vem de fora informar o sujeito, como o supunha o empirismo tradicional, ou, se, pelo contrário, o sujeito
está desde o início munido de estruturas endógenas que ele imporia aos objetos, conforme as diversas
variedades de apriorismo ou de inatismo. Não obstante, mesmo a multiplicar os matizes entre as
posições extremas (e a história das idéias mostrou o número dessas combinações possíveis), o postu-
lado comum das epistemologias conhecidas é supor que existem em todos os níveis um sujeito
conhecedor de seus poderes em graus diversos (mesmo que eles se reduzam à mera percepção dos
objetos), objetos existentes como tais aos olhos do sujeito (mesmo que eles se reduzam a "fenômenos"},
e, sobretudo, instrumentos de modificação ou de conquista (percepções ou conceitos), determinantes do
trajeto que conduz do sujeito aos objetos ou o inverso.
Ora, as primeiras lições da análise psicogenética parecem contradizer essas pressuposições. De uma
parte, o conhecimento não procede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de si mesmo nem
de objetos já constituídos (do ponto de vista do sujeito) que a ele se imporiam. O conhecimento resultaria
de interações que se produzem a meio caminho entre os dois, dependendo, portanto, dos dois ao
mesmo tempo, mas em decorrência de uma indiferenciação completa e não de intercâmbio entre formas
distintas. De outro lado, e, por conseguinte, se não há, no início, nem sujeito, no sentido epistemológico
do termo, nem objetos concebidos como tais, nem, sobretudo, instrumentos invariantes de troca, o
problema inicial do conhecimento será pois o de elaborar tais mediadores. A partir da zona de contato
entre o corpo próprio e as coisas eles se empenharão então sempre mais adiante nas duas direções
complementares do exterior e do interior, e é desta dupla construção progressiva que depende a
elaboração solidária do sujeito e dos objetos.
Com efeito, o instrumento de troca inicial não é a percepção, como os racionalistas demasiado
facilmente admitiram do empirismo, mas, antes, a própria ação em sua plasticidade muito maior. Sem
dúvida, as percepções desempenham
um papel essencial, mas elas dependem em parte da ação em seu conjunto, e certos mecanismos
perceptivos que se poderiam acreditar inatos ou muito primitivos (como o "efeito túnel" de Michotte) só se
constituem a certo nível da construção dos objetos. De modo geral, toda percepção chega a conferir
significações relativas à ação aos elementos percebidos (J. Bruner fala, nesse sentido, de "identifica-
ções", cf. Estudos, vol. VI, cap. I) e é pois da ação que convém partir. Distinguiremos a este respeito dois
períodos sucessivos: o das ações sensório-motoras anteriores a qualquer linguagem ou a toda
conceptualização representativa, e o das ações completadas por estas novas propriedades, a propósito
dos quais se coloca então o problema da tomada de consciência dos resultados, intenções e
mecanismos dos atos, isto é, de sua tradução em termos de pensamento conceptualizado.
I. Os níveis sensório-motores
No que diz respeito às ações sensório-motrizes, J. M. Baldwin mostrou, há muito, que o lactente não
manifesta qualquer índice de uma consciência de seu eu, nem de uma fronteira estável entre dados do
mundo interior e do universo externo, "adualismo" este que dura até o momento em que a construção
desse eu se torna possível em correspondência e em oposição com o dos outros. De nossa parte,
fizemos notar que o universo primitivo não comportaria objetos permanentes até uma época coincidente
com o interesse pela pessoa dos outros, sendo os primeiros objetos dotados de permanência
constituídos precisamente dessas personagens (resultados verificados com minúcia por Th. Gouin-
Décarie, em um estudo sobre a permanência dos objetos materiais e sobre seu sincronismo com as
"relações objetais", neste sentido freudiano do interesse por outrem). Em uma estrutura de realidade que
não comporte nem sujeitos nem objetos, evidentemente o único liame possível entre o que se tornará
mais tarde um sujeito e objetos é constituído por ações, mas ações de um tipo peculiar, cuja significação
epistemológica parece esclarecedora. Com efeito, tanto no terreno do espaço como no dos diversos
feixes perceptivos em construção, o lactente tudo relaciona a seu corpo como se ele fosse o centro do
mundo, mas um centro que a si mesmo ignora. Em outras palavras, a ação primitiva exibe
simultaneamente uma indiferenciação completa entre o subjetivo e o objetivo e uma centração
fundamental, embora radicalmente inconsciente, em razão de achar-se ligada a esta indiferenciação.
Qual poderia ser, no entanto, o laço entre esses dois aspectos? Se existe uma indiferenciação entre o
sujeito e o objeto ao ponto que o primeiro não se conhece nem mesmo como fonte de suas ações, por
que seriam elas centradas no corpo próprio ao passo que a atenção estaria fixada no exterior? O termo
"egocentrismo radical" de que nos valemos para designar esta centração pode, ao invés (malgrado
nossas precauções), parecer evocar um eu consciente (e é ainda mais o caso do "narcisismo" freudiano
ao passo que se trata de um narcisismo sem Narciso). De fato, a indiferenciação e a centração das