João Ubaldo Ribeiro 88
ele está querendo casar. Não sou propriamente contra, mas também
não sou a favor, não vejo para que ele precisa casar. E sou insuspeita
para falar, porque a menina é ótima, sem problemas, cuca fresca,
como se diz. Se a gente está a fim, a gente transa, e ela, apesar de estar
apaixonada por ele, diz que também é apaixonada por mim, tudo sem
grilo. Mas é que eu não sei... Bom, não vou pensar nisso, não adianta.
E não quero dar a entender que tenho ciúme. Achar isso, a esta altura
de uma vida como a minha, é uma ofensa grave, mas as pessoas tiram
conclusões, geralmente baseadas em sua própria maneira de ser, e isso
me irrita, ficaria com vontade de dar porrada em quem dissesse que eu
estou com ciúme. E, veja você, também sou apaixonada por Paulo
Henrique, mas minha paixão não é doente, como costuma acontecer.
Já nasci assim e me aperfeiçoei conscientemente Nunca me deixei
engabelar por essas baboseiras que nos impingem como fazendo parte
da natureza humana. Não se pode estar apaixonado por duas pessoas
ao mesmo tempo, meu Deus, quanta gente morreu e morre todos os
dias por causa desse dogma babaca, que é tão arraigado que a pessoa,
homem e, principalmente, mulher, que está ou é apaixonada por dois
ou três entra em conflitos cavernosíssimos, se remói de culpa, se acha
um degenerado, não confessa o que sente nem às paredes, impõe-se
falsíssimos dilemas, se tortura, é uma situação infernal e cancerígena,
todo mundo lutando estupidamente para ser quixotes e dulcinéas. É o
atraso, o atraso! Em tese, somos capazes de nos apaixonar por tantas
pessoas quantas sejamos capazes de lembrar, o limite é este, não um
ou dois, ou três, ou quatro, ou cinco, ou dezessete, todos esses
números são arbitrários, tirânicos e opressores. Tá lá o meu fichário
apaixonativo, com o perfil do que eu acho atraente, que é bastante
vasto. Entrou novo contato, perfil aprovado, eu posso me apaixonar
por ele. Hoje eu estou altamente informática. A superstição perniciosa
generalizada é que é preciso deletar o anterior, para aceitar o novo.
Que pobreza, que pobreza, que pobreza, que atraso! Se a memória
aceita, se o perfil confere, se a senha foi dada, roda os dois programas
ao mesmo tempo, roda os três, roda os vinte, porra!
Minimiza um, roda embaixo o outro, exporta um arquivo pra lá,
outro pra cá, a informática é muito educativa, para que os débeis
mentais que tanto pontificam e nos abalam com suas besteiras
compreendam que os processos mentais que consideram sublimes e
prova da existência de Deus são meras linhazinhas de comando de
rotina no DOS do cérebro, o buraco é abissalmentissimamente mais
embaixo. Claro que a paixão nova, no primeiro momento, mobiliza
muito o apaixonado, que tende a ficar cego para os outros arquivos e
aí, na maior parte das vezes, o entulho burro começa a aporrinhar, o