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Léon Denis – O Problema do Ser, do Destino e da Dor
Há, logo de princípio, uma coisa que nos causa forte impressão. É, em cada vida renovada,
a repetição constante, no decurso de sessões múltiplas, dos mesmos acontecimentos, na
mesma ordem, quer ascendentes, quer descendentes, de modo espontâneo, sem hesitação,
erro ou confusão.
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Vem, depois, a comprovação unânime dos experimentadores na
Espanha, em Genebra, Grenoble, Aix, etc., verificação que, pessoalmente, pude fazer sempre
que obser vei fenômenos desse gênero. Em cada nova existência que se desenrola, a atitude, o
gesto, a linguagem do su jet mudam; a expressão do olhar difere, tornando- se mais dura, mais
selvagem, à medida que se recua na ordem dos tempos.
Assiste-se à exumação de um complexo de vistas, de preconceitos, de crenças, em relação
com a época e o meio em que essa existência se passou. Quando o sujet , sempre uma mulher
nos casos retro indicados,
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passa por uma encarnação masculina, a fisionomia é
inteiramente outra, a voz é mais forte, o tom mais elevado, os modos afetam uma tal ou qual
rudeza. Não são menos distintas as diferenças, quando é um período infantil que se atravessa.
Os estados físicos e mentais encadeiam-se, ligam-se sempre numa conexidade íntima,
completando- se uns pelos outros e sendo sempre inseparáveis. Cada recordação evocada,
cada cena revivida mobiliza um cortejo de sensações e impressões, risonhas ou penosas,
cômicas ou pungentes, segundo os casos, mas perfeitamente adequadas à situação.
A lei de correlação verificada por Pierre Janet, Th. Ribot, etc. encontra- se novamente aqui
em todo o seu rigor, com precisão mecânica, tanto no que diz respeito às cenas da vida
presente, quanto às que se relacionam com as anteriores. Essa correlação constante bastaria,
por si só, para assegurar às duas ordens de recordações o mesmo caráter de probabilidade.
Verificada, como foi, a exatidão das recordações, da existência atual nas suas fases primárias,
apagadas na memória normal do sujet , o que, para umas, é uma prova de autenticidade,
constitui igualmente forte presunção em prol das outras.
Por outro lado, os sujets reproduziram com uma fidelidade absoluta, com uma vivacidade
de impressões e de sensações por forma alguma fictícias, cenas tão comoventes como
complicadas; asfixia por submersão, agonias causadas pela tuberculose no último grau, caso
de gravidez seguido de parto com toda a série dos fenômenos físicos correlatos – sufocações,
dores, tumefação dos seios, etc.
Ora, esses sujets , quase todos moças de 16 a 18 anos, são, por natureza, muito tímidos e
pouco versados em matéria científica. Por declaração dos próprios experimentadores, dos
quais um é médico da família de Mayo, é notória a incapacidade deles para simularem cenas
como essas; não possuem nenhum conhecimento de Fisiologia, ou de Patologia e, na sua
existência atual, não foram testemunhas de nenhum incidente que pudesse ministrar-lhes
indicações sobre fatos dessa ordem.
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Outra coisa: no encadeamento dessas descrições, no destino dos seres que estão na tela
da discussão, nas peripécias das suas existências, encontramos sempre confirmação da alta
lei de causalidade ou de conseqüência dos atos, que rege o mundo moral. Decerto, não é
possível ver nisso um reflexo das opiniões dos sujets, visto que, a tal respeito, nenhuma noção
Todas essas considerações nos levam a afastar desconfianças de qualquer fraude,
artifício ou hipótese de mera fantasia.
Que talento, que arte, que perfeição de atitude, de gesto, de acentuação não seria
necessário despender de maneira contínua, durante tantas sessões, para imaginar e simular
cenas tão realistas, às vezes dramáticas, na presença de experimentadores hábeis em
desmascarar a impostura, de práticos sempre precavidos contra o erro ou o embuste? Tal
papel não pode ser atribuído a jovens sem nenhuma experiência de vida, com instrução
elementar mui limitada.