Em primeiro lugar, a representação do casal, que é antagônica e revel a os
diferentes papel que cumpre cada um no casamento. Atenta-se para o f ato
de se tratar duma sociedade de mais de 500 anos atrás, entre a Idade
Média e a Idade Moderna: ele é severo, bendiz ou, quiçá, jura (fides
levata) - em qualquer caso, ostenta o poder moral da casa (potestas) - e
segura com autoridade a mão de sua esposa (fides manualis), que incl ina a
cabeça em atitude submissa e pousa sua mão esquerda em seu avultado
ventre, sinal inequívoco de sua gravidez (que não é real), que seria sua
culminância como mulher. As mesmas roupas que reforçam esta mensagem,
apesar de que a ambientação sugere um tempo de verão, ou quando
menos primaveril, leva pesadas túnicas que revelam sua alta posição
socioeconômica, o tabardo (antigo capote, de mangas e capuz) dele é
escuro e sóbrio (ainda que os remates de pele de marta custavam,
particularmente, caros), e ela se destaca com um ostentoso vestido, d e cores
vivas e alegres, com punhos de arminho (complementados com um colar,
vários anéis e um cinto todo brocado, todo em ouro).
As laranjas, importadas do sul, eram um
luxo no norte da Europa, e aqui aludem,
talvez, à origem mediterrânea dos
retratados. Conhecidas como "maçãs do
Éden" (podem se tratar de uma
evocação do paraíso perdido), em
alusão ao pecado mortal da luxúria,
provável motivo da perda da graça. Os
instintos pecaminosos da humanidade se
santificam mediante ao ritual do
matrimônio cristão.
O cão dá um ar de graça e calma
ao quadro, que é de surpreendente
solenidade. O detalhismo do pelo é
todo uma proeza técnica. Nos
retratos, os cães podem simbolizar,
como aqui, a fidelidade e o amor
terreno.
A lâmpada só tem uma vela, que
simboliza a chama do amor - era
costume flamengo acender uma vela
no primeiro dia de casamento, mas
também recorda a candeia que
sempre ilumina o ostensório da
igreja, a permanente presença de
Cristo.
Os tamancos espalhados pelo chão - eles vão
descalços - representam o vínculo com o solo
sagrado do lar e também são sinal de que se
estava celebrando uma cerimônia religiosa. A
posição dos sapatos é também relevante: os de
Giovanna, vermelhos, estão próximos à cama;
os de seu marido, mais próximos do mundo
exterior. Naquele tempo se acreditava que
pisar no chão descalço assegurava a
fertilidade.