuero apresenta numa citação esclarecedora:

Esse imperativo, decorrente da intersecção entre o público e o privado,
para ser uma conseqüência direta do fenômeno globalizante, que
exacerba o individualismo. É preciso ser “visto” para existir no espaço
dos fluxos. É preciso constituir-se parte dessa sociedade em rede,
apropriando-se do ciberespaço e constituindo um “eu” ali.

RECUERO, 2003, pag. 3.
68


Essa perspectiva reaparece nos estudos de Alonge (2003), que observa as
ambiências comunicacionais geradas pelos blogs como ágoras digitais, propiciando
estilos de sociabilidade no contexto da cultura midiática. Aliás, as subjetividades e
sociabilidades forjadas pelos meios interativos têm sido também objeto das
preocupações de Carvalho (2000), que explora os “Diários íntimos na era digital”, os
paradoxos dos diários públicos que se originam de “mundos privados”.

68
RECUERO, R (2005). Webrings: as redes de sociabilidade e os weblogs.
http://www.pontomidia.com.br/raquel/webringseredes.pdf Acesso em: 22.05.2022.

90

Cumpre ratificar o trabalho de André Lemos, um dos pioneiros neste domínio,
da pesquisa, tratando especificamente dos blogs em “A arte da vida, diários pessoais e
webcam” (2002)
69
e “Cibercultura e Tsunamis, Tecnologias de Comunicação Móvel,
Blogs e Mobilização Social” (2005). O seu enfoque sócio-antropológico das
infotecnologias atualiza um olhar sobre as mídias (e mediações) digitais, explorando as
interfaces da cibercultura, tecnologia e vida social, e enfatizando o poder social no uso
das mídias locativas. Uma ágil captura da inteligência coletiva conectada dos blogs, em
trânsito, na rua, na praia, na praça pública, em todos os lugares e em lugar nenhum.

O retorno da escrit@ na era digital

Com o aparecimento dos diários nos deparamos com um retorno da escrita (que
fora “obliterada” pelos audiovisuais no auge da cultura de massa) e o surgimento do
leitor imersivo, expressão utilizada por Santaella (2004) para designar as experiências
neuro-sensoriais e cognitivas envolvidas pelas inteligências conectadas.
A partir da revolução forjada pelas mídias colaborativas, um novo regime sócio-
semiótico se instalou; surgiram novas maneiras de falar, de significar e de colaborar.
Portanto, afloraram distintas modalidades de acesso, linguagem e interacionalidade.
A inteligência artificial, o uso simultâneo de imagem, som e texto, o ritmo, a
velocidade das redes e a conexão sócio-tecnológica desencadearam novos modos de
percepção, memorização, estímulo, resposta, cognição e aprendizagem; formas
diferentes de traduzir a semiotização cotidiana e estratégias de participação social.
Uma leitura hermenêutica, semiológica ou semiótica dos blogs nos remete às
três vocações da linguagem, como vetor de informação, comunicação e socialização.
70


69
Cf. LEMOS, INTERCOM 2002. http://hdl.handle.net/1904/18835 Acesso: 22.05.2011
70
Foucault lança luzes para uma distinção entre as experiências: “Chamemos de hermenêutica ao
conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem fazer falar os signos e descobrir seu sentido;
chamemos de semiologia ao conjunto de conhecimentos e de técnicas que permitem distinguir onde estão
os signos, definir o que os institui como signos, conhecer seus liames e as leis de seu encadeamento”. (As
palavras e as coisas, 1981, p. 45-46.).
Por sua vez, Carlos Vogt faz a distinção entre Semiologia e Semiótica: O termo semiótica tem
longa tradição de uso e sua antiguidade remonta ao médico grego Cláudio Galeno que viveu entre 131 e
201 da era cristã e cujas teorias influenciaram fortemente a medicina até pelo menos o século XVII.
Nesse caso, semiótica, com a variante semiologia, designa a ciência dos sintomas em medicina e é
sinônimo de sintomatologia. O uso do termo semiótica para designar a ciência dos signos,
correspondendo, nesse sentido, à lógica tradicional, foi proposto pelo filósofo inglês John Locke, no
século XVII e, em seguida, retomado por Lambert, no século XVIII, como título da terceira parte da obra
Novo Organon. Entretanto, por iniciativas independentes, a semiótica, por um lado, na designação de
origem anglo-saxã e a semiologia, de outro, na vertente neo-latina da cultura européia, vão ser propostas
como disciplinas autônomas, no primeiro caso, pelo filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce que

91

E conduz a um tempo mítico da linguagem, à busca de uma linguagem pura, em
que a prosa do mundo é revigorada pelas narrativas mitopoéticas, encorajando à
comunicação e à sociabilidade. Como demonstra Santaella, no livro Linguagens
líquidas na era da mobilidade (2007), é preciso perceber que os blogs, as redes sociais,
levam às mediações sociais por meio das linguagens geradas pelas tecnologias.
O que acontece com a irradiação dos blogs - pessoais, coletivos, artísticos,
políticos ou jornalísticos - é a instauração de uma nova gramática tecno-social, que
condiciona os modos de pensamento, discurso e ação dos atores sociais.
71

A vigorosa interatividade desencadeada a partir da produção, circulação e
consumo dos conteúdos dos blogs, resulta – sobretudo – do grande poder de mediação e
equilíbrio inspirado no espírito hermenêutico-interpretativo. Ou seja, o trabalho dos
blogueiros assimila as regras gramaticais, do logos, da razão gráfica e comunicativa,
mas escapa aos padrões convencionais, liberando uma linguagem nova que estimula a
imaginação criadora e participante no cotidiano midiatizado.
A blogosfera impõe dinâmica e atualização aos currículos universitários, assim
como energiza os fluxos informacionais que otimizam os procedimentos
organizacionais e mercadológicos, e igualmente, no âmbito do trabalho jornalístico
apresentam novos desafios, forçando as redações e os seus profissionais a reexaminarem
os seus métodos de investigação, os modos de elaboração das notícias e
disponibilização dos seus conteúdos. A blogosfera fortalece o diálogo entre a academia,
o mercado e a sociedade: a nova babel instalada pelos blogs traz bons presságios.



A pureza dos diários e o perigo da blogosfera


viveu de 1839-1914 e, no segundo, pelo lingüista suíço Saussure (1857-1913), cujo Curso de lingüística
geral, publicado postumamente em 1916 por Charles Bally e A. Sechehaye, que haviam sido seus alunos,
constitui o marco de referência da grande revolução teórica dos estudos na área. Cf. ComCiência –
Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. SBPC.
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=11 Acesso em:
25.05.2011.
71
O antigo grego pensava o próprio ato de fala também como um processo hermenêutico (a
tradução ou interpretação do pensamento em palavras), como bem atesta o Peri hermeneias, livro de
Aristóteles sobre o enunciado (hermeneia). Ora, do mesmo modo que a hermenêutica, o termo
“comunicação” designa dois processos: primeiro, o de pôr em comum as diferenças por meio do discurso,
com ou sem o auxílio da retórica (processo comunicativo); segundo, o de interpretar os fenômenos
constituídos pela ampliação tecnológica da retórica, isto é, a mídia, na sociedade contemporânea
(processo comunicacional). Cf. SODRÉ (Revista MATRIZES, nº 1, 2007).

92

Nos tempos da visibilidade total os diários íntimos assumiram novos formatos;
parecem ter perdido o pudor, tornando-se mais evidentes, de acordo com os códigos
abertos da chamada “sociedade transparente”. Trata-se de uma experiência fecunda, que
permite os atores em rede abrirem caminho para a livre informação e a comunicação
colaborativa, como mostram as experiências do blog, do twitter e do wikileaks.
Interessa-nos aqui explorar, sobretudo, o seu caráter sócio-político e
informativo, problematizando as suas conexões sócio-tecnológicas que transformam os
“inocentes diários” em influentes blogs jornalísticos:

Em A Book of One’s Own - People and Their Diaries, o estudioso inglês
Thomas Mallon (1995, p.1) chama a atenção para o fato de que os dois
termos se confundem por estarem associados à idéia de recordação diária
de eventos. Mas ele acredita que a palavra diário tenha conotação
associada a algo mais íntimo porque se ligou a dear na expressão
“querido diário” (dear diary), muito utilizada por diaristas. O jornal, por
sua vez, esteve mais associado a “newspapers trade” (jornal como
informativo comercial, periódico, gazeta) – termo que vincula o jornal à
idéia de fonte de notícia. (OLIVEIRA, 2009).

Para uma reflexão crítica dos blogs como “escrita de si” e vetor de publicização
da vida cotidiana, é salutar recorrer aos pensadores Barthes, Lacan, Foucault, Deleuze e
Derrida, mestres na arte de decifrar as narrativas, escritos, discursos, enunciados e
escrituras, através dos quais se travam as batalhas lingüísticas, cognitivas, jurídicas,
comerciais e políticas. Cada deles nos apresenta idéias instigantes para interpretarmos o
sentido da nova linguagem hipertextual e polifônica da blogosfera, senão vejamos:
Barthes continua sendo um autor importante na academia, no que concerne aos
seus estudos do texto, que podem ser adequados para desvendarmos as tramas da
hipertextualidade . Observando as análises que fez sobre “o óbvio e o obtuso” das
mídias modernas (os impressos, a fotografia, o cinema), podemos utilizar os seus
estudos examinando os blogs como espécies de mitologias, “falas roubadas” (1980),
povoando a semiurgia urbana, desvelando, assim, o “espírito do tempo”. Remontando a
perspectiva barthesiana, os blogs podem ser vistos como narrativas que (re)definem um
novo acesso ao poder da linguagem no contexto social (2003).
Num outro registro, recuperando as lições de Lacan (2003), um autor perspicaz
também no que respeita à decifração do ser, através da fala, do texto, do discurso,
vislumbramos a escrita do blog como expressão dos desejos inconscientes e como uma
robusta usina de produção de linguagem. Pelo prisma lacaniano, o blog realizaria uma
operação em que o significante (lugar do desejo) busca escapar à tirania do significado

93

(lugar da norma), em que o discurso privado (subjetivo) passa a tornar parte de uma
agenda pública (social). Logo, o blog consiste numa estratégia de liberação do desejo
(de falar, escrever, se comunicar) e num motor de realização da catarse, na medida em
que o leitor se torna autor, podendo interagir com outros autores-leitores-interlocutores
O célebre artigo “O que é um autor?” (FOUCAULT, 1984) oferece pistas para
entendermos o blog, como um estilo de comunicação individual ou coletiva, mas,
simultaneamente, autoral e interativa, fazendo uma ponte semiológica entre o domínio
da subjetividade e da objetividade, das tecnologias do ego e da “socialidade on line”.
72

A concepção do discurso como dispositivo gerador de soberania, disciplina,
autonomia e liberdade, segundo a Microfísica do poder (1979), produz agenciamentos
que nos encorajam a defender a ampla e irrestrita liberação da linguagem no
ciberespaço. Mas, sobretudo no último Foucault, autor de História da sexualidade, vol.
1. O uso dos prazeres, e O cuidado de si, vol. 2 (1984), em que propõe uma “estilística
da existência”, encontramos insights para entendermos os novos estilos de subjetividade
(e modos de cidadania) gerados pelos diários nos espaços anárquicos da blogosfera.
Deleuze, mais alegórico, em sua filosofia da diferença, recorre à personagem de
Alice no país das maravilhas e os seus anagramas acerca das metamorfoses entre o
“encolher” e “crescer”, como alternâncias necessárias à lógica de sentido, e assim,
remete-nos a uma reflexão dos tamanhos do blog e microblogging, como espaços
condicionantes para a tradução do pensamento em linguagem na era da velocidade.
73

Ao seu turno, Jacques Derrida, também sob a influência filológica de Nietzsche,
denuncia a “farmácia de Platão”, rechaça a compulsão idealista que leva à angustiante
busca pela “exatidão das palavras”. E por essa via faz a crítica radical da escritura
fisgada pelo “logocentrismo”, defendendo o fonocentrismo, como expressão legítima da
“diferença” do pensamento que manifesta a essência do ser na linguagem.
74

Efetivamente, Derrida – malgré lui même – prenuncia a vigência semiótica
gerada, no século 21, pelo idioma sócio-técnico compartilhado da blogosfera. O filósofo

72
Maffesoli distingue as noções de “sociabilidade” e “socialidade”. E André Lemos explicita
essa distinção: “Maffesoli tenta descrever aquilo que segundo ele vai marcar a atmosfera das sociedades
ocidentais contemporâneas: a “socialidade”. Ele mostra como o conceito de socialidade é definido em
oposição àquele de “sociabilidade”. A “socialidade” marcaria (“daria o tom”) os agrupamentos urbanos
contemporâneos, colocando ênfase na “tragédia do presente”, no instante vivido além de projeções
futuristas ou morais, nas relações banais do cotidiano, nos momentos não institucionais, racionais ou
finalistas da vida de todo dia. Isso a diferencia da sociabilidade que se caracteriza por relações
institucionalizadas, (redes e laços) formais de uma determinada sociedade. Cf. Cibersocialidade.
http://hermes.ucs.br/ccha/deps/cbvalent/EAD/homepsico/andre.html Acesso em: 25.05.2011
73
Cf. DELEUZE, Lógica do Sentido (1969).
74
Cf. DERRIDA, A escritura e a diferença (1967).

94

aposta numa atitude filosófica de desconstrução das tramas lingüísticas hegemônicas,
pela via da linguagem, que ele entende como um ato de resistência.
Essa constelação de idéias, mesmo partindo de rigorosa abstração filosófica, nos
ajuda a compreender as condições de produção da subjetividade e da sociabilidade,
através da linguagem, e nos instiga a entender a blogosfera como o lugar estratégico
para o agenciamento de um novo narrador, sujeito da história, do desejo, da ação
política, de um projeto de autonomia através de uma nova competência comunicativa.
Assim, a especulação filosófica acerca do poder da linguagem nos instiga a
compreendermos –pragmaticamente - a experiência de resistência dos blogs, do twitter,
das redes sociais, no contexto dos conflitos políticos na dita “primavera árabe”.
Enfrentando as gestões governamentais autoritárias da Tunísia, Egito, Líbia,
Síria, Iémen, Sudão, Sri Lanka, Oman, os usuários-blogueiros conectados em rede se
tornam cibermilitantes, contribuindo para a derrubada dos poderes hegemônicos.
75


Um balanço das categorizações

A blogosfera complexificou-se de tal forma que as primeiras definições
sobre blogs passam a revelar suas limitações. Se em um primeiro
momento a imprensa e a academia apressaram-se a comparar blogs, como
diários pessoais, e vincular sua produção a uma atividade confessional de
jovens, hoje vemos um crescente número de grandes corporações
mantendo blogs como estratégia mercadológica e promocional (...).
Diante dessas atualizações e dos desafios que a blogosfera impõe ao
pesquisador, desde o início do ano venho trabalhando em um método que
possa delimitar os diferentes gêneros de blogs.

PRIMO, 2008, on line.

Dentre os pesquisadores preocupados com o fenômeno dos blogs, Alex Primo se
dedica a explorar conceitualmente e pragmaticamente a blogosfera. E, sinaliza caminhos
para um entendimento dessa complexa “maquinaria de linguagem”. Apoiando-se numa
ampla bibliografia sobre o tema, aponta os problemas das suas definições, suas relações
com a imprensa, a academia, o mercado e as instituições midiáticas.
Segundo Primo, a sua classificação foi desenvolvida a partir de uma insatisfação
com as tipologias de blogs conhecidas por suas temáticas jornalísticas, educacionais etc.

75
“Em países como Tunísia e Egito, a oposição estava desintegrada por um poder tirânico. Não
havia uma oposição política para se manifestar; havia a ideia superficial de que o povo estava submisso a
esse regime. O que se revelou foi que a juventude trazia um fermento de revolta e, se esse fermento
deveria se manifestar para levar consigo as outras gerações, seria, efetivamente, com a internet, a
comunicação por Twitter, e-mail, celular…”. Edgar Morin. In: Revista CULT, nº 157, 06.05.2011.
http://revistacult.uol.com.br/home/2011/05/a-estrela-nomade/ Acesso em: 25.05.2011

95

Para ele, “a complexificação da blogosfera acabou inflando essas últimas categorias”
(...) e então propõe um modelo que apresenta 16 gêneros de blogs:

(...) existem blogs individuais e coletivos, o que já modifica as condições
de produção e administração do blog. (...) busquei avaliar como se dão as
interações (internas e com as audiências) e a relação do blogar com o
trabalho e com o cotidiano (dimensão interações formalizadas/interações
cotidianas). Quanto ao conteúdo, busquei investigar se os textos voltam-
se para questões dos próprios blogueiros (quando falam de si, de suas
relações e das próprias atividades) ou quando tratam de outros assuntos
(dimensão dentro/fora). A última dimensão (reflexão/relato) visa observar
a estratégia discursiva preferida: existe argumentação crítica ou apenas
uma exposição de fatos? (...) A partir do cruzamento (das) dimensões,
encontrei 16 gêneros: (1) profissional auto-reflexivo; (2) profissional
informativo interno; (3) profissional informativo; (4) profissional
reflexivo; (5) pessoal auto-reflexivo; (6) pessoal informativo interno; (7)
pessoal informativo; (8) pessoal reflexivo; (9) grupal auto-reflexivo; (10)
grupal informativo interno; (11) grupal informativo; (12) grupal
reflexivo; (13) organizacional auto-reflexivo; (14) organizacional
informativo interno; (15) organizacional informativo; e (16)
organizacional reflexivo.

DOSSIÊ ALEX PRIMO (Blog, 30.09.2008).


O pesquisador apresenta instrumentos teórico-conceituais para compreendermos
os blogs, a partir de sua caracterização em diferentes gêneros. Para isso recorre às
leituras de Bakhtin e Todorov, pensadores engajados no estudo das relações entre o
discurso literário e a trama social, empenhados em classificar, categorizar e explicar os
gêneros de discurso no âmbito da cultura. Assim, Primo elabora uma tipologia dos
gêneros de blogs que tem o mérito de encorajar novas categorizações, não só para uma
análise dos blogs, mas de outros dispositivos semiótico-informacionais.

O jornal e as mediações digitais: o blog, o podcast, o Twitter

Da Galáxia de Gutemberg (expressão do desenvolvimento mundial da imprensa)
até a Galáxia Internet (forma mais acabada da midiatização global) muita coisa
aconteceu, e pelo que tudo indica estamos apenas no início de uma longa odisséia.
Conforme escreve o sociólogo catalão Manuel Castells, na obra monumental, em
três tomos, A Era da Informação: economia, sociedade e cultura (1999), estamos
assistindo a importantes transformações no domínio da economia, política, cultura e
sociedade, e como diz Pierre Lévy, “a internet já é a própria revolução”. Ou como
proclama o jornalista Marcelo Tas: “O Twitter já revolucionou a comunicação”.

96


O modo (como a gente lida com o fluxo de notícias nos próximos
anos) “é algo que a gente não vai perceber de uma maneira tão pontual
quanto a gente percebeu com a chegada da TV, por exemplo. É algo
muito mais sutil e, paradoxalmente, muito mais rápido. Entra tão
imediatamente na nossa vida que a gente não identifica. A gente tem uma
dificuldade muito grande de processamento. Os chips vão se acelerando
em proporção geométrica, e a gente continua com o mesmo cérebro, com
o mesmo corpo – graças a Deus, inclusive -, e principalmente com a
mesma cultura, que é muito analógica”.

Marcelo Tas (Entrevista, Estadão on line, 2011).
76


As nanotecnologias, as mídias móveis, colaborativas, os dispositivos “sem fio”,
os laptops, palmtops, celulares e câmeras portáteis têm proporcionado modificações
importantes no âmbito do trabalho dos jornalistas e profissionais de comunicação.
Não se pode precisar com certeza quando surgiu cada dispositivo e nem o
momento exato em que as transformações começaram a acontecer, mas numa
perspectiva histórica, percebemos que existe uma relação muito próxima entre a rota
sinistra dos conflitos bélicos e a evolução das tecnologias de comunicação.
As grandes guerras mundiais, a guerra da Coréia, a guerra do Vietnã, a guerra do
Golfo, a guerra no Iraque, o episódio da explosão das torres gêmeas, “A guerra contra o
terror”, entre outros, são acontecimentos trágicos, em que as tecnologias de informação
e da comunicação têm um papel preponderante.
Várias obras como Guerra e Paz na Aldeia Global (MCLUHAN, 1971), A
invenção da Comunicação (MATTELART, 1996), Guerra e Cinema (VIRILIO, 2005),
A guerra do golfo não aconteceu (BAUDRILLARD, 1991) e Democracia, multidão e
guerra no ciberespaço (ANTOUN, 2004), entre outros, têm demonstrado a intersecção
entre os conflitos, as guerras e a comunicação.
Numa perspectiva hermenêutica, a experiência comunicacional aparece aqui
como mediação da “guerra das linguagens”, das tensões e dos conflitos das mais
diversas naturezas. Com efeito, a história da evolução dos meios de comunicação que se
efetiva pari passu com a evolução do processo civilizatório, conforme demonstra
Hohlfeldt (2001), não se perfaz num rio de águas tranqüilas.
77


76
Cf. http://blogs.estadao.com.br/link/entrevista-com-tas/ Acesso: 21.05.2011
77
Nessa perspectiva, percebemos que os “novos” regimes democráticos ou autoritários na
América Latina atuam num contexto sócio-político diferenciado, pois, considerando a história do
jornalismo (e da comunicação) marcada pela sombra da censura, hoje, assumem um papel específico na
era da inteligência social critica tecnologicamente conectada. O fato configura um caso à parte no

97

Nesta investigação dos blogs (diários virtuais) que já fazem parte da rotina de
trabalho dos jornalistas – como as agências de notícias – notamos que estes se inserem
num contexto histórico-cultural marcado pela globalização, dromocracia (aceleração e
velocidade dos fluxos, mensagens, notícias), convergência sócio-tecnológica e
dispositivos de conexão e mobilidade. Logo, caberia examinar como o jornalismo vem
se transformando com a incrementação dos blogs, e como esta prática histórica vem se
modificando sob a égide da digitalização, configurando a experiência do webjornalismo.
O novo formato se instala no tempo forte do capitalismo global (ou
“turbocapitalismo”), mas não se pode perder de vista também que aqui se definem os
espaços e tempos para as ações afirmativas e empoderamentos (dos usuários, cidadãos,
jornalistas, pesquisadores), para a criação de oportunidades e a inserção das
competências comunicativas nos chamados “mercados glocais”.
78

Sem pretender abarcar os grandes problemas causados pelas metamorfoses do
jornalismo, a partir das tecnologias da informação, elencamos algumas questões que
podem instigar um debate profícuo, e para isso, recorremos a alguns trabalhos que
atestam o esforço da pesquisa voltada para as relações entre os blogs e o jornalismo.
79

Naturalmente esses são apenas alguns exemplos, dentre os muitos estudos sobre
os blogs e suas interfaces com o jornalismo.
Podemos depreender dessa pequena amostra as preocupações em atualizar uma
avaliação crítica da imprensa, enquanto instituição ocidental, que nasce diretamente
ligada às questões da vontade geral, do Direito, das lutas políticas, da livre iniciativa e
da liberdade de informação, e tais preocupações passam pelo crivo da nova experiência
individual e coletiva que é a “interacionalidade” gerada pelos meios digitais.

panorama mundial e solicitaria uma investigação particular, que poderia nos indicar o novo estado da
relação entre governo, mídia e sociedade.
78
São exemplares nessa direção os blogs organizacionais, das empresas públicas e privadas, que
têm fornecido um repertório de informações para os estudantes, os jovens egressos das universidades, os
profissionais liberais, os veteranos que podem se atualizar a partir dos novos formatos das mídias sociais,
e para os próprios empresários que encontram aí uma boa oportunidade para otimizar os seus negócios.
79
Nessa esteira, encontramos alguns autores que cumpre destacar, dentre os quais, Aguiar (2006)
que estuda o blog-jornalismo, discutindo a possível interatividade e a construção coletiva da informação;
Dreves (2004) que focaliza o “Blog e o jornalismo on-line, buscando repensar as potencialidades
profissionais na contemporaneidade tecnológica; Geraldes (2005) que interroga sobre “a vocação política
dos blogs de notícias e a possibilidade de reconstituição da esfera pública”; Jungles (2005) que explora os
“weblogs e as intersecções dos gêneros jornalísticos”, percebendo os blogs como uma ferramenta
jornalística; e Mattoso (2003) que aprecia a internet, o jornalismo e os weblogs, como uma nova
alternativa de informação; enquanto o grupo formado por Quadros, Vieira & Rosa (2005) mira os blogs
buscando investigar as transformações no jornalismo; e Ramos (2005) que nos apresenta apontamentos
para uma exploração das possibilidades do texto na internet, delimitando o seu enfoque na dimensão dos
weblogs pessoais e jornalísticos.

98


Os blogs como extensões da casa, da escola e da empresa

Os blogs têm repercutido nos domínios da economia, política e educação.
Atendem a funções sociais diversas; convém levá-los a sério naquilo que contêm de
essencial, tornando a comunicação mais democrática e gerando empoderamento social.
Historicamente, observamos que a nova divisão social do trabalho introduz
novas demandas, necessidades e responsabilidades, e tais instâncias passam pelo crivo
da formação dos recursos humanos, das competências sócio-técnicas e cognitivas. Mas
um estudo dos blogs não poderia prescindir também de uma apreciação dos
componentes ético-políticos e estéticos, que lhes dão forma e sentido. Num nível mais
pragmático, tudo isso remete – inevitavelmente – ao problema das escolas de Ensino
Superior de Comunicação, e a rigor, às relações entre a escola, o mercado e a sociedade,
instâncias movidas por interesses distintos, mas que não são irreconciliáveis.
O blog e o microblogging (como o Twitter) têm exercido uma presença
marcante nas diversas esferas da ação pragmática, no âmbito da comunicação deste
começo de século; logo, o seu significado não deve ser subestimado. Obliterá-los seria o
mesmo que apagar o sistema de correio postal numa história da cultura do século XIX.
O jornalismo continua sendo – como sempre foi – um discurso socialmente
poderoso, que contribui para a organização da vida mental e social no espaço público. O
jornal mudou de forma na era da comunicação pós-massiva, conjugando os elementos
verbais, impressos, gráficos, imagéticos, sonoros, e os blogs - em seu formato conciso,
dinâmico, colaborativo – têm participado efetivamente destas mutações.

99

7



O Blog do Tas e a crise do Senado Federal na gestão Sarney


O humor é um gatilho que dispara a inteligência das pessoas (Marcelo Tas)


Para compreender a efetiva participação dos atores sociais no espaço público
informatizado, convém atentar para a complexidade dos dispositivos telemáticos
instalados na ambiência cotidiana. O uso das redes de informação tem potencializado as
ações afirmativas no cerne da crítica dos problemas sociopolíticos, atualizando o debate
sobre a corrupção, a impunidade e as formas ilegítimas da elegibilidade.
Na era da informação, a luta pela cidadania passa pelo crivo da competência
cognitiva no uso das tecnologias de comunicação. No século 21 inaugura-se um novo
modo de politização do cotidiano, sob o signo do ciberativismo, uma atividade tecno-
social em que os cidadãos-e-leitores, se utilizam das redes interativas como estratégias
de vigilância e monitoramento do exercício da política partidária. E no conjunto mais
amplo dos meios colaborativos, surgem os blogs, como plataformas discursivas eficazes
no trabalho dos jornalistas, educadores, legisladores, cidadãos empenhados na
construção de um espaço público mais democrático.
Percebemos a internet como terreno propício para uma enquete científica acerca
da experiência de participação política, na primeira década do século 21, com o advento
da comunicação digital
80
. Assim, apontamos alguns elementos para a elaboração de uma
investigação das modalidades de ação afirmativa, na interface da Comunicação &
Política, o que – em última instância - pode atualizar a discussão da esfera pública nos
espaços e tempos da cibercultura. Examinamos, portanto, as intervenções sociopolíticas
por meio dos dispositivos telemáticos, delimitando, especificamente, o enfoque das
estratégias de ação, os estilos de argumentação política e os “dispositivos sociais de
resposta” (BRAGA, 2006), no contexto da comunicação em rede.


80
Este trabalho resulta da pesquisa no Departamento de Comunicação, e Programa de Pós-
Graduação em Comunicação – UFPB, Modernização Tecnológica e Desenvolvimento Social, em
colaboração com os pesquisadores (PIBIC/CNPQ/PPGC/UFPB): Paulo Henrique Souto Maior Serrano;
Alysson Viana Martins; Laiza Felix de Aguiar; Marina Magalhães Morais; Eliane Cristina Medeiros.

100

Miramos o blog do jornalista Marcelo Tas, e particularmente observamos a
interlocução entre o Blog do Tas e os outros discursos em torno da crise política,
envolvendo o Senado Federal, em 2009. São narrativas telemáticas e estilos de
comunicação mediada por computador que nos permitem uma aproximação dos
contornos da crise política, o acesso a uma informação pluralista e democrática.
O Blog do Tas tem mediado vigorosamente a atual crise no Congresso Nacional.
E através desta ferramenta, os agentes sociais advindos dos mais diversos “lugares de
fala” têm se unido na atualização, crítica e participação nas discussões sobre o tema.
Protestos populares foram divulgados, denúncias e cobranças foram feitas, e a
partir do uso de instrumentos como o blog, verificamos que o cidadão pode contemplar
o seu próprio discurso de contestação expresso no ciberespaço.
A imprensa tem uma importância ímpar diante das crises políticas, pois constitui
um canal privilegiado para a legítima expressividade da opinião pública. É uma via de
acesso objetiva aos fatos, com o poder de pressionar, de cobrar respostas e soluções. E o
Blog do Marcelo Tas – como um exercício, ao mesmo tempo, de “parajornalismo” e de
“ouvidoria” - surge legitimado pelo reconhecido trabalho de seu criador Marcelo Tas,
desde os programas de TV Ernesto Varela (1984) e Os Netos do Amaral (1990),
produtos memoráveis para o público brasileiro, pela sua iconoclastia midiática.
Responsável por um histórico de trabalho inteligente, criativo e popular, e
reportagens irreverentes, com humor, sagacidade e fina ironia, Tas tem se posicionado
radicalmente crítico e derrisório diante da atual crise do Senado Federal, no programa
CQC (Rede Bandeirante) e no Blog do Tas.
Rastreando o blog, verificamos que, durante os cinco meses seguintes ao início
das primeiras denúncias, um volume de 25 postagens dos internautas foi dedicado ao
tema, e se remontarmos os quase três mil comentários, compreendemos o alto nível de
participação social e a forte interatividade deste dispositivo.
Resumidamente, o Blog do Tas estabelece um espaço crítico fundamental para a
expressão da indignação popular, e cria a oportunidade para a atualização dos discursos
em torno da crise, um repertório importante de informações e revelações, que concedem
transparência à trama das ocorrências ocultas no Parlamento.
A partir de uma observação mais detida dos posts detectamos a hipertextualidade
característica do webjornalismo sendo posta em prática: são imagens, vídeos, vozes,
desenhos, charges, animações que, disponibilizados, atraem os cidadãos conectados, e
alertam para a possibilidade de suas colaborações no ciberespaço.

101

Expressa-se assim o discurso do autor do blog, numa roupagem derrisória e
humorada, fazendo a sátira política, sem perder de vista o compromisso com a ética e a
objetividade da informação. Permanentemente, Marcelo Tas tem enfatizado o fato de
que defende o Estado de Direito e que deseja apenas informar à opinião pública sobre as
irregularidades realizadas pelos chamados “representantes do povo”.
Encontramos ali os elementos relevantes para uma análise das relações entre a
mídia, o Estado, o Poder Legislativo e a sociedade. E especificamente contemplamos a
dimensão propriamente interativa dos blogs, mirando as postagens do jornalista-
blogueiro, os comentários dos leitores e as respostas do próprio Tas aos usuários.
Esta operação nos permite visualizarmos as “formas do discurso” no contexto da
blogosfera, os níveis de influência da hipermídia junto aos usuários-cidadãos e o
agenciamento coletivo de um “sistema social de resposta”, comprovando que os
internautas estão atualizados e empenhados no debate político.

Indignação e perplexidade na comunicação em rede

Estrategicamente, selecionamos algumas postagens relativas ao “caso Sarney”,
filtrando as mensagens mais significativas para uma compreensão do tratamento
dedicado à questão da crise política. E iniciamos com a citação de um enunciado de
Marcelo Tas, como resposta indignada às revelações – divulgadas na televisão e no
YouTube – dos telefonemas (grampeados), em que o Presidente José Sarney faz
negociações com os familiares, distribuindo empregos públicos para os parentes e
amigos, num flagrante caso de nepotismo:

Ontem, o senador José Sarney, melancolicamente, gaguejando, discursou
no Senado, pedindo que a sociedade o julgue, não pelos recentes atos da
nomeação de familiares por atos secretos, mas pelos 55 anos da vida
pública dele. - OK, senador, já que o senhor está pedindo, vamos lá. Em
respeito ao tempo das pessoas que aqui passam vou resumir em três
pontos minhas premissas: 1. Por ter apoiado a ditadura militar e... depois
Tancredo e... depois FHC e... agora Lula, confirmando sua atuação como
radical de centro, um verdadeiro gafanhoto que se equilibra no poder
segundo as conveniências para estar sempre desfrutando de benesses em
nível federal e também...; 2. Por tudo que o senhor já causou e ainda
causa ao sofrido povo do Maranhão onde sua família está desde antanho
no poder e também... ; 3. Por ter sido eleito senador pelo Amapá, estado
onde o senhor não tem domicílio - o que, by the way, é contra a lei -
apenas para criar mais um curral eleitoral e ampliar seu espaço de poder
sobre o sofrido povo brasileiro... Eis meu julgamento: Vossa Excelência
está reprovado! P.S: Além de comentar aqui, você também pode enviar

102

sua manifestação diretamente para o (endereço eletrônico do) senador
Sarney: [email protected]
Blog do Tas, 26.10.2009.
81


Eis o discurso do comunicador perplexo, indignado, contestador que, como
cidadão, repórter, internauta, despe-se de sua veste cômica e articula um argumento
lógico, razoável, denunciando as etapas de um itinerário político antidemocrático. Trata-
se de um discurso autoritário, antiético, nepotista, que marcou a história política de José
Sarney (e que na verdade, faz parte de uma tradição da política partidária brasileira,
desde a época das capitanias hereditárias).
Por meio de um discurso irônico, crítico, desestabilizador, o blogueiro desvela
particularidades que não aparecem na cena pública e cotidiana do Congresso Nacional.
E aí, temos a configuração de um discurso que não é simplesmente objetivo, no sentido
jornalístico tradicional, mas um argumento racional permeado por afetos, emoções e
sentimentos indignados, reveladores do cuidado com a ética e a responsabilidade, e que
ultrapassa uma mediação puramente sensacionalista e espetacular da notícia.
Convém observar como Tas - profissional de mídia - promove uma crítica das
próprias encenações midiáticas, e como, astuciosamente, endereça aos internautas o
domicílio virtual de Sarney, revelando o código de acesso à sua caixa postal eletrônica.
Os comentários dos internautas imersos nas leituras do Blog do Tas (com ou sem
conhecimento especializado) emitem suas indignações e perplexidades, dialogando com
o autor, o que resulta em instigantes provocações para o grande público, e implica numa
vigorosa participação social nos processos comunicacionais, senão, vejamos:

Lamentável mas a situação exposta é verdadeira. Este cidadão de
nome Sarney firmou um Currau Eleitoral aqui no meu Estado.
Ausente, sem domicílio aqui. Veio se aproveitar de um povo frágil,
carente de melhorias e que infelizmente acreditou em tudo que esse
Senhor disse. Passei noites pedindo a Deus para que Sarney não fosse
eleito, porém... Sabemos o resultado =/ Além do Maranhão e Amapá,
qual será o próximo Estado que Sarney fará ficar a mercê de sua boa
vontade em atuar pela melhoria coletiva e não apenas de sua família?
Pensem nisso!

Depoimento do usuário, Blog do Tas, 26.10.2009.

Com efeito, a importância deste tipo de comunicação mediada por computador
reside na aproximação das fronteiras, entre indivíduos-internautas presencialmente e
ideologicamente distanciados. O mérito do blog está em realizar a utopia do jornalismo

81
CF. http://marcelotas.com.br/home.php Acesso em: 22.05.2011

103

clássico, criando um espaço público para a expressão das liberdades, oposições e
adversidades, de maneira a configurar uma democratização da comunicação pelo
caminho da cooperação digital e dinâmica interatividade.
No contexto fragmentado da comunicação em rede, infiltram-se os discursos
“embasados no Direito, na jurisprudência”, conforme depreendemos, lendo o
comentário de um suposto advogado e a conseqüente tréplica do autor.

Caro Marcelo (não sei se vai ler, mas...) sou seu fã. Não sou fã do Sarney.
Entretanto, respeitosamente, gostaria de corrigi-lo em algo de seu post.
Sarney tem domicílio sim no Amapá, e o tem de forma legal (e tb moral,
antes que vc use este argumento). Acontece que domicílio eleitoral é
adquirido de forma diversa do domicílio civil. A coisa não se resume em
residir ou não em determinado local. E isto já acontecia antes de Sarney.
FHC também foi convidado pelos políticos de Tocantins para disputar o
Senado por aquele estado após deixar a presidência. Não o fez por
motivos diversos à legalidade e à moralidade da questão. Juscelino e
Getúlio também se elegeram por outros estados para o senado e Jânio se
elegeu dep federal pelo Paraná. É isso.
Depoimento do usuário, Blog do Tas, 26.10.2009.
Caro Ruy, as leis brasileiras são como os queijos suíços, cheios de
buracos estratégicos. O que estou questionando aqui é qual a ética de um
ex-presidente alegar um domicílio em outro estado para conseguir se
eleger? Domicílio é algo puramente formal, frio como um segurança de
boate na madrugada? Ou é algo a ser levado a sério por uma autoridade
que resolve usar desse artifício para engabelar todo um estado ao qual ele
não tem qualquer ligação?
Blog do Tas, 26.10.2009.

Contemplamos aqui o exercício de um princípio dialógico, pluralista,
revigorando a comunicação jornalística, em que interagem os saberes especializados e a
sabedoria espontânea dos internautas. E, ambas as posturas discursivas contribuem para
a formação de uma agora pós-moderna, um espaço público que se instaura por um
efeito de viralidade e disseminação global, mobilizando os usuários-eleitores-cidadãos.
Contudo, a marca registrada do trabalho de Tas é a junção do humor ácido e a
competência argumentativa, é assim que ele informa a opinião pública; assim contribui
para o desvelamento e transparência nos negócios públicos e para a consolidação do
princípio democrático. Ao seu modo, mostra como “o rei está nu”. O seu estilo de fazer
jornalismo inclui o gosto pela sátira, conforme podem demonstrar as charges inseridas
nos seus posts, e particularmente, na maneira como tira partido das réplicas dos
políticos, fazendo novos chistes, que são postados no seu “diário virtual”:

104

Fora. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pediu ao
primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), que retirasse as
credenciais da equipe do humorístico "CQC". Sarney alega que a
instituição foi desrespeitada em recente quadro do programa da Band, no
qual foi chamado de "dinossauro".
Blog do Tas, 26.10.2009.

A conexão entre dispositivos diferentes como a mídia impressa, os programas de
televisão, os sites da internet, os blogs e o twitter (microblogging) é sintoma de um
estilo de comunicação sócio-tecno-colaborativa. Consiste numa estratégia de
comunicação que pode atuar num sentido afirmativo, pois instiga a aproximação entre
agentes sociais de faixas etárias e socioeconômicas diferentes, usando linguagens
distintas, a partir de suportes diferenciados.

O espaço público digital e as intervenções infanto-juvenis

Por meio do uso do Twitter, a partir do Blog do Tas, flagramos as intervenções
surpreendentes de crianças e adolescentes que usam as “máquinas de comunicar” para
defender seus pontos de vista. Marcelo Tas intitula uma postagem em seu blog, assim:
“Comentários que salvam o meu dia”. Aqui o comunicador reporta, entusiasticamente, a
mensagem “tuitada” pela criança Ana Paula Crivillari, de 12 anos.

O twitter já revolucionou a comunicação (07/07/2009 14:27). Adorei esta
entrevista. Parabéns Tas você sabe escolher bem as palavras! eu também
apoio o #forasarney, apesar de toda minha família falar que eu não tenho
idade para me preocupar com a política mundial. Toda vez que passa uma
reportagem no telejornal sobre política eu saio correndo em direção a
televisão e presto "muita" atenção em tudo. Graças ao CQC que fez eu
me interessar por esse assunto...Valeu CQC e "bjão" pra "vc" Tas.

Depoimento de Ana Paula Crivillari, In: Blog do Tas, 08/07/2009)

E Tas responde calorosamente à jovem internauta: “Ana Paula, 12 anos,
interessada em política por conta do programa CQC (Custe o que custar), passou por
aqui e salvou o meu dia. Obrigado, querida. La lucha continua!”. E a interação
prossegue, com outro comentário da jovem, logo respondido pelo repórter.
De fato, as mídias digitais atualizam a idéia de liberdade de expressão, criando
um ambiente possível para o exercício da comunicação mediada pelo computador.
A convergência midiática realizada pelas intervenções mútuas entre o programa
CQC e o Blog do Tas, terminam por encorajar o espaço público midiático, televisual e
digital, fortalecendo as expectativas sociais no que diz respeito às aspirações de

105

saneamento da política nacional. Por essa via ganham concretude as críticas à desordem
política do Congresso Nacional e particularmente ao Presidente do Senado Federal, o
que se traduz no argumento de uma internauta correspondendo-se com o blogueiro Tas:

Que bom que o CQC ajuda na conscientização da política no país. Não há
interesse no investimento em educação justamente por causa desse
barulho que o CQC faz, mas na verdade todos nós deveríamos seguir o
lema custe o que custar! Para ajudar com a divulgação: Segunda passeata
Fora Sarney em São Paulo, dia 11/07 às 14h, em frente ao MASP. Só um
adendo final para as pessoas que criticam as atitudes do CQC. Eles nunca
vão agradar a todos mesmo, mas fazem a parte deles em divulgar alguns
dos milhões de erros que temos. Como vimos pelo comentário da
pequena Ana Paula, o CQC chamou a atenção dela para outros assuntos
políticos e isso que realmente importa. Beijos

Depoimento do usuário, Blog do Tas, 08.07.2009.


O método e as experiências midiáticas interativas

Conforme enunciamos, neste trabalho visamos problematizar o estatuto da
experiência política e a sua mediação pelos profissionais da informação e da
comunicação, no Brasil contemporâneo. Esforçamo-nos então em apreciar as
modalidades de discursos que conformam o chamado espaço público midiático digital.
Logo, dedicamo-nos a um mapeamento seletivo dos sites da internet, contendo as
narrativas elaboradas pelos jornalistas e especialistas políticos.
Os critérios de escolha foram norteados a partir dos níveis quantitativos e
qualitativos dos conteúdos; ou seja, examinamos as ferramentas registradoras do
volume de acessos aos sites, a disponibilização dos espaços para as respostas e
comentários dos leitores, os dispositivos adequados à medição da estatística das
intervenções e interações. E, buscamos igualmente apreciar a qualidade dos discursos
dos analistas políticos, observando à sua competência comunicativa (clareza, concisão,
objetividade, inteligência e sensibilidade na reportagem dos fatos) e, principalmente, a
sua conduta ética na argumentação e predisposição ao diálogo, usando uma ferramenta
dinâmica e inovadora, que atinge ampla diversidade de público.
O alto índice de participantes desta experiência comunicativa comprova que
existe a sedimentação de uma camada social politicamente ativa. Trata-se de atores
sociais interagindo com as informações midiáticas, e grande parte deste substrato é
formada pela massa crítica de intelectuais, homens públicos, pesquisadores, jornalistas,

106

analistas políticos, que atuam na academia, no mercado editorial, na midiosfera, e que
descobriram a rede como um meio eficiente de interação da comunicação política.
O trabalho científico dos analistas da comunicação política tem explorado as
práticas midiáticas, nos diversos níveis institucionais, organizacionais, e têm se
empenhado em ações voltadas para a elevação da qualidade da informação política, a
partir do uso dos meios de comunicação interativos. Logo, o Blog do Tas se mostra
como um dispositivo que se encaixa bem neste contexto.
Encontramo-nos num campo de empiricidade efetivamente novo e algumas
questões se inquietam solicitando enfoques atualizados. Cumpre reconhecer algumas
transformações que ocorrem no domínio da experiência política e suas conexões
midiáticas; convém perceber como o “senso comum” irradiado pela estética e
significação audiovisual, usando as mídias interativas, passa a responder e cooperar na
produção de um novo significado à comunicação política.
A midiatização social trouxe um fato novo que traduz – de certo modo - um
princípio de transparência (pelo uso de câmeras, vídeos, canais de televisão em cadeia),
dando visibilidade ao exercício da atividade política.
Novas estratégias críticas são convocadas a partir do poder de monitoramento
das mídias. E numa perspectiva mais democrática, caberia examinarmos em que medida
surge então a possibilidade social de intervenção comunicativa.
É preciso elaborar uma reflexão que esclareça a natureza econômica,
sociotécnica e cultural da experiência política nos tempos do ciberespaço. Neste sentido
o aporte teórico dos analistas pode nos transportar de um ponto de vista meramente
tecnicista, utilitário, instrumental, para uma postura analítica, crítico-compreensiva da
dinâmica da relação entre os cidadãos, a política e as mídias interativas.
Quando os e-leitores conseguem desestabilizar a correspondência dos políticos
profissionais através da transmissão de mensagens, a partir de meios prosaicos, como os
telefones celulares, precisamos rever os nossos pressupostos sobre a comunicação social
e as tecnologias da informação. A partir da inserção dos novos dispositivos midiáticos –
como os blogs e twitter - é necessário repensar igualmente os nossos métodos de
análise. Os pesquisadores precisam reconhecer a nova dinâmica das relações entre os
indivíduos e as mídias, atentando para a introdução de novas intervenções sócio-
técnicas coletivas e novas modalidades de empoderamento no espaço público.
O pensamento acadêmico, assim, é convocado a aliar a razão, a sensibilidade e a
percepção sensorial na era das mídias digitais. A supremacia da visibilidade – no tempo

107

forte da televisão, das mídias massivas - impôs novas regras à reflexão, ao debate
intelectual, à assimilação crítica da lógica das imagens; e hoje - na era digital, das
mídias pós-massivas - encontramo-nos diante de um novo paradigma sócio-técnico,
político e comunicacional, numa ambiência que absorve as emanações da cultura de
massa, mas se distingue pelo fato de ser inteiramente atravessada pela aceleração da
produção e consumo, a hipertextualidade e convergência sócio-tecnológica.
A experiência política na era da informação exige a transformação da práxis
intelectual, reconhecendo o potencial das leituras imersivas, das linguagens
polissêmicas, das novas gramáticas sociopolíticas que proliferam no cotidiano.
Os jornalistas blogueiros, usando os dispositivos da inteligência coletiva
conectada, podem contribuir no trabalho de mediação entre a experiência social e a
experiência política. Apostamos nessa estratégia comunicativa que aproxima gerações
de leitores e cidadãos diferenciados, que reúne públicos distintos, formados por
iniciantes, iniciados, escolarizados, autodidatas, e que acolhe interesses cognitivos,
estéticos, ético-políticos advindos de vários segmentos sociais. Caberia, enfim, analisar
o saldo desta experiência, que passa pelo crivo das negociações e contratualidades,
mediadas por computador, conferindo um novo sentido à ação sócio-comunicacional.
Convém perceber a competência viral dos sites (públicos e privados) eticamente
orientados para levar ao público uma informação substantiva da crise política do Poder
Legislativo, particularmente do Senado Federal, de maneira séria, responsável e
conseqüente. Faz-se necessário examinar em que medida os jornalistas e blogueiros têm
utilizado suas competências técnicas e cognitivas no uso dos sites, tratando da
experiência política, melhorando as estratégias midiáticas restritas à diversão e ao
entretenimento. Cumpre observar como os blogueiros conseguem driblar os jogos de
interesse, as pressões externas e os condicionamentos mercadológicos.
Refaríamos - a propósito - a pergunta de Marcondes Filho: “Quem manipula
quem?” (1986), na interação social mediada pela tecnologia.

Os blogs e as interfaces da Comunicação Política

Em termos analíticos, na mídia impressa, em sua forma clássica, o campo do
observador está voltado para a conexão das potencialidades do texto e da imagem. Os
jornais (e as revistas) - no auge da cultura impressa, urbana, industrial - foram mais

108

competentes junto à esfera pública na medida em que puderam fisgar os leitores através
de um campo gravitacional energizado pela conexão entre imagem e texto.
Os telejornais (e os documentários em vídeo), por sua vez, foram estratégicos na
captura da audiência pela dinâmica da conexão entre a cultura da oralidade e a cultura
tecnológica das imagens em movimento. Hoje, na dita era digital, tudo isso é remontado
e acrescido pela dimensão da hipertextualidade, mobilidade e interconectividade,
transformando os e-leitores em potenciais editores; configura-se doravante, com a
inserção da telemática, um campo comunicacional em que os gêneros discursivos são
irradiados pela interacionalidade, lançando novos desafios ao observador.
Primeiramente, no que concerne à interface da Comunicação & Política, é
preciso distinguir no campo de produção da informação e do conhecimento, a paciência
do empírico (a observação sistemática e rigorosa da experiência) e a velocidade do
empiricismo (a medição estatística com meros fins utilitários). Para isso cumpre recorrer
ao rigor da abstração elaborada pelos teóricos da comunicação política, reconhecendo os
seus conceitos, noções, categorias, modelos de análise e pontos de vista interpretativos,
para apreendermos o sentido da experiência política e sua mediatização.
Nesta esteira, é salutar reler as obras de pensadores clássicos e modernos, como
Hobbes, Maquiavel, Weber, Tocqueville, Arendt, Habermas, Sennet, Boaventura dos
Santos, Milton Santos, entre outros. São pensadores e autores que produziram os textos
fundamentais para entendermos os meandros da atividade política, são passagens
obrigatórias para a mediação entre o pensamento comum e o pensamento político. E,
funcionam como faróis que iluminam o pensamento para entendermos como se enredem
os processos comunicacionais, os atores sociais, a ética e o processo civilizatório.
E, para o exercício de uma reflexão que ultrapassa a mera dimensão da política
partidária, faz-se necessário recorrer aos estudos de comunicação relacionados com os
saberes ligados aos domínios do jornalismo, filosofia, antropologia, psicologia e
experiência política. No campo das ciências humanas e sociais, encontramos as
contribuições de Alberto Dines (1997), Renato Janine Ribeiro (2005), Jurandir Freire
Costa (1994), e outros, cujas obras esclarecedoras vêm ampliar o nosso ângulo de
observação. Eles têm nos instigando a perfazer “o trabalho em migalhas”, investigando
as articulações entre os procedimentos éticos, as estruturas e as conjunturas políticas. A
recorrência aos estudos mais sistemáticos e elaborados possibilita uma contextualização
sócio-histórica e ao mesmo tempo nos leva a refletir acerca dos modos de atualização da
experiência política cotidiana.

109

Dentre os estudos analíticos da interface Comunicação e Política, cumpriria
ainda destacar os esforços de Afonso Albuquerque (1999), Wilson Gomes (2004),
Albino Rubim (2004), Fausto Neto (2001), Venício Lima (2004), Luiz Gonzaga Mota
(2002), Luiz Signates (2009), Maria Helena Weber (2000), Muniz Sodré (2006; 2009),
Vera França (2009), entre outros, como fornecedores das bases fundamentais para a
compreensão atualizada do tema, que ganha novos contornos com a inserção das mídias
colaborativas e a informatização social.

Considerações Finais

A discussão acerca da exigência dos diplomas para o exercício do jornalismo
pode trazer luz para o debate do problema. Partimos do pressuposto que o fim da
exigência da formação profissional - nas instituições de ensino superior - pode gerar um
certo desencorajamento dos esforços na construção de um espaço institucional e
epistemológico, voltado para a crítica da produção do conhecimento especializado em
Comunicação e Política. Mas, evidentemente, nos cursos de Comunicação,
particularmente na habilitação em Jornalismo, assim como nos Centros e
Departamentos de Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, apostamos que
prosseguirão as pesquisas e os debates acerca das relações entre comunicação e política.
E, não é preciso muito esforço para entender que a formação profissional - embasada no
conhecimento científico - só pode vir a aperfeiçoar as aptidões e competências no
domínio do jornalismo.
Tudo isso não pode se configurar a partir de uma decisão jurídica, político-
administrativa, curricular ou institucional; deve resultar das próprias demandas
sociopolíticas, dos fluxos do mercado e das formas colaborativas da esfera pública.
Neste estudo, o que está em jogo é o exame dos blogs como um dispositivo de
empoderamento social. E esta temática - evidentemente - passa pelo crivo da complexa
relação entre a tecnologia, a informação, a comunicação e o conhecimento, e está ligada
às questões da produção midiática, das práticas sociais e das atividades políticas.
Em linhas gerais, buscamos apresentar aqui - empiricamente e teoricamente -
elementos favoráveis para uma compreensão da lógica das mediações entre a
experiência política e a sua versão midiatizada; por esse caminho podemos estender a
imagem conceitual de espaço público digital.

110

A partir da configuração midiática gerada pelos blogs, podemos nos aproximar
das interrelações entre o Estado, a sociedade, o mercado, e o chamado “quarto poder”
(da imprensa), instâncias atravessadas por várias formas de pretensão da verdade.
A nova ambiência comunicação é caracterizada pela “cultura de convergência”,
em que os dispositivos tecno-sociais estão interconectados.
Neste contexto, em que se inserem novas modalidades comunicativas, como o
YouTube (registros audiovisuais) e podcast (registros das vozes), instauram-se também
novas modalidades de revelação dos segredos no mundo da política. Logo, novos
contornos se desenham para um entendimento do fato político na era da ultra-
reprodutibilidade técnica, conforme mostra o caso Sarney, publicizado tanto nos blogs
meta-jornalísticos (como o blog do Tas), quanto nos sites de vídeos(como o YouTube).
De algum modo, com a ascensão das mídias interacionais locativas assistimos ao
crepúsculo do coronelismo eletrônico, uma vez que os políticos tradicionais
demonstram desinteresse, desconhecimento e incompetência para tratar das mídias
digitais. Finalmente, a montagem das narrativas telemáticas, em última instância, pode
levar à desmontagem dos discursos populistas, como atesta a experiência anárquico-
ativista do blog do Marcelo Tas.

111

Capítulo 8



O Observatório da Imprensa e a Crítica da Mídia na Era Digital
82




A crítica da mídia é uma missão maldita (Dines, O.I. 8/4/2008)


Para compreender o jornalismo digital, convém decifrarmos a significação da
imprensa no rastro de uma modernidade iniciada com Gutemberg, no século XV, e para
alcançar a sua importância na civilização, cumpre conhecer os clássicos Da democracia
na América (Tocqueville, 1835), Sobre a liberdade (Stuart Mill, 1850) e As Ilusões
Perdidas (Balzac, 1843). Em registros diferentes (ciência, filosofia e literatura), são
obras essenciais para se compreender o jornalismo como uma estrutura básica na
formação do espírito democrático, consciência ética e social, e exercício da cidadania.
Como estratégia metodológica, retomamos um argumento que se expressa no
estudo de Habermas, “Modernidade, um projeto inacabado” (1983), inspirado na obra
de Weber, Economia e Sociedade (1922), revisitada por Rouanet, no ensaio “Verdade e
ilusão do pós-moderno” (1987), e atualizado por Castells, na obra monumental, A Era
da Informação. Economia, Sociedade e Cultura (1999).
Norteados pela razão iluminista, os pensadores se empenharam em compreender
e explicar o percurso histórico da modernidade (e suas fraturas). Esta perspectiva tem a
vantagem de apresentar um sistema de pensamento que pode ajudar a entender a
sociedade midiatizada. Mas é preciso saber absorver a luz sem se ofuscar; convém não
perder de vista a inserção dos registros filosóficos e sociológicos que - em perspectivas
distintas - atualizam o debate contemporâneo, incluindo as noções de “pós-
modernidade” (MAFFESOLI, 1996) e “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001). É
auspicioso sondar o trabalho de quem está “com a mão na massa”. Convém explorar as
leituras voltadas para a complexidade do atual e cotidiano; logo, é pertinente conhecer
algumas obras fundamentais: A pele da cultura (KERKHOVE, 2009), A Galáxia
Internet (CASTELLS, 2003), O futuro da internet (LEMOS & LÉVY, 2010),

82
Trabalho apresentado no GP - Conteúdos Digitais e Convergência Tecnológica, X Encontro dos Grupos
de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
(Em colaboração com Paulo Henrique Souto Maior Serrano, POSLIN/UFMG)

112

Antropológica do Espelho (SODRÉ, 2002), sendo este último uma das obras mais
complexas no campo da comunicação, que atualiza um olhar acerca do ethos que rege a
sociedade midiatizada:
Por midiatização, entenda-se, assim, não a veiculação de acontecimentos
por meios de comunicação (como se primeiro se desse o fato social
temporalizado e depois o midiático, transtemporal, de algum modo), e
sim o funcionamento articulado das tradicionais instituições sociais com a
mídia. A midiatização não nos diz o que é a comunicação e, no entanto,
ela é o objeto por excelência de um pensamento da comunicação social
na contemporaneidade, precisamente por sustentar a hipótese de uma
mutação sócio-cultural centrada no funcionamento atual das tecnologias
da comunicação. (...) Assim, com o intuito de ver além da pura dimensão
de controle ou dominação, nós introduzimos o conceito do bios midiático,
que é a configuração comunicativa da virtualização generalizada da
existência, a partir dos bios estruturantes da pólis, descritos por
Aristóteles em Ética a Nicômaco (apud Sodré, 2002). Esse novo bios é a
sociedade midiatizada enquanto esfera existencial capaz de afetar as
percepções e as representações correntes da vida social, inclusive de
neutralizar as tensões do vínculo comunitário.

MUNIZ SODRÉ (Matrizes, 2007, pags. 17 e 20).

Observamos o espectro da modernização tecnológica e sua relação com o
desenvolvimento social, e examinamos o webjornalismo, nesse contexto de
modernização, que revela avanços nos setores da produção, distribuição e consumo de
informação, e ao mesmo tempo, descompassos na esfera socioeconômica, política e
educacional. Então, faz-se necessário estudar o jornalismo (e os processos tecno-
comunicacionais), considerando os aspectos econômicos, políticos, socioculturais.

A busca do aperfeiçoamento da democracia nas sociedadades
contemporâneas, nas quais as interações sociais e o universo simbólico se
encontram fortemente configurados pelos meios de comunicação, deve
necessariamente orientar-se no sentido de garantia do direito social a uma
mídia qualificada, responsável e ética, bem como do acesso democrático
aos meios de expressão. Para assegurar sua dimensão pública e
responsabilidade social é fundamental que a sociedade civil exerça
permanente vigilância e avaliação crítica dos produtos, práticas e relações
intersistêmicas da mídia, contando com mecanismos e processos para
exercê-las.

Suzana LINKE. In: Narrativas Telemáticas, 2006, p. 63.

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113

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entendermos a disparidade entre as duas faces de um mesmo processo de modernização.
Assim, miramos a Modernidade Social, abarcando o mundo vivido, que
circunscreve os domínios do Cotidiano, da Economia e da Política. E a Modernidade
Cultural, abrangendo o mundo sensível, que contempla os domínios do Saber (incluindo
a filosofia, a ciência e a técnica), da Ética (que reúne o habitus, a religião e a moral) e
da Arte (que envolve o campo da estética, dos afetos e da razão sensível).
O Observatório da Imprensa se debruça analiticamente sobre a imediatez do
discurso jornalístico, e – dado o seu vigoroso empenho de colaboração interativa – atua
exitosamente no monitoramento das notícias. Trata-se de um dispositivo de
mediacriticism, que contribui para a qualificação do trabalho jornalístico e
revigoramento do debate público, por meio dos processos tecno-sociais colaborativos.

O O.I. se concentra na análise, comentários e proposições sobre o
jornalismo de interesse geral (...), acompanhando matérias publicadas em
jornais [e outras mídias] e fazendo-lhes a crítica. Em torno deste núcleo
(...) uma produção diversificada de comentários, notícias e debates
[também dos formatos e conteúdos digitais], por jornalistas, intelectuais,
estudantes e leitores em geral.
(BRAGA, 2006: 109).

Capturamos um conjunto de notícias divulgadas na agenda midiática nacional, e
observadas no site O.I., que reportam os fatos de mais repercussão no espaço público, e
que sintetizam as coberturas do cotidiano, economia, política, ciência, arte e
comportamento. E metodologicamente, agrupamos os títulos das notícias em blocos
temáticos, definindo uma amostragem simbólica que, mesmo sem a exatidão da medida
estatística, funcionam como poderosos dispositivos socioinformacionais que nos abrem
eficazes janelas interpretativas. A estrutura e o funcionamento do site fornecem o
exemplo concreto de uma plataforma, com todas as características necessárias para a
formação de uma vigorosa “rede social de comunicação”. O seu conteúdo é alimentado

114

pelas narrativas e interlocuções de internautas, especialistas, amadores, militantes,
voluntários, que asseguram a dinâmica interativa do site.
Ingressando no site do Observatório, a partir de um simples comando no
computador, acessamos as notícias e nos deparamos como um monitoramento, análise e
crítica dos conteúdos. Assim, com os sensores ativados e a inteligência socialmente
conectada, adquirimos uma percepção crítica do noticiário. É por essa via que podemos
entender o slogan: “você nunca mais vai ler jornal da mesma maneira”.
Para compreender o processo de midiatização social (e sua crítica no O.I.), é
necessário o exercício de uma observação acurada: explorar o objeto empiricamente é
fundamental. Mas não basta. Para escapar ao empiricismo e ultrapassar os limites de
uma análise meramente formal, estrutural, quantitativa, é preciso uma investigação
teórico-conceitual, uma contextualização sócio-histórica, econômico política, semiótico-
cultural; este é o trabalho de uma hermenêutica, de uma antropologia interpretativa.
Convém assimilar as sugestões dos profissionais que têm revigorado os estudos
de jornalismo, do lado de dentro e de fora da mídia, buscando enxergar os feixes de
relações e interesses entre os domínios da universidade, da empresa e das comunidades:
nos discursos de Muniz Sodré, Venício Lima, Alberto Dines, Carlos Castilho, Caio
Túlio Costa, Alfredo Vizeu, entre outros, encontramos os insights básicos para nos
atualizarmos no debate sobre a práxis jornalística na era da informatização social.

Ouvidoria e monitoramento do cotidiano midiatizado

Observamos os temas recorrentes na mídia de massa (e pós-massiva), rastreados
pela O.I. e sua comunidade de leitores-críticos-comentaristas, e detectamos uma
incidência de enfoques e agendamentos dos eventos triviais, corriqueiros, mas que,
reeditados e espetacularizados pela retórica midiática, tornam-se motivo de rumores e
falatórios, tornando-se o depositório dos diversos afetos coletivos.
Verificamos, então, que as conversações cotidianas, em sua aparente banalidade,
podem gerar conseqüências sociais e políticas imprevisíveis. Por exemplo, “Cala a
Boca Galvão” foi uma frase que entrou para o jargão popular na Copa 2010, e
extrapolando o sentido de uma piada nacional, transformou-se numa ocorrência política,
pois Galvão é porta-voz esportivo da maior mídia de massa do país. (MORATTI, 2010).
Positivamente, as leituras compartilhadas do O.I. nos revelaram a tessitura das
associações políticas e financeiras da CBF & Rede Globo, nos bastidores da Copa. Este

115

case inusitado permitiu aos torcedores-internautas de plantão fazerem a crítica da
hegemonia da Rede Globo.
Outro fait divers marcante foi criado em torno do caso da estudante Geyse
Arruda (agredida e expulsa da escola por um suposto atentado à moral). Este caso,
midiatizado, virou objeto de debate no OI. A notícia seguinte, “TV à manivela: a dama
de rosa choque e o apagão nacional” (O.I., 17.11.2009), serviu de pretexto para uma
discussão do universo das candidatas à celebridade, do ethos machista, da violência
contra a mulher. A “interação mediada por computador”, propiciada pela atuação do
Observatório da Imprensa, pode atingir um nível de debate desejável para tratarmos de
problemas difíceis relativos à falta de ética, violência, comportamento selvagem.
As matérias veiculadas no site são duplamente intituladas: a voz do OI e a voz
do autor se emparelham. O primeiro título é do OI, o segundo é anterior (vem de outra
mídia). Este expediente já antecipa um efeito dialógico que vai estimular a
interatividade dos leitores, com eventuais críticas, comentários e edição de novos textos.
A matéria da Seção de Debates do OI - “Celebridades do Esporte. O espetáculo
e suas perversões” (SODRÉ, 6.7.2010) – fez uma análise crítica da cobertura do caso do
goleiro do Flamengo, envolvido num crime. Temos aqui, então, um exercício de
midiacriticismo, apoiado nos recursos discursivos e sociotecnológicos, uma discussão
atenta acerca da dimensão espetacularizada do jornalismo.
O título seguinte, “Funeral de Michael Jackson tem estrutura de megashow”,
(08.07.2009) refere um acontecimento letal atingindo um olimpiano e que abalou a
audiência planetária. E, o site propicia uma leitura analítica, compartilhada, gerando o
consumo crítico da notícia por processos coletivos de desmitificação. O culto
exacerbado do ídolo e a perversidade de sua midiatização são escaneados pelo olhar
crítico do O.I. Mas isto só é possível com o expediente interativo, realizado pelos
leitores-internautas, fazendo suas leituras, críticas, comentários e sugestões.
Com mais intensidade, predomina na mídia o registro dos desastres, crimes e
fenômenos extremos. No contexto da reportagem dos acontecimentos cotidianos,
observamos que, genericamente, os afetos tristes compõem uma parte nevrálgica dos
conteúdos midiáticos, nem sempre evidenciadas de maneira digna e respeitosa.
A mercantilização da dor e sua construção de sentido são desmontadas nas
postagens, críticas e sugestões em rede. Opondo-se à manipulação dos afetos, da
estetização do sofrimento, o O.I. diagnostica as estruturas narrativas perversas,
estimulando um tratamento mais ético às reportagens; vejam-se os seguintes exemplos:

116

“João Hélio: sensacionalismo, o espetáculo e o insólito” (O.I., 02.03.2010);
“Isabella Nardoni: O show não pode parar” (O.I, 30.03.2010); “Irmãos Cravinho -
Tragédia dostoievskiana” (O.I., 25.07.2006); “TVs disputam entrevista com acusado do
Caso Eloá” (O.I, 12.11.2008); “Elisa Samúdio - A vítima julgada pela imprensa” (O.I.,
06.07.2010). Os casos - já conhecidos pela opinião pública - do menino João Hélio, e
das jovens Isabela Nardoni, Suzane Richthofen, Eloá Pimentel e Elisa Samúdio geraram
vários reportagens sensacionalistas que foram criticadas nos espaços do O.I. Constituem
ocorrências trágicas e dramatizadas à exaustão na mídia, que assume o papel de juiz,
numa tribuna que não lhe foi outorgada. Verificando o volume de acessos dos
internautas, os comentários, as críticas e as réplicas, notamos um formidável exercício
de comunicação dialógica graças às mediações sociotecnológicas geradas pelo O.I.
A estratégia de monitoramento exercido pelo site conduz a uma versão mais
fidedigna do acontecimento, passa pelo olhar interativo também dos especialistas,
conforme evidencia a matéria postada: “Processos Midiáticos. Reflexões sobre as
dimensões do espetáculo” (BAHIA, O.I., 12.09.2005).
Os desastres naturais, quedas de aviões, naufrágios e enchentes, igualmente, são
contagiados pelo ímpeto midiático de serializar os sinistros, objetivando capitalizar o
pathos coletivo. Por meio dos processos técnico-enunciativos, as mídias formulam sua
própria sentença, expedem certidões de culpabilidade, transformam o acontecimento
trágico num circo midiático, que foge ao âmbito mais trivial da ética, dignidade e
solidariedade humana. Em termos de uma teoria do acontecimento (e da interpretação),
encontramos no campo das Ciências da Comunicação, contribuições que favorecem
uma análise do jornalismo, dos processos midiáticos, dos protocolos éticos e discursivos
que controem o acontecimento na arena midiática. As abordagens antropo-socio-
semióticas de Charaudeau (2006), Fausto Neto &Verón (2003) e Muniz Sodré (2006),
com insights esclarecedores, abrem novas perspectivas para entendermos as interfaces
da mídia, discurso e poder.
A participação dos internautas, através do monitoramento das reportagens, e sob
o olhar vigilante de Alberto Dines, forjam um espaço crítico e dialógico vigoroso.
O site se empenha na decupagem ético-interpretativa das narrativas midiáticas,
que estruturam a “opinião pública”, distinguindo a verossimilhança possível dos fatos e
os efeitos de verdade simulados pela estratégia de espetacularização da notícia.

117

A economia das troc@s digitais

A partir de um recorte nas páginas do site, compusemos um bloco temático
focalizando a interface Mídia e Economia, e a partir daí podemos detectar alguns eixos
argumentativos do debate público acerca da nova ordem econômica e sociotecnológica
que rege as rotinas da produção jornalística:
“New York Times. Publisher defende cobrança de acesso line” (O.I.,
08.03.2011); “Internautas descobrem como burlar o sistema de pagamentos no acesso
às notícias online do The New York Times” (O.I., 23.02.2011); “Disputa entre
Microsoft e Google ameaça livre fluxo de informações na Web” (O.I. 26.11.2009);
“Sustentabilidade financeira de noticiário une jornais e blogs”. (O.I., 27.07.2010).
As notícias supracitadas, compartilhadas e analisadas pela comunidade virtual de
internautas conectados ao O.I. desdobram os fatos econômicos e os distribuem em rede,
fazendo articulações temáticas que instigam o debate na esfera pública informatizada.
Devido ao caráter horizontal, cooperativo e democrático da internet, as redes
sociais representam uma ameaça aos tradicionais detentores do poder midiático, o que
coloca em crise - por exemplo - as experiências indesejáveis como o “coronelismo
eletrônico”. A regra do “vale quanto pesa” para os negócios do jornalismo, desde
“Cidadão Kane” até “Cidadão Murdoch” - continua valendo. Citamos o seguinte fato
noticiado para ilustrar essa experiência: O presidente da News Corporation, um dos
maiores conglomerados de mídia no mundo, Murdoch defende a comercialização das
notícias pela internet. E entre nós, as instituições públicas, historicamente, têm-se
mesclado promiscuamente com os grupos econômicos exercendo monopólios, senão
escusos, pouco éticos e sem preocupação com a responsabilidade social.
Entretanto, com o surgimento dos dispositivos de monitoramento - aprimorados
pelas tecnologias de visibilidade e vigilância - tem ocorrido mudanças nas formas de
enfrentamento e negociação entre os “donos das mídias” e os leitores, cibercidadãos,
“ativistas midiáticos”, que usam as redes sociais como meios de comunicação política,
em defesa da participação gratuita dos indivíduos nos processos de decisão pública.
Para entender a economia de trocas na era digital é necessário reconhecer as
modalidades recentes de produção, circulação e compartilhamento, no bojo da nova
economia informacional, que transfigura a tradicional economia comunicacional.

118

A ideologia da sociedade global da informação é a do mercado, faz parte
da reconstrução neoliberal do mundo. Há o desígnio dos países
dominantes de trazer todas as sociedades à democracia do mercado, que
está por trás dos sistemas de inteligência global, de captação de
informações que permita vencer os rivais e antecipar os movimentos das
grandes organizações da sociedade civil que possam obstacular os
desígnios mercadológicos. A liberdade de expressão comercial tem, nesse
quadro, toda prioridade sobre a liberdade de expressão dos cidadãos

MATTELART, 2006, on line.

Se a globalização acarreta - para o pior - a destruição do jornalismo crítico-
investigativo, por sua vez, a informatização social, em escala planetária, tem
reconfigurado - para o melhor - as redes sociais de informação, inaugurando um estilo
de comunicação mais includente e participativo.
Nessa direção convergem os estudos “Jornalismo e ativismo na hipermídia” e
“Vigilância, comunicação e subjetividade” (ANTOUN, 2001; 2004), “Cibercultura,
commons, feudalismo informacional” e “Espectro aberto e Mobilidade para inclusão
digital” (SILVEIRA, 2001; 2010), Open source journalism e cidadania (LEAL, 2007),
“Cibermilitância: movimentos sociais na internet” e “O ativismo digital” (MORAIS,
2001b), entre outros, cuja lógica de sentido favorece as argumentações em defesa do
uso coletivo das tecnologias de comunicação e no livre fluxo da informação, como
fatores de empoderamento social. Ou seja, os processos informacionais promoveram
mutações importantes na economia-política do trabalho jornalístico.
E, num outro registro, convém reconhecer, as redes geraram uma “revolução
comutativa”, trazendo vantagens para os profissionais liberais, autônomos, free lancers,
equipados com as tecnologias digitais, usando os sites, blogs, twitters, podcasts: sem
gastar muito dinheiro, estes vêm ganhando prestígio e credibilidade, e desta forma
reconfiguram a balança comercial dos negócios jornalísticos, conforme demonstram os
vários estudos.
83

As matérias jornalísticas capturadas e debatidas (pelos usuários em rede) acerca
da interface mídia & economia, em sua maior parte, advêm das notícias de jornais,
periódicos e revistas especializadas; partem também de ensaios e monografias, estudos
acadêmicos, mas, sobretudo, se originam dos internautas indignados com o monopólio

83
“Tecnologias Móveis como plataformas de produção do jornalismo” (FIRMINO, 2009);
“Cadeias cooperativas, negócios eletrônicos” (CARDOSO, 2001); “Jornalismo Empreendedor: uma
reflexão inovadora acerca da construção de conhecimento na Internet” (RIBEIRO, 2008); “Blog e
jornalismo on-line: Potencialidades profissionais na contemporaneidade tecnológica” (DREVES, 2004);
“E-publishing ou o saber publicar na Internet” (FIDALGO, 2002).

119

dos grupos dominantes no mercado dos bens culturais. Enquanto isso, paralelamente,
“de olho na fresta”, novas alternativas de produção no mercado da comunicação digital
não cessam de proliferar, e o êxito nessa seara vai depender das chances e
oportunidades, assim como do uso das competências cognitivas e sociotecnológicas.

O empoderamento dos usuários, e-leitores, cibercidadãos

O O.I. nos apresenta instigantes análises dos fatos políticos, com a vantagem de
atuar num ambiente de convergência tecnológica e uma hipertextualidade dinâmica que
redefine os termos do espaço público informacional. O olhar sobre as crises políticas e
institucionais estão sob permanente vigilância nas páginas do O.I., conforme podemos
constatar a partir dos títulos agrupados no bloco temático que se segue:
“Mensalão do GDF. Escândalo para Todos” (O.I., 30.11.2009); “Caso Sarney.
O Todo Poderoso e a Imprensa”; “A incógnita da internet no jogo político eleitoral”
(O.I., 23.02.2009); “Mídia & Religião. O Coronelismo Eletrônico Evangélico” (O.I.,
26.08.2008); “A política no ciberespaço” (O.I., 15.01.2008); “Processo eleitoral e o
império midiático” (O.I., 13.04.2010).
Examinando o tratamento da informação política no Observatório, relembramos
que a corrupção no poder, historicamente, tem acarretado prejuízos no processo
democrático. Todavia, hoje, o controle social das tecnologias de comunicação – como
podemos perceber – implica em novas estratégias de empoderamento social.
Na academia, a perspectiva crítica tem estado de olho na interface Comunicação
& Poder, conforme demonstram as pesquisas de Gomes (2004), Lima (2006), Rudiger
(2007) e Trivinho (2007), entre outros. Convém notar que há algo novo na midiosfera
política, que exige um enfoque norteado por uma antropológica das mídias
colaborativas, reunindo as contribuições da sociologia, psicologia e semiótica
analisando o fenômeno das redes; e se faz necessário, neste sentido, uma fundamentação
teórico-conceitual e metodológica baseada nas experiências historicamente concretas
vivenciadas no ciberespaço, como sinalizam Lemos & Lévy (2010).
Na era da tela total, com as tecnologias móveis, de visibilidade e vigilância, os
ambientes em que se instalam o poder se tornaram mais transparentes, e esta
circunstância pode contribuir para a formação ética, e para elevação da qualidade de
vida social e política. A corrupção teme a transparência e a visibilidade, pois trabalha
em segredo. Suas estratégias estão fadadas ao fracasso, na era das redes e telas globais.

120

Ficou mais difícil roubar depois das microcâmeras fotográficas, canetas espiãs, celulares
e mp3 com gravadores de som e laptops, conectados às editorias da imprensa e dos
telejornais. Tudo isso conectado provoca uma viralização perigosa, que pode fazer um
bom estrago na carreira de qualquer político corrupto.
A perspectiva crítica das formas de controle social e monitoramento da
comunicação servem de tema ao trabalho Vigilância e Visibilidade, que mergulha fundo
- em nível empírico, teórico e analítico - na complexidade social e cultura tecnológica:

Os parâmetros e limites com os quais estávamos habituados a ordenar o
ver e o ser visto estão em trânsito. Ampliam-se e modificam-se as
margens do visível, os modos de fazer, assim como os modos de ser
visto. Desde o alto e da amplitude da “visão” dos satélites e tecnologias
de localização (GPS, GIS) até a visualização miniaturizada e
individualizada das pequenas telas de celulares, palmtops e laptops,
passando pelas câmeras de video-vigilância cada vez mais presentes tanto
nos espaços públicos quanto privados, ou ainda pelos discretos censores e
tecnologias que monitoram o espaço físico e o informacional, tornando
sensíveis processos usualmente desapercebidos e criando o que se
convencionou chamar de realidade ou espaço ampliado, assim como
formas sutis de vigilância de dados.

BRUNO; KANASHIRO & FIRMINO, 2010.

A título de demonstração, organizamos as notícias relativas à política
internacional, mapeadas pela ouvidoria do O.I., num bloco temático que indica a
inserção dos novos dispositivos interativos no cotidiano da experiência política:
“Cuba: Governo bloqueia blog mais lido do país” (27.03.2008); “Irã corta
internet antes de protesto” (O.I., 07.12.2008); “Mídia e conflitos no Oriente Médio”
(O.I., 13.10.2008); “A Mídia na era do terror (OI, 11.09.2006); “Cobertura da
imprensa no golpe da Venezuela” (O.I., 17.04.2007); “Quem tem medo de Hugo
Chávez” (O.I., 20.11.2007). Os títulos revelam o uso das tecnologias de comunicação
no cenário dos conflitos, propiciando modos de empoderamento aos rebeldes. E
mostram como os dispositivos informacionais – em escala mundial – favorecem a
agilidade de novas ações afirmativas no universo político. A ubiqüidade,
instantaneidade e velocidade das mídias digitais propiciam leituras imersivas que nos
informam a dimensão dos conflitos internacionais. E, o O.I. tem promovido a
interpretação dos diálogos e confrontações entre as facções antagônicas; como
expressão feliz do wejornalismo, não cessa de apresentar elementos que contribuem
para uma atualização do debate sobre a comunicação, poder e contrapoder. Ver a
respeito, os estudos de Castells (2010), Bolaño & Brittos (2010) e Fragoso (2008).

121

Apostamos nas estratégias comunicacionais recentes, que têm encontrado nos
meios telemáticos a oportunidade para agenciar novas modalidades de ampliação do
debate público, promovendo uma visualização das mediações entre o Estado, a
Sociedade e o Mercado dos bens culturais. Por aí, passa - por exemplo - a discussão do
copyright (direitos autorais) versus o copyleft (direitos coletivos), a utilização da
internet pelos partidos políticos e o uso das mídias portáteis, locativas, como celulares,
driblando a censura, pelos “ciberativistas”, em países como Cuba, China, Venezuela e
Irã, como nos revelam Lemos (2010), Recuero (2009), Gerbase (2009).

As formas do saber: inteligência cognitiva, tecnologia e sensorialidade

Edgar Morin, na obra O Método [1973-2004], nos alerta para os níveis de
complexidade da cultura contemporânea, em que a filosofia, a ciência e a técnica estão
interligadas; logo, instiga-nos a compreender o estágio de democratização gerada pela
modernização tecnológica, em que os saberes e competências - mesmo guardadas as
suas especificidades - se equivalem.
Um dos eixos da agenda temática do OI, com relação à cultura, concerne ao
problema da exigência da Educação de Nível Superior para os jornalistas; é um assunto
que se presta a controvérsias e encontra no OI um espaço para a sua mediação, graças à
interconcetividade dos internautas, docentes, pesquisadores, jornalistas profissionais.
Os temas versando sobre a política educacional, referentes à formação superior
do profissional de comunicação, se inscrevem dentre os mais polêmicos na agenda do
O.I., originando intervenções e diálogos bastante pertinentes, conforme podemos
constatar a partir das leituras das notícias seguintes, comentadas no OI:
“O fim da exigência do diploma” (O.I., 16.12.2003); “A volta do diploma de
Jornalismo” (O.I., 13.07.2010); “Solução para crise da Imprensa pode estar na
Universidade” (O.I., 24.04.2010). O OI permanece atento a este problema central na
cultura da informação, a especialização, e investiga as conexões entre a mídia, a
educação e a tecnologia, introduzindo a tematização do uso das “novas mídias” no
contexto jornalístico, como indicam as matérias monitoradas:
“A revolução em 140 caracteres” (O.I., 17.11.2009); “Twitter pressiona uma
mudança no foco da atividade jornalística” (O.I., 15.07.2009); “Novas mídias: blogs;
Jornalismo Científico” (O.I., 24.08.2010). Diante desses dados, notamos que a cultura
digital insere inovações importantes principalmente no que respeita à interface

122

Comunicação & Educação. Verificando o site, encontramos o compartilhamento de
interpretações que demonstram a redefinição dos conceitos sociais sobre mídia e
educação. Jornalistas, professores, estudantes, especialistas e estudiosos do tema, a
partir de um farto repertório de falas, comentários, críticas e sugestões – por meio das
interconexões propiciadas pelo O.I. – apresentam o que há de básico neste debate, e
formulam um consenso quanto à necessidade de uma formação simultaneamente
científica e profissional, passando pelo crivo da escola.
A instituição escolar ainda é o lócus privilegiado para a reflexão, análise,
investigação, onde nasce o gosto pela leitura e a produção do método; é a instância
adequada se discutir a prática teórica e profissional, e refinar a faculdade de julgar a
partir de uma consciência ético-política. Todavia, a escola precisa estar aberta às
experiências perceptivas, sensoriais, cognitivas extra-acadêmicas. No novo estilo de
comunicação social estabelecido pelas mídias colaborativas, instalam-se mecanismos
técnico-instrumentais geradores de afetos e perceptos que conduzem à aprendizagem.
O acervo de textos do O.I., como tijolos de uma grande biblioteca virtual,
favorece a pesquisa, o ensino e a aprendizagem (presencial e à distância), em plena
mobilidade, em tempo real e de forma colaborativa, conforme demonstram as
discussões em rede, a partir das matérias jornalísticas disponibilizadas.
As mídias sociais contribuíram para a ampliação do debate, distinguindo os
meros “sistemas educativos” e os “sistemas midiáticos”, dos amplos processos
educacionais e processos comunicacionais. (Cf. BRAGA & CALAZANS, 2001).
Isso se torna evidente, na observação das entrevistas com educadores,
intelectuais, jornalistas, que entram no jogo da interatividade, e se predispõem a aceitar
os comentários, críticas e questionamentos:
Neste sentido, são exemplares as entrevistas com Renato Janine Ribeiro,
Roberto DaMatta, Roberto D'Ávila, entre outros, cuja participação no O.I abre janelas
importantes para entendermos a lógica social das competências cognitivas emergentes
na era da informação. Por este prisma, Carlos Castilho discute a pertinência do
“Jornalismo em rede como ponto de encontro entre profissionais e amadores” (O.I,
19.12.2009), e analisa como o “Livro Digital ensina leitura crítica da imprensa” (O.I,
05.10.2009). Convém reconhecer que o e-leitor-internauta-cidadão, dependendo da
maneira como interage com as informações on line, tem a chance de potencializar o seu
capital cognitivo, intelectual; pode ler (e interagir) na internet, explorando as bibliotecas
virtuais, os sites dos periódicos e revistas especializadas.

123

A Ética e o ethos midiatizado

Aqui se vai procurar mostrar que a mídia (“meios” e “hipermeios”)
implica uma nova qualificação da vida, um bios virtual. Sua
especificidade, em face das formas de vida tradicionais, consiste na
criação de uma eticidade (costume, conduta, cognição sensorialismo)
estetizante e vicário, uma espécie de “terceira natureza. À maneira do
“anjo”, mensageiro de um poder simultâneo, instantâneo e global
exercido num espaço etéreo, as tecnologias da comunicação instituem-se
como “boca de Deus”: uma sintaxe universal que fetichiza a realidade e
reduz a complexidade das antigas diferenças ao unum mercado. (SODRÉ,
2002, p.11).

Muniz Sodré parece severo ao contemplar a condição dos indivíduos nos tempos
da cibercultura, mas a sua análise é lúcida e esclarecedora; desnuda com originalidade
os meandros das relações entre os indivíduos com a “terceira natureza”. Os seus
argumentos vêm a calhar no que respeita às decalagens entre o ágil processo de
modernização tecnológica e o lento processo de modernização social. A sua “teoria da
comunicação linear e em rede” faz um diagnóstico preciso, mas pressupomos que não
esgota o tema da ética (e das “moralidades pós-modernas”). Distintamente de Castells
(2010), indicando as formas de “empoderamento social”, Braga (2006), apontando os
“sistemas sociais de resposta”, Kerckhove (2009), enfocando as redes neurais e as
identidades na nova realidade eletrônica, e Christofoletti (2008), demarcando os olhares
da cidadania.
Para além da simples “netiqueta” que, em tese, norteia os procedimentos
comunicacionais em rede, buscamos entender como o O.I. apresenta em suas páginas
um repertório crítico e significativo das discussões que envolvem a interface Ética &
Comunicação. Rastreamos os temas ligados às instituições políticas, civis e religiosas e
as estratégias de crítica social, e as agrupamos num bloco sob a rubrica da Ética:
“Os manés, bispos e espertalhões” (O.I., 18.08.2009); “O Poder da mídia em
transformar bandidos em mito” (O.I., 19.01.2003); “A moral provisória do jornalismo”
(OI, 24.03.2009); “Transparência, o grande desafio da imprensa na era digital” (O.I.,
07.07.2010); “Mídia & Pirataria: os Robin Hoods eletrônicos” (O.I., 21.10.2008).
Observando o noticiário monitorado pelo O.I, no contexto de uma discussão
sobre ética e comunicação, encontramos um feixe de enunciações que ajudam a
decifrarmos as conexões da mídia, ética e política. Tais enunciações instigam um
questionamento sobre a midiatização da fé numa sociedade laica. Evidentemente, o
conjunto temático circunscreve uma problemática que se articula com as questões

124

econômicas e políticas estruturais, mas aqui adquire traços particulares, solicitando uma
discussão do papel da mídia face aos fundamentalismos religiosos e mercadológicos.
O problema que se coloca no cerne das “novas mídias”, supostamente mais
abertas à publicização dos conteúdos mais polêmicos, se traduz na convivência difícil
entre o Estado laico, a sociedade liberal e a experiência religiosa. No fundo, projeta-se
no debate público informacional, a desconfiança geral sobre os dízimos eletrônicos e a
mercantilização da fé. E, num outro extremo, discute-se a naturalização católica das
instituições oficiais, num país marcado pelo sincretismo religioso e cultural.
O que está em jogo, na Idade Mídia, é a relação das novas tecnologias de
comunicação com o princípio democrático, livre dos dogmas e verdades absolutas, uma
interface delicada que passa pela redefinição dos conceitos de esfera pública e esfera
privada. E neste contexto, em que convergem - eticamente, politicamente e
economicamente – os discursos diferenciados, instala-se a dimensão contracultural,
resistindo aos poderes hegemônicos (do Estado e das grandes corporações), incluindo os
hackers, que ocupam lugares importantes no campo da comunicação contemporânea.
E revisitando o espaço crítico liberado pelas tecnologias cooperativas do O.I,
verificamos que têm sido observadas diversas práticas sócio-discursivas em favor da
liberdade da expressão e da comunicação. Nessa direção podemos consultar os trabalhos
de Lemos (2008), Sá (2004), Amaral (2006) e Nobre (2010), que fustigando os
domínios da arte, técnica, economia e política das mídias digitais, alertam para os
processos de ressignificação da pirataria no ciberespaço.

O estado da arte do belo na era digital

De olho na configuração polifônica, multimidiática e hipertextual do O.I, que
absorve - dialogicamente - vários afetos, perceptos e discursividades coletivas, e
pensando na ecologia da comunicação contemporânea, atravessada pelas tecnologias
audiovisuais, percebemos que as artes se infiltraram nos diversos espaços cotidianos,
gerando transcendências efêmeras, mas vigorosas, que reconfortam as tribos
contemporâneas. E, ao mesmo tempo, se dissemina uma estetização social promovida
pelas indústrias culturais, que ainda modelam uma grande parcela do gosto social.
Num opúsculo recente, Santaella lança uma indagação instigante: “por que as
comunicações e as artes estão convergindo?” (2005). A questão nos interessa para
explorar as formas emergentes do jornalismo e da arte na era da “virtualidade real”. E

125

nos leva a repensar a política cultural, os problemas de competência e legitimidade dos
discursos dos artistas e empresários, os critérios de objetividade e subjetividade, as
questões de autoria e de pirataria, as regulamentações jurídicas, a liberação dos suportes
tradicionais e o uso coletivo dos meios. Logo, notamos que não há fronteiras muito
rígidas no campo polifônico da comunicação, enquanto arte, ciência, técnica e política.
E em termos de uma epistemologia voltada para um setor específico do campo da
comunicação, diríamos que essa regra é válida também para exercício do jornalismo.
Estas questões são projetadas no conteúdo das reportagens, monitoradas pelo OI
que, em linhas gerais, se voltam para o exercício do jornalismo cultural, crítica da
cultura de massa, da concentração do poder e da mercantilização cultural.
Na pós-modernidade, o cotidiano se tornou estetizado. Os atores sociais
interagem mais movidos pelos afetos do que por mediações racionais. Experimentamos
um processo que já vinha ocorrendo desde a “modernidade tardia” da cultura
audiovisual, mas que agora se intensifica e se acelera, através dos dispositivos digitais,
das artes e invenções do cotidiano, como o Orkut, My Space, MSN, Facebook,
YouTube, Second Life. E o desafio que se impõe é entender em que medida essa
experiência cultural implica em autonomia, participação e avanço nos processos
sociocomunicacionais.
Numa ambiência aparentemente desordenada, os artistas, desafiando os grandes
piratas da indústria fonográfica, compartilham a sua poética musical, e atualizam uma
revolução acústica e visual, antecipada pelo rock, o pop, o underground, mas que agora
se mescla com as imagens do cinema 3D, vídeo-holografia, moda e publicidade.
De fato, na era digital, assistimos a uma transfiguração das belas artes, que são
mixadas com as tendências emergentes. Uma arte minimalista, transitória e descartável,
que adquire outra significação, quando revigorada pelos processos digitais e
comutativos, como nos expõe, na teoria e prática, Giselle Beiguelman:

Formatos emergentes reinventam os modos de difusão das imagens e
anunciam o cinema da era da conexão. (...) Nunca tantas imagens foram
produzidas. E mais importante, nunca foram colocadas tantas imagens em
circulação. A popularização das câmeras digitais e a multiplicação dos
canais de distribuição explicam essa situação. Mudam com isso modos de
produzir e consumir vídeo e cinema, implicando novas concepções de
imagem e circuito, como o Open Video e o Cinema 4k

BEIGUELMAN, 26.07.2010.

126

Neste contexto se reúnem os estetas, empresários, artistas, jornalistas e outsiders
da sociedade pós-industrial, ritualizando uma conexão global de todas as tendências.
Isto seduz a sensibilidade dos jovens, que sempre constituíram as tribos rebeldes e
criativas na história da cultura, e hoje, usando os recursos informacionais disponíveis,
elaboram outras artes e novas linguagens, liberando outra experiência estética.

Considerações finais: o espaço crítico para além das mídias digitais

O público, cada vez mais, percebe que a relação com os meios de
comunicação pode ir além do simples contrato de receber passivamente
pacotes de informações e entretenimento. O público, cada vez mais, quer
participar do processo, quer interagir, opinar, criticar e sugerir. Essa
mudança de cultura já está infiltrada nas sociedades e ganha maior
evidência nos contextos em que a democracia está mais consolidada. Isto
é, hoje, a cidadania também é exercida na arena da mídia, na frente da
TV, ao pé do rádio, diante da telinha do computador ou das páginas
impressas. Nas últimas duas décadas, diversos instrumentos de
participação e leitura da mídia foram criados, disseminados e
aperfeiçoados. Entre os mais evidentes desses dispositivos, estão os
observatórios de mídia, que se ocupam não apenas de ler os meios de
comunicação, mas também em difundir uma cultura de consumo crítico
das informações veiculadas. Uma espécie de vitrine, esses observatórios
funcionam como janela da mídia para a sociedade e espelho de uma
dimensão da sua cidadania.
CHRISTOFOLETTI, 2008 .

Procuramos observar as inscrições das mídias digitais no contexto da
“comunicação aberta”, configurada pelo O.I. E, objetivamos investigar o desempenho
do webjornalismo, perseguindo a idéia de que esta modalidade midiática funciona como
uma ferramenta de controle social e monitoramento, num contexto paradoxal e
contraditório, em que a modernidade tecnológica (incorporada pela cibercultura) se
relaciona com as demandas sociais ainda de maneira desbalanceada.
Persistem ainda as formas verticais de informação impedindo o melhoramento
da comunicação, educação e cultura. Todavia, numa época, em que as tecnologias da
comunicação se expandem, o espírito de Hermes retorna, atualizando o princípio de que
a comunicação significa o caminho para o êxito nos empreendimentos humanos. Mas,
conhecendo os céus e os infernos deste métier, alerta para o fato de que este caminho
não ocorre sem turbulências, e que o sucesso da comunicação depende do
enfrentamento dos conflitos e adversidades.

127

Capítulo 9



Informação, Cognição e Educação mediada pela Biblioteca Virtual



A Biblioteca on line de Ciências da Comunicação (BOCC) constitui um
paradigma científico de comunicação digital, o que nos instiga a colocá-la em
perspectiva para uma reflexão acerca dos usos das plataformas numéricas aplicadas à
pesquisa na área das Humanidades e das Ciências Sociais, e do campo das Ciências da
Comunicação e da Informação. Partimos do pressuposto que a utilização dos
dispositivos informacionais, como a biblioteca digital, pode contribuir para a formação
de profissionais qualificados, competência crítica, pragmatismo, consciência ético-
política e organizacional (através da inteligência coletiva conectada). Simultaneamente,
o exame da biblioteca portuguesa pode atualizar o intercâmbio entre as pesquisas
brasileiras e européias, sob o signo da globalização, do pós-colonialismo e das
interculturalidades planetárias. Para o ensino e aprendizagem, o desafio hoje se coloca
no plano do encontro-confronto entre os mestres educados pela linguagem dos meios
impressos e os alunos informados pelas leituras imersivas audiovisuais.
Um estudo do site da BOCC, Biblioteca on line de Ciências da Comunicação,
construída na Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal é importante porque
abre espaço para o debate sobre o fenômeno sociocomunicacional no contexto da
modernização científica e tecnológica de Portugal, do Brasil (e dos povos lusófonos).
Ao mesmo tempo, coloca em evidência o campo das Ciências da Comunicação,
assegurando o estabelecimento de uma agenda de discussão sobre a produção de
conhecimento e suas ressonâncias nos domínios da vida econômica, social, política,
cultural. E inclui as preocupações com os temas da história, filosofia, linguagem,
tecnologia e meio ambiente; este último, ameaçado pela ação predatória industrial, tem-
se tornado passagem obrigatória no debate público.
Em suma, uma plataforma de Ciências da Comunicação como a BOCC
representa a oportunidade de reflexão sobre o papel social dos cientistas da
comunicação e a sua participação ativa na esfera pública.
Hoje nos aproximamos mais da idéia de “transparência na comunicação”,
particularmente no que concerne à visibilidade do trabalho teórico-metodológico dos

128

pesquisadores, principalmente devido às auto-estradas da informação que nos autorizam
o acesso à vasta e atualizada produção dos estudos na área.
A projeção das pesquisas no espaço público digital - propiciado pelas redes
sociotécnicas de informação científica - reaquece o ambiente comunicacional, gerando a
operacionalização de uma dinâmica mais vigorosa em sala de aula, no âmbito dos
estudos avançados, nos exercícios de capacitação, e além disso, promove a interação
entre a práxis teórica e o trabalho laboratorial; mas fundamentalmente lança uma ponte
que liga o trabalho dos profissionais do mercado e a experiência acadêmica.
As publicações disponibilizadas nos portais da internet, uma vez que se abre
para um público mais amplo e segmentado, funcionam como lócus privilegiado para se
avaliar as competências cognitivas dos pesquisadores e especialistas da área. Por um
lado, favorece uma apreciação do modus operandi do trabalho acadêmico, e por outro,
nos dá a conhecer as idéias e estratégias que norteiam o desempenho dos profissionais
do mercado em suas rotinas produtivas. Hoje, com a disseminação das redes sociais
abrem-se novas perspectivas para a publicização das idéias e práticas dos profissionais -
também fora do espaço acadêmico – o que favorece um debate mais pluralista.
Assim, a BOCC é importante na medida em que contempla os exercícios do
pensamento, discurso e ação comunicacionais, dos docentes, pesquisadores, gestores,
empresários, especialistas e outros profissionais na área, observando as interações entre
os atores advindos de cenários sociais, epistemológicos e institucionais diferentes.
Buscando enfatizar a importância da digitalização e compartilhamento das obras
científicas, voltamos nossas atenções para a experiência do portal da BOCC - Biblioteca
on line de Ciências da Comunicação. Trata-se de uma plataforma virtual criada em
1999, por professor António Fidalgo, e hoje (2011) atua sob a coordenação de Paulo
Serra, vinculado ao LABCOM, da Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal.
A BOCC se mostra pertinente como objeto de análise, em primeiro lugar porque
atualiza o arquétipo da “árvore do conhecimento”, acolhendo textos, saberes, discursos
atuais e extemporâneos, mas sobretudo propiciadores de novas inteligências e
conectividades. Depois porque reúne linguagens, idiomas e sotaques de países distintos,
que, apesar das suas diferenças geográficas e históricas, possuem afinidades eletivas
comuns, irrigadas pelo ethos da latinidade. E finalmente, porque favorece o intercâmbio
entre as gramáticas da tradição e as sintaxes da (pos)modernidade.
Brasileiros e portugueses encontram assim a oportunidade para a
territorialização de um novo espaço público virtual, em que as competências teóricas,

129

críticas, analíticas, pragmáticas podem ser compartilhadas. Os produtos virtuais,
disponíveis nas redes digitais de comunicação - não podemos esquecer - são acessados
por usuários-e-leitores-cidadãos de todas as partes do mundo luso-brasileiro, que não
cessam de irrigar e realimentar coletivamente essa grande árvore do conhecimento.
No contexto da globalização da economia, gerenciado pelas megacorporações
transnacionais e pelo modelo norte-americano, em que os fluxos de informação são
codificados hegemonicamente no idioma inglês, a biblioteca virtual portuguesa
demonstra o vigor de um procedimento tecnossocial avançado. É transdisciplinar, pós-
colonialista e multicultural, divulgando artigos científicos em português, espanhol e
outros idiomas latinos; o portal da UBI não apenas é bastante atualizado, como também
mantém um intercâmbio permanente com outras instituições científicas internacionais.
O trabalho realizado pelos gestores, autores e operadores desta biblioteca digital
luso-brasileira é pertinente para se avaliar as estratégias do desenvolvimento científico:
no caso do Brasil, é oportuno para debatermos os programas cooperativos de
comunicação, educação e formação profissional face à modernização tecnológica e
informatização social, e no caso de Portugal, para uma discussão dos modos de inserção
da comunicação científica digital nos fóruns acadêmicos e nos mercados globais da
Comunidade Européia, em plena crise socioeconômica; em última instância, tudo isso
contabilizando os paradoxos e complexidades da chamada “era da informação”,
assegura uma grande evolução no campo da comunicação em idioma luso-brasileiro.

O design da Biblioteca Digital e a iconologia do monge eletrônico

Miramos a biblioteca virtual como uma grande incubadora de idéias e um
enérgico programa de ação no que respeita às temáticas da comunicação, processos
midiáticos e mediações sociais; percebemos logo de saída como a digitalização das
obras científicas de autores clássicos e contemporâneos tem favorecido um intercâmbio
dinâmico e profícuo entre as Escolas de Comunicação do Brasil e de Portugal.
Como estratégia metodológica, como primeiro passo da investigação,
apresentamos uma descrição sucinta do portal da BOCC, e desde uma primeira
observação do seu formato, desenho e configuração, já podemos entender a idéia, a
intencionalidade e o resultado desta experiência, empenhada em otimizar o trabalho em
Comunicação, que começa colocando em prática uma teoria do webjornalismo e se

130

amplia exercitando os saberes que informam, igualmente, as habilitações de
Publicidade, Editoração, Relações Públicas, Radialismo, Cinema, Televisão.
Ao abrirmos a página da BOCC deparamos com a aparição, na tela do
computador, da gravura de um monge, eremita, um hermeneuta lendo um manuscrito
numa biblioteca medieval. Lá num cantinho, no silêncio da clausura, através do livro, o
monge desvela os mistérios do mundo à luz das velas.
Essa iconicidade ancestral funciona como anunciação metonímica de uma
história da comunicação, que instiga à pesquisa empírica, análise e reflexão.
Para além de suas referências filosóficas, religiosas, laicas, seculares, históricas,
o monge representa o arquétipo da serenidade, iluminação e sabedoria; sua figura
silenciosa, discreta e reflexiva atua como um elixir vigoroso em nossa era de
exacerbado narcisismo, hedonismo, aceleração e velocidade.
Pressentimos então as ressonâncias da filosofia de Walter Benjamin e a sua
compreensão do presente atualizando as emanações luminosas do passado: o monge, o
livro, o mosteiro sinalizam aqui os indícios de uma sabedoria antiga, que se atualiza e se
revigora no imaginário eletrônico do ciberespaço, gerando empoderamento coletivo.
A página digital - aberta na telinha de plasma - sensorialmente nos instiga a
avançar, a percorrer a espessura da sua cartografia, a agir como quem se dirige a um
oráculo, formulando questões, tirando dúvidas, satisfazendo curiosidades. Então a
investigação pode fluir, desde que o pesquisador, fazendo bom uso da intuição,
dedução, memória seletiva e inteligência cognitiva, adote um certo critério
organizacional na coleta de dados e não se perca no caminho.
No alto da página de abertura da BOCC estão ordenadas - em linha horizontal -
as vias de acesso para as seções index, autores, títulos, escolas, ano, recursos. Logo
acima lemos o registro do portal no ISSN
84
, um indicativo formal de sua inclusão nos
quadros de referência científica institucional, difusor de pesquisas e publicações
internacionais, e o link de acesso imediato ao LABCOM. Um calendário fixado no
hipertexto indica o dia, o mês e o ano da publicação dos novos artigos e à direita, abre-
se o espaço para inscrevermos as palavras-chave e acionarmos a ferramenta de busca.
O index, na página inicial da Biblioteca traz um eficiente instrumento técnico de
investigação, que nos leva a qualquer documento da biblioteca; em seguida, a partir de
um simples comando, os - quase mil - autores podem ser consultados a se apresentarem.

84
BOCC, ISSN nº1646-3137

131

De modo similar, ao clicarmos na seção dos títulos podemos encontrar os
artigos, os quais, datados e classificados em ordem alfabética, nos permitem o acesso ao
conteúdo completo dos quase 2000 textos publicados.
Clicando nos subtítulos, podemos conhecer as escolas, instituições de ensino e
pesquisa a que os autores estão vinculados, e uma leitura dos textos pode ser feita
também pela indicação do ano da publicação. Através do link recursos o portal nos
fornece informações sobre os assuntos ligados ao trabalho sócio-organizacional,
cultural, político e publicitário da comunicação, quais sejam: cursos superiores;
mestrados, pós-graduações; associações; revistas; media studies; livrarias; biblioteca;
dicionários e enciclopédias; jornais portugueses.
Os cursos superiores de Comunicação e áreas do domínio conexo estão
catalogados e indexados na BOCC, oferecendo ao usuário um cardápio diversificado de
escolas e ramos do conhecimento; a página indica os endereços eletrônicos de 31
universidades, escolas e institutos de ensino superior portugueses, informando sobre os
11 Mestrados e Pós-Graduações em Comunicação
85
. O portal apresenta também as
instituições estrangeiras, atuantes na parceria com as escolas portuguesas, que habilitam
os recursos humanos nos níveis de graduação, licenciatura, bacharelato e formação
politécnica. Assim, a BOCC cumpre a função pública de reorganizar e redistribuir as
informações básicas sobre as áreas de concentração e as linhas de pesquisa da Pós-
Graduação em Comunicação, em Portugal.
Inscrevem-se numa seção específica as associações, portuguesas e
internacionais, os fóruns especializados, os centros profissionais, sindicatos, institutos,
federações, facilitando ao pesquisador o acesso à circulação de notícias referentes ao
mundo do trabalho, da jurisprudência, dos serviços sociais, das gestões políticas e
administrativas; este recurso da BOCC a caracteriza como motor ativo de cooperação e
interacionalidade, gerador de inclusividade e ações sociais afirmativas.
Atualizando a rede de informação sobre os fenômenos emergentes no domínio
comunicacional, são disponibilizados os periódicos, jornais, revistas especializadas
cobrindo áreas que se deslocam da filosofia aos estudos científicos e tecnológicos, artes

85
Universidade Aberta (Mestrado em Comunicação Educacional e Multimedia; e Comunicação
e Saúde; Lisboa); Universidade da Beira Interior (Ms. Ciências da Comunicação); Universidade de
Coimbra (Pós-Graduação em Direito da Comunicação; Comunicação e Jornalismo); European University
(Ms. Com. Empresarial; Barcelona; Lisboa); Instituto Superior Ciências do Trabalho e Empresa (Ms.
Comunicação, Cultura e Tecnologias da informação; Pós-Graduação em Estudos Avançados em Ciências
da Comunicação e da Cultura, Lisboa); Universidade Fernando Pessoa (Ms. Ciências da Comunicação,
Porto); Universidade Lusófona (Ms. Direito das Telecomunicações, Audiovisual e Multimedia, Lisboa);
Universidade Nova de Lisboa (Ms. Ciências da Comunicação).

132

e culturas urbanas. São indicados gêneros e formatos de cursos de várias partes do
mundo (também aqui a BOCC colabora, suprindo a carência de várias escolas de nível
superior de publicações em língua estrangeira).
Uma seleção acurada lista os media studies (estudos midiáticos), em 26 seções,
que nos remetem aos centros de pesquisa estrangeiros, cujas áreas de concentração – em
sua grande maioria – fazem intercâmbio com as instituições científicas mundiais,
revigorando a convergência dos estudos de Comunicação, Cultura e Tecnologia

A economia organizacional de um portal científico

Em sua organização vertical, o index divide a página em três grandes colunas,
enunciando as seções Temáticas, Agenda em Comunicação e Novidades.
A agenda em comunicação hospeda o site Livros-Labcom-books, dedicado à
disponibilização de livros virtuais editados pelo LABCOM (UBI), em versões integrais
em PDF; aqui se apresentam as obras de alguns dos mais destacados pesquisadores
portugueses, em Ciências da Comunicação
86
.
Os mirrors da BOCC: a partir dos intercâmbios culturais, interinstitucionais,
universitários, estabelecem-se conexões importantes resultando em experiências como
os mirrors, literalmente espelhos da BOCC, transportados por outras instituições, cuja
virtude consiste num processo de filtragem das informações gerais e reorganização dos
dados particularmente interessantes aos contextos locais e nacionais. O Grupo de
Estudios Avanzados de Comunicación - Universidad Rey Juan Carlos (Espanha), a
Universidade Fernando Pessoa (Portugal) e a Unisinos (Brasil) são parceiros efetivos
nessa experiência acadêmica interativa.
Quanto à seção de novidades, esta se mostra como espaço de mobilidade
permanente, posto que no canto da tela são anunciados os novos textos, os quais
chegam interruptamente ao longo da semana (podemos contabilizar a disponibilização
de uma média de três a cinco, chegando até 10 artigos por semana). Há uma oferta de
livros, que podem ser recomendados e comprados pelo correio, em sua versão impressa,
tratam de temas que abrangem as narrativas fílmicas, videojogos, retórica e

86
António Fidalgo, Paulo Serra, Ivone Nogueira, Luis Nogueira, Manuela Penafria, Índia Mara
Martins, Vitor Flores, José Bartolo, Suzana Barbosa, Herlander Elias, Anabela Gradim, Catarina
Rodrigues, Adriana Braga, João Carlos Correia, José Manoel Santos, Américo de Sousa.

133

mediatização, teoria da comunicação, cultura digital, estética, tecnologia, epistemologia,
ética, espaço público, identidade, persuasão, política e jornalismo, entre outras.
Neste espaço difundem-se igualmente as notícias de eventos, encontros,
simpósios, congressos de Comunicação, que ocorrem nas várias partes do mundo. Para
inserir notícias na agenda basta enviar e-mail com os dados ao responsável da BOCC.
O núcleo duro da BOCC é constituído pelo hiperlink temáticas, constituído por
42 links, que permitem o acesso aos textos agrupados por temas, e alguns dos quais se
subdividem em subtemas. São vias de acesso a uma biblioteca que contém livros,
tratados, teses, dissertações e ensaios acadêmicos, o que constitui um acervo de
centenas de textos científicos, uma extensa variedade de trabalhos que têm atendido
grande parte da demanda dos pesquisadores, profissionais e principalmente dos
estudantes de graduação e pós-graduação em Comunicação.
A partir de um simples comando digital ingressamos na história do pensamento
comunicacional, desde os seus antecedentes, nos campos da filosofia, sociologia,
semiologia, ciência política, passando por orientações funcionalistas, estruturalistas,
críticas e fenomenológicas até as convergências epistemológicas mais recentes.
Percorremos assim, as interfaces da comunicação, informação, biodiversidade, mídia,
educação, espaço público, jornalismo, ética, política, arte, rádio, cinema, televisão,
arquitetura, design, semiótica, estudos culturais e cibercultura.
Sendo o maior e mais atualizado acervo da pesquisa em Comunicação no Brasil
e Portugal, a BOCC apresenta um vasto programa institucional e epistemológico,
trazendo os textos essenciais para a pesquisa em graduação e pós-graduação. É um
portal gerador de interatividade, entre pesquisadores e profissionais, uma vez que
disponibiliza os estudos realizados pelos membros das principais instituições científicas
luso-brasileiras. Centenas de estudiosos da Comunicação e domínios conexos do saber
fazem pontes entre as diversas escolas de Comunicação no Brasil e na Europa.
Em verdade, faz-se aqui uma exposição do quadro atual e das tendências
investigativas neste domínio interdisciplinar do conhecimento, e também um resgate de
autores e textos clássicos na área das ciências sociais e humanidades. O portal oferece
uma farta documentação inédita em língua luso-brasileira, realizando a abertura de um
canal de comunicação entre a academia e o mercado de trabalho.

A acepção de publicação tão cara no meio acadêmico (publish or perish)
vem-se alterando radicalmente com a internet. As revistas científicas

134

tradicionais são porventura os maiores cemitérios de idéias. Mesmo as
publicações em CD-ROM não fazem sentido. Quem quiser
verdadeiramente publicar o seu trabalho intelectual, a sua pesquisa
científica, tem de fazê-lo online. Quem publica em papel está confinado a
um país ou a uma região. O caso de Portugal e do Brasil é sintomático.
Os livros portugueses não têm uma boa divulgação no Brasil, e os
brasileiros também não chegam a Portugal. Essa dificuldade de difusão
entre os dois países desaparece nas publicações online, essas, sim,
verdadeiramente abertas “urbi et orbi”. (...) A maior parte dos autores e
dos visitantes da Biblioteca são brasileiros. A criação de mirrors da
BOCC no Brasil originou um espaço de perfeita publicação da pesquisa
dos dois países.

(FIDALGO, 2001, on line)

Origem e significado da Biblioteca Digital

Cumpre destacar que a BOCC nasceu do fruto do trabalho do LABCOM/UBI
87

– Laboratório de Comunicação on line, da evolução das experiências do jornalismo on
line Orbis et Urbis, realizado no laboratório da Escola de Comunicação da UBI. Então,
veio responder às demandas e necessidades de ampliação da área de estudos de
Jornalismo e do campo das ciências da comunicação. Conseqüentemente, o êxito desta
experiência de webjornalismo propiciou o surgimento do grande portal que é a
Biblioteca on line de Ciências da Comunicação, tal qual a conhecemos hoje, abrangendo
as mais variadas arestas da comunicação, cultura, mídia e tecnologia.
Doravante temos a oportunidade de encontrar textos de envergadura, de autores
já consagrados na seara acadêmica internacional, e de conhecer o pensamento
comunicacional português, brasileiro e de outros mares, por meio dos discursos dos
teóricos e estudiosos, cuja produção antes se restringira às fronteiras geográficas,
impressas e institucionais.
Descobrimos aqui a disponibilização de artigos diversos, desde os clássicos de
Aristóteles, obras como Nicomachean Ethics; On Interpretation; Politics; Rethoric, até
preciosidades como os ensaios de Peirce. Como tornar claras as nossas idéias [1878];
assim como a publicação digital de artigos dos cientistas de várias universidades
portuguesas
88
. E no contexto da produção mundial, além dos portugueses e brasileiros,

87
Equipe do LABCOM/UBI: Doutores/PhDs António Fidalgo; Anabela Gradim Alves; Eduardo
Camilo; Frederico Lopes; Águeda Simó; João Canavilhas; João Carlos Correia; José Ricardo Carvalheiro;
J. Paulo Serra; Luís Carlos Nogueira; Manuela Penafria; Paula Elyseu Mesquita; Susana Paula Florindo
Salgado; Tito Cardoso e Cunha.
88
Universidade de Algarve; Universidade de Aveiro; Universidade Autônoma de Lisboa;
Universidade da Beira Interior; Universidade Católica Portuguesa; Universidade de Coimbra;

135

encontramos autores de distintas universidades
89
, cuja diversidade teórica e
metodológica tem enriquecido cada vez mais o acervo do saber comunicacional.
Os quase mil autores dos textos
90
são - na maioria - brasileiros; a maior parte
deles está vinculada às instituições de ensino superior, públicas e privadas. Encontramos
teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de graduação, assinadas por
pesquisadores advindos das diversas unidades administrativas, distintos núcleos de
pesquisa instalados nas instituições dos diferentes Estados Federativos do Brasil.
Uma consulta à Plataforma Lattes, hospedada no site do CNPQ, pode atestar a
qualidade dos currículos dos autores brasileiros na BOCC, em sua maioria engajados na
pesquisa científica em Comunicação. O livre acesso às obras e ao pensamento de
intelectuais brasileiros, dispersos na extensão continental deste imenso país é um luxo
para os pesquisadores, que não conheciam os trabalhos dos seus próprios conterrâneos.
Muitas destes prestam-se à utilização em sala de aula, nos estudos orientados, na coleta
de dados para as pesquisas pessoais, na educação à distância, o que já é um avanço num
contexto em que as bibliotecas são escassas, sucateadas e desatualizadas.

A explosão dos cursos superiores de comunicação em Portugal não teve,
nem podia ter um aumento correspondente na produção científica.
Considerei que faria todo o sentido disponibilizar on line para todos,
docentes e alunos, a produção científica que já havia, e que essa seria a
melhor forma de ajudar os novos cursos a ganhar consistência científica.

(FIDALGO, 2001, on line)


A relevância da biblioteca digital na pesquisa em comunicação

É preciso não perder de vista as condições de criação da BOCC, num nicho
laboratorial voltado para o estudo e a prática do webjornalismo; a evolução do seu
desempenho vai ocorrer então a partir desta perspectiva, tornando-se um portal de
investigação científica que extrapola o âmbito restrito do jornalismo e ilumina o
domínio mais complexo das Ciências da Comunicação. Podermos fazer uma sondagem

Universidade de Évora; Universidade Fernando Pessoa; Universidade Lusófona, Universidade de Minho;
Universidade Nova de Lisboa; Universidade do Porto; Universidade Técnica de Lisboa, dentre outras.
89
Universidad de Huelva; Brown University; Universidad de Santiago de Compostela;
Université Panthéon-Assas-Paris II; Universidad Católica de Murcia; Universidade Complutense de
Madrid; Worcester State College; Universidad del Pais Vasco; Universidad Jaume I; Simon Fraser
University; Faculdade de Selvíria; Universidad Carlos III; Universidade de Vigo; Alexandru Ioan Cuza -
University of Iasi; Aristotle University of Thessaloniki; Universidad del Pais Vasco.
90
Dados recolhidos até 25.05.2011

136

qualitativa de sua performance seguindo as dicas fornecidas pela teoria do
webjornalismo, formulada por Marcio Palácios:

Ao estudar as características do jornalismo desenvolvido para a Web,
Bardoel e Deuze (2000) assinalam a existência de quatro elementos
distintivos: Interatividade, Customização de Conteúdo, Hipertextualidade
e Multimidialidade (Palácios, 1999); com a mesma preocupação,
estabelece cinco características: Multimidialidade/Convergência,
Interatividade, Hipertextualidade, Personalização e Memória. Cabe ainda
acrescentar a Instantaneidade do Acesso, possibilitando a Atualização
Contínua do material informativo como mais uma característica do
Webjornalismo.
(PALÁCIOS, 2003).

Estratégia de ação, competência editorial e atualização permanente

A internet, como meio de comunicação, caracteriza-se pelo seu poder
globalizante e pela velocidade com que a informação pode ser divulgada, atualizada e
acessada. Seu advento tem possibilitado novas formas de obtenção de dados, aumento
na comunicação interpessoal, visão de outras realidades culturais, melhoria da
comunicação escrita, intercâmbio do trabalho cooperativo, bem como o
desenvolvimento de outras tecnologias provenientes da informática e das
telecomunicações, fatores estes observados na intencionalidade de criação dos portais
corporativos analisados.
O número de pessoas conectadas em rede tem aumentado a cada dia, o que pode
ser confirmado através de levantamentos sobre o número de usuários de internet
existentes no Brasil. Isto porque os recursos disponibilizados por essa tecnologia são
formas diferenciadas de serviços de informação prestados a toda sociedade, sendo
importante destacar que os portais analisados atendem à proposta da rede.
Entendemos que a BOCC é uma biblioteca virtual de comunicação, que reúne
uma ampla de diversidade de autores e escolas. E para uma avaliação de sua circulação
no espaço público digital caberia sondarmos quanto à existência de um dispositivo que
permitisse se detectar a freqüência de acessos; quais os artigos mais procurados.
Em meio a uma profusão de textos desta ordem, conviria apreciarmos os níveis
de organização do acervo digital da BOCC; talvez seja preciso entendermos as regras
para a submissão dos papers, o aceite e a disponibilização dos textos.

137

Este valioso material pode alavancar o exercício de uma rigorosa hermenêutica
dos textos de Ciências da Comunicação, em língua portuguesa, favorecendo bastante as
escolas de comunicação em Portugal e no Brasil.
Percorrendo o portal podemos fazer um balanço e refletir sobre as tendências
temáticas dominantes no Brasil e nos países europeus; igualmente, podemos tentar
decifrar as orientações filosófico-científicas, epistemológicas dos textos.
Diante de um trabalho do porte da BOCC, com formato enciclopédico e espírito
de Ilustração, pensamos sobre a pertinência em se eleger alguns critérios para uma
avaliação dos seus conteúdos, e com esse intuito nos perguntaríamos sobre os critérios
para avaliar os conteúdos das bibliotecas virtuais. Em todo o caso, no plano da pesquisa
e do trabalho profissional, novas exigências se colocam: é preciso encontrar linhas de
ordenação em meio ao aparente caos do ciberespaço. Neste sentido, o pesquisador
Márcio Palácios (UFBa) nos traz valiosas sugestões:

... com o crescimento da massa de informação disponível aos cidadãos,
torna-se ainda mais crucial o papel desempenhado por profissionais que
exercem funções de “filtragem e ordenamento” desse material, seja a
nível jornalístico, acadêmico, lúdico, etc. Uma biblioteca digital, como a
BOCC Biblioteca on line de Ciências da Comunicação
(http://www.bocc.ubi.pt), ou o site do Prossiga (http://www.prossiga.br)
constituem exemplos de “filtragem e ordenamento de informação” de
caráter acadêmico. (PALÁCIOS, 2003).

A nova ambiência social e a linguagem informacional

A BOCC atua efetivamente na formação das competências teóricas fazendo a
conexão das várias áreas e subáreas do conhecimento (contidas nas temáticas do portal).
Como numa enciclopédia antiga, os assuntos estão agrupados em temáticas que podem
ser acessadas a partir de um clique no “rato”.
91
Caberia - a título de exercício
metodológico - explorarmos as formas como se organizam as temáticas, como são
escolhidos os assuntos, o que rege a ordenação dos discursos competentes no campo da
comunicação digital; quais as articulações do ethos comunicacional com a mídia, a
escola, o mercado, a sociedade.

91
É pertinente destacarmos os modos de resistência – da parte dos usuários e pesquisadores
portugueses – frente à “nova” onda anglofônica gerada pela globalização cultural e tecnológica. Assim,
palavras corriqueiras no Brasil, no cotidiano da comunicação telemática, como o “mouse”, que traduz
uma “inocente” assimilação do vocabulário norte-americano, em Portugal, traduz-se simplesmente como
“rato”, ganhando formatações idiomáticas locais. O mesmo equivale para “site/sítio”, ”celular/telemovel”,
“micro/computador de secretária”, “fones de ouvido/auscultadores”, “tela/écran”. Vide sítio:
http://meucantinho.org/miscelaneas/vocabulario/sinonimos.htm Acesso em: 27.05.2011

138

Diante do êxito da BOCC, o desafio maior que se coloca para nós – enquanto
comunicólogos, leitores, usuários - é ampliar esta “agora midiática”, fazê-la iluminar os
espaços globalizados em que proliferam os “sem-micro”, os desplugados, os
desconectados, os sem infraestrutura informacional. Evidentemente, tudo isso passa
pelo crivo da crítica da Economia, do Direito, da Ética, da Política e da Sociedade.
Nessa direção, emergem algumas questões solicitando respostas: este espaço
público virtual, que favorece a expansão e revigora o campo da comunicação, poderia
disseminar novos procedimentos éticos e voltados para a formação da cidadania? Na
sociedade em rede, através dos meios digitais, podemos aprender mais sobre educação
estética, produção da subjetividade e exercício da sociabilidade? A revolução digital
tem chances de promover mudanças na dimensão socioeconômica e sociopolítica?
Alguns pensadores como Castells (1999) Rodrigues (1994), Boaventura dos
Santos (2006), Milton Santos (2001), entre outros, têm despendido esforços analíticos,
interpretativos, críticos e compreensivos para repensar a nova ambiência
comunicacional e seus encadeamentos com os domínios da economia, sociedade,
cultura, política. Repassando o repertório de artigos da BOCC, notamos que estes
vínculos se fazem por toda a parte: sendo interdisciplinar, o campo das ciências da
informação e da comunicação é permanentemente atravessado por discussões que
advêm dos fenômenos emergentes nas várias esferas da vida cotidiana.

Gramáticas e sintaxes da comunicação luso-brasileira

Da tradição à contemporaneidade, a BOCC faz um registro dinâmico da história
e atualidade das temáticas contemporâneas e por aí, fornece um farto material para
avaliação e monitoramento da produção acadêmica luso-brasileira. No contexto da
filosofia e da pedagogia que reconhece a positividade da comunicação digital, o portal
consiste numa estratégia pós-colonialista.
Reciprocamente - apresenta aos brasileiros os textos portugueses, que falam o
idioma sob o signo de Camões, Fernando Pessoa e José Saramago, e de modo similar,
apresenta aos lusitanos os textos brasileiros, que falam o idioma sob o signo de
Machado de Assis, Mário de Andrade e Jorge Amado. Convém reconhecer que – na era
tecnológica - as condições de recepção dos textos se perfazem a partir de mediações
socioculturais bem distintas, mas tal simbiose resulta sempre num olhar mais
penetrante, mais agudo sobre as tramas da comunicabilidade e da sociabilidade.

139

No grande mapa da Biblioteca Virtual se desenham domínios e interfaces
epistemológicas que nos levam a pensar. Certamente este mapa possui suas
especificidades e diferenciações das políticas científicas nas cartografias realizadas, por
exemplo, pelas instituições de fomento à pesquisa no Brasil, como Capes e CNPq, e as
instituições científicas portuguesas.
Um trabalho interessante seria observar como estas instituições dialogam,
pesquisando, por exemplo, como os novos formatos digitais (como a BOCC) vêem a
Capes e o CNPq, e por outro lado, como a Capes e o CNPq vêem os dispositivos
informacionais (como a BOCC).
Injunções diversas como os critérios adotados para a avaliação dos textos
submetidos, a análise dos currículos dos autores, as referências e fontes adotadas nos
protocolos institucionais, tudo isso pode ser problematizado de maneira eficaz para o
conhecimento científico da comunicação no Brasil e em Portugal.
A BOCC pode ser considerada como um modelo para a elaboração dos projetos
políticos pedagógicos, programas de ensino e pesquisa avançados, uma vez que reúne
pesquisadores da Graduação e Pós Graduação de vários países, de reconhecido prestígio
dentro e fora da academia. Portanto, consideramos a BOCC um paradigma de
Comunicação Científica Digital.
Em linhas gerais, a partir de uma varredura nos textos disponibilizados,
reconhecemos que a BOCC demonstra uma assimilação coerente das tendências
mundiais em termos de pesquisa: trata das interfaces entre comunicação e cotidiano,
artes e culturas midiáticas e cibercultura, contemplando suas relações com os espaços
sociais, culturais e políticos, o webjornalismo, e as conexões da informação,
comunicação e cultura digital.

Penso que é feliz a expressão “Galáxia Internet”, de Manuel Castells,
para designar a nova realidade comunicacional. É feliz porque retoma o
conceito de Marshall McLuhan de “Galaxia Gutenberg”. O que está
verdadeiramente em jogo não é o que a internet traz ou não traz, mas
fundamentalmente as novas formas de percepção e de comunicação que o
novo meio está a provocar. Tal como a imprensa veio revolucionar na era
moderna modos de ver, de estar, de conviver e de viver social e
politicamente, também a internet está a alterar decisivamente a nossa
maneira de percepcionar, de estar, de comunicar e de viver.

FIDALGO, 2004.

140

No que concerne ao trabalho de interpretação das culturas na era da
comunicação compartilhada, o exame da Biblioteca Digital portuguesa tem alimentado
há mais de uma década os conteúdos dos programas dos cursos de Comunicação e
Ciências da Informação (entre outros) em Portugal e no Brasil. Assim, destacamos os
artigos voltados especificamente à área de Cibercultura disponibilizados na BOCC.
92


92
Cf. Abre-te Sésamo! A password como representação do sujeito (COIMBRA; BENDIHA,
2005); Acción comunicativa en el Ciberespacio (SORO, 2006); O Blog como ferramenta do eu para todos
(MAUAD, 2010); A Construção do Persona Digital (TAVARES, 2010); A Convergência das Mídias
(GOMES, 2011); Activismo e novas Tecnologias de Informação e Comunicação (VIDAL, 2005); A
Exposição do Jovem na Internet (ARRUDA, 2011); A interação entre cibersistemas e sistemas sociais
(STOCKINGER, 2002); A Internet no Contexto Escolar (JUSTIÇA, 2003); Ambivalências de um tempo
sem tempo (MOURA, 2002); A metrópole e o triunfo distópico (AMARAL, 2005); A morte no espaço
virtual (NEGRINI, 2010); Anunciação: O tempo dos novos anjos (DUDUS, 2003); Novos Circuitos
Culturais na Internet (PASSOS, 2009); A perna coxa da tecnologia (PENA, 2003); A vertigem. Da
ausência como lugar do corpo (MOURA, 2002); A visão cyberpunk de mundo através das lentes escuras
de Matrix (AMARAL, 2003); Ciberantropologia (SILVA, A. M., 2004); Ciberativismo (SCHIECK,
2009); Cibercultura e Redes Sociais, Twitter como interacção (MELLO; RIBEIRO, 2010); Cibercultura e
Cidadania (GARCIA, J. L. L., 2006); Ciberespaços Públicos (RODRIGUES, R, 2010); Cibermigrantes
brasileiros a navegar na rede social Orkut (CORRÊA, 2009); Cibermedi@ (SOARES, T. M., 2006);
Comunicação como forma social (MONTARDO, 2005); Cognição e interacionalidade através do
YouTube (SERRANO, 2009); Comunicação na cibercultura: nova abordagem do pensamento de Georg
Simmel (MONTARDO, 2005); Comunidades virtuais (RECUERO, 2003); Cyberpunk e Pós-modernismo
(AMARAL, 2003); Debates no Fórum da Comunidade Virtual Orkut Sobre o Cânone do Filme Star Trek
2009 (BITTAR, 2010); Devir (in)Orgânico (FIDALGO; MOURA, 2004); Diários públicos, mundos
privados: (OLIVEIRA, 2002); Do modelo industrial ao biotecnológico (BENTES, 2001); Do moderno ao
contemporâneo (SCHIECK, 2008); Enredar: "A arte de organizar encontros" (FERREIRA, 2006); Ensayo
de una metodología de estudio de las comunidades virtuales (SORO, 2006); Entre o Real e o Virtual
(GROTH; FERRABOLI, 2011); Estrutura da Narrativa do Jogo Fallout 2 (HULSHOF, 2004);
Estudos/contributos para uma síntese crítica (BASTOS; SILVA, 2005); Flânerie na Rede (SATURNINO,
2009); “Eu fiz a cirurgia do estômago”: análise da construção da bioidentidade através do Orkut
(ALMEIDA, 2009); Identidade e interacção social em comunicação mediada por computador (JÚLIO,
2005); Ilusão e Realidade (2010); Implicações da técnica no pensamento comunicacional (MONTARDO,
2005); Informação multimédia (NUNES, 2005); Informação e sociabilidade nas comunidades virtuais:
um estudo sobre o Orkut (PINHO, 2010); Internet e Identidade: um estudo sobre o website Orkut
(MOCELLIM, 2008); Internet, jornalismo e weblogs (MATTOSO, 2003); Jornalismo Empreendedor
(RIBEIRO, 2003); Juventude e jogos electrônicos (MOITA, 2004); Mais que um inventário imagético do
Youtube (SILVA FILHO, 2009); Matrix, Iluminismo e afins (MOREIRA, 2006); “Mentiras sinceras me
interessam”. A construção de representações, identidades e vínculos (LACERDA, 2001); Mesa temática
de Cibercultura – Apresentação (SERRA, 2005); Minority Report - rastreando as origens do cyberpunk
(AMARAL, 2003); Mundos Reais, Mundos Virtuais. Os jovens nas salas de chat (SILVA, A. M., 2004);
Nós partilhamos um só corpo (GRADIM, 2006); O Controlo do Virtual (MIRANDA, 1997); O
interdiscurso construtivo como característica fundamental dos webrings (RECUERO, 2005); O medium e
sua performance (ESPERANÇA, 1999); On-line e off-line (SERRA, 2006); Orlan do outro lado do
espelho (DUARTE, 2001); Paixão, Ciúme e Traição: A “liquidez” das relações humanas no ciberespaço
(AAVV, 2010); O virtual ultrapassa os monitores: a realidade e a atualidade na promoção do filme
"Batman: O Cavaleiro das Trevas" (NOBRE, 2009); Polidez e identidade: a virtude do simulacro
(OLIVEIRA, 2005); Processos de ensino-aprendizagem na Era Digital (SILVA, A. M. 2006); Redes
sociais na Internet (RECUERO, 2004); Retratos da colaboração e da segmentação na Wikimedia (CRUZ,
2011); The Egocasting Phenomenon and the Identity Issue (CUNHA, 2008); Time to die: el carpe diem
del ciudadano corporativo (RIVERA, 2002); Uma apropriação de Tela Total (AMARAL, 2003);
Youtube. Uma Nova Fonte de Discursos (PELLEGRINI; REIS; MONÇÃO; OLIVEIRA, 2010); Virtual:
concepções, implicações e potencialidades (ALCÂNTARA, 2009); Transformações culturais na
sociedade da informação (ARRUDA, 2011). Cf. http://www.bocc.ubi.pt/_listas/tematica.php?codtema=21

141

A lista pode parecer extensa, todavia, mostra-se relevante a indicação,
primeiramente porque recolhe um repertório significativo de trabalhos que, sendo mais
elaborados ou esquemáticos, revelam o percurso das primeiras pesquisas na área, nos
anos 90, quando a experiência do ciberespaço ainda era recente.
Depois porque apresenta uma linha evolutiva da pesquisa no campo, ao longo de
mais de uma década, compilando textos de diversas procedências metodológicas, e
talvez por isso mesmo constitua uma amostra fecunda; depois porque contempla o
trabalho dos pesquisadores veteranos marcados por um estilo de escritura com fortes
traços filosóficos, iluministas e os textos de autores da geração mais recente, cujo estilo
expressa o hibridismo de uma inteligência cognitiva, que conserva o rigor
metodológico, mas simultaneamente absorve e adéqua à sua linguagem os jargões
disseminados pelas linguagens em trânsito na órbita informacional.
Cumpre assinalar a importância da congregação de artigos de professores,
pesquisadores, jovens e veteranos, de Portugal e do Brasil, que vêm suprir uma carência
marcante no que respeita à atualização informacional em diversos programas de curso,
em várias partes do mundo lusófono. Um estudo da comunicação e da cultura digital
pela via das bibliotecas virtuais nos coloca no epicentro de três experiências
fundamentais: a cognição, a informação e a educação:
- Porque a cognição é atravessada por mil interfaces eletrônicas que moldam os
ambientes e influenciam marcantemente os modos de percepção e de conhecimento;
- Também porque a informação extrapolou o domínio dos impressos, emanando
de várias fontes e direções, irradiando-se como vírus no cotidiano midiatizado, o que
confere sentido à existência dos atores sociais em rede;
- E finalmente porque a educação, entendida como uma paideia, uma
experiência de formação do espírito tem sido realizada pelos jovens, de naneira mais
efetiva nos lugares extra-acadêmicos do que nos ambientes escolares institucionais.
A geração web 2.0 assimila as formas do ethos, do habitus e da aprendizagem
nas relações mediadas pelos meios telemáticos. Os educadores em todos os níveis de
ensino – do básico ao superior – precisam se atualizar, compreender e dominar o “novo
mundo” irrigado pela inteligência coletiva conectada, sob pena de incorrer naquilo que
Henri-Pierre Jeudy nomeia ironicamente “a eutanásia dos sábios”.

142

10



A contempl@ção do mundo: o Google Earth e a Terra-Pátria digitalizada
93




A instalação das ferramentas digitais de monitoramento no cotidiano representa
um estágio avançado da informatização social e este acontecimento pode ganhar
dimensões importantes, em favor da cidadania, democratização e desenvolvimento,
dependendo dos modos de utilização das tecnologias, da consciência ético-política, da
aplicação das competências cognitivas, estéticas e organizacionais dos atores sociais.
A partir da inserção dos celulares 3G, palm tops, net books, microcâmeras e
microfones digitais foram “suprimidas” as barreiras de espaço e tempo, mas esta é
apenas parte da história no amplo espectro do desenvolvimento da comunicação digital.
O filme 2001, uma odisséia no espaço contém uma das mais extraordinárias
elipses da história do cinema. Da imagem do arremesso do osso pelo símio à visão
fantástica da nave espacial flutuando na era pós-metafísica, ao som de Strauss, temos a
configuração de uma estrutura simbólica audiovisual decisiva no imaginário ocidental,
desde 1968, ano do lançamento do filme. Malgrado o pessimismo do roteiro de Stanley
Kubrick & Arthur Clark, a película traduz o conjunto de expectativas e perplexidades
humanas acerca do controle espacial por meio da inteligência sóciocibernética.
94

Em outras dimensões, do telescópio de Galileu aos satélites da NASA aconteceu
uma grande curva na espessura socio-histórica mundial, a curiosidade, astúcia e ousadia
dos humanos transformaram o sonho de Ícaro em realidade. A guerra fria, a energia
atômica, a corrida espacial, ao longo da segunda metade do século 20, nos propiciou
uma experiência excepcional de captação das imagens aéreas do planeta.
Todavia, saindo dos gabinetes militares e dos centros de pesquisa estratégica,
transcendendo à tecnociência e seus efeitos tecnocráticos, e chegando ao domínio dos
primeiros hackers (e atuais megaempresários e do software), na aurora da cibercultura,
as tecnologias de monitoramento espacial foram “oferecidas” aos cidadãos por meio de

93
Colaboração de Maria Margarida Magalhães Guimarães (UEPB).
94
O tema tem perseguido legiões de pesquisadores, cientistas, leitores, incluindo os tecnofóbicos e os
tecno-simpatizantes universais, como demonstram as obras Technique et Civilization (MUNFORD,
1973), Uma História do Espaço de Dante a Internet (WERTHEIM, 2001); Condição Pós-Moderna
(HARVEY, 1993); A religião das máquinas (FELINTO, 2002); etc.

143

estratégias que relembram a narrativa mitológica de Prometeu, que roubou o fogo dos
deuses e ofereceu aos seres humanos.
Hoje, as plataformas do Google Maps e do Google Earth têm concedido modos
de empoderamento social, a partir da capitalização dos recursos providos pela
engenharia dos sistemas microeletrônicos. Graças à inteligência numérica e às
aplicações sociotécnicas compartilhadas pelos usuários da net, temos acesso a uma
réplica fiel das cidades, atualizadas telematicamente sob a forma das cibercidades.

As cibercidades podem e devem aproveitar o potencial de formação
comunitária do ciberespaço. Elas podem ainda ajudar na formação de
práticas que façam com que as pessoas evitem deslocamentos inúteis,
ficando para elas a possibilidade da livre flanêrie e de reconquista do
território simbólico vivido. O acesso a uma enorme variedade de serviços
passa a ser também um ponto positivo nas cibercidades. Estas podem,
efetivamente, integrar o mundo digital da cibercultura com o mundo da
tecnocultura moderna e ajudar a participação dos cidadãos.

LEMO; PALACIOS, Cibercidades, 2001, p. 35.

Para os pesquisadores do ciberespaço, contemplar a experiência do planeta Terra
digitalizado no Google Earth (GE) pode ser instigante, por vários motivos:
- Porque concede visibilidade à controversa noção de globalização, discutida por
Milton Santos (2000), na crítica do capitalismo global e em defesa de “uma outra
globalização”; por Armand Mattelart (1996), observando as intersecções da
comunicação, tecnologia e globalização, e por Denis Moraes (2006), que aspira a “uma
outra comunicação”, enredando mídia, poder e mundialização cultural;
- Porque os suportes tecnológicos do GE apresentam uma dimensão visível da
cultura digital, em que os usuários-cidadãos podem ingressar e interagir na simulação
do real, cartografando estrategicamente a cidade, o planeta, o mundo social e cósmico;
- Porque alertam para as mídias como redes de vigilância (dos Estados e poderes
hegemônicos), e como redes de cooperação e empoderamento das comunidades virtuais;
- Finalmente, porque além dos mapeamentos e cartografias digitais, o Google
Earth revela uma visão do planeta que extrapola a dimensão geográfica, e exibe o “vivo
do sujeito”, as marcas dos indivíduos interagindo na espessura orgânica das cidades.

A navegação no grande oceano das redes telemáticas é, sem dúvida, uma
conquista do espaço. No mundo corpóreo, onde se encontram as pessoas
de “carne e osso”, esse tipo de conquista provoca transformações,
tornando a geografia mais conhecida e menos ameaçadora. Os espaços aí
configurados pelos indivíduos são marcados por trilhas, caminhos e
estratégias - ruas, mapas e encontros com o outro. (BRETAS, 2006).

144


Os processos de monitoramento do real, por um lado, incitam-nos a imaginação
poética e a vontade de criar, contemplando as raras imagens do mundo; por outro lado,
podem colocar em risco a liberdade e a privacidade dos cidadãos desprovidos dos meios
de visibilidade, mobilidade e comunicabilidade. Então, convém perceber que o acesso e
o compartilhamento das tecnologias da visibilidade são básicos para os atores sociais.
Em todo o caso, hoje é bem mais acentuada a impressão de que realizamos os
desejos da infância mítica primordial, de transcender os limites de tempo e espaço, de
expandir os horizontes e de se teletransportar para outros lugares.
Poder contemplar o planeta digitalizado consiste num doce instante de
felicidade, pois sugere a realização, o êxito e a satisfação do gosto através da
visualização de imagens extraordinárias. E positivamente, a televisualização do espaço,
por meio das hipermídias (como o Google Earth e o Google Maps), e principalmente
através das tecnologias móveis, pode provocar mudanças radicais no mundo do
trabalho, das artes, do mercado; na luta política pela liberdade e cidadania.
As ressonâncias deste argumento são evidentes nos trabalhos de Henrique
Antoun, enfatizando o poder da WEB 2.0, como gerador das formas de “participação e
vigilância na era da comunicação distribuída” (2008), os modos de “cooperação e
colaboração face aos novos mercados”, examinando a natureza do código na luta por
autonomia na comunicação em rede.
De maneira similar, caminha o trabalho elaborado por Sérgio Amadeu Silveira
(2009), em defesa do “espectro aberto e mobilidade para a inclusão digital no Brasil”. E
este o sentido do poder de vigilância e monitoramento, que se inscreve nos estudos de
André Lemos (2010), percebendo as mídias locativas e as estratégias de vigilância, por
meio de imagens conceituais como “bolhas digitais, paredes virtuais e territórios
informacionais”. Os exemplos se multiplicam, afirmando os termos de uma “vigilância
participativa”, propiciando autonomia e emancipação.
Mas, por outro lado, o Google Earth e outras corporações de monitoramento
tecnológico apresentam o risco de controle e manipulação, a serviço dos interesses dos
grupos econômicos, políticos, militares dominantes. Este espectro não escapa ao olhar
crítico e analítico de vários pesquisadores.
As premonições, registros e constatações da realização dos efeitos regressivos,
da “sociedade midiatizada”, incluem-se nas investigações críticas de Castro & Pedro

145

(2010), examinando as “redes de vigilância e as experiências da segurança e da
visibilidade articuladas às câmeras de monitoramento urbano”.
O mundo - na mira telemática das câmeras, satélites e outras tecnologias do ver -
é observado no trabalho coletivo, Vigilância e Visibilidade, organizado por Bruno,
Kanashiro & Firmino (2010). Aliás, essa temática, sob vários ângulos é contemplada
por Foucault (2002), investigando os modos de “vigiar e punir”, e por Deleuze (1992) e
Garland (2001) refletindo sobre as “sociedades do controle”. E tem sido revisitada –
criticamente – por Bauman, contemplando o amor, o tempo e o medo no contexto de
“mobilidade” e “liquidificação” da pós-modernidade.
95

O problema é estudado igualmente por Lyon (2001), mirando a “sociedade da
vigilância” entre as instâncias do “observar” e “ser observado”; Arquilla & Ronfeldt
(2001), analisando a “network” como “netwar”; Poster (1996), observando as
informações do “data-base” como discursos, e simultaneamente, interpelações
eletrônicas; Green (1990), de olho no “modo de informação”, monitorando o que ele
chama de “A praga do panóptico”, em referência ao “olhar midiático que tudo vê”.
Numa perspectiva iluminada por Hermes (o mediador), apostamos numa
compreensão dialógica do fenômeno da visibilidade e visualidade através das
tecnologias digitais e interativas. Isto é, assumimos uma posição investigativa
respeitando a pluralidade das vozes, como se mostra na obra de Lunenfeld (1999),
atento para a “dialética do digital”, e Manovitch (2005), apreciando “as poéticas do
espaço aumentado”.
Argumentamos sob o signo de uma antropologia interpretativa de olho no
presente como transformação e atualização do antigo, como o faz G.T. Marx (1996),
contemplando “o olho eletrônico no céu”, numa obra que fustiga o domínio das
tecnologias e mitologias populares.
De maneira semelhante perfazem-se os estudos de Barbéro (2006) visando às
“tecnicidades, identidades e alteridades, no contexto das mudanças e opacidades do
século 21”. Como o olhar de Augé (2006), explorando a “sobremodernidade”, como
mundo um sociotecnológico que abriga inéditos “espaços de circulação, consumo e
comunicação”. E é neste sentido que se conduzem os trabalhos de antropologia
comunicacional realizado por Lemos, Cibercultura, tecnologia e vida social (2002),

95
CF. BAUMAN, Z. Modernidade Líquida (2001); Amor líquido (2001); Tempos Líquidos.
(2007); Medo Líquido (2008).

146

Cibercidade, as cidades na cibercultura (2004) e Comunicação e Mobilidade (2009),
visões do mundo informatizado e publicizado pelas tecnologias como um arsenal de
possibilidades que podem ser usadas socialmente, para o pior e para o melhor.
Com efeito, hoje, grande parte das cidades é controlada, vigiada, monitorada
permanentemente. Para alguns, este é o preço a ser pago pelo padrão civilizatório
alcançado, em que os itens de conforto, segurança e tecnologia esgotam a idéia de êxito,
bem-estar e felicidade. Para outros, numa época em que se congregam razão,
sensibilidade e potência tecnológica, faz-se necessário reconhecer a importância do
investimento na inteligência artificial a serviço do desenvolvimento das ciências, das
artes, da educação, da segurança e das várias modalidades de interação social.
Antes de tudo, o Google Earth é uma ferramenta privilegiada para o trabalho dos
professores de geografia, história, economia, sociedade, arte e política, mas o seu
“poder de fogo” vai mais além. É uma poderosa “máquina de visão”, como escreve Paul
Virilio (1994), que simula a visibilidade total, em terceira dimensão, em movimento e
aberta à intervenção dos aficcionados, estudiosos, especialistas, agentes sociais
engajados no desenvolvimento da esfera pública informatizada.
Se prestarmos atenção à logística que preside a organização da plataforma
Google Earth, entendemos como o seu caráter de interatividade permite um novo modo
de participação social. Um olhar atento pode perceber as estratégias sociais de ocupação
dos territórios e de atualização do poder coletivo no mapa-múndi virtual. Publicitários,
arquitetos, médicos, engenheiros, comerciantes, ativistas políticos, enquanto usuários,
clientes, cibercidadãos, através do GE demarcam o seu lugar no planeta digital.
Segundo a lingüista Eni Orlandi, na obra Terra à Vista (1990), descobrir e
nomear significa tomar posse, apropriar-se. Isto, de certa forma, coloca-nos como
súditos da Google Corporation, que incorporaria a figura sinistra do Big Brother,
enunciada por Huxley no seu opúsculo gelado, 1984 (escrito em 1921).
Mas, navegar no ciberespaço significa, acima de tudo, achar novos caminhos,
cidades, territórios, regiões. E mirando o cibermundo formatado pelo GE, percebemos
que este reativa a nossa memória, despertando sensações, afetos e sentimentos; logo,
estimula um conhecimento do mundo mais pelo viés dos afetos, da percepção, de uma
“consciência estética”, do que pela ação de uma inteligência intelectual ou de uma
lógica somente racional. Isto não abole a perspectiva crítica, pelo contrário, encoraja-
nos a defender o livre acesso ao ciberespaço como estágio necessário à cidadania.

147

O enfoque da experiência cultural na sociedade midiatizada, em que o sensível e
o inteligível colaboram, transparece nos trabalhos de Muniz Sodré, As estratégias
sensíveis (2006), Michel Maffesoli, Elogio da razão Sensível (2001) e Erik Felinto, Os
computadores também sonham? (2004), entre outros. E nos estimula a apreciar as
tecnologias de monitoramento como dispositivos básicos para a ação biopolítica,
compreendendo – por exemplo – o monitoramento sócio-tecnologico como uma tática
que pode controlar a criminalidade urbana, mas também como uma estratégia de
remodelação dos roteiros turísticos e sentimentais da urbe através das mídias locativas.
Esteticamente e sensorialmente, as tecnologias interativas funcionam como
chaves, abrindo as portas da percepção para a nova cartografia mundial, em que se
inscrevem ágeis modalidades de ação geopolíticas, mercadológicas, turísticas,
governamentais, ecológicas. Em suma, o Google Earth permite aos jornalistas,
historiadores, geógrafos, estetas, curiosos e turistas contemplarem o mundo numa
perspectiva inovadora, e somente possível através das tecnologias de compartilhamento.

Exploração e análise crítica da Google-esfera

Observando as novas gerações de estudantes, notamos que estes utilizam
generosamente os meios digitais de informação, como a Wikipédia. E sabemos das
controvérsias que acercam essa modalidade de “enciclopédia livre”. Talvez seja cedo
para julgar a sua eficácia, pois, sendo extremamente “colaborativa”, pode apresentar
problemas quanto à credibilidade das informações disponibilizadas. Mas por outro lado,
constitui uma espécie de “árvore do conhecimento”, supervisionada e controlada
coletivamente; um ágil motor para a processualidade de uma inteligência coletiva
conectada, em que todos trabalham em colaboração, como afirmam Lévy (1995; 1998),
Kerckhove (2009), De Felice (2009), entre outros releitores e críticos de McLuhan.
É de bom presságio investigar o Google Earth nas páginas eletrônicas da
Wikipédia; porque o seu conteúdo está em constante atualização; e também porque
consiste num exercício investigativo que, apesar de todos os riscos de gerar uma contra-
informação, pode colaborar na produção do conhecimento científico:

Google Earth (em português: Google Terra, /Gwgol Ãr'f/) é um programa
desenvolvido e distribuído pelo Google cuja função é apresentar um
modelo tridimensional do globo terrestre, construído a partir de
fotografias de satélite obtidas de fontes diversas, imagens aéreas

148

(fotografadas de aeronaves) e GIS 3D. Desta forma, o programa pode ser
usado simplesmente como um gerador de mapas bidimensionais e fotos
de satélite ou como um simulador das diversas paisagens presentes no
Planeta Terra. Com isso, é possível identificar lugares, construções,
cidades, paisagens, entre outros elementos. O programa é similar,
embora mais complexo, ao serviço também oferecido pelo Google
conhecido como Google Maps.

O Google Earth é um produto tecnológico que concede diferentes maneiras de se
poder ver o mundo e de interagir nesse mundo. Isto nos leva a pensar sobre as formas de
controle deste poder de conceder uma certa visibilidade do mundo. Uma questão
perpassa a nossa reflexão, quando contemplamos o Google Earth: quem detém o poder
de mostrar ou ocultar os territórios monitorados?
São sugestivas, neste sentido, além das leituras de - Foucault, Baudrillard,
Bauman, entre outros pensadores - obras como o coletivo Ciberpolis (EGLER, 2007),
um enfoque da comunicação, política e redes no governo da cidade, que estimulam
procedimentos rigorosos de análise, crítica e interpretação do Google. E, também, nessa
direção, caminha o trabalho de Suely Fragoso, Redes urbanas, redes digitais (2008).
Não pretendemos aqui esgotar o assunto, mas iniciar uma problematização que
pode ser relevante para os interessados em explorar as experiências de tecno-
monitoramento dos domínios terrestres, urbanos, ecológicos, espaciais.

Estrutura e funcionamento da Google-esfera

O slogan do site Google Earth, A informação geográfica mundial na ponta dos
seus dedos, contém, evidentemente, um forte apelo publicitário. Todavia, uma leitura
mais detida, revela-nos um novo estágio na história da cultura, em que vão se formando
percepções e cognições estimuladas pelos diversos sentidos, o visual, o auditivo, o
táctil. E eventualmente, exercitam-se os sentidos olfativo e gustativo: relembremos que
a plataforma do GE, em seus roteiros turísticos, pode virtualmente nos teletransportar
para outros não-lugares, como as perfumarias de Paris, os restaurantes italianos ou as
paisagens sensuais dos quadros no Museu do Prado.

O Google Earth permite-lhe sobrevoar qualquer parte da Terra para
visualizar imagens de satélite, mapas, relevo, edifícios 3D, desde as
galáxias no espaço até aos vales submarinos. Poderá explorar conteúdo
geográfico complexo, guardar os locais visitados e partilhá-los com
outros utilizadores.
PILLAR, 2006, on line

149


O trabalho de Gabriel Pillar é singular porque reúne a investigação empírica, a
reflexão teórica e a aplicabilidade da teorização ao GE; assim, recortamos aqui uma
pequena parte do seu texto que pode ajudar a compreendermos um pouco mais sobre o
funcionamento dessa plataforma e interagir com suas configurações.

A interface do Google Earth é composta por uma janela principal, uma
barra lateral de navegação e barras superior e inferior. A janela principal
exibe as imagens do planeta e também contêm botões de navegação em
forma de bússola sobrepostos ao canto superior direito. A barra lateral
oferece campos de busca e seletores de placemarks (marcas de lugar) e
camadas. A barra superior contém ferramentas que expandem as
funcionalidades do aplicativo e a barra inferior apresenta informações
adicionais como localização exata e altitude. (...) A navegação por este
globo virtual pode ser realizada de diversas maneiras. Utilizando o mouse
ou um trackpad o usuário pode clicar na bússola de navegação, que
oferece comandos de panning, zoom, rotação e tilt do planeta. O mesmo
pode ser feito através de atalhos no teclado. Outra forma de navegar o
globo é através da função de busca presente na barra lateral, chamada “fly
to”, ou “voar”.
PILLAR, 2006, on line.

O autor mostra detalhadamente como o mapa virtual do globo é construído
através de imagens via satélite; fotografias do projeto Street View; modelagens em três
dimensões. As fotos possuem uma resolução de aproximadamente 15 metros por pixel e
fazem o mapeamento da superfície do planeta Terra, Marte e também exibe imagens da
Via Láctea. O projeto Street View mostra fotografias panorâmicas, de 360 graus
horizontais e 290 graus na vertical, tiradas no nível do solo. As modelagens em 3D são
construídas por colaboradores através do programa Sketch Up e enviadas para
armazenamento no banco de dados, para o acesso de outros usuários.
Os SIGs (Sistemas de Informações Geográficas) são divididas em camadas, para
os usuários as selecionarem conforme o seu interesse. Há camadas com informações
ecológicas sobre o clima, marés, estradas, e diversas outras “não-oficiais” que podem
ser encontradas em comunidades de usuários. É possível instalar uma versão do
software por 400 dólares em dispositivos GPS, o que permite aos usuários circularem
pelos labirintos das cidades, orientados pelas coordenadas cibernéticas do GE.
A era da informação, como a conhecemos hoje, surgiu da apropriação de
pesquisas militares por cidadãos autônomos (LEMOS, 2008). No GE, os usuários
penetram no sistema estabelecido para - a partir dele - gerar outras aplicações. Há

150

games no GE, em que o avatar (a figura icônica do jogador) é o próprio usuário e pode
imergir no cenário do planeta Terra, fazendo interação com o “mundo real virtualizado”.
Existem diversos plugins e aplicações (APIs) diferentes para o Google Earth. A
integração do GE com o Twitter (plataforma de micro-blog desenvolvida recentemente)
permite que o usuário publique as localidades acessadas, diretamente, através do seu
telefone celular. O Google Mobile criou um plugin para a utilização do GE no Iphone.
A tecnologia foi tão bem adaptada para a mobilidade que através da inclinação do
aparelho é possível observar os terrenos também inclinados. Além disso, os territórios
também podem ser compartilhados. O usuário pode marcar as localidades visitadas,
usando os recursos digitais (placemarks) e salvá-las em pequenos arquivos com
extensão própria para ser aberta no Google Earth Kml (Keyhole Markup Language).

O grande olho digital e a politização do cotidiano

As imagens mitopoéticas do Google Earth nos arrebatam pela extraordinária
beleza das imagens, pela dimensão lúdica e pela memória afetiva que evocam; mas,
sobretudo, porque nos transmitem modalidades de aprendizagem; já nas primeiras
informações do site, encontramos as dicas para a utilização da ferramenta:

como compartilhar lugares; alterar idiomas; obter mais ajuda; criar
passeios; navegar pelos oceanos; visualizar o passado; encontre a Torre
Eiffel; usar controles de navegação; visualizar camadas; marcar um local;
visualizar construções em 3D; sol e sombras; visualizar o céu; navegar
pelas fotos; usar o Google Earth solidário; explorar camadas
interessantes; pesquisar lugares e empresas.
96


O pensamento se ilumina diante da “Terra-Pátria” digitalizada, a partir das
cartografias e mapeamentos virtuais, e questões remotas, ancestrais reaparecem a partir
de angulações inéditas. Ao contemplarmos o Google Terra, inspirados nas metáforas
filosóficas de Gaston Bachelard, acerca da terra e os devaneios do repouso e da vontade,
e na sua epistemologia poética do espaço, a imaginação vigilante e criadora é arrebatada
para uma outra direção, para além do mero fenômeno tecnológico.
Tais questões remontam as relações entre o homem, a terra, o espaço, o mundo
social e o mundo natural, e não cessam de atualizar o imaginário de nossa época, em

96
Cf. Vide site: http://earth.google.com/ Acesso em: 25.05.2011

151

que as representações do ser e do “mundo real” cedem terreno às simulações e
virtualizações geradas pela cultura digital (como escreve ironicamente Baudrilard).
Numa primeira navegação em rede, encontramos referências ao Google Earth
relacionadas a uma diversidade de temas, que incluem assuntos extremamente díspares
e por isso mesmo exigem disciplina nas escolhas, capacidade de síntese e rigor na
apreciação, mas, sobretudo, exigem a abertura de espírito para um conhecimento
holístico da realidade física e simbólica projetada nas cartografias digitais.
Um mergulho no planeta virtualizado propicia o despertar para uma consciência
ecológica e planetária, e a disposição para uma politização da vida cotidiana. Os
acessos, as demarcações e territorializações tramados pelos usuários os elevam à
condição de cibercidadãos, sujeitos ativos na processualidade de uma nova biopolítica e
um modo de empoderamento favorecidos pelas tecnologias da interatividade.

Para entender os altos e baixos da modernização tecnológica

Metodologicamente, recolhemos alguns sites sobre o Google Earth, e mesmo
contemplando uma amostra quantitativamente irrisória, cuidamos de apontar elementos
para uma apreciação do ciberespaço, colocando em perspectiva a plataforma do GE.
Há um esquema célebre no campo das ciências humanas, sociais e da
comunicação, bastante indicativo do esforço de sistematização, que marcou o espírito
científico do século XIX e a primeira metade do século XX. Isto vem de uma longa
tradição iniciada com Kant (elegendo a razão universal como senha para a
modernidade), passando por Weber (e seu tratado de Economia e Política), recolhido
por Habermas (estudando a “modernidade tardia”), revisitado por Adriano Rodrigues
(discutindo as interfaces da Comunicação e Cultura, 1994) e atualizado por Sérgio
Paulo Rouanet, explorando as “Verdades e ilusões do pós-moderno” (1987).
Revisitando este último encontramos um esquema filosófico focalizando as duas
metades de um mesmo processo de modernização: a modernidade social e a
modernidade cultural. Assim, ao lado da modernidade social, inscrevem-se as
estruturas do cotidiano, a economia e a política, e ao lado da modernidade cultural,
configuram-se os saberes (a ciência, a filosofia e a técnica), a moral, a religião e a arte.
Pensar em esquema, num período em acelerado estágio de mutação, em que a
velocidade, fragmentação e multiplicidade das experiências atingem profundamente as
percepções humanas, pode parecer incongruência. Assim é que, hoje, fala-se em

152

modernidade líquida (BAUMAN, 2009), em sobremodernidade (AUGÉ, 1994), em
pós-modernismo (JAMESON, 2002), para se referir à aceleração dos acontecimentos
históricos, à supressão das fronteiras espaciais e à compressão do tempo.
Contudo, recorremos ao esquema supracitado, o que não significa aderir às teses
iluministas sobre a modernidade. Trata-se de recolher o que há de inteligência filosófica
e organizacional neste esquema, atualizá-lo e empregá-lo como uma alavanca
metodológica, para explorar as modulações (e flutuações) dos processos de
modernização, que perpassam ambas as dimensões da sociedade e da cultura.
Partimos da premissa que aposta no êxito da experiência cibercultural, e
dependendo de como os recursos interativos forem usados, estes podem gerar estilos de
modernização sociocultural (modos de liberdade, autonomia, emancipação e
desenvolvimento). Assim, exploramos a informações nos sites de notícias sobre o
Google Earth e observamos as imagens em 3D, buscando perceber como ali se
expressam iconicamente os diferentes encaixes (e desencaixes) da nossa “modernidade”
social (cotidiana, econômica, política) e cultural (artística, científica e tecnológica).

Transcendências efêmeras na cultura digital

Ao longo da evolução histórica do projeto GE, as estratégias da empresa Google
se voltaram para as projeções não só da camada terrestre, como também dos oceanos e
do espaço sideral, incluindo o registro fotográfico de outros planetas, como Marte.
Realizamos uma netnografia, uma pesquisa cuidadosa na web e recolhemos
algumas notícias disponibilizadas, e percebemos que alguns títulos, como Usuários do
Google Earth podem mergulhar no mar e viajar a Marte, atestam o vivo interesse
público - representante de distintas motivações e especialidades - no compartilhamento
de diferentes visões (e experiências) do mundo, mas sobretudo, abrem-nos perspectivas
telemáticas que nos ajudam a captam a “complexidade do real”, a partir da conjugação
do geopolítico, do geoeconômico, do antropológico, do social e do ecológico.
Observando a “experiência cultural na era da informação”, verificamos que os
usuários interagem no Google Earth, formando comunidades de interesses e afinidades
comuns, que passam pelo crivo do mercadológico, do cognitivo, do ético-político e do
educacional. Neste sentido é indicativa a matéria Google Earth para geólogos e Google
Sky para astrônomos, mostrando as modalidades de uso científico da plataforma.

153

Como na época dos grandes inventores (Da Vinci, Copérnico, Galileo), hoje os
novos inventores da cibercultura desafiam as regras prevalentes, tendo que enfrentar
modalidades de censura, controle e vigilância. A aventura do conhecimento propiciada
pelas tecnologias de comunicação digital não se perfaz em absoluta tranquilidade.
As hipermídias, plataformas virtuais e ambientes digitais descortinam
maravilhas, mas assimilando a organicidade do dito “mundo real”, trazem também más
surpresas e desafios desconcertantes. Os domínios do ciberespaço não estão imunes às
invasões, violações e outros delitos; o ciberespaço não está livre do mal.
Tudo isso solicita modalidades de vigilância e monitoramento. Não é à toa que
se discute hoje as relações entre o Google Earth, as liberdades individuais e a
jurisprudência; e é importante ressaltar, o debate ultrapassa à arena das disputas pelos
direitos autorais. Cf. Google Earth avança no acordo de direitos autorais.
É preciso entender essa plataforma como parte de uma complexidade similar
àquela demonstrada por Morin, em Terra Pátria (2005): atravessado por segredos,
estratégias, descobertas e desafios, o GE exige novas atitudes sociais e políticas.
Assim, uma postura vigilante se faz necessária, e neste sentido, bem a propósito,
surgem matérias nos sites da internet, instigando-nos atentas reflexões: Google Earth -
Usado pelo crime e Polícia descobre plantação de maconha pelo Google Earth na
Suíça. Logo, projetam-se na cultura das redes as tensões e conflitos do velho mundo
presencial, e o que se espera é que o poder de vidência (e de conceder evidência) dos
meios sócio-técno-interativos nos tragam elementos para atualizarmos os debates e os
agenciamentos sociais, ético-políticos, educativos, ecológicos, comunicacionais.
Como diz Castells, simultaneamente às redes de informação, disseminam-se as
redes da criminalidade (mas também as redes de solidariedade). Um exemplo marcante
disso se mostra através das comunidades virtuais, visíveis na plataforma do Google
Earth, reunindo-se em torno de ocorrências inusitadas, dramáticas que atingem os
nervos do sistema social: Isabela Nardoni – Google Earth Community.
A dimensão afirmativa do GE em relação às comunidades se revela na
configuração de estratégias educomunicacionais, geradoras de avanços sociais graças às
tecnologia comutativas: a reportagem Práticas Pedagógicas: Google Earth nas favelas
do Rio consiste num exemplo afirmativo de empoderamento social pelo uso das redes.
Os dispositivos de monitoramento e suas projeções em 3D podem trazer
contribuições notáveis para a investigação acerca da espacialização das condutas,
incluindo tanto as construções sociais pautadas pela ética e responsabilidade, como as

154

práticas desviadas para o caminho da delinqüência e da criminalidade. O êxito da
experiência de informatização social vai depender do sucesso tanto na abertura de novos
mercados, principalmente para as gerações habilmente conectadas, quanto para as
estratégias do ciberativismo e ações afirmativas voltadas para a inclusão digital.
Uma sociologia da comunicação digital deve se empenhar no questionamento do
uso social dos equipamentos tecnológicos, na qualidade e facilidade de acesso, assim
como na discussão dos direitos e responsabilidades dos programadores, profissionais,
gestores dos processos interativos.
É possível se fazer um bom uso político das tecnologias de monitoramento,
como o Google Earth, pressionando-se as empresas, os especialistas, os cidadãos para
disponibilizarem imagens temáticas que mostrem os problemas e contradições da nossa
geografia social, econômica e política, hoje mais transparentes e acessíveis do que há
duas décadas, mas também mais sofisticadamente controladas.
Um olhar sobre o Google Earth nos instiga a pensar na satisfação dos geógrafos,
diante do grande acervo de mapas, cartografias, fotos, imagens dos infinitos pedaços do
globo terrestre; entretanto, encontramos referências diretas ao trabalho dos historiadores
que certamente deve revigorar os ânimos dos que trabalham sob o signo de Mnemosyne
(a deusa da memória), incluindo a história das religiões, das ciências e das mitologias.
As matérias disponibilizadas na internet nos dão uma amostra das conexões do
GE com os estudos voltados para as ditas “ciências do espírito”:
Google Earth mostra localidades mencionadas na Bíblia. (Observatório
Bíblico); Google Earth lança telescópio virtual; O monte Olimpo. Estas notícias nos
fornecem dados importantes para entendermos como a popularização das
infotecnologias tem contribuído para uma nova perspectiva ético-política mediada pelos
meios tecnológicos socialmente compartilhados, deslocando a audiência do tema dos
“mistérios da realidade”, para a dimensão esclarecida de uma “realidade sem mistérios”.
Os mapas e cartografias das civilizações ancestrais, como Roma Antiga,
disponibilizados no GE, permitem-nos modular as nossas incursões nos interstícios da
memória histórica, fazer análises comparativas da geografia física, humana, social, e daí
entender mais da geopolítica e da geoeconomia daquele contexto histórico.
Para ilustrar, capturamos uma projeção num site bastante visitado, contendo uma
simulação da cidade eterna que - despertando-nos para uma consciência histórica - pode
nos fazer refletir sobre a origem da nossa formação cultural latina e o estado atual do
nosso legado político e jurídico-administrativo. E pela via da percepção estética nos

155

estimula ao reprocessamento digital das nossas paisagens e roteiros urbanos,
favorecendo – por exemplo – novos mercados turísticos a partir do uso dos métodos de
virtualização. Cf. Roma antiga vive outra vez.
Uma grande interrogação paira sobre as formas de utilização do ciberespaço com
finalidades políticas. O Google Earth é apenas um dos dispositivos que nos abre novas
arestas para uma discussão do tema, principalmente, devido à sua interconectividade
com outras plataformas, equipamentos e ferramentas como o Blog, o Twitter, o
YouTube, o Orkut, o Podcast. O GE e as demais plataformas hipermidiáticas são
potencialmente mais relevantes, em termos contributo sociocultural, politização do
cotidiano e empoderamento coletivo, quanto mais forem acessíveis e interativos.
Encontramos na internet algumas notícias que evidenciam as interfaces
explosivas da ação política no contexto da cibercultura: Holandeses interrogam
terroristas cibernéticos; O drama dos refugiados; Índia pode cair fora do Google
Earth; e Mapas históricos do Google no Japão; são exemplos singulares de
representações em 3D, dos recantos do planeta minados pelo conflito e violência.
As gerações futuras poderão interpretar a complexidade da chamada “primavera
árabe”, a partir dos recursos fornecidos pelas pesquisas coletivas compartilhadas pelos
milhões de usuários conectados através das tecnologias de convergência.
Nestes espaços, surgem modalidades de mídias (e mediações) radicais,
agenciamentos afirmativos, que revigoram o espaço público e fortalecem a luta pelos
direitos humanos; são configurações da ciberpolítica e dos ciberativismos do século 21,
conferindo novo significado à participação social, através das estratégias de inclusão
tecnológica. Cf. Google Earth Solidário; Google Earth disponibiliza imagens de
desmatamento na Amazônia; Google Earth mapeará emissões de dióxido de carbono
nos EUA; Vídeo de posicionamento do Green Peace no Google Earth.
Os temas da ecologia, biopoder, inteligência artificial, comunicação espacial se
interligam propiciando ações afirmativas de empoderamento social. Mas isso vai
depender também da consciência social atenta ao fenômeno da complexidade, como nos
alerta Edgar Morin.
A cultura digital, energizada pela cooperação e interatividade, libera os espaços
públicos virtuais privilegiados para a articulação dos debates e ações políticas.
Utilizando os recursos telemáticos, como palm top, câmeras digitais, microfones, pen
drive e celulares, conectados ao GE, os jornalistas, educadores, líderes comunitários,
ciberativistas descobrem estratégias de intervenção através das aberturas em rede.

156

E a visibilidade da “Terra-Pátria”, da “Grande-Mãe” (segundo os antigos),
tornada possível graças às lentes de aumento tecnológicas configuram-nos uma outra
maneira de ser, pensar e interagir com o mundo social e cósmico.
Uma expressão apropriada para definir as relações entre o GE e o fenômeno do
poder está na teoria micropolítica de Foucault (1979), para quem o poder é positivo, e
traz conquistas que levam os indivíduos às formas ativas do saber, dizer e interagir.
Num outro registro, o narcisismo, o exibicionismo, o culto exacerbado do eu, a
espetacularização do ego são características presentes na “era da visibilidade global”.
Sintomaticamente, há algumas notícias publicadas na internet sobre o Google
Earth, que revelam as emanações iconográficas dessas tendências narcísicas irradiadas
no social: Quero aparecer no Google Earth!; Os pelados do Google Earth; Britânico
desenha “pênis gigante” para aparecer no Google Earth.
São atitudes que variam desde as mais prosaicas vaidades aos casos mais
radicais de exibicionismo. Por outro lado, percebemos modalidades de fruição e
tribalização afetiva (no caso dos nudistas); ou artifícios que permitem aos indivíduos
driblarem a solidão e expressarem a sua vontade de pertencimento, ou ainda novas
expressões das artes do cotidiano; mas, sobretudo, o imenso prazer diante de uma
ambiência tão performativa.

Geopolítica da Comunicação e sensorialidade do ciberespaço

Este é um relato das nossas primeiras impressões sobre a plataforma Google
Earth, vislumbrando os mapas, cartografias, fotos e imagens em 3D, como dispositivos
de comunicação interativa, que revigoram as relações dos seres humanos com o mundo
social e cósmico. Numa primeira mirada no GE tudo ainda parece parcial e
fragmentado, mas é um ponto de partida para atualizarmos nossas atenções acerca dos
poderes liberados no ciberespaço, e nos guarnecermos de estratégias para colaborar na
socialização dos saberes emanados e oportunidades abertas a partir desse meio.
Após uma leitura imersiva do GE, buscando um conhecimento mais sistemático,
ratificamos a pertinência do trabalho de Gabriel Pillar, Cidades híbridas: um estudo do
Google Earth como ferramenta de escrita visual sobre a cidade (2006), que certamente
constitui pioneirismo e originalidade acerca da pesquisa sobre o objeto-tema. Trata-se
de uma análise das estruturas, do funcionamento, do potencial da plataforma.

157

O autor examina as relações deste dispositivo com outros equipamentos de
comunicação digital, como o e-mail, Orkut, YouTube, blog, Twitter, mostrando como a
interconexão destes dispositivos encoraja novas descobertas e gera novas modalidades
de participação social. E cumpre destacar o rigor na metodologia empregada, a maneira
como investiga as marcas fixadas na Terra virtualizada pelos usuários interconectados,
que se utilizam das ferramentas interativas para refazer um mapeamento das cidades.
Pillar observa como os atores sociais vão se tornando cidadãos virtuais, na
medida em que reescrevem os códigos da cidade; plantando setas, placas, sinais,
iconicidades que reterritorializam a geometria dos cenários urbanos.
Apreciando a projeção da cidade de Toronto no Google Earth, o autor persegue
as trilhas deixadas pelos usuários em interação social, durante seu percurso na Google-
esfera e ali encontra os itinerários das comunidades virtuais, surgidas a partir da
conjunção de interesses e expectativas em torno das cartografias digitais do planeta.
Para a construção de um “conhecimento aproximado” do Google Earth (e da
cibercultura), para além de um mero exercício empiricista, seria prudente conceder à
pesquisa um lastro epistemológico, sinalizando caminhos para uma exploração ética e
responsável das cartografias telemáticas, em toda a complexidade de seus enredamentos
econômicos, jurídicos, políticos, ecológicos, cognitivos, sensoriais e estéticos; em
verdade, algumas investigações têm sido feitas e outras se encontram em curso.
O GE é um software que mostra com detalhes toda a extensão do planeta, como
um grande mapa feito de imagens e informações como pontos turísticos, hospitais,
nomes das ruas, pontos comerciais, etc.; logo, concede-nos uma visão privilegiada do
planeta, desde os acidentes geográficos até os microterritórios das cidades e bairros.
Utilizar o GE significa se achar quando se está perdido, mas significa também
uma maneira de - erraticamente - se encontrar novos caminhos. E a sua vocação mais
nobre reside no seu poder de manter acesa a chama da utopia, de se poder “abraçar” o
planeta e interagir com o mundo social e cósmico, a partir de um simples comando.

158

12



O cinema, a realidade virtual e a memória do futuro



O homem é um animal suspenso em teias de significado que ele mesmo teceu

GEERTZ, A interpretação das culturas, 1989.


Do filme expressionista ao cinema em 3D, a realidade virtual - proclamada com
o advento dos computadores, internet, games e tecnologia - tem sido projetada no
universo ficcional da literatura e do cinema, desde obras como Metrópolis (1927), 2001
uma odisséia no espaço (1968), Blade Runner (1982), O exterminador do futuro (1984)
até Matrix (1999) Inteligência Artificial (2001) e Avatar (2010). São obras ácidas,
implacáveis em seu registro do mundo real e na imaginação do futuro, e fulminantes,
em sua mirada na condição do pós-humano. As narrativas de ficção previram o
ciborgue, o híbrido, o ser e a máquina numa simbiose radical, que envolve e assombra.
Contemplando a ficção científica (sci-fi), hoje em circulação na televisão e na
internet, observamos que as suas imagens e sons contêm uma espécie de DNA da
cibercultura; uma visão do futuro, inscrita no passado e que se tornou presente no século
21. A sétima arte antecipou uma modernidade tecnológica que simultaneamente causa
medo e fascínio. E cabe aos filósofos, especialistas estetas, críticos, pedagogos,
jornalistas decifrar o sentido dessas narrativas audiovisuais, históricas e ficcionais, que
têm alimentado ideologias e utopias há mais de um século.
Trata-se de um repertório que - incessantemente - têm forjado um universo
paralelo, cuja irradiação atravessa inteiramente a realidade sensível. O desafio que se
coloca é decifrar o significado dessa modernidade tecnológica, antecipada na literatura,
no cinema de ficção e realizada, em grande parte, no atual cenário da vida cotidiana.

Embora hoje encontremos ficção científica em histórias em quadrinhos,
videogames, filmes e RPG, o gênero nasceu como narrativa literária. A
ficção científica herdou das narrativas de viagens e das fábulas a tarefa de
contar histórias sobre seres maravilhosos ou extraordinários, fascinando
assim seus leitores. As viagens fantásticas, como As viagens de Gulliver,
de Jonathan Swift, descrevem seres maravilhosos e lugares exóticos e
longínquos, acendendo a curiosidade sobre o desconhecido, mas
mantendo em suspense a real existência dos ambientes descritos. A ficção
fantástica – a ficção científica e seus primos mais próximos, a fantasia e o

159

horror – são produtos da Idade Moderna, e, constituíram-se no campo da
literatura. Diferente da fábula, a literatura é ficcional, mas se compromete
a produzir efeitos de realidade. A literatura fantástica permanece, no
entanto, com o mesmo objetivo da fábula: criar seres e mundos
desconhecidos, despertando curiosidade e deslumbramento em seus
leitores.
OLIVEIRA, 2004, on line.

Para a elaboração deste trabalho, fizemos um mapeamento seletivo de algumas
obras de ficção no cinema, incluindo a ficção científica, muitas delas adaptadas das
narrativas literárias. São películas que apresentam um projeto estético e ideológico
acerca da vida no futuro, simulando um mundo no qual convivem os seres humanos e as
máquinas, numa ambiência onde o natural se confunde com o artificial, o orgânico com
o tecnológico, o real com o virtual.
Esses filmes, cuja ficcionalidade não cessa de se realizar no plano da vida
vivida, contêm as chaves para um entendimento das relações entre os humanos e seus
duplos, clones, extensões e alteridades. As artes da literatura e do cinema têm fornecido
as pistas para uma imaginação filosófica do seres humanos e as suas relações com as
formas de vida artificial, do “universo paralelo”, comum na era das mídias digitais e
previsto nas origens da ficção cinematográfica.
Desde um filme ainda tecnicamente rudimentar como Viagem à lua (1902) até o
recente Aeon Flux (2005), informado pela estética dos quadrinhos, desenhos e
animações, há obras fundadoras de um campo de visibilidade que traduz o nosso meio
ambiente inteiramente irradiado pelas tecnologias.
As obras apontadas aqui, em diferentes registros, têm valor de culto porque são
ícones importantes no imaginário ocidental, têm valor afetivo, pois são imagens
obsedantes, imagens amadas e têm também valor de troca, uma vez que arrecadam
milhões nas bilheterias mundiais. O cinema de ficção tem o poder de entreter, alertar e
instigar, face à hiper-realidade cotidiana forjada pelas tecnologias. A ficcionalidade do
cinema reafirma estilos de identidade e de identificação dos indivíduos, espectadores,
cidadãos imersos na cultura das redes midiáticas. O cinema é, sobretudo, um possante
vetor de inteligência e sensorialidade que gera vigorosas modalidades de percepção,
cognição e contemplação do mundo.

A obra de ficção científica, ao projetar futuros, fala do presente para
entender passados e, assim, aponta alternativas para futuros já
irrealizáveis. Por isso, a impossível tristeza desses futuros, como a da
cena final antológica da fuga do par amoroso em Blade Runner no
sobrevôo dos campos verdes e fecundos de estéril solidão (VOGT, 2004).

160


Há os filmes espetaculares como Jornadas nas Estrelas (Star Trek, 1979) e
Perdidos no espaço (Lost in Space, 1998), ícones do imaginário pop, cult movies
exibidos também na TV, gravados em videocassetes, DVDs, muitos deles já disponíveis
nos sites de vídeos da internet. São obras que sedimentam uma camada importante da
imaginação mitológica, que funcionam para nós de maneira similar às mitologias
antigas para os nossos ancestrais; têm o seu lado clichê, mas a sua elaboração se nutre
dos arquétipos primordiais que vêm orientando os humanos desde a origem dos tempos.
Há, por outro lado, os clássicos, como Metropolis (1927), Fahrenheit 451
(1966), 2001: uma odisséia no espaço (1968), que forjaram uma idéia de modernidade
projetada no futuro e hoje acessíveis aos pesquisadores, colecionadores e aficcionados.
A indústria do cinema não cessa de refinar as suas impressões e visibilidades
sobre um tempo futuro, que em grande parte já se tornou presente no imaginário e na
vida social; isto se vê em filmes como O exterminador do futuro (1984), Robocop
(1987) e Inteligência Artificial (2001).
O cinema de ficção historicamente tem armazenado uma “memória do futuro”,
em que a tecnologia constitui uma espécie de “ossatura simbólica”. As telas há muito
tempo nos habituaram com a idéia do futuro atravessado pela tecnologia, em que as
máquinas, os andróides, os ciborgues, os clones são cópias, cúmplices e rivais dos
humanos. Este tipo de filmes tem nos fornecido insights que nos levam a pensar sobre
as relações entre os seres humanos e os objetos tecnológicos. O gênero de ficção - seja
este visionário, crítico, conformista ou apocalíptico face à tecnologia - não deixa de
instigar uma reflexão aguda sobre o enigma do mundo contemporâneo, em que o virtual
se tornou atual, em que o mundo imaginário se tornou real, em que o ser humano
convive com o “pós-humano”.

Máquinas de visão e iluminações do pensamento

A ficção científica não nos projeta para o futuro, ela nos relata estórias
sobre o nosso presente e, mais importante, sobre o passado que gerou o
presente. Contra-intuitivamente, a FC é um modo historiográfico, um
meio de escrever simbolicamente sobre história (AMARAL, 2004, p. 4).

As luzes e sombras dos filmes de ficção, hoje, nos dão a impressão de que o
mundo utópico de Júlio Verne adquiriu substância histórica e se tornou verdadeiro.
Assistindo às adaptações e inspirações cinematográficas dos livros de Asimov (1981),
Philip K. Dick (1983) e William Gibson (2003), percebemos como a realidade virtual

161

(fruto da cultura digital) é prenunciada pela ficção científica (produto da cultura literária
e audiovisual). Diante do mundo ficcional do cinema, hoje tão semelhante à própria
realidade cotidiana, somos impelidos a refletir sobre o significado da chamada
“virtualidade real” (CASTELLS, 1999), sobre o sentido desse universo paralelo, uma
“outra forma de vida” que nos intriga e, ao mesmo tempo, nos deixa fascinados.
Hoje, em nossas pequenas experiências e vivências eletrônicas, assistimos aos
cursos e conferências à distância, interagimos com os expositores e o público,
exploramos os relevos e territorialidades do globo terrestre - num programa virtual
como o Google Earth; mergulharmos no universo dos games, dos jogos e ambientes
virtuais como Second Life, onde podemos mudar de personalidade, conhecer e nos
comunicar com outras pessoas; também podemos vigiar os nossos lares, observar os
filhos, por meio de câmeras e outros dispositivos telemáticos, pode-se até mesmo
namorar e a partir dos encontros virtuais nos chats, nas salas de bate-papo. Então,
sentimos uma estranha familiaridade, quando revemos as velhas fitas de ficção
científica. E hoje, na era digital, invade-nos a sensação de já termos vivenciado as
experiências virtuais, sensação semelhante a uma regressão psicanalítica, que nos
remete às antigas imagens do passado, quando revemos os antigos filmes futuristas.
Estas películas, com olhares distintos, resgatam (e atualizam) parte de nossas verdades e
ilusões perdidas, daí o seu poder de libertação e catarse.

Uma nova ambiência comunicacional

É importante saber explorar a nova ambiência midiática, tecnológica, que nos
envolve; cumpre tirar proveito desta surpreendente hiperrealidade: Primeiramente
porque tudo isso transformou os modos de ser-e-estar no mundo, mudou a relação dos
seres humanos com o meio ambiente, e isto implica modificações nas modalidades de
escolha, nas tomadas de decisão, nas formas de interagir no mundo. Depois porque
mudaram os referenciais que nos orientavam no que diz respeito à nossa participação no
chamado “mundo real”. E, finalmente, porque mesmo tendo a consciência de que a
realidade virtual, o universo paralelo, a hiperrealidade, forjados pelas tecnologias, são
produtos da nossa imaginação criativa, da racionalidade humana, de nossa inteligência
sensorial e cognitiva, experimentamos a sensação de que essa ambiência fantástica nos
escapa e nos controla.

162

O universo paralelo que nos rodeia é como o enigmático “monolito” do filme
2001: uma odisséia no espaço; então, o desafio que se impõe aos contemporâneos é
decifrar o sentido e atuar sobre essa “estranha realidade”, impregnada de ficção e de
virtualidade.

Quinhentos anos atrás o mundo se revolucionava porque a Europa havia
descoberto o Novo Mundo, território estranho, diferente, misterioso,
exótico, que derrubou a ordem estabelecida do Velho Mundo. Hoje, no
limiar do novo milênio, o desenvolvimento tecnológico abriu-se para
outro novo mundo, desta vez o mundo paralelo da virtualidade. E é neste
mundo que viveremos o século 21

MARCONDES FILHO, 1997, p.12.


Uma exploração das obras de ficção pode atualizar decisivamente uma
perspectiva histórica do pensamento acerca das influências da cultura tecnológica, sobre
as formas de pensar, falar e agir dos humanos. Em sua longa trajetória, o cinema tem
desnudado uma história dos usos (e abusos) da tecnologia, e é preciso permanentemente
estar atento para as possibilidades abertas por estas criações humanas e
fundamentalmente aprender a tirar partido deste fato que pode elevar a qualidade de
vida simbólica, afetiva, cultural.
O mundo imaginário do cinema tem traduzido, por meio das imagens e sons,
uma história dos meios técnicos e das mediações humanas. De maneira similar, por
meio das noções e conceitos, pensadores como Heidegger, Chardin, Bachelard, Simmel,
Benjamin, McLuhan, Flusser têm nos ajudado a entender uma história da relação entre
os seres e os dispositivos tecnológicos.
O cinema não cessa de atualizar a filosofia e vai fundo na contemplação da
sociedade midiatizada (e da cultura tecnológica), adicionando um componente
audiovisual, lúdico e afetivo, e por meio de uma razão sensível, revigora a imaginação
crítica, vigilante e investigativa acerca do chamado “universo paralelo”.
Em nossa época de múltiplas conexões e hipertextualidades, dispomos de um
acervo importante de estudos para uma contemplação das relações entre os seres
humanos, as artes e as mídias, particularmente, o cinema.
Nesta direção, há livros surpreendentes como Cinema, imagem-movimento
(DELEUZE, 1985) e Cinema, imagem-tempo (DELEUZE, 1990), obras fundamentais
no contexto da filosofia pós-moderna e da imaginação do cinema, em que o pensador da
pós-psicanálise (esquizo-análise) atualiza e revigora as suas reflexões no campo do

163

desejo (após Freud e Lacan) e do poder (após Marx e seus epígonos). O filósofo coloca
em perspectiva a relação entre os homens e os sonhos, mirando o inconsciente, as suas
representações e simulacros. Para Deleuze, os simulacros gerados pela arte tecnológica
do cinema irradiam uma outra lógica do sentido e são fundamentais para entendermos a
forma e o sentido do imaginário do pós-humano, atravessado simultaneamente pelas
“imagens ótico-sonoras”, “imagens-lembrança” e “imagens sensório-motoras”, que nos
revelam o mundo distintamente da representação tradicional
O cinema pensa: uma introdução à filosofia através do cinema (CABRERA,
2006) é uma obra que, a partir das leituras de pensadores como Platão, Aristóteles,
Kant, Heidegger e Wittgenstein, mostra como o cinema apresenta os conceitos-imagens,
os conteúdos racionais, sensíveis, lançando luzes sobre a complexidade do mundo
vivido, por meio de uma linguagem audiovisual em diálogo permanente com a filosofia.
Deleuze e o cinema: filosofia e teoria do cinema (Vasconcelos, 2006) é uma
obra em que o autor retoma as noções-chave de Deleuze, a “imagem-movimento” e a
“imagem-tempo”. E, dialogando com os conceitos de imagem em Bergson (com ênfase
no conceito de “duração”, signo em Peirce (destacando a “tridimensionalidade” do
sentido) e tempo em Kant (ressaltando o poder da “faculdade de julgar”), focaliza a
narrativa cinematográfica fazendo interface com os problemas da arte, filosofia, técnica
e sociedade. Carta aberta de Woody Allen para Platão (RIVERA, 2006a), um livro
irônico, bem humorado, que apresenta a sala escura do cinema, como uma “caverna
iluminada”, como “kairós”, instante, intervalo e oportunidade para exercício do
pensamento e da ação. Rivera é autor de outros títulos surpreendentes como O que
Sócrates diria a Woody Allen (RIVERA, 2004), em que discute questões extemporâneas
como a ética, o amor, a felicidade, o acaso, a falta de vontade, o pressentimento
inquietante da morte. É autor ainda de Stars War, mais poderoso do que nunca (Rivera,
2006b): um texto que – recorrendo a Platão, Aristóteles, Heidegger, Hegel e outros –
explora os temas da vida, morte, acaso, destino, arbítrio, força, potência, mostrando
como a ficção científica pode conduzir o leitor-espectador a uma rigorosa modalidade
de reflexão filosófica, discurso lúcido e ação afirmativa.
Relembrando Deleuze, há livros para serem lidos como se assiste aos filmes e há
filmes para ser assistidos como se lêem os livros. Nessa direção, há filmes densos,
bonitos e ao mesmo tempo insólitos como Quero ser John Malkovich (Being John
Malkovich, 1999), Vanilla Sky (2001), Brilho eterno de uma mente sem lembranças
(Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004); não são exatamente obras de ficção

164

científica, mas o seu caráter de ficcionalidade pode orientar um debate sobre o universo
paralelo forjado pela arte tecnológica do cinema.
Estes títulos constituem exemplos extraordinários pela forma como evidenciam
as sensações do Ser na sociedade pós-industrial, num mundo em que os referenciais de
espaço e tempo, essência e aparência, identidade e alteridade se modificaram
radicalmente. São sinais evidentes de como o cinema pode instigar os nossos
pensamentos acerca dos pequenos e grandes enigmas da vida; mostram visualmente as
noções que têm sido caras a diferentes filósofos empenhados em discutir o problema da
representação e da simulação, do pós-humano e da realidade virtual, como Jean
Baudrillard (1997), mais assustado e iconoclasta, ou como Deleuze (1990), mais niilista
e provocante. Oscilando entre uma mímese, uma representação fidedigna do real e um
simulacro da dita realidade histórica, encontramos ficções que nos tocam fundo, no que
respeita às noções de identidade e de alteridade, diferença e repetição, autenticidade e
cópia da vida, dos seres, das coisas. O mundo das sci-fi abre as portas, sobretudo, para
uma percepção da parte sublime e a estranheza do Ser no “admirável mundo novo” do
século XXI.

A civilização que vem chegando aposta no super-homem e na super-
humanidade. Teremos supercorpos geneticamente perfeitos,
informaticamente equipados com sensores e próteses, superambientes
isolados dos vírus e das pestes, supersociedades computadorizadas em
que tudo é administrado, corrigido, perfeito. A utopia eleva o místico à
estatura do factível. Superciber é a fantasia do futuro, projeto utópico e
universal para o homem. Mas – como todas as ideologias – não prevê o
furo, o impensável, o assalto do aleatório, do estranho, do “mal”

MARCONDES FILHO, Superciber, 1997, p. 5.

Sexo, afeto e arte tecnológica

Um exemplo radical da experiência simbiótica entre os seres e as tecnologias se
verifica no campo dos afetos, das emoções e da sexualidade, em sua versão cibernética.
Esta circunstância reaparece em toda a sua potência quando ingressamos no
mundo digital dos chats, das salas de bate-papo, em que se inscrevem o amor on line, as
interações, os afetos e as sexualidades virtuais. Concorre para uma elucidação destas
experiências o livro Love on line, do filósofo inglês Aaron Ben-Ze‟ev (2004), fruto de
uma exaustiva pesquisa sobre os amores em rede. Além disso, no Brasil, encontramos
as obras de Rachel Paiva (2000) e Sérgio Porto (1999), a primeira, com um olhar mais

165

clínico, psicanalítico, contempla a experiência da sexualidade digital pelo prisma
conceitual da “histeria”, uma derivação evidente da obra freudiana; já o livro
organizado por Sérgio Porto, filosófico, hermeneuta, é mais compreensivo e liberal, no
exame dos afetos e sexualidades virtuais. Embora tais exemplos possam parecer
dispersos e desfocados com relação ao tema, apontam para o mundo “surreal” que
resulta da simbiose entre a mídia, cultura e tecnologia.
Desde os primórdios, o cinema tem atualizado uma percepção da vida afetiva e
sexual por intermédio dos dispositivos tecnológicos. Neste filão, relembramos o ícone
pop sensual dos anos 60, Barbarella (1968), em que a super-heroína espacial (Jane
Fonda) se recusa a fazer o amor virtual apenas tocando as palmas das mãos dos
parceiros, seduz um belo anjo cego, fazendo explodir orgasticamente uma máquina
sexual. Já em Fahrenheit 451 (1966), o amor é subversivo, como, aliás, também o é na
adaptação (em 1984) do livro de George Orwell, 1984 (2003) e no filme futurista
Gattaca (1997). Em Blade Runner (1982) e Inteligência Artificial (A.I. - Artificial
Intelligence, 2001), perambulam os andróides sexualizados, que sofrem e gozam como
os humanos; em Mensagem pra você (You‟ve got mail, 1998), o fio condutor é o amor
virtual, e os encontros e desencontros amorosos se realizam através da internet; em O
show de Truman (The Truman Show, 1998), não só o amor, mas a própria vida do
protagonista é forjada por uma gigantesca corporação tecnomidiática; em Medo ponto
com (Fear dont com, 2002), um assassino serial aterroriza as suas vítimas por meio de
um site na internet.
Uma fina leitura da condição dos seres humanos nas tramas da realidade virtual
do cinema, que antecipa a ambiência tecnológica do século XXI, pode ser encontrada no
texto de Vieira e Coelho (2004), sintomaticamente intitulado Subjetividade virtual em
nova carne e com o subtítulo “O fim do tempo, espaço e corpo orgânico no sujeito
recriado”, uma análise aguda dos filmes de Cronenberg:

Videodrome e eXistenZ são filmes que se alinham à já tradição crítica de
uma realidade gerada pela tecnologia a partir do pós-guerra e
representada por [vários] autores [...]. Particularmente em relação ao
cinema, os filmes em questão realçam as transformações geradas a partir
de nossa relação com a biotecnologia e a partir do discurso da mídia
contemporânea. Referem- se a um apagamento de fronteiras de gênero e
de suportes tecnológicos de informação, ou entre cultura de elite e cultura
popular; entre o real e o imaginário e, principalmente, entre formas
hegemônicas e experimentais de representação audiovisual. Na era dos
seres de proveta, cyborgs, clones, pele artificial, proteína animal aplicada
em chips e da realidade virtual, o cinema de Cronenberg dramatiza uma

166

espécie de espaço de acomodação para uma nova existência tecnológica.
Através de habilidosa combinação de linguagem, iconografia e narração,
o choque do novo é simultaneamente estetizado e investigado. O
espectador desse jogo acaba habitando e se habituando com um mundo
repleto de alterações cognitivas e figurações poéticas, que refletem suas
próprias configurações sociais, tais como estão sendo construídas e
modificadas pela tecnologia de engenharia genética de ponta
(Vieira e Coelho, 2004, p. 2-3).

O cinema nos habituou às estranhezas mais intimistas da nossa “modernidade
líquida”, em que as identidades não cessam de se multiplicar, se desmanchar, se
reconstituir. As experiências de construção, desconstrução e reconstrução das
identidades, no contexto das mídias e das sociedades (pos)industriais e tecnológicas, já
prognosticadas por Walter Benjamin, principalmente em seus estudos sobre a obra de
Baudelaire (BENJAMIN, 1989). Tais experiências têm sido revisitadas – em diferentes
registros – por autores como Bauman (1998), Hall (2002), Giddens (2002), que buscam
os indícios, os sinais, os espectros geradores das formas de agregação e exclusão social.
Estes estudiosos nos ajudam a perceber como o cinema, iconicamente, imagetiza as
identidades individuais e sociais.
Persiste um certo consenso dentre os intelectuais, “leitores imersivos” dos cult
movies de ficção, quanto ao fato de termos nos tornado “estranhos a nós mesmos”
(KRISTEVA, 1994), de experimentarmos as emanações de “um exotismo interior”
(GUILLAUME, 1989).
Esta nova (des)ordem, tão sensível e evidente nos tempos dos realities shows, da
vida digital, do amor virtual, do Ser no ciberespaço, pulsa na espessura estética e
mitológica do cinema, desde as suas origens, e daí podemos tirar alguns ensinamentos.
O medo, a coragem, o horror, a compaixão imaginados visualmente e
acusticamente nestes filmes nos habituaram a uma ética-estética afirmativa.

Ética e estética do cinema na era do virtual

A sétima arte, desde o período da alta modernidade industrial, constitui um lócus
privilegiado para decifrarmos o sentido da natureza afetiva, psicológica e cognitiva de
nossas extensões tecnológicas. Isto resplandece em obras ficcionais “já antigas” como O
dia em que a terra parou (The day the earth stood still, 1941), Poltergeist, o fenômeno
(Poltergeist, 1982) e O exterminador do futuro (Terminator, 1984). Aparece estética e
filosoficamente mais elaborado em obras complexas como Quero ser John Malkovich

167

(Being John Malkovich, 1999). No filme, os seres humanos chegam às ultimas
conseqüências, em suas pulsões narcisistas e crises de identidade, entrando literalmente
na cabeça do Outro, projetando-se organicamente na essência mitológica de um ídolo,
no caso, o ator John Malkovich, ele próprio tornado personagem de ficção. O mesmo
ocorre com a película Brilho eterno de uma mente sem lembranças (Eternal Sunshine of
the Spotless Mind, 2004): psicologicamente profundo, crítico, problematizador, mostra
a relação de um casal que optou por se utilizar de dispositivos tecnológicos para
modificar as suas memórias afetivas e sexuais, fazendo com que cada um dos pares se
esquecesse das mágoas e decepções recíprocas.
De forma mais extrema, o poder das máquinas de virtualidade, da inteligência
artificial atuando sobre a vida dos humanos, mostra-se, com evidência, no espanhol
Preso na escuridão (Abre los Ojos, 1997), refilmado por Cameron e interpretado por
Tom Cruise (Vanilla Sky, 2001): aqui, o avanço da engenharia genética torna possível o
ser humano usar a tecnologia para interferir nos processos de longevidade, prolongando
o tempo de vida, forjando a própria imortalidade.
Observando as estruturas básicas das narrativas do cinema de ficção científica,
encontramos os termos de uma antropológica da comunicação, em que as imagens da
vida, do trabalho, da linguagem (Foucault, 1990) são projetadas numa modalidade de
memória afetiva que, de longe, do passado histórico-ficcional, pode orientar os
indivíduos no século XXI. Os filmes que já eram futuristas, desde as origens do cinema
de ficção, podem ser vistos como simulacros fundamentais para visualizarmos e
discutirmos as formas do ethos, ética, educação, habitus, consciência, os modos da
percepção e dos afetos vigentes hoje, na época da cibercultura. A formação de um
“ethos midiatizado” (SODRÉ, 2002), um ethos tecnológico, norteador do estilo de
conduta diante de si, do outro, do meio ambiente, constitui um novo dispositivo
sociotecnológico que impõe desafios para os filósofos, estetas, antropólogos e
sociólogos contemporâneos.
São importantes, neste sentido, autores-leituras atentos para a potência da razão
sensível e inteligência afetivo-sensorial; ver então, as obras e textos de Maffesoli
(Lógica da razão sensível), Kerckhove (A pele da cultura), Di Felice (Pós Humanismo),
entre outros.
E a propósito, um olhar crítico, sagaz e humorado sobre o homem dominado,
que escapa do mundo controlado pelos processos midiáticos, impõe-se vigorosamente,
em filmes com finais surpreendentes como O show de Truman (1998), visto por

168

Baudrillard como hors d’oeuvre que supera - de longe - Matrix, ideologicamente e
esteticamente, com trilha sonora de Philip Glass.

As novas técnicas de informação e de comunicação são mais que
instrumentos, próteses, ou extensões dos nossos sentidos. Internet,
ciberespaço e realidade virtual são novas maneiras de integração homem-
máquina: a máquina é o novo ambiente das nossas experiências. Nesta
integração que é um movimento entre seres biológicos e seres
maquínicos, corpo e pensamento, matéria viva e inerte, carne e silício,
nossas referências tradicionais se vêem fragilizadas e talvez só possamos
compreender o que se passa recorrendo às lições de filmes como Blade
Runner ou Gattaca (TUCHERMAN, 2004, p. 2).

Em se tratando do ciberespaço, existem autores importantes, no campo da
comunicação e suas interfaces com os campos da arte, técnica e sociedade, aptos a nos
esclarecer acerca da cultura audiovisual, para além da hegemonia do mercado global das
imagens. Esboçamos algumas referências do pensamento estético e comunicacional, que
tem procurado se aproximar dessa cultura emergente e em permanente estado de
transformação: Jameson (1995), Hutchon (1989), Youdice (2004), Barbéro e Rey
(2001), Sodré (2002), Machado (2002), Santaella (2004), entre outros, partindo de
perspectivas distintas, têm contribuído para um esclarecimento acerca dessa hibridação
em que se mesclam a cultura massiva, a cultura midiática e a cibercultura.

Para entender as tramas do mundo virtual

Sendo este um texto de cunho ensaístico, detemo-nos no campo da especulação,
e por esse prisma uma miríade de questões se inquieta, solicitando-nos uma reflexão:
Quais os suportes teóricos, metodológicos e epistemológicos para revisitarmos
rigorosamente a experiência cinematográfica, quando esta se volta para uma imaginação
do futuro? E, mirando o cinema, como poderíamos entender as relações ocorridas no
domínio híbrido, em que se entrecruzam os seres, as mídias e as tecnologias? O cinema
tem sido fidedigno na representação (e simulação) das inserções vivenciais, históricas,
“reais” dos indivíduos no domínio do ciberespaço, da realidade virtual, da engenharia
genética, da clonagem humana? Mendonça Filho (2004), Oliveira (2004), Oppermann
(2001), Panzenhagen (2001), Quintana (2004), Rivera (2006a; 2006b) são estudiosos,
críticos, estetas e cinéfilos que, a partir de diferentes lugares de fala, têm lançado novas
luzes sobre essas e outras questões, que perpassam as dimensões do cinema, sociedade e
cultura tecnológica.

169

Partimos de uma perspectiva que entende o cinema como um vetor edificante
para discutirmos o enigma da condição pós-humana e a sua inserção no futuro – que já
se tornou presente. Enfocarmos as vivências eletrônicas, as inscrições e contingências
do Ser nos universos paralelos, virtuais, hiperrealistas nos parece instigante: este é um
dos caminhos pelos quais podemos entender os traços psicológicos e sociais, as formas
das identidades (e identificações) individuais, sociais, culturais contemporâneas.
Uma estratégia eficaz consiste em explorar o universo das obras de ficção, que já
possuem uma história no imaginário ocidental e que não cessam de se refazer,
mostrando e antecipando novas virtualidades e realidades pouco compreensíveis fora do
âmbito da arte e da comunicação estética. Estas experiências podem ser vislumbradas ao
assistirmos aos filmes como Hackers, piratas de computador (Hackers, 1995), Johnny
Mnemonic, (Johnny Mnemonic, 1995), A rede (The Net, 1995), Gattaca (1997), O
homem bicentenário (The Bicentennial Man, 1999), Minority Report (2002).
Nos interstícios da arte, da linguagem e da comunicação aprendemos – com a
fina ironia de Umberto Eco (2006) – a rir dos radicais, apocalípticos e integrados, dos
bombeiros e incendiários. Após o estouro da cultura de massa e explosão da cultura das
mídias, no alvorecer da cibercultura, um desafio se impõe ao olhar contemporâneo:
mirar dialogicamente as imagens, compreendendo como a “memória do futuro”, forjada
pelo cinema, pode instigar uma imaginação criativa e vigilante acerca da realidade
histórica e virtual contemporânea.
Buscando explorar um tema específico como este, focalizando as interfaces do
cinema, a realidade ficcional, a cibercultura e o mundo virtual, encontramos o
interessante livro-tese de Adriana Amaral, Visões perigosas, uma arque-genealogia do
cyberpunk. Comunicação e cibercultura (2006), uma varredura profunda da temática
cyber, cuja apresentação de Erick Felinto se mostra esclarecedora:

Muito mais que imaginação de um futuro possível, a narrativa de ficção
científica tem se apresentado como uma ferramenta valiosa para entender
o nosso presente, inevitavelmente tecnológico e possivelmente pós-
humano. O livro de Adriana Amaral nos apresenta, com competência e
clareza, uma análise culturalista e estética da ficção cyberpunk em suas
relações com determinadas tendências da tecnocultura contemporânea.
Em Visões perigosas, penetramos em territórios nebulosos, estranhos e
inquietantes, mas, sem dúvida, sedutores. Talvez, de fato, já estejamos
vivendo no mundo imaginado por Philip K. Dick, o Virgílio que conduz
Adriana pelas ora paradisíacas e utópicas, ora dantescas e apocalípticas
paisagens dos novos territórios tecnocientíficos. Mapear esse espaço
cultural, com seu imaginário e suas inclinações estéticas – na música,
literatura, cinema – é a tarefa árdua que se propõe a autora

170


FELINTO, 2006..


Para concluir

A perspectiva de contemplar o cinema como um dispositivo estético e
epistemológico ainda é recente em nosso trabalho; por isso mesmo, buscamos lhe dar a
forma de ensaio, trabalhando com noções e conceitos que são provisórios, pois tratam
da cultura em processo. A memória do futuro no cinema tem longa data, mais a sua
atualização na era digital é recente. O importante é situar desde já que as leituras
imersivas do cinema, que nos envolve inteiramente pelo viés do sensível, do inteligível
e do sensorial, são formas privilegiadas de acesso ao conhecimento.
Recorremos às imagens e metáforas, igualmente importantes na elaboração
científica, sempre tentando decifrar as especificidades das relações entre os seres e as
máquinas, a realidade histórica e a realidade ficcional, o mundo real e o mundo virtual.
Encontramos aqui um pretexto para repensar a imaginação do futuro realizada
no cinema, entendendo que este manifesta tanto as formas da ideologia, quanto da
utopia, e os cineastas, como os poetas e os filósofos, são também profetas e visionários.
Isto se mostra em filmes de horror kitsch, como o repelente Alien, o oitavo passageiro
(Alien, 1979) e num registro oposto, o doce e quase inocente E.T. - O extra-terrestre
(E.T.- The extra-terrestrial, 1982). O cinema é singular ao exercer o seu poder de criar a
sensação de liberdade, dar evasão à vontade de sonhar e de despertar, ao construir
magníficos paraísos artificiais, em que podemos penetrar e escapar com desenvoltura.
O instante eterno do cinema cintila triunfante nos filmes inesquecíveis de
Kubrick, Riddley Scott, irmãos Wachowski e Cameron; todos estes indicam o que há de
mais vivo na “cultura da virtualidade real”. Para além do princípio da ficcionalidade, o
cinema de ficção escancara uma enorme visibilidade das coisas amadas, sonhadas e
realizadas. Numa palavra, diríamos que o cinema tem o poder extraordinário de traduzir
o grande enigma humano, o mistério da luz e a vontade de transcendência.
Numa revisão atualiza deste texto, caberia incluir na presente classificação o
filme Avatar (James Cameron, 2010). E particularmente, gostaríamos de anotar a
modesta, sublime e incisiva leitura-interpretação da obra Avatar – O futuro do Cinema e
a Ecologia das Imagens Digitais (2010), um trabalho a quatro mãos, de Erik Felinto &
Ivana Bentes (2010).

171


“Livros como este também pressupõem uma leitura acelerada, mas é
justamente esse ciclo de respostas rápidas e não distanciadas que permite
a comunicação e o diálogo sobre fenômenos que ainda estão vivos na
cultura. Por isso mesmo, os ensaios de Erik Felinto – centrados nas
relações entre tecnologia e imagem - e de Ivana Bentes – discutindo
questões de biotecnologia e poder – podem ser lidos como provocações
ao pensamento e como tentativas de tornar presente uma discussão que
parecia superada pelo tempo da indústria e do consumo. Assim, como
Rimbaud dizia amar as “pinturas idiotas” e extrair delas uma “alquimia
do verbo” (MÜLLER, 2010).

A cada dia aparecem mais filmes contemplando a odisséia das imagens
prenunciando e atualizando a memória do virtual no cinema. Assisti-los, descrevê-los e
comentá-los correspondem a expectativas e necessidades distintas. Aqui, sob o signo de
Hermes, o vidente, o mediador, caberia enunciar alguns dos pequenos sustos e
maravilhas que seduzem e alertam o espírito dos e-leitores-cidadãos-espectadores. Para
além da função crítica e interpretativa, cumpre demarcar pontos de vista e lugares de
fala atentos às metamorfoses que se realizam dentro e fora da tela. E é isto um pouco
que fazemos aqui, criando um pretexto para pensar a nossa condição, numa era líquida,
hipermoderna, pós-metafísica, em que partilhamos nossas experiências públicas e
privadas com os avatares, nossos semelhantes pós-humanos.

172

12



“Quem matou Odete Roitman?” - Vale Tudo nas Redes Sociais?



Após mais de meio século de atuação, no contexto da cultura audiovisual, as
telenovelas se tornaram um fenômeno importante no imaginário coletivo e no mercado
internacional, atraindo a atenção da academia. A prova disso é que grandes expressões
do pensamento social brasileiro tais como Muniz Sodré (1991), Marcondes Filho
(1986), Janine Ribeiro (2005), entre outros, fizeram valiosas contribuições sobre o tema.
A partir dos anos 80, surgiram estudos sinalizando um reconhecimento da
perspectiva teórica da recepção, como Leitura social da novela das oito (LEAL, 1985).
De fato, verificamos uma curva no trajeto epistemológico da comunicação com
o estudo das mediações, a partir da contribuição de Martin-Barbéro, com o livro Dos
Meios às Mediações (1987). Este tipo de análise, orientado pelos “estudos culturais”, se
amplia com as investigações de Canclini (1998) e Orozco (2002), que impulsionaram os
intelectuais latino-americanos a reconsiderar a importância do consumo da
teledramaturgia por vários estratos da audiência brasileira, assim como a dinâmica
interativa das práticas socioculturais.
Nessa esteira, encontramos trabalhos instigantes como O potencial dialógico da
televisão (MATTUCK, 1997), O fascínio de Sherazade (ANDRADE, 2003) e a
pesquisa de fôlego Vivendo a telenovela (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2000): um
esforço de monitorar o modo como as diversas classes sociais assistem às telenovelas, e
como a “realidade imaginada” no universo da ficcão na TV se mescla à própria
realidade de milhões de pessoas, que interagem ativamente com os personagens, temas e
situações ficcionais.
O grande público se habituou a tirar proveito dessas narrativas, fazendo sempre
novos usos e apropriações das mensagens. E, com efeito, a telenovela, como uma
modalidade de “obra aberta”, sempre teve o seu roteiro modificado a partir da recepção,
aceitação, recusas e pactos de leitura por parte da audiência. O prisma teórico da
recepção, das mediações e dos estudos culturais ultrapassa os programas teóricos da
escola funcionalista, da Escola de Frankfurt e do estruturalismo francês. Funda uma
nova concepção de cultura, mídia e consumo, num carrefour teórico-metodológico

173

muito rico, em que confluem os fluxos pensantes do “interacionismo simbólico”, dos
“cultural studies”, “teorias da enunciação” e “estética da recepção”.
Procuramos examinar as interrelações entre a teledramaturgia e as e mediações
realizadas pelos receptores por meio das redes sociais. Ou seja, observamos um produto
já consagrado no contexto da cultura popular de massa, que, migra da televisão aberta
para outros suportes midiáticos, como a TV paga, o DVD, a internet.
Mirando a telenovela Vale Tudo, que discute basicamente “se vale a pena ser
honesto num país de corruptos”, e verificando que esta foi ao ar em 1988 (antes dos
caras pintadas e do impeachment do Presidente Collor) e que retorna ao espaço
audiovisual no ano de 2010 (no fim da gestão do Presidente Lula, após a denúncia dos
“mensalões”), encontramos insights para repensar o tema da corrupção e as interfaces
da mídia, ética e sociedade.
Exploramos os contratos simbólicos efetivados entre a imaginação criativa dos
espectadores-internautas e os conteúdos midiáticos, buscando perceber como as
narrativas televisuais geram modos críticos e competentes de leitura e conversação,
migrando para os blogs e sites, como o YouTube, Facebook, Twitter, Orkut.
Contemplamos os estilhaços da telenovela Vale Tudo no ciberespaço, onde se
processam novas leituras e interpretações dos seus conteúdos temáticos. Neste ambiente
de pluralidade, negociação e complexidade, tanto no nível pragmático quanto
epistemológico, encontramos a oportunidade para extrair sentido de um produto
midiático e cultural tão controverso como a telenovela Vale Tudo.
Encontramos um blog crítico sobre a novela, mostrando como o seu roteiro
focaliza as mazelas nacionais, a corrupção, a violência, a injustiça social, a falta de
educação, de ética e solidariedade. Migrando dos padrões da indústria cultural para uma
instância pós-massiva e segmentada, a ficção seriada, em novo formato e a partir de
novas leituras, nos dá a chance de perceber as simulações que faz do real, a partir das
novas sociotecnologias do olhar.

Na primeira semana, a reprise levou o Canal Viva à liderança do
Ibope da TV paga. No horário alternativo, ao meio-dia, só perde para os
infantis. (...) Tanto sucesso surpreendeu até Letícia Muhana, diretora do
Viva. "Tínhamos pesquisas apontando que o público queria programas da
década de 80 para trás. Escolhemos 'Vale Tudo' porque foi marcante, mas
nos espantamos com esse tsunami." (...) Essa é a segunda vez que "Vale
Tudo" é reprisada. A primeira foi em 92, no "Vale a Pena Ver de Novo".
Mas dois fatores tornam a reapresentação atual mais badalada: "Quatro
anos foi um tempo curto, havia uma ressaca da novela, que foi

174

avassaladora. E hoje há as redes sociais da internet, fundamentais para
esse sucesso."
MATTOS, Folha.com, 31.10.2010.

Para demonstrar a importância desta obra na imaginação popular e explicitar
como a sua narrativa extrapolou o âmbito da esfera estritamente midiática, irradiando-se
nos interstícios socioculturais, na espessura da organicidade cotidiana, mapeamos
algumas informações pertinentes. Assim, apresentamos um percurso que evidencia as
intersecções entre o plano da ficcionalidade (e midiatização social) e o plano da
recepção e das mediações sociais colaborativas.

O Brasil inteiro parou em 1989 para saber quem matou Odete
Roitman (em pleno sábado de Natal). (...) Houve até um concurso,
patrocinado por uma indústria alimentícia para premiar quem acertasse o
nome do assassino. (...) Apesar de vilã, a personagem conquistou grande
popularidade. Beatriz Segall conta que depois que personagem foi
assassinada na trama, uma agência de publicidade criou uma campanha
para uma companhia de seguros, na qual, sob uma foto da atriz, lia-se a
frase: “Nunca se sabe o dia de amanhã. Faça seguro.” (...) Vale Tudo foi
exibida em mais de 30 países, entre os quais Alemanha, Angola, Bélgica,
Canadá, Cuba, Espanha, Estados Unidos, Itália, Peru, Polônia, Turquia e
Venezuela. (...) Em Cuba a novela fez tanto sucesso que “Paladar”, o
nome dos estabelecimentos gerenciados por Raquel, passou a designar os
pequenos restaurantes privados que acabavam de ser inaugurados no país,
depois da abertura econômica dos anos 1990

Dicionário da TV Globo, 2003.

O desafio que se coloca é acompanhar a transfiguração de um produto midiático,
exemplo de uma experiência linearmente “comunicativa”, forjada em moldes industriais
e tipicamente massivos, que passa a se constituir numa “experiência comunicacional”,
como distingue Muniz Sodré (2002). Ou seja, extrapola a sua contingência de mero
produto da cultura de massa e se transfigura num produto da “cultura midiática”, mais
dialógica, polifônica e interativa, mesmo antes do computador (SANTAELLA, 2003).
Isto se tornou possível após a expansão dos objetos técnicos, como
videocassetes, gravadores, controle remoto, que autorizam um novo modo de uso (de
recepção, assimilação e mediação) por parte dos telespectadores, consumidores,
pesquisadores.
Logo, os fenômenos midiáticos e comunicacionais se tornam mais evidentes na
cena pública, proporcionando estudos mais sistemáticos a partir de uma empiricidade
surgida através da comunicação interativa, gerada pelas redes sociais. Após a internet e
a comunicação digital, precisaremos reformular tudo aquilo que conhecíamos em

175

termos de “indústria cultural”. Um caminho pode ser pela teoria (e estética) da
recepção, das mediações socioculturais, mirando os “contratos de leitura” e
“interacionismo simbólico”.
Percebemos a partir dos anos 90/00, com a inserção social dos computadores e
outros dispositivos de mídias locativas (celulares, palmtops, laptops), uma experiência
na história da comunicação em que os papéis dos autores, leitores e telespectadores se
intercambiam, solicitando reajustes conceituais e metodológicos.

O consumo, a comunicação colaborativa e a configuração do método

Buscamos sustentar uma argumentação procurando refletir sobre a seguinte
questão: podem as mídias interativas promover elementos argumentativos e
comunicacionais contribuindo para a elevação do debate sobre a ética, a cognição, a
percepção estética e a inteligência coletiva, no contexto da vida cotidiana?
Após uma longa busca, capturamos vários suportes informacionais, dentre os
quais site “M de Mulher”, da Editora Abril. E notamos que este traduz antes uma
“celebração dos prazeres da audiência” (RONSINI, 2008, 20), do que uma crítica da
manipulação e programação da percepção estética e da cognição pela retórica da
ficcionalidade.
O site prima na disponibilização de fotos dos personagens e não disfarça a sua
apologia à espetacularização midiática por meio de uma retórica esvaziada de sentido e
floreada com frases de efeito, expressas no título, e subtítulo da matéria, num texto
curto, que serve como legenda da grande foto da personagem Odete Roitman:

“Vale Tudo: a novela que mostrou a cara do Brasil (...) é sucesso absoluto
mesmo quando é reprisada. A trama de Gilberto Braga apresentou
personagens que são lembrados até hoje. (...) Uma senhora vilã. Rica e
esnobe, Odete Roitman desprezava os pobres e dizia ter vergonha do
próprio país. Era a vilã que todos amavam odiar. O mistério envolvendo o
seu assassinato parou o Brasil”.

Site “M de Mulher”, Novelas e Famosos, 29.10.2010.

Não se pode observar um dispositivo de mídia digital como este, sem considerar
o seu caráter de provisoriedade, que de certa forma traduz o estado da arte da
comunicação numérica contemporânea, sem reconhecer o nível de gratificação que
oferece aos seus usuários. Na perspectiva de uma teoria da recepção, este produto deve

176

ser compreendido num contexto sociocultural em que as iconicidades e figurações das
celebridades satisfazem às idolatrias pós-modernas, como aponta Maffesoli (2008),
Barthes (1982) e Baudrillard (1997), estudando as mitologias de sua época, e de
maneira semelhante, Certeau, celebrando “as invenções do cotidiano” (1996).
É esta a intenção do trabalho: agrupar, contrapor, criar espaços dialógicos,
acolhendo perspectivas distintas. Por este ângulo, podemos conceber virtuais modos de
diálogo e aproximação entre a academia, as comunidades e o mercado, que
compreendem as manifestações artístico-culturais distintamente.
O volume de acessos, postagens e recomendações registrados no website atestam
o gosto dos leitores-fãs-assinantes, que se dedicam a contemplar, colecionar e
compartilhar as imagens eleitas dos “olimpianos”, como escreve Morin (1989). Caberia
respeitarmos as escolhas das “comunidades de afeto” reunidas em torno dos ícones e
mitos, banalidades, frivolidades e efemeridades da sociedade digital.
De maneira similar podemos apreciar no site da UOL, a introdução do Quiz:
Quem é você na novela “Vale Tudo”? Ali os internautas são convocados a encarnar a
pele dos ídolos, personagens imaginários, dos avatares da trama. E os inúmeros acessos,
identificações e incorporações surpreendem apenas aqueles não-leitores de Bauman, o
filósofo da “modernidade líquida” (2001; 2005), que explica o estado atual dos
fenômenos éticos e psicossociais, identidades nômades, relações efêmeras, numa era de
extrema aceleração e velocidade, que não permite enraizamentos e identificações
duradouras.
E, num outro registro encontramos avaliações críticas, em meio às
intersubjetividades e interações do ciberespaço. Vejamos, nessa linha, a argumentação
crítica do jornalista Maurício Stycer acerca do conteúdo temático:
De volta à telinha, pelas mãos do canal Viva, da Globosat, “Vale Tudo” está
obtendo bons índices de audiência na TV paga, o que não significa muita coisa,
causando frisson nas redes sociais, em especial o Twitter, e animando conversas na
madrugada –a novela é exibida à 0h45 e reapresentada às 12h. ( STYCER, site UOL -
Televisão, 2010).
O comentário acima possui relevância em nossa análise, não apenas pela
informação acerca do retorno triunfal da telenovela após 22 anos, desta vez na era da
TV Digital, mas por outros motivos:
A sua reportagem (de teor crítico) se instala num ambiente hipertextual, abrindo
a possibilidade para os leitores-usuários-telespectadores fazerem suas próprias

177

mediações, intervindo com novos comentários, através das ferramentas de
convergência, como o Orkut, YouTube, Facebook, Twitter. Este fato não pode deixar de
trazer conseqüências para os estudos de arte, mídia, mediações e vida cotidiana. Os
“sistemas de resposta”, gerados pelos internautas, conforme escreve Braga (2006), por
sua vez, serão capturados, comentados, refutados, respaldados. A interação mútua
criada pelo site permite aos leitores-usuários-telespectadores agenciarem mecanismos
de interpretação do conteúdo temático da narrativa, ou seja, o problema da ética,
corrupção, narcisismo e falta de solidariedade. Isto transparece no depoimento do
dramaturgo Gilberto Braga:

Vale Tudo nasceu da (...) distorção – presente em praticamente
todo o país – dos que acham que quem não é corrupto é babaca. Foi a
única novela em que, antes de ter a história, eu já tinha a temática. Eu
queria fazer uma novela sobre o seguinte assunto: “Vale a pena ser
honesto num país onde todo mundo é desonesto?” Foi uma novela muito
didática.
STYCER, ibidem.

Entretanto, próprio colunista lança o mote para uma reflexão dialógica acerca do
ethos subjacente à organização discursivo-imagética da trama:

O depoimento ajuda a entender o que não gostei ao rever o
capítulo 29 de “Vale Tudo”. É uma novela destinada a vender uma
“mensagem” de cunho moral, escrita didaticamente. Gilberto Braga
acreditava que, na exposição exagerada da maldade dos personagens,
estaria dando uma lição ao público. Isso inclui até a famosa “banana” que
o vilão Marco Aurélio dá no final da novela, ao escapar impune. Vista
hoje, “Vale Tudo” me pareceu engraçada e divertida, mas boba. É
politicamente incorreta, mas esta qualidade fica em segundo plano diante
dos exageros cometidos e ditos para chamar a atenção do público.

STYCER, ibidem.

Ao nível das mediações tecno-sociais realizadas em rede, a experiência
amadurece a partir da polifonia dos comentários dos leitores-internautas,
disponibilizados nas 34 postagens do twitter e das 51 recomendações no Orkut. Um
exame detido destes expedientes interativos nos traria elementos instigantes para
entendermos esta modalidade de comunicação colaborativa. Mas aqui não há lugar nem
tempo para isso. O que importa mesmo é perceber como as hibridações e convergências
geradas pelo hipertexto modificam o estilo de leitura, recepção e interação por parte dos
telespectadores, e como as interpretações do problema da ética e das moralidades
vigentes atravessam o corpo da narrativa.

178

Os blogs, as interações e subversões de Vale Tudo

Das Actas Diurnas de Júlio César, na Roma antiga, passando pelos tipos móveis
de Gutemberg, chegando aos blogs da internet, uma revolução inteira aconteceu, no que
respeita ao modo de produção, circulação e consumo das informações.
Após uma busca na Web, esperando apreender as leituras das notícias sobre Vale
Tudo no contexto das mídias interativas, encontramos o blog de Danilo Thomaz,
“Crônicas da Vida Financeira”. Uma modalidade de comunicação interativa que prima
pela inteligência e criatividade conectadas, com rigor analítico, resgate histórico e
tratamento da informação. Este especialista em Jornalismo Econômico compartilha com
os seus leitores-colaboradores uma interpretação da novela Vale Tudo, selecionando os
temas relativos ao contexto econômico-financeiro do período em que a teledramaturgia
foi realizada. E, em última instância nos leva a refletir sobre o contexto socioeconômico
e político atual.

“Um país arrasado, em que os personagens vivem assombrados pelo
desemprego, desestabilizados pela inflação e açoitados pela descrença de
um futuro no país que levou 20 anos para sair de uma ditadura e acordou
numa profunda crise econômica”. Os ricos – esnobes, corruptos e
alineados – passam o dia à beira da piscina – sustentados pelos
rendimentos da inflação – e as noites em festas. Os que trabalhavam,
viviam entre negociatas, críticas mordazes ao Brasil. Os pobres são
tensos, têm medo de perder o emprego e passar por sérias dificuldades. O
preço do pão, da carne, do leite é o assunto deles à mesa, que agradecem
a Deus por ainda ter o que comer. Um dos poucos personagens com
formação superior – paga com toda dificuldade do mundo pelo seu pai –,
Ivan deixou o emprego em São Paulo para trabalhar numa empresa
carioca que lhe pagaria mais. Ao chegar para o seu primeiro dia de
trabalho, descobre que 90% dos funcionários foram demitidos. Ele
inclusive. A partir daí, Ivan luta para conseguir um emprego que pague
suas contas e a pensão para seu filho, já que sua ex-mulher, Leila (Cássia
Kiss), nega-se a trabalhar como vendedora de loja. Como quase ninguém
consumia naquele país de economia fechada e hiperinflação, ela não
achava um bom negócio passar o dia em pé. Ivan, porém, tem que se
defrontar com um grande obstáculo em sua tentativa de voltar ao mercado
de trabalho: a sua formação. Ao omitir que fez faculdade, consegue vaga
como assistente de telégrafo na TCA, a empresa de aviação de Odete
Roitman. A música de abertura era Brasil, de Cazuza, que ilustra o país
arrasado pela hiperinflação, estagnação econômica, abismo social,
desordem, obsolescência política e desamparo é o clássico de
Gonzaguinha, “É”.

Blog - Crônicas da Vida Financeira, 18.10.2010.

179

O Blog de Thomaz Possui um alto nível de interacionalidade. Além de usar os
recursos técnico-interativos do site, como espaços para postagens dos comentários,
assim como visualização das postagens dos visitantes e os demais utilitários que
permitem várias formas de compartilhamento, permite o acesso ao Youtube com as
imagens de sons da cantora Simone, interpretando a canção protesto de Gonzaguinha.
Parte do roteiro sentimental do Brasil está na trilha sonora das telenovelas,
assimilando a poética das canções populares, e isto é resgatado e distribuído pelo
YouTube.
Barbéro e Rey, no opúsculo Exercícios do Ver (2001), elaboram uma reflexão
pertinente, ajudando a decifrar a experiência tecnocomunicacional, realizada pela
disponibilização dos sites de vídeos nos blogs. Os autores apontam para especificidade
da conjunção, em que a “oralidade” (das culturas pré-industriais) e a “tecnicidade” das
culturas (pós) modernas concorrem para a configuração de formações culturais híbridas,
redefinindo “novos” estilos de identificação pelos telespectadores-usuários-cidadãos.

O YouTube: convergência minimalista, tecnologia da interatividade

A invenção e popularização do site de vídeo YouTube significa uma grande
transformação nos processos de criação, circulação e consumo dos audiovisuais.
Ocorreram mutações relevantes também no que se refere especificamente ao problema
que tratamos aqui, a migração dos conteúdos da TV analógica para a sua versão digital.
A telenovela Vale Tudo, doravante, segmentada nos labirintos da cultura digital,
proporciona modalidades inéditas de interação mediada por computador (PRIMO,
2007). Por essa via, os telespectadores-internautas-pesquisadores poderão ter livre
acesso aos conteúdos do fechadíssimo domínio do broadcasting.
Os processos de transmigração e compartilhamento dos episódios de Vale Tudo,
pelos diversos procedimentos sociotécnicos propiciam modificações marcantes na
ambiência comunicacional. Isto se dá, primeiramente, através da sua transcodificação
das fitas de videocassete para a linguagem digitalizada, em seguida pela captura de seus
capítulos, em alta definição, durante a sua exibição no canal GNT, e posteriormente,
pela “redistribuição” realizada por hackers e especialistas em informática. Este
fenômeno deverá – futuramente - ser incluído numa história dos tempos remotos das
mídias e das mediações.

180

A operação rompe as barreiras do sistema midiático tradicional engendrando
processos inéditos de interacionalidade, e modalidades originais de mediações, novos
processos intersubjetivos e interativos. O YouTube promoveu a democratização da
informação e da comunicação, assim como originou o nascimento de novos estilos de
“cidadania digital “e de “comunidades virtuais” (RHEINGOLD, 1996).
Este tipo de site é guarnecido por utilitários operacionais, que permitem a
realização de convergências midiáticas, interligando os atores sociais através do e-mail,
Twitter, Facebook, etc. e outros dispositivos formadores de redes sociais.
Esta experiência pode ter várias designações, como “cultura de convergência”
(JENKINS, 2008), “cultura de interface” (JOHNSON, 2001) ou “cultura da virtualidade
real”. O fundamental é reconhecer que se trata de uma experiência geradora de
empoderamento social (CASTELLS, 1999; 2009).
A GloboSat está atenta para os “riscos” econômicos e políticos trazidos pelas
mídias (e mediações) colaborativas e pelas tecnologias de compartilhamento.

Às pressas, dois departamentos se mobilizaram. O comercial criou cotas
de patrocínio para a novela, a pedido de anunciantes. E o jurídico se arma
contra a pirataria dos capítulos na internet.

MATTOS, Folha.com. 31.10.2010.

Novos procedimentos infocomunicacionais se encontram em marcha e
demandam “estratégias financeiras”, jurídico-administrativas (da parte das empresas) e
também “ajustamentos” políticos (da parte da sociedade civil), pois atinge a esfera da
economia-política, dos direitos autorais, dos interesses mercadológicos.
Tudo isso tem sido enfrentado por pesquisadores em defesa do “software livre”,
dos “creative commons”, da liberdade de expressão, do livre fluxo da informação (cf.
ANTOUN, 2011; SILVEIRA, 2011; LEMOS, 2004; MORAES, 2010).
Cumpre examinar como a infocomunicação tem gerado estilos de recepção,
mediação e interacionalidade, através das redes sociais que revigoram o espaço público,
estimulando o empoderamento e a cidadania digital.
O YouTube é um potente vetor de desconstrução das estruturas cristalizadas, do
sistema midiático (o broadcasting) e – ao mesmo tempo – um motor de processos
comunicacionais imprevistos, inovadores, interativos, que mobilizam novas
iconicidades a serem compartilhadas na esfera pública digital.

181

O site disponibiliza paródias, sátiras e carnavalizações, virando do avesso a
programaticidade do sistema midiático hegemônico
97
. Nessa perspectiva podem ser
ilustrativos os vídeos da novela Vale Tudo, fazendo a derrisão dos vilões e mocinhos.
Os vídeos com as imagens de Heleninha Roitman, a personagem alcoólatra de
Renata Sorrah, compartilhados na internet, multiplicam a potência comunicacional do
YouTube, devido aos acessos, exibições e comentários interativos, que chegam à casa
dos milhares!
As cenas da morte da arquivilã Odete Roitman atingem altos números de
visitação, como as paródias e sátiras a respeito da personagem. O mesmo ocorre com as
imagens de Marco Aurélio (Reginaldo Farias), na pele do empresário desonesto.
Uma proliferação dos acessos e compartilhamentos dos vídeos ocorre a partir
das postagens com as cenas da vilã Maria de Fátima, que rouba a mãe, trai a amiga,
tirando-lhe o namorado, articula a separação da mãe e o seu parceiro, trai o marido com
seu amante charlatão, vende o próprio filho e se casa outra vez, por interesse,
performatizando um dos primeiros triângulos amorosos na história da teledramaturgia.
Caberia aqui problematizarmos a dimensão dos afetos, o ethos, os valores
afirmativos e regressivos, a percepção estética e cognitiva que se irradiam, sendo
recepcionados e mediados por milhares de fãs, telespectadores, internautas. Mirando um
aparato sociotecnológico como o YouTube, apostamos na necessidade de promover o
diálogo entre a inteligência sensível dos internautas e a tecnologia inteligente do
ciberespaço. Dependendo do uso que os sujeitos fizerem desta conjunção, podem
formar um juízo crítico, sem deixar de interagir tecnoafetivamente com a dimensão
lúdica, poética e catártica da obra.
No cruzamento da afetividade e a tecnicidade, surge o que Sodré chama de
“ethos midiatizado” (2002). E essa “ética-estética” não pode ser vista apenas
regressivamente.
Um uso competente das conjunções sociotécnicas, sensório-afetivas, antropo-
informacionais pode elevar a otimização das comunidades virtuais dos usuários-
telespectadores-cidadãos.




97
Convém buscar, neste sentido, o estudo de FELINTO (2007) sobre o YouTube como paródia.

182

O FaceBook, o empoderamento coletivo e os estilhaços da Política

As redes técnicas têm forjado vigorosas redes de solidariedade, instigando novas
formas de mediação sociopolítica e empoderamento dos indivíduos conectados. A
história recente tem mostrado que os agenciamentos sociotécnicos e as inteligências
conectadas têm desarmado aparelhos de Estado, que pareciam tiranicamente intocáveis.
No tocante à mediação e avaliação epistemológica destas experiências e
acontecimentos de ordem tecno-info-política, conviria consultar Morais (2006); Antoun
(2004); Bruno (2006), entre outros, na defesa de democratização do ciberespaço.
A partir de uma perspectiva da microfísica da vida cotidiana, observamos que,
no espaço hipertextual das redes interativas, pulsam instrumentos técnico-sensoriais-
inteligíveis, em que interagem as potências do saber e poder, intuição e intelecto, razão
e sensibilidade, favorecendo o debate e a crítica da sociedade, cultura, ética e política.
É por essa via que contemplamos a comunidade virtual de Vale Tudo, instalada
no FaceBook: observamos como armazena e compartilha opiniões e críticas.
O FaceBook pode parecer banal, mas é um meio vigoroso de interação,
estimulando a percepção cognitiva, o ethos comunitário e a ação comunicacional
colaborativa.
Os detalhes técnico-operacionais do site, conectados aos instrumentos sócio-
técnico-sensoriais e neuro-cognitivos do FaceBook, repercutem favoravelmente no
plano do consumo, das mediações e da interacionalidade social.

O Twitter: a ficção, a mediação e o ethos midiatico

Uma mirada sobre a rede social forjada pelo site de relacionamento Twitter
significa contemplar uma paisagem cibercultural, em que os fluxos sócio-
informacionais são intensos e acelerados, por onde fervilham interativamente milhões
de pessoas. E a sua dimensão afirmativa está na possibilidade de disponibilizar um
protocolo de escolhas, decisões e ações tecnocomunicacionais, com conseqüências
ético-cognitivas e sociopolíticas surpreendentes.
Um estudo mais detido pode nos levar aos meandros das suas potencialidades e
dinâmicas performativas, nos domínios da arte, educação, economia, informação e
política. Não podemos perder de vista que se trata de uma ferramenta, em constante
estado de atualização e sempre solicitando novas competências operacionais.

183

Suspeitamos que, como os outros equipamentos sociotécnicos de midiatização, o twitter
(tal como é hoje) tem seus dias contados, aguardando apenas a nova invenção
informacional.
No momento, examinamos como os discursos, intervenções e ações cognitivas,
das comunidades, debatem os afetos, valores e sociabilidades projetados nas narrativas
de ficção. Este é o caso de Vale Tudo no Twitter: os 140 caracteres que organizam o
universo sociolingüístico dos internautas-telespectadores lhes permitem reativar
camadas de sentido surpreendentes, e suas repercussões são ilimitadas.
Sem avançar num desdobramento da forma como se apresentam as informações,
discussões e discordâncias acerca da reprise de Vale Tudo, e o seu séquito de
personagens ricos, excêntricos e malvados, no Twitter, indicamos trechos do site:

A trama (de Vale Tudo), que além da vilã vivida pela atriz Beatriz Segall
tem uma galeria grande de personagens inesquecíveis - como Heleninha
(Renata Sorrah), Maria de Fátima (Gloria Pires), Raquel (Regina Duarte)
e Solange (Lídia Brondi) - entra quase diariamente para os trending
topics, a lista de assuntos mais comentados do Twitter, quando está sendo
exibida. (...) "Alguém aqui está revendo a novela 'Vale Tudo'? Eu estou
praticamente escravizado", comenta um usuário do serviço de
microblogging. "Isso sim vale a pena ver de novo!", se empolga outra.
(...) O detalhe é que o horário escolhido para a reprise é de madrugada, às
0h45. A trama também passa novamente ao meio-dia. (...) Diversos
usuários afirmam que a novela tem sido responsável pelo "sono tardio".
"Minha insônia tem nome: 'Vale Tudo'. Que novela sensacional", afirma
um. "Bom dia para quem assistiu 'Vale Tudo' até de madruga e não
conseguiu acordar às 7h", ironiza outro. (...) Consultado, o canal Viva diz
que ainda não tem os números de audiência da novela. Mesmo sem dados
oficiais, muitos internautas têm certeza de que a novela caiu mesmo --
novamente-- nas graças do público. (...) Entre os comentários sobre a
novela, há principalmente elogios ao texto da trama, que para eles
continua atual. (...) "O discurso de Odete Roitman sobre o Brasil continua
atual. A reprise de 'Vale Tudo' é uma utilidade pública", afirma um
internauta. "Assistindo o canal Viva a gente consegue perceber como se
desaprendeu a fazer televisão", concorda outro. (...) Parte dos internautas
se diverte ainda relembrando o final dos anos 80, "tempo em que
videocassete era modernidade e só o filho da Odete Roitman tinha". (...)
"Vou comprar a trilha sonora de Vale Tudo em vinil só para criar um
clima...", diverte-se um rapaz no Twitter. Para outra usuária do site, "é
muito engraçado ver os atores todos novinhos". Enquanto isso, um
terceiro se choca com uma cena em que a mocinha e seu amigo se
preparavam para fumar um baseado. "Estranho ver isso, mas era 1988",
afirma.
website D24am, 11.10.2010.

184

Para concluir: mídias sensíveis e comunidades virtuais

A interconexão sensível e inteligente entre seres humanos e as tecnologias
interativas, as mediações, estratégias e ajustamentos, tudo isso tem nos chamado a
atenção para a necessidade de uma pesquisa sobre no Orkut, principalmente, no que
concerne às ditas “comunidades virtuais”
98
. Aqui as contemplamos em sua natureza
líquida, nômade, transitória, como um fenômeno que aparece e desaparece muito
depressa, cedendo terrenos para novos agenciamentos sociotecnológicos. Contudo,
mesmo efêmeras as comunidades traduzem o “espírito do tempo”.
Lançamos “um olhar sobre a recepção através das bordas da circulação”, como
escreve Fausto Neto (2010), reconhecendo a sua vigorosa hipertextualidade, inteligência
conectiva e potência interacional, que agrega os saberes e fazeres sociais.
Colocamos em perspectiva as comunidades virtuais forjadas a partir de uma obra
controversa, atravessada por ambigüidades e complexidades, pois radicaliza na
representação da condição humana, hiperbolizando todos os vícios e virtudes.
Seria equivocado interpretar a ambiência comunicacional do Orkut apenas como
uma continuidade da vida organicamente vivida, pois assim não poderíamos entender,
por exemplo, os inúmeros perfis “fake”, a “potência do falso”, a vigorosa liberação do
desejo através de uma realidade digitalmente imaginada. Perderíamos a pujança dessa
“Second Life”, liberada nos espaços das redes sociais. Impor o real ao digital seria
tornar difícil a tarefa de captarmos a estranheza criativa dos perfis das pessoas mortas
(surpreendentemente ainda em atividade) na imaginação simbólica e discursividade das
redes sociais.
A comunidade virtual da telenovela Vale Tudo é constituída por 5.119 membros,
foi criada por Flávio Michelazzo, em 31.10.2006, é monitorada (e atualizada) por cinco
moderadores, inscreve-se na categoria Artes e Entretenimento.
Visualizando a sua configuração, observamos na seção dos Fóruns de Discussão
a inscrição de centenas de Tópicos abrangendo os mais variados assuntos.
Destacaríamos um deles, destinado aos comentários diários da obra, computando um
volume de 3.515 postagens, cujas interlocuções se multiplicam em perguntas, críticas,
réplicas, etc., formando um largo repertório, que nos desafia a compreensão.

98
Destacamos nessa direção a pesquisa de Marina Magalhães sobre a Comunidade Virtual do
Jornalismo Cultural da Paraíba, no Orkut, sob nossa orientação, PPGC/UFPB, mar./2011.

185

Arriscaríamos a hipótese de que os usuários articulam ali uma simples função
fática (ou de contato) da linguagem, reativando uma pulsão tecno-sensorial-
comunicante. Fazem suas mediações, com o objetivo de experimentar uma
aproximação, um mínimo de “táctil-sociabilidade”. Entretanto, esta experiência
comunicacional, que, por um lado, gira em torno de uma mitologia, de um fenômeno
mass mediático caracterizado pela extravagância, por outro lado, expõe a desordem
pública de uma sociedade norteada por valores morais em pedaços, alerta-nos
favoravelmente para uma nova modalidade ético-comunicacional.
A sua singularidade reside na sua natureza polifônica, hipertextual e
colaborativa, que estilhaça o paradigma de uma matriz industrial e organizativa do
desejo, da ideologia, do discurso, e funda um novo estilo de comunicabilidade
imprevisto, inusitado, ao mesmo tempo, sensível, racional, inteligente, na medida em
que acolhe os insights e as iluminações de uma comunicação irrigada pela inteligência
coletiva conectada à sensibilidade sócio-tecnológica.

186

13



Considerações finais



Concluir um livro é uma espécie de despedida. Na hora “H”, não sabemos se
choramos ou se ateamos fogo à “obra”. Aqui, retiramos a máscara de Hermes e
colocamos as nossas questões fundamentais sobre o fenômeno da cibercultura.
Permanecemos na primeira pessoa do plural, primeiramente conjugando a idéia de que
quando falamos, um espírito ancestral, coletivo fala por nós, pois a experiência do
conhecimento não é jamais solitária. Depois, como diria Fernando Pessoa porque eu
somos muitos. E enfim, imersos on line, numa pesquisa sobre cibercultura, estamos
todos juntos, nós, nossos nicknames, nossos avatares, nossas circunstâncias. Como diria
McLuhan, as redes são extensões dos nossos afetos, indignações e perplexidades.
Esta experiência começou há mais de 20 anos, retornando do doutorado
em Sociologia, na Sorbonne, sobre televisão, quando fomos convocados para uma
pesquisa (PIBIC/UFPB) sobre a internet, e se prolongou com o projeto Modernização
Tecnológica e Desenvolvimento Social, agregando jovens pesquisadores em mídias
digitais. Alguns textos – a maioria deles – foram apresentados em congressos nacionais
e estrangeiros, e aqui resultam de um processo de reelaboração, a partir das
conversações e interações em sala de aula e na própria internet, e da releitura de novos
estudos que serviram para atualizar a nossa problemática.
Partimos da idéia de que o ciberespaço não se trata de uma “segunda vida”,
como simula a retórica publicitária do Second Life corporation. Tampouco se resume a
um ethos midiatizado que como um Guliver gigantesco engole o nosso cotidiano.
Apostamos positivamente na idéia da cibercultura, e enfatizamos a internet como uma
experiência que mudou radicalmente nossas vidas. A rede fez a convergência do jornal,
livro, rádio, cinema, televisão, e nos incluiu nessa aventura, na medida em que encarnou
as funções das nossas canetas, máquinas de escrever, mãos, dedos e olhos
cinematográficos. Mais do que isso, nos colocou em conexão direta com milhares de
usuários, atualizando a nossa sede de informação, de contato, de trocas afetivas,

187

estéticas, políticas e cognitivas; as redes sociais incluindo os actantes imersos nas
bibliotecas, plataformas jornalísticas, literárias e musicais etc.
Porque optamos – em princípio – pela figura mitológica de Hermes,
evocando a sua dupla face como Mercúrio e como Trismegistus, e porque escolhemos a
hermenêutica como fio condutor da nossa exploração do mundo cyber? São questões
que resultam de duas experiências distintas. Vamos por partes:
Primeiramente convém esclarecer que Hermes consiste para nós numa
metáfora, numa imagem conceitual, que surgiu principalmente a partir da leitura de
Gaston Bachelard, cujos insights nos inspiraram uma vigorosa exploração poética
(guiada pelo princípio noturno) e fenomenológica (norteada pelo princípio diurno) do
ciberespaço.
A simbologia de Hermes, como Mercúrio (lógico-formal, pragmático,
agregador), tem aqui o real propósito de ampliar a atenção, no que diz respeito aos
pontos deficitários dos agenciamentos no ciberespaço, a fim de encontrar soluções
práticas para tais problemas, e como Trismegistus (lógico-sensível, previdente,
exploratório) instiga a uma contemplação do mundo numa amplitude tal que nos
permite acessar tanto a dimensão numérica, material, quantitativa do ciberespaço,
quanto a sua dimensão mitopoética, sensorial e qualitativa. A sua significação ambígua
libera um espaço de entendimento da complexidade da realidade (tanto presencial e
quanto virtual), atravessada por contradições, paradoxos e muitas surpresas.
Em síntese, Hermes significa para nós uma potência imaginante e investigadora
que nos permite- flagrar – simultaneamente - a dimensão racional e a dimensão poética
da experiência da internet, que nos envolve, nos energiza e nos desafia.
Depois porque a imaginação mitológica é reconhecida, desde a antropologia
simbólica (de Jung, Bachelard, Gilbert Durand a Edgar Morin, Jean Baudrillard e
Maffesoli) até Física e Filosofia contemporânea (de Marcelo Gleiser), como um lócus
privilegiado para a contemplação do mundo em toda a sua complexidade psicológica,
social, ecológica e política.
As mitologias da era informacional apenas atualizam um regime simbólico que
sempre existiu, como modo de estruturação do imaginário nas diversas culturas. O
correio eletrônico, os chats, as redes sociais conformam as novas mitologias e implicam
numa forma de reprodutibilidade do cotidiano (não é por acaso que o mais famoso
ambiente imersivo da net tenha como marca registrada o Second Life).

188

E ao contrário do que proclamava Walter Benjamin, o ciberespaço tem aura e é
neste fenômeno aurático que devemos procurar o significado mitológico, semiológico
ou semiótico cultural do ciberespaço para os contemporâneos. E neste sentido é
pertinente a fala da filósofa Márcia Tiburi, fazendo a leitura do twitter, na contra-luz da
música de Roberto Carlos “Eu quero ter um milhão de amigos”.
E finalmente, o signo de Hermes acolhe significações do mundo sensível
e do mundo vivido que se projetam em fenômenos, experiências e ambientes distintos, e
por vezes contraditórios. A simbologia de Hermes abriga uma semântica e uma sintaxe
que fluem nos domínios da educação, da religião, da jurisprudência, das instituições
políticas e dos mercados. A organização social tece a sua própria teia da complexidade,
enunciada por Edgar Morin, reunindo paradoxos e contradições que desafiam o
pensamento e a ação social. Para Morin, a estratégia adequada é “extrair o melhor do
paradoxo entre os sistemas aparentemente antagônicos”. (Cult nº 157, on line).
Sendo uma entidade cujo sentido tem perdurado há milhares de anos, sua
poliversidade o torna apto para nos revelar as nervuras de um fenômeno tão amplo
quanto o ciberespaço.
A hermenêutica nos acompanha como uma herança, das aulas no
programa de Pós-Graduação em Comunicação (1984-1988, UNB), das conferências e
interlocuções de pesquisadores desenvoltos, dentre os quais, Sérgio Dayrell Porto (co-
orientador, junto com Angélica Madeira), além de Estevão Chaves de Rezende Martins
(UNB), que por vias indiretas nos levam ao exercício de disciplinamento metodológico
para pensar as culturas do atual e cotidiano, a partir de uma abstração mais rigorosa sem
perder o contato direto com a efervescência dos processos sócio-culturais e políticos
emergentes.
Todavia, é justo citar a iniciação no exercício de interpretação desde o curso de
Graduação (1980-1984, UFPB), nas aulas de Antonio Fausto Neto, que nos alertaram
para as estratégias de montagem e desmontagem dos sentidos pelos meios de
comunicação, de José Luiz Braga, que nos despertaram para a lógica de construção do
método e apreciação crítica dos produtos midiáticos, e by last but not least, de Jomard
Muniz de Britto, que nos ensinou a arte de decifrar os mitos e contramitos da cultura e
da comunicação de massa (e pós-massiva), aliando a observação crítica (pós-marxista) e
a carnavalização pós-mcluhaniana (pós-tropicalista/pós-moderna) de uma estética e
política audiovisual (e vivencial), em processo de criação e desconstrução permanente.

189

Evidentemente o trabalho tem as suas irregularidades, pois deriva de momentos
diferentes da pesquisa, resulta de condições distintas de exploração do objeto, e é
produto de uma maturação progressiva das idéias acerca dos meios digitais.
Partimos de uma experiência de baixa interatividade com a internet e passamos a
um estágio de alta interacionalidade, tanto de forma sócio-conversacional, interagindo
com outros actantes conectados na rede e interessados em temáticas convergentes,
quanto de forma técnico-investigativa (inquirindo os textos, papers, postagens e
plataformas diversas).
Operamos um trabalho exaustivo, pois recapturamos cada um dos textos críticos-
reflexivos gerados a partir das pesquisas feitas sobre o site de vídeos You Tube, o Blog
do jornalista Marcelo Tas, o Observatório da Imprensa, a Biblioteca virtual portuguesa
- BOCC, a plataforma de geolocalização Google Earth, a realidade virtual no Cinema de
Ficção-Científica e o fenômeno transmidiático da crítica Vale Tudo, da televisão para as
redes sociais, como o Orkut, Twitter e FaceBook.
O próximo passo foi recorrer à internet e vasculhar todos os links que pudessem
atualizar os enfoques sobre este conjunto de subtemas, em trânsito no ciberespaço. E
neste processo, novas idéias, insights surgiram – surpreendentemente – trazendo
consigo algumas hipóteses que no fim das contas terminam por nos fornecer um norte
para repensar a comunicação e a cultura digital.
- A internet não é um fenômeno estático, mas em constante mutação e requer
uma permanente observação se o pesquisador desejar efetivar um conhecimento
aproximado da sua essência;
- O ciberespaço é mais amplo que as ciberculturas e as abrangem influenciando
sistematicamente as ações e reações dos usuários, actantes, cidadãos conectados em
rede; mas convém reconhecer, é neste mesmo ambiente que encontramos as passagens
para os vários agenciamentos sociais sejam estes cognitivos, comerciais ou políticos.
- Existe no ciberespaço, como no mundo presencial, disputas e rivalidades entre,
por exemplo, comerciantes e cibermilitantes, cientistas, filósofos e religiosos,
acadêmicos e profissionais, mas a própria natureza técnico-social desta experiência
permite um nível de convivência suportável entre os interesses divergentes. A rede
realiza a noção alquímica, místico-filosófica, da coincidência dos opostos.
- A internet atualiza a vontade de poder que rege o conjunto de valores éticos e
morais dos grupos humanos, desde o neolítico, mas surpreendentemente apresenta um

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arsenal de possibilidades de agenciamento das estratégias de empoderamentos
individuais e coletivos, que pode transformar a experiência humana na face da terra.
A difícil tarefa que se impõe num exercício de interpretação da comunicação e
cultura digital é enfrentar o desnivelamentos no plano dos acessos à rede, por parte da
grande parte da população, o que reflete ainda os abismos socioeconômicos e políticos.
Em todo o caso, ao nos debruçarmos sobre a experiência da modernidade
tecnológica e as formas de desenvolvimento social, observamos que num período curto,
desde 1996 (quando iniciamos a pesquisa) até 2011 (fase de conclusão de uma etapa),
um expressivo repertório de ocorrências e fatos que sinalizam uma curva ascendente, no
que se refere aos usos sociais das tecnologias da informação e da comunicação.
Todavia, essa nova realidade eletrônica que caracteriza o ambiente da sociedade
midiatizada trouxe consigo novos desafios, o que requer o exercício de uma imaginação
permanentemente crítica e colaborativa que possa enfrentar a nova complexidade.
É de bom presságio não esquecer a dimensão afirmativa, estimulantemente
enigmática da experiência humana no contexto das novas vivências simultaneamente
virtuais e carnais.
A visibilidade dos discursos preconceituosos, racistas, xenófobos e criminosos
de alguns usuários do Twitter (contra os nordestinos) e a sua punição e exclusão, pela
ação tecnossocial e política de um ethos midiático esclarecido, que surge das
inteligências coletivas interconectadas das próprias redes sociais. Este é um salto
qualitativo na comunicação digital compartilhada, que comprova a nossa hipótese de
que a modernização tecnológica pode levar a níveis de desenvolvimento social.
Esta é apenas uma das maneiras de decifração, por meio de um “conhecimento
aproximado” da realidade midiatizada (como nos ensina Bachelard). Este trabalho pode
ser compartilhado com toda a irmandade conectada – tecnicamente, afetivamente e
sensorialmente – pelas redes sociais de comunicação. Pelos que a admiram ou que a
abominam, os dependentes, os amadores, os voluntários e os clarividentes. Remete-se
aos que dela têm medo, aos iconoclastas, mas fundamentalmente, é endereçada aos
leitores impertinentes, aos cibercidadãos que, corajosamente criativos, viram do avesso
a rotina da vida digital.

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YOUTUBE. China Tracy. http://www.youtube.com/watch?v=5vcR7OkzHkI).
ZIELINSKY, S. Arqueologia da mídia. Em busca do tempo remoto das técnicas do ver e
ouvir. S. Paulo: Annablume, 2006.

202

15



NOTAS


INTERCOM - Revista Brasileira de Ciências da Comunicação [Arquivo
PDF]
http://revcom2.portcom.intercom.org.br/index.php/rbcc/issue/archive

Vol. 33, nº 2 (2010): Conteúdo gerado pelo consumidor: reflexões sobre sua
apropriação pela Comunicação Corporativa (Sandra Portella MONTARDO);
Vol. 33, nº 1 (2010): Participação, instituições políticas e Internet: um exame
dos canais participativos nos portais da Câmara e da Presidência do Brasil (Francisco
Paulo Jamil Almeida MARQUES); Uso de marcas verbais para aspectos não-verbais da
conversação em salas de bate-papo na Internet (Robson Santos de OLIVEIRA, Luciano
R. de Lemos MEIRA); A transição dos quadrinhos dos átomos para os bits (Marcia
Schmitt Veronezi CAPPELLARI); Blogosfera, espaço público e campo jornalístico: o
caso das eleições presidenciais brasileiras de 2006 (César Ricardo Siqueira BOLAÑO,
Valério Cruz BRITTOS); A pesquisa sobre tecnologias de Comunicação no Brasil e na
América Latina. Entrevista. (Emile G. MCANANY); O amadorismo no centro do
espaço virtual, Resenha (Maria das Graças TARGINO).
Vol. 32, nº 2 (2009): Painéis fotográficos digitais: uma tipologia de experiências
de interação em um diário fotográfico na Internet (Norberto KUHN JÚNIOR);
Tecnologias da Comunicação e desenvolvimento: três aspectos vistos desde o Brasil
(Antonio HOHLFELDT);
Vol. 32, nº 1 (2009): Colaboração e Internet: propondo uma taxonomia de
formatos de colaboração em projetos de network (Karla Schuch BRUNET);
Vol. 31, nº 2 (2008): As comunidades de compartilhamento social no Centro de
Mídia Independente (Adilson CABRAL);
Vol. 31, nº 1 (2008): Impactos culturais da mídia e da tecnologia - Divina Frau-
Meigs. Entrevista (Sonia Virgínia MOREIRA); As duas faces de Jano: informação e
comunicação RESENHA (Joana Coeli Ribeiro GARCIA); Confiabilidade, credibilidade
e reputação: no jornalismo e na blogosfera (Rogério CHRISTOFOLETTI, Ana Paula
França LAUX);
Vol. 30; nº 2 (2007): El acceso universal digital: utopía discursiva (Georgina
Araceli Torres VARGAS); O mundo da vida e as tecnologias de informação e
comunicação na educação (Fabio Botelho JOSGRILBERG); Limites e possibilidades
das tecnologias da informação e comunicação na extensão rural (Elias de Pádua
MONTEIRO, José Benedito PINHO); Os grandes jornais on-line de língua espanhola:
desafios e perspectivas (Micael HERSCHMANN);
Vol. 30, nº 1 (2007): As páginas de ciência de prestige papers brasileiros na
cobertura dos transgênicos em anos de „hype‟ [1999-2000] (Flavia N. S. MEDEIROS);
Open source journalism e cidadania: Centro de Mídia Independente Brasil (Ana Regina
Barros Rego LEAL); Inovações tecnológicas, Webjornalismo e fluxos informacionais:
entre novas possibilidades e velhos ideais (Edson Fernando DALMONTE);
Vol. 29, nº 2 (2006): O pós-humano incipiente: uma ficção comunicacional da
cibercultura (Erick FELINTO); Os sete matizes da ética (MARTINS, L.);

203

Vol. 29, nº 1 (2006): A colaboração dos pesquisadores em Comunicação nos
debates da dita "Sociedade da Informação" ENTREVISTA (Robin MANSELL, Edgard
REBOUÇAS); A internet e a universidade: impactos na educação? RESENHA
(Francisco das Chagas de SOUZA);
Vol. 28, nº 2, 2005: Como a ficção científica conquistou a atualidade:
tecnologias de informação e mudanças na subjetividade (Fátima Regis de OLIVEIRA);
Web Music: música, escuta e comunicação (Gisela G. S. CASTRO);
Vol. 27, nº 1 (2004): A Internet como fator de mudança no jornalismo (Nélia
Del BIANCO);
Vol. 26, nº 2 (2003): Cultura e discurso: uma abordagem sociotécnica da
construção de um website institucional brasileiro (Ronize Aline Matos de ABREU,
Henrique Luiz CUKIERMAN);
Vol. 25, nº 2 (2002): Media criticism no Brasil: o Observatório da Imprensa
(Afonso de ALBUQUERQUE);
Vol. 25, nº 1 (2002): Nós, ciborgues: a magia da ficção científica, RESENHA
(André LÁZARO);
Vol. 24, nº 2 (2001): Elementos para pensar as tecnologias da informação na era
da globalização; As identidades culturais na internet (Ana Carolina ESCOSTEGUY);
Vol. 23, nº 2 (2000): Comunicação virtual e cidadania: movimentos sociais e
políticos na Internet (Dênis de MORAES); WebTV, teleTV e a convergência anunciada
(Sérgio CAPARELLI, Murilo C. RAMOS, Suzy dos SANTOS);
Vol. 23, nº 1 (2000): Pensar em rede. Do livro às redes de comunicação (Denis
MORAIS); O impacto das novas tecnologias da informação na prática do jornalismo
(John PAVLIK).

204

Revista E-Compós. Publicação Científica em formato eletrônico da
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação.
(Arquivos em PDF). http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/issue/archive

Vol. 12, nº 3 (2009): PIRES, T.M.C.C. “Populista não, popular!”: Imagens
político-eleitorais em disputa no YouTube e na TV;
Vol. 12, nº 2 (2009): SÁ, S.P. Se vc gosta de Madonna também vai gostar de
Britney! Ou não? ; BRUNO, F.G. Mapas de crime: vigilância distribuída e participação
na cibercultura.
Vol. 12, nº 1 (2009): MONTARDO, S.P; CORDEIRO, B.C. Estigma em blogs
de pessoas com deficiência auditiva.
Vol. 11, nº 3 (2008): ROMÃO, M.S; MOREIRA, V.L. É Del.icio.us estar na
rede.
Vol. 11, nº 2 (2008): RIBEIRO; BRUNET; FALCÃO. Comunicação móvel e
jogos em espaços híbridos.
Vol. 10 (2007): NATANSOHN, LG. O que há e o que falta nos estudos sobre
recepção e leitura na web? ; GERBASE, C. Enxugando gelo: pirataria e direitos autorais
de obras audiovisuais na era das redes; PADRÃO, M. Leituras resistentes: fanfiction e
internet vs. cultura de massa.
Vol. 9 (2007): - Dossiê Temático – Cibercultura: RECUERO, R. Tipologia de
redes sociais brasileiras no Fotolog.com; MARQUES, A; MIOLA, E. Internet e
Parlamento; SCHMITT, V; FIALHO, F.A.P. A “cauda longa” e o jornalismo; LOPES,
M.B. As novas utopias piratas; DRIGO, M.O. Mente/mente humana, virtual/atual;
FRAGA, D. O beat e o bit do rock brasileiro.
Vol. 8 (2007): TONIN, J; NICKEL, B. Petite ou grande mort? A sexualidade e o
imaginário tecnológico contemporâneo.
Vol. 7 (2006): BOLAÑO, R.S; BRITTOS, V.C. Digitalização, flexibilidade e
reordenação dos processos jornalísticos; BUSTAMANTE, E. Comunicación y Cultura
en la era digital: construir el espacio Iberoamericano; SANTOS, S. E-Sucupira: o
Coronelismo Eletrônico como herança do Coronelismo nas comunicações brasileiras;
ANTOUN, H. Cooperação, colaboração e mercado na cibercultura.
Vol. 6 (2006): AMARAL, A. Visões Perigosas: para uma genealogia do
cyberpunk; FRAGOSO, S. Eu odeio quem odeia... Considerações sobre o
comportamento dos usuários brasileiros na „tomada‟ do Orkut; BRUNO; LEITÃO;
LOBO; BOGHOSSIAN; ALBUQUERQUE; GUIMARÃES & BIANCOVILLI. O
oráculo de Mountain View: o Google e sua cartografia do ciberespaço.
Vol. 4 (2005): CASTRO, G.G.S. Podcasting e consumo cultural; PELLANDA,
E.C. Desdobramentos dos “olhares” móveis sobre o terrorismo em Londres;
SCROFERNEKER, C.M.A. As organizações na Internet.
Vol. 3 (2005): - Dossiê Temático – Cibercultura: FERRAZ, M.C.F. Percepção,
tecnologias e subjetividade moderna. AMARAL, A. Uma breve introdução à subcultura
cyberpunk; FELINTO, E; CARVALHO, M.S. Como ser pós-humano na rede;
QUADROS, C.I; ROSA, A.P; VIEIRA, J. Blogs e as transformações do Jornalismo;
COSTA E SILVA, F. Uma proposta de classificação das manifestações virtuais
religiosas;
Vol. 2 (2005). SANTAELLA, L. Os espaços líquidos da cibermídia;
PALACIOS, M. Natura non facit saltum: promessas, alcances e limites no
desenvolvimento do jornalismo on -line e da hiperficção. Cf.
http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/index Acesso em: 20.05.2011

205

Dossiê ABCiber – II Simpósio Nacional (2008). In: Revista FAMECOS, Mídia,
Cultura & Tecnologia. Vol. 3, nº 37 (2008): FELINTO, E. Think Different: estilos de
vida digitais e a cibercultura como expressão cultural; AMARAL, A. Subculturas e
cibercultura(s); SANTAELLA, L. A ecologia pluralista das mídias locativas;
FERRARA, L. Ciberespaço: conceito à procura de um nome; RÉGIS, F. Tecnologias de
comunicação, entretenimento e competências cognitivas na cibercultura; BRUNO, F.
Controle, flagrante e prazer: regimes escópicos e atencionais da vigilância nas cidades;
PARAGUAI, L. Interfaces multissensoriais; COSTA, R. Inteligência Coletiva:
comunicação, capitalismo cognitivo e micropolítica; SILVA, M. Cibercultura e
Educação; MONTARDO, S.P. Fotos que fazem falar: desafios metodológicos para
análise de redes temáticas em fotologs; SILVEIRA, S. A. Cibercultura, commons e
feudalismo informacional; PALACIOS, M. A memória como critério de aferição de
qualidade no ciberjornalismo: alguns apontamentos; HERSCHMANN, M;
KISCHINHEVSKY, M. A “geração podcasting” e os novos usos do rádio na sociedade
do espetáculo e do entretenimento; BALDESSAR, M.J; LONGHI, R.R. Buscando uma
linguagem para a cibernotícia. Cf.
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/issue/view/337/showTo
c
Dossiê “Cibercultura Revisitada”. In: Revista Galáxia n.16 (dez. 2008):
NEVES, B.B. O ciberdocumentário prefigurativo e a catálise de contrapúblicos;
SIBILIA, P; RODRÍGUEZ, P.E. ¿Tiene sentido hablar de poshumanismo? Acerca de la
relación entre teoría de la comunicación y biopolítica de la información; RODRIGUES,
C. Capitalismo informacional, redes sociais e dispositivos móveis: hipóteses de
articulação; LEÃO, L. Questões biopolíticas nos processos de criação transmidiáticos;
SÁ, S.M.A.P; HOLZBACH, A.D. #u2youtube e a performance mediada por
computador; LUZ, L.H. Ciberespaço cubano: uma forma de resistência ao poder e à
censura. Cf. http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/issue/current/showToc Acesso
em: 20.05.2011.

ANEXO:

A pesquisa em comunicação emerge, no panorama das ciências humanas, no
ramo dos estudos empíricos, situando-se como área do conhecimento aplicado. Sua
natureza fenomenológica, servindo como fonte de referência para a tomada de decisões
estratégicas, na retórica de Aristóteles ou na nova retórica de Schramm, não deixa
dúvidas quanto à identidade adquirida na árvore mundial do saber. Trata-se de acervo
cognitivo acumulado seletivamente pela práxis, legitimado historicamente pelas
corporações de artes e ofícios, e democraticamente transmitido às novas gerações,
através da oralidade, típica da era artesanal. Tornou-se artefato impresso, na idade
industrial, abrigando a teoria sistematizada pelos mestres dos ofícios respectivos.
Socializado através de manuais destinados ao aprendizado dos novos profissionais, o
saber comunicacional manteve-se circunscrito ao empirismo hegemônico no período
que antecede sua apropriação pela universidade. Isso ocorre efetivamente durante o
século XX, quando as disciplinas que correspondem ao conhecimento vigente em cada
uma das profissões socialmente estabelecidas – jornalismo, propaganda, cinematografia,
relações públicas e outras – são reunidas em espaços contíguos – faculdades, escolas,
departamentos – que constituem o campo emergente de ciências da comunicação. Essa
transição do saber fragmentado, enraizado na práxis, para o conhecimento holístico,
demandado pelo campus, tem se caracterizado pela convivência, nem sempre
harmônica, entre seus protagonistas, gerando idiossincrasias e nutrindo preconceitos

206

mútuos. Esse conflito latente entre “pragmáticos” e “teóricos”, ou seja, entre os
praticantes dos ofícios comunicacionais e seus pesquisadores acadêmicos, vem
produzindo equívocos semânticos, como, por exemplo, a desqualificação do adjetivo
“empírico”, convertido em antônimo de “teórico”. Assim sendo, a pesquisa em
comunicação, genuinamente instituída no universo empírico do fazer jornalístico,
publicitário, cinematográfico, etc., passa a ser estigmatizada, desassistida e até mesmo
obstaculizada. Rotulada como anacrônica, instrumental, mecanicista por seus
antagonistas, adquire significado equivalente ao discurso do senso comum. Empírico
resume-se, para tais exegetas, em conhecimento baseado apenas na experiência,
destituído de caráter científico. Seus praticantes são anatematizados como charlatães,
forjados pela prática e indexados como inimigos do racionalismo porque desprovidos de
bagagem teórica. Reagindo ao patrulhamento, os pesquisadores dos campos
profissionais desqualificam as contribuições oriundas das disciplinas conexas, julgando-
as inapropriadas porque eivadas de abstracionismo e classificando seus autores como
“teóricos” incapazes de por os pés na terra, meros fabricantes de conhecimento inútil.
Desde a sua fundação, a INTERCOM tem procurado instituir uma “terceira via”,
promovendo o diálogo entre “empíricos” e “teóricos”, na tentativa de superar essa falsa
dicotomia. Este é o desafio que os atuais dirigentes da nossa comunidade científica
decidiram enfrentar. Através de uma manchete provocativa, pretendem criar uma
espécie de glasnost acadêmica. Ensejando oportunidades, durante o XXXIV Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, para desarmar os espíritos, ambicionam chegar
a soluções de compromisso capazes de integrar teoria e práxis. Se desse debate
pluralista resultar a superação de preconceitos e a produção de estudos compartilhados,
a INTERCOM sairá engrandecida. Pois estará colhendo os frutos da árvore
utopicamente plantada pelos seus fundadores, em terreno fértil, diligentemente irrigado
pela sua vanguarda, para beneficiar as novas gerações de pesquisadores.

MARQUES DE MELO. (Website do Congresso da INTERCOM 2011.

i
Dentre os Textos Essenciais para entender o fenômeno do ciberespaço, consultar: Cibercultura.
Tecnologia e Vida Social (Lemos, 2004); Culturas e Artes do Pós-Humano (Santaella, 2003); Visões
Perigosas (Amaral, 2006); A sociedade em rede Castells, 1999); Cibercultura, (Lévy, 1998);
Antropológica do Espelho (Sodré, 2002); A pele da cultura (De Kerckhove, 2009); Cultura da
Convergência (Jenkins, 2008); A comunidade virtual (Rheingold, 1996); Cultura da interface (Johnson,
2001); Pós-humanismo, (Di Felice & Pireddu, 2010); Superciber (Marcondes Filho, 1997); Jamais fomos
modernos (Latour, 1994); Interação mediada por computador (Primo, 2007); Métodos de pesquisa para
internet (Fragoso, Amaral & Recuero, 2011); Impressões Digitais (Martins, 2008); A dromocracia
cibercultural (Trivinho 2007); Cibercultura e pós-humanismo (Rüdiger, 2008); Participação e Vigilância
na Comunicação Distribuída (Antoun, 2008); Exclusão digital (Silveira 2001), Visibilidade e Vigilância
Bruno, Kanashiro & Firmino (2010); Rumos da cultura da música, Sá, 2010); A Religião das Máquinas,
(Felinto, 2005); Avatar (Felinto & Bentes, 2010); Tecnologias do Imaginário (Machado da Silva, 2006).
ii
Destacaríamos neste fórum a inscrição do Grupo de Trabalho – Internet e Política, sob as
coordenações de Wilson Gomes (2011/2007), Alessandra Aldé (2009), Othon Jambeiro (2006).

Consultar, dentre outros textos da COMPOLÍTICA – Salvador / UFBA 2006: “Urbes contemporâneas e
Políticas de informação e comunicações” (JAMBEIRO); “Blogs de Política: caminhos para reflexão”
(PENTEADO; SANTOS; ARAÚJO); Entre o silêncio e a visibilidade: o Orkut como espaço de luta por
reconhecimento do movimento social dos surdos (GARCEZ, R. L. O.); Ágoras digitais: a emergência dos
blogs no ciberespaço (ALONGE, W); Internet e associativismo no debate público acerca do
desmatamento (GUICHENEY, H.). COMPOLÍTICA – Belo Horizonte / UFMG 2007: Governo e
Democracia Digital (MARQUES, F. P. J.A); O movimento Cansei na blogosfera (PENTEADO, C. L. C;
SANTOS, M. P.B; ARAÚJO, R. P. A); Democracia Digital: Que Democracia? (GOMES, W); Blogs e
jornalismo (MARTINS, A. F.); Participação democrática e Internet: breve análise dos websites dos
Governos Federais dos quatro maiores países sul-americanos (BRAGATTO, R. C.). COMPOLÍTICA –
São Paulo / PUC-SP 2009: Twitosfera: a expansão da ágora digital e seus efeitos no universo político
(RAMALDES, D); Humor e Política na dinâmica das NTICs (MARTINHO, S.G.). COMPOLÍTICA –

207


Rio de Janeiro / UERJ 2011: O Twitter na campanha eleitoral 2010 (GOMES, W); O debate sobre o
Marco Civil da Internet (SEGURADO, R); A ciberpolítica no caminho da rede (LÉVY, D; SILVA, J.F.);
Internet, cidadania e esfera pública: um estudo comparativo dos Ministérios da Cultura do Brasil,
Argentina e França (SANTOS, M.B; ARAÚJO, R; PENTEADO, C.); Democracia Monitorada: Internet e
poder cidadão (FEENSTRA, R; COUTO, D. R.T.); O fenômeno Wikileaks e as redes de poder
(SILVEIRA, S.A.); Internet e mobilização política – os movimentos sociais na era digital (PEREIRA,
M.A.). Os papers estão disponíveis no site: http://www.compolitica.org/home/ Acesso: 12.04.2011
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