Lázaro conversa a um canto da sala de visitas com dois colegas. Discutem a situação
do doente, que – consideradas as circunstâncias – lhes parece bastante satisfatória.
Vacarianos de várias gerações – filhos, filhas, genros, noras, netos, sobrinhos do
velho Tibério – andam dum lado para outro, nas pontas dos pés, falando baixinho.
Alguém pergunta por que não mandaram chamar Xisto, mas seu pai explica: “Não
achamos necessário. O Xistinho tem de fazer mais uns exames em Porto Alegre. Se a
situação piorar, que Deus tal não permita, poderemos telegrafar e dizer ao rapaz que
frete um táxi aéreo e venha imediatamente”.
Num outro compartimento do casarão, diante dum velho oratório tosco que
pertenceu à sua bisavó, D. Lanja ajoelhada pede a Deus que não permita o marido
seja chamado ao Seu divino seio. E enquanto reza, ela continua atenta aos ratos, e
teme que eles venham morder-lhe os pés ou entrar-lhe por baixo da saia e subir-lhe
pelas pernas. As chamas das velas bruxuleiam e o cheiro de cera derretida lembra à
matriarca dos Vacarianos a noite do velório de sua amiga Quitéria. E então ela reza
um Padre-Nosso em intenção à aima de sua velha amiga, cujo corpo está agora (e este
pensamento lhe causa um gélido arrepio) dentro do coreto da praça, na pior das
companhias, coitadinha da Quita! Pensa nas filhas e genros ingratos que fugiram para
a estância e nem sequer vieram ajudar a velha neste transe difícil.
No seu quarto, deitado de costas, dentro duma tenda de oxigênio, Tibério
Vacariano, num sono induzido por sedativos, anda perdido a cavalo por uma campina
imensa, caçando bandoleiros, comunistas, que são ao mesmd tempo ratos, que se
escondem em buracos, cubanos barbudos pendurados em árvores, lagartos, lagartixas,
cobras, enormes cobras flácidas nas quais ele atira aflito e erra, porque o cano de seu
revólver se verga, como chocolate derretido pelo calor, e cada vez que puxa no
gatilho, em vez dum estampido, ele ouve apenas uma ventosidade musical, e todos se
riem dele, e agora ele está à frente duma grande coluna militar, lenço vermelho no
pescoço, caçando chimangos, e de súbito se volta e vê a solidão das coxilhas, os seus
soldados desapareceram, covardes!, mas ele decide ir adiante, haja o que houver,
porque sabe que agora é o bravo Blau Nunes, anda em busca da Salamanca do Jarau e
traz a rainha do Egito na garupa, vão se aproximando do Nilo (este mapa está errado,
carajol aqui devia estar o Uruguai ou o Ibicuí) mas o sol foi embora, uma lamparina
ilumina o mundo, e ele tem deitada a seu lado Cleo, que lhe diz que agora o melhor é
descansar, vovô, afinal de contas chega o dia dum homem parar, mas então vocês
querem me fazer de velho? velho é o avô torto, eu ainda sou macho, vamos brincar de
Salamanca, meu bem, está vendo aqueles cerros lá longe?... um par de seios, Blau
Nunes sobe num, depois noutro e desce a encosta... e agora está caminhando a perito
numa várzea e então avista um capão e entra e ali está a boca da caverna... por que
esse susto, menina? e, diacho!, me enganei, estou num cemitério, é uma cova cheia de
defuntos, um perau sem fundo...
Na sala de visitas, o Dr. Lázaro segura o braço da esposa do doente e lhe diz:
– Preciso sair por uma hora ou duas. Meus dois assistentes vão ficar aí de
plantão. Não se impressione, D. Lanja. Se Deus quiser havemos de tirar o velho
dessa, como já o tiramos de outras. Ali pelas onze horas eu volto...
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