Letramento Magda Soares.pdf

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About This Presentation

Livro Magda Soares


Slide Content

Copyright©1998byMagdaSoares
PROJETOGRAFICO
CristianeLínhares
CAPA
MirellaSpinelli
RejaneDias
(Sobreoquadro"AsMeninas"deRenoir)
COORDENAÇAo
CEALE/FaE-UFMG
EDITORAÇAO ELETR6NICA
C/ariceMaiaScoti
REVISAo
LuizPrazeres
RosaMariaDrumondCosta
AnaCarolinaUnsBrandão
Sumário
EDITORARESPONSAvEL
RejaneDias
TodososdireosreservadospelaAutênticaEdora.
Nenhumapartedestapublicaçãopoderáserreproduzida,
sejapormesmecânicos,eletrônicos,sejaviacópia
xerográficasemaautorizaçãopréviadaedora.
APRESENTAÇÃO 09
AUTÊNTICA EDITORAlTDA.
RuaAimorés,981,80andar.Funcnárs
30140-071.BeloHorizonte.MG
Tel:(5531)32226819
TELEVENDAS: 08002831322
www.autenticaedora.com.br Letramentoemverbete
OQUEÉLETRAMENTO?
13
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)
(CâmaraBrasileiradolivro)
CDU-372.4
Letramentoemtextodidático
OQUEÉLETRAMENTO
EALFABETIZAÇÃO
27Soares,Magda.
Letramento:umtemaemtrêsgêneros/MagdaSoares.-3.ed.-
BeloHorizonte:AutênticaEdora,2009.
128p.
ISBN978-85-86583-16-2
1.Alfabetização.2.Leura.3.Escra.I.Título.
S6761
Letramentoemensaio
LETRAMENTO: COMO DEFINIR,
COMO AVALIAR,COMO MEDIR
61

Apresentando acoleção17
Apresentando acoleção
LINGUAGEM &EDUCAÇÃO
oCEALE,Centro deAlfabetização, Leitura eEscrita
daFaldadedeEducação daUFMG,criado em1991,
temproradoproduzir esocializar oconhecimento sobre
aalfabetização, aleitura, aescritaeoensino dalíngua
portuguesaedaliteratura brasileiranasescolas. Paraisso
temrealizadorsos,seminários, conferências, debates, as-
simcomoviabilizado diferentes tiposdepublicações que
possibilitem essasocialização.
AColeção Linguagem&Educação, queoCEALE
inaugura-emparceria comaEditoraAutêntica -como
livroLetramento:umtemaemtrêsgêneros, propõe-se a
socializarestudos arespeito dasrelaçõesentre osfenôme-
nosdalinguagem, aescola easoedade, realizados por
pesquisadorestanto daUFMG comodeoutras instituições
naonais edoexterior. Coloca-se, assim,comoumespa-
çoabertoparainterlocuções nessaáreadeestudos.

8ILetramento
Apresentação I9
Adecisãopelaescolha dotema fetramentoparainau-
gurar oprimeironúmero dacoleção apoia-se nanecessi-
dade deseresponder ainquietaçôes sobre osusosda
leitura edaescrita, cada vezmais colocadaspelassocie-
dades atuais.Onúmero restrito detrabalhossobreotema,
eaexcelêna dostextos daprofessora Magda Soares,
respeitada pesquisadora naáreadelinguagem eeduca-
ção,justificaplenamente anossaescolha.
CEALE
Apresentação
UMTEMA,TRÊSGÊNEROS
Lerumtexto, como vocêestáfazendo agora, éinstau-
rarumasituação discursiva. Aliás,nocasodeste textoque
vocêlêagora,essasituação disrsivajáseiniciou no
momento mesmo emquevocêtomounasmãosestelivro,
observou acapa, uma ilustração, certas cores, umtítulo,
umnome próprio, odaautora, folheouasprimeiras pági-
nas,viuumsumário, queanunatrêstextos...e,soba
influêna desseselementos, chega aestapágina ecome-
çaalerestaApresentação -queleituraestará vocêprodu-
zindo destetexto?
Éarelação queagora seestáestabelecendo entre nós-
entre mim,autora, evocê,leitor ouleitora -queconstruirá
osentidodeste texto. Maseubuscocontrolar essesentido
quevocê construirá tomando asminhas precauçôes: estou
escrevendo estetexto para umcertoleitor, nãoparaum
qualquer leitorgenérico eabstrato,eébuscando interagir
comesseleitor,queimagino epretendo,queescrevo este

10ILetramento
Apresentação III
texto como oestouescrevendo -nesteestilo, comesta
organização, distribuindo assimasideias, dividindo-as em
períodos eparágrafos assim como estoufazendo, lançando
mãodecertos"protocolos deleitura".Ogênero desta
Apresentação estásendo oresultado dafunção queatri-
buoaelaedascondições espeficas emqueaproduzo;
estou supondo: alguém tomou estelivronasmãos,ees-
taráseperguntando:umtema emtrêsgêneros? quesen-
tidoterá"gênero"aqui?eporqueummesmo tema em
trêsgêneros? paraquê?Porque atribuoaestaApresenta-
çãoafunção deresponder aessas perguntas eporque
estou supondo umcerto leitor, comcertosinteresses, com
certos conhementos prévios, comcertadisposição para
lerestaApresentação efolhear estelivro,escrevo aqui
como estou escrevendo: neste gênero.
Osdoisparágrafos anteriores terão deixado claroque
gênero aquitemosentido quelhedáBakhtin:"cada esfera
deutilização dalíngua elabora seustiposrelativamente es-
táveis deenunados, sendo issoquedenominamos gê-
nerosdodiscurso". Eterãodeixado clarotambém queo
gênero dodiscurso,nocasodainteração pormeiodaescrita, é
resultado dafunçãoqueoautor atribuiaotexto, doleitor
específico paraquem oautorescreve, dascondições de
produção dotexto.Porisso,ummesmo tema pode ser
desenvolvido emdiferentes gêneros disrsivos. Indoalém
daquilo queémaisfrequente dizer-se quandosediscute,
numa perspectivadiscursiva, otextoescrito-que,deum
mesmo texto, diferentes leitores constroem diferentes leitu-
ras-pretendeu-se aquievidenciar outracoisa:quesobre um
mesmo temapodem(devem?) serproduzidos, emdife-
rentes situaçõesdiscursivas, diferentes textos paradife-
rentes leitores,emfunção dosseus objetivos, interesses,
características -ummesmo tema emdiferentes gêneros.
Ummesmo tema -letramento, estenovo conceito re-
cém-introduzido nocampo daEducação, dasCiências So-
ciais, daHistória,dasCiências Linguísticas.
Trêsgêneros -trêsdiferentes textosproduzidos emtrês
diferentes condições discursivas, comtrêsdiferentes funções
eobjetivos,paratrêsdiferentes gruposdeleitores, anterior-
mentepublicados emtrêsdiferentes portadores.
Emprimeiro lugar, umtexto produzido para oleitor-
professor comoobjetivo deesclarecerosignificado de
letramento;mais especificamente, umtexto informativo,
descritivo ecrítico, produzido paraaseção"Dicionário
crítico daEducação" deumarevistapedagógica -otema
letramento nogênero verbete.
Emsegundolugar, umtexto produzidoparaoprofessor-
leitor-estudante, envolvido ematividades deaperfeiçoa-
mento eatualização profissional; maisespecificamente,
umtextoqueprocura provocar eorientar areflexão do
professor, buscando suscitar eacompanhar osdiversos e
nemsempreprevisíveis caminhosdoprocesso deapren-
dizagem, textoproduzido parautilizaçãoemcursos, semi-
nários, ofinas deformação continuada -otema
letramentonogênero textodidático.
Finalmente,umtexto destinadoaprofissionais respon-
sáveis por,emdiferentes instânas, avaliar emedirletra-
mentoealfabetização, publicado originalmente como uma
monografiaelaborada para umorganismo internacional
(Unesco), portanto, para umtécnico-leitor internacional
embuscadesuporte teórico parasuasatividades deava-
liação emedida deletramento ealfabetização; maisespe-
cificamente, umtextoanalítico, argumentativo, questionador,
emqueideiassãosubmetidas aidadoso escrutínio -o
tema letramento nogênero ensaio.
Informações mais detalhadas sobreosobjetivos econ-
dições deprodução decada umdessestextos precedem
cada umdeles;mascabe aquiaindaresponder auma
última questão queoleitor desta Apresentação certamente
gostaria deverrespondida: queobjetivotemestelivroem
quesepropõeumsótema emtrêsgêneros? Ou,dizendo

12ILetramento
deoutra forma: aqueleitor sedestinaestelivro? Háduas
respostas aessapergunta.
Aprimeira resposta éque,emboraostextossejam, de
certa forma, recorrentes, nãoserepetem:aespeficidade
darelação autor-leitor emcadatextoconduzaumasitua-
çãodiscursiva diferente, queconstróiumtexto tam-
bém diferente; assim, ostextos antessesomamquese
repetem, cada umampliando, nazkx©?ugemquesão
apresentados, otema únicoletramento.
Asegunda resposta équeoquenestelivrosepretende é
nãoapenas discutir umaconceituação deletramento e
alfabetização, emsuasdiferentes facetasedimensões, mas
também sugerir aoleitorapossibilidade deinterações dis-
cursivas diferenciadas sobre omesmo tema,emtextos es-
critos, emfunção dediferentes relaçõesautor-leitor e
diferentes condições deprodução, gerandotextos dedife-
rentes gêneros.
Oleitor pretendido paraestelivroé,assim, aquele que
seinteressa porletramento ealfabetização, porhabilida-
desepráticas sociais deleitura eescrita,equetambém se
interessaporuma análise discursiva daspráticas depro-
dução detexto edeleitura, ebuscacompreender as
relaçõesautor -texto-leitor, esuasconsequências na
produção dediferentes práticas disrsivas ediferentes
gêneros discursivos.
LETRAMENTO EM
VERBETE:
oQUEÉLETRAMENTO?
Texto'publicado noperiódico"PresençaPedagógica",v.-l,n.10,
jullâgo: /996,naseção'''Dicionáriocríticodaeducação",
. . .

Verbete115
Letramentoépalavra recém-chegada aovocabulário
daEducaçãoedasCiências Linguísticas: énasegunda
metadedosanos80,hácercadeapenasdezanos,por-
tanto, queelasurge nodiscurso dosespealistas dessas
áreas. Umadasprimeiras ocorrênas estáemlivro de
Mary Kato, de1986(Nomundodaescrita: umapers-
pectivapsicolínguística, Editora Ática): aautora, logono
início dolivro(p.7), dizacreditar quealíngua falada
culta "éconsequência doletramento" (grifo meu).': Dois
anos maistarde, emlivro de1988(Adultos nãoalfabeti-
zados:oavessodoavesso,EditoraPontes), LedaVerdiani
Tfouni,nocapítulo introdutório, distingue alfabetização
deletramento:talvezsejaesseomomento emqueletra-
mentoganhaestatuto determo técnico noléxico dos
campos daEducação edasCiências Linguísticas. Desde
então, apalavra torna-se cada vezmais frequente no
discurso escrito efalado deespecialistas, detalforma
que,em1995, jáfigura emtítulo delivroorganizado por
Ângela Kleiman: Ossignificadosdo/etramento:uma
novaperspectivasobre aprática social daescrita (grifo
meu,veryklky?ua nanota1).
IÂngela Kleiman levanta ahipótese dequeMary Kato féqueterácunhado otermo
letramento (vernotaelap.17emKLElMAN, A.(Org.). Ossignificados doletrarnento: uma
novaperspectiva sobreaprática social daescrita. Campinas: Mercado eleLetras, 1995).

161Letramento
Verbete117
oqueexplica osurgimento recentedessa palavra? No-
vaspalavras sãocriadas(ouavelhas palavras dá-seum
novosentido) quandoemergem novos fatos,novasideias,
novasmaneiras decompreender osfenômenos. Quenovo
fato, ounovaideia, ounovamaneira decompreender a
presença daescrita nomundo social trouxe anecessidade
destanova palavra, fetramento?
Seapalavra letramentoainda causaestranheza amui-
tos,outras palavrasdomesmo campo semântico sempre
nosforamfamiliares: analfabetismo, analfabeto, alfabeti-
zar,alfabetização, alfabetizado e,mesmo, letrado eile-
trado.Analfabetismo,define oNovoDicionário Aurélio
daLínguaPortuguesa, éo"estado oucondição deanalfa-
beto", eanalfabetoéo"que nãosabelereescrever", ou
seja,éoquevivenoestado oucondiçãodequem não
sabelereescrever; aaçãodealfabetizar,istoé,segundo
oAurélio, de"ensinar aler"(etambém aescrever, queo
dicionário curiosamente omite) édesignada poralfabeti-
zação,ealfabetizadoé"aquele quesabe ler"(eescre-
ver).Jáfetrado, segundo omesmo dionário, éaquele
"versadoemletras,erudito", eiletrado é"aquele quenão
temconhecimentos literários" etambém o"analfabeto ou
quaseanalfabeto". Odionário Aurélio nãoregistra apa-
lavra"letramento". Essapalavra aparece, porém, numdi-
cionáriodalíngua portuguesa editadohámaisdeum
século,oDicionário Contemporâneo daLíngua Portuguc-
sa,deCaldas Aulete: nasua3ªedição brasileira," overbete
"letramento" caracteriza apalavra como "ant.",istoé,"an-
tiga,antiquada", elheatribuiosignificado de"escrita"; o
verbete remete ainda paraoverbo "letrar" aque, como
transitivo direto, atribuiaacepção de"investigar, soletran-
do"e,comopronominal "letrar-se", aacepção de"adqui-
rirletrasouconhecimentos literários" -significados bem
distantes daquele quehojeseatribuiafetramento(que,
como jádito,nãoaparece noAurélio, comotambém nele
nãoapareceoverbo "letrar").
Certamente, pois, nãofomos buscar no"letramento"
dicionarizado porCaldas Aulete, ejáporeleconsiderado
vocábulo antigo, antiquado, otermo fetramentocomo
sentidoquehojelhedamos.Onde fomos buscá-Ia? Trata-se,
semdúvida, daversão paraoPortuguês dapalavra da
língua inglesa literacy.
Etimologicamente, apalavra literacy vemdolatimlit-
tera(letra), comosufixo -cy,quedenota qualidade, con-
dição, estado, fato deser(como, porexemplo, em
innocency, aqualidade oucondição deserinocente). No
Webster's Diciionary, literacytemaacepção de"thecondi-
tionofbeingliterate", acondição deserliterate.' eliterate
édefinidocomo "educated;especially abletoread and
write", educado, especialmente, capaz delereescrever.
Ouseja:literacy éoestado oucondição queassume aque-
lequeaprende alereescrever. Implícita nesse conceito
estáaideiadequeaescritatrazconskx©?uas sociais,
culturais,políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas,
quer paraogrupo socialemquesejaintroduzida, quer
para oindivíduo queaprendaausá-Ia. Emoutras pala-
vras: doponto devistaindividual, oaprenderalerees-
crever -alfabetizar-se, deixardeseranalfabeto, tornar-se
2oDicionário Contemporâneo daLínguaPortuguesa deCaldas Aulete teveasslIas
trêsprimeiras ediçõesemLisboa(1881, 1925e1948); aquarta edição, l"I'rillll"ira
brasileira,éde1958(asegunda ediçãobrasileira éde1963eaterceira, dl:lda110
texto,éele1974).Como odicionário sofreu numerosas modificações ao1<lllgo dl"
suassucessivas edições, sóumapesquisa nessas edições permitiria den-nnin.u Sl':I
palavra letramento aparece desde aprimeira edição, ousefoiintroduzidn vm"di<"lo
posterior, ousesofreu mudança emsuaacepção aolongodotempo. I'l'S'ILliS;IS
dessa natureza emdicionários contribuem sobremaneira para ad;Jr:H,'~'I() dvf:Itn,c.;,
idéias efenômenos epara aidentificaçào doprocesso detransform"(11I desses
fatos,ideias efenômenos aolongo dotempo.
3Enquanto jáincorporamos aoportuguês apalavra letramento, correspondente ao
inglês iiteracy,ainda nãotemos palavracorrespondente aoinglês lüerate, que
designa aquelequeviveemestado ounacondição desaber lereescrever; apalavra
letrado aindaconserva, emPortuguês, osentido de"versado emletras, erudito".

181Letramento
Verbete119
alfabetizado, adquirir a"tecnologia" dolereescrever e
envolver-se naspráticas sociais deleitura edeescrita _
temconsequências sobre oindivíduo, ealtera seuesta-
dooucondição emaspectos sociais, psíquicos, culturais,
políticos, cognitivos, linguísticos eatémesmo econômi-
cos;doponto devistasocial, aintrodução daescrita em
umgrupo atéentão ágrafo temsobreessegrupo efeitos
denatureza social, cultural, política, econômica, linguístí-
ca.O"estado" oua"condição" queoindivíduo ouo
gruposocial passam ater,soboimpactodessas mudan-
ças,équeédesignado porliteracy.'
Éesse, pois,osentidoquetemfetramento, palavra que
criamos traduzindo "aopédaletra"oinglêsliteracy. tetre-,
dolatimlittera, eosufixo -mento, quedenota oresultado de
umaação(como, porexemplo, emferimento, resultado da
açãodeferir). Letramentoé,pois,oresultado daaçãode
ensinaroudeaprender alereescrever: oestado ouacondi-
çãoqueadquire umgrupo social ouumindivíduo como
consequência deter-se apropriado daescrita.
Dispúnhamos, talvez, deuma palavra mais "verná-
cula": alfabetismo, queoAurélio (quenãodicionariza
letramento,como jádito)registra, atribuindo aessapala-
vra,entre outras acepções, ade"estado ouqualidade de
alfabetizado". Entretanto, embora dicionarizada, alfabetis-
monãoépalavra corrente, e,talvezporisso, aobuscar
umapalavra quedesignasse aquilo queeminglês jáse
designava porliteracy, tenha-se optado porverter apala-
vrainglesa para oportuguês, criando anova palavra fe-
tramento. Curiosamente, emPortugal tem-se preferido o
termoliteracia, mais próximo ainda dotermo inglês.Vale
apenataraspalavras deAntónio Nóvoa emprefácio
quefazàobra recente de]ustino Pereira deMagalhães,'
porque elasabonam ousodeliteracia eainda afirmam a
diferença entre essetermo eotermo analfabetismo, escla-
recendo osentido doprimeiro: António Nóvoa lamenta
quePortugal vá"fechar oséculo XXcomníveis intolerá-
veisdeanalfabetismo (talvez daordem dos15%)ecom
níveis aindamaisbaixos deliteracia, entendidaaquicomo
autilização social dacompetência alfabética" (grifos meus).
Ésignificativo refletir sobre ofatodenãoserdeuso
corrente apalavra alfabetismo, "estado ouqualidade de
alfabetizado', enquanto seucontrário, analfabetismo, "es-
tado oucondição deanalfabeto", étermo familiar ede
universal compreensão. Oquesurpreende équeosubs-
tantivo quenega-analfabetismo seformacomoprefixo
gregoa(n)-,quedenota negação -sejadeusocorrente
nalíngua, enquanto osubstantivo queafirma-alfabetis-
mo-nãosejausado. Damesma forma, analfabeto, que
nega, étambém palavra corrente, masnemmesmo temos
umsubstantivo queafirme oseucontrário (jáquealfabe-
tizadonomeia aquele queapenas aprendeu alereaescre-
ver,nãoaquele queadquiriuoestado ouacondição de
quem seapropriou daleituraedaescrita, incorporando
aspráticas sociais queasdemandam). Aexplicação
nãoédifícil eajuda aclarear osentido dealfabetismo,
oufetramento.
Como foiditoinicialmente, novaspalavras sãocriadas, ou
avelhas palavras dá-se umnovo sentido, quando emergem
novosfatos, novas ideias, novas maneiras decompreender
osfenômenos. Conhecemos bem, ehámuito, o"estado ou
condição deanalfabeto", quenãoéapenas oestado ou
condição dequem nãodispõe da"tecnologia" doleredo
"Nalínguafrancesa, apalavra correspondente aiIliteracy éillettrisme, quese
distingue deanalpbabétisme. analpbabête éoquenãosabelereescrever; illettré é
oquelêeescreve mal,enãosabefazer usoelaleitura edaescrita.
SLereescrever nomundo rural doAntigoRegime: umcontributo para abistôria da
alfabetização edaescolarização emPortugal. Universidade doMinho, Instituto de
Educação, 1994.

20ILetramento
escrever:oanalfabetoéaquelequenãopodeexercerem
todaasuaplenitudeosseusdireitosdejgj?v-éaquele
queasoedademarginaliza,éaquelequenãotemacesso
aosbenslturaisdesoedadesletradase,maisqueisso,
grafocêntricas;porqueconhecemosbem,ehámuito,esse
"estadodeanalfabeto",semprenosfoinecessáriaumapa-
lavraparadesigná-Io,aconhedaecorrenteanalfabe-
tismo.Jáoestadooucondiçãodequemsabelereescrever,
istoé,oestadooucondiçãodequemrespondeadequada-
menteàsintensasdemandassoaispelousoamploedife-
renadodaleituraedaescrita,essefenômenosórecentemente
seconfiguroucomoumarealidadeemnossocontextoso-
al.Antes,nossoproblemaeraapenasodo"estadoou
condiçãodeanalfabeto"-aenormedimensãodessepro-
blemanãonospermitiaperceberestaoutrarealidade,o
"estadooucondiçãodequemsabelereescrever",e,por
isso,otermoanalfabetismonosbastava,oseuoposto_
alfabetismooufetramento-nãonoseranecessário.Só
recentementeesseopostotornou-senecessário,porque
sórecentementepassamosaenfrentarestanovarealidade
soalemquenãobastaapenassaberlereescrever,é
presotambémsaberfazerusodoleredoescrever,
saberresponderàskÀom?ugzdeleituraedeescrita
queasoedadefazcontinuamente-daíorecentesurgi-
mentodotermofetramento(que,comojáfoidito,vem-
setornandodeusocorrente,emdetrimentodotermo
sltebetismoy»Curiosamente,omesmofenômenoocor-
reunalínguainglesa,emqueilliteracyfoitermocorrente
"UmclaroindicadordequeapalavraletramentoénovanoléxicodaLíngua
Portuguesaeaindadeysg??vrestritaàáreaacadêmicaéatraduçãoquesefez
recentementedotermoliteracynaversãoparaoPortuguêsdaimportanteobra
LiteracyandOrality,editadaporDavidR.OlsoneNanTorrance(Culturaescrita
eoraiidade,EditoraÁtica,1995):otermoliteracy,tantonotítulodaobraquantoao
longodetodososcapítulos,foiinadequadamentetraduzidopor"lturaescrita",
ignorando-seotermoletramento(oumesmoalfabetismoj,eprejudicando-seassim
enormementeacorretacompreensãodostextos,jáqueaexpressão"lturaescrita"
deformanenhumaexpressaoconceitoqueliteracynomeia.
VerbeteI21
muitoantesqueotermoliteracyemergisse:oOxfordEn-
glishDictionaryregistraotermoilliteracydesde1660,ao
passoqueseucontrárioliteracysósurgenofimdosélo
XIX.Certamenteosurgimentonestemomentodotermo
literacyrepresentaumamudançahistóricadaspráticas
soais:novasdemandassoaisdeusodaleituraeda
escritaexigiramumanovapalavraparadesigná-Ias.(Ob-
serve-sequeoqueocorreunaGrã-Bretanhaemfinsdo
séloXIX,motivandooaparementodotermolitera,
sóagora,emfinsdoséloXX,vemocorrendonoBrasil,
motivandoacriaçãodotermoletramento.)
Quantoàmudançanamaneiradeconsiderarosignifi-
cadodoacessoàleituraeàescritaemnossopaís-da
meraaquisiçãoda"tecnologia"doleredoescreverà
inserçãonaspráticassoaisdeleituraeescrita,deque
resultouoaparementodotermofetramentoaoladodo
termoalfabetização-umfatoquesinalizabemessa
mudança,emborademaneiratímida,éaalteraçãodocri-
térioutilizadopeloCensoparaverificaronúmerodeanal-
fabetosedealfabetizados:durantemuitotempo,
considerava-seanalfabetooindivíduoincapazdeescrever
opróprionome;nasúltimasdécadas,éarespostaàper-
gunta"sabelereescreverumbilhetesimples?"quedefine
seoindivíduoéanalfabetooualfabetizado.Ouseja:da
verificaçãodeapenasahabilidadedecodificaropróprio
nomepassou-seàverificaçãodacapadadedeusara
leituraeaescritaparaumapráticasoal(lerouescrever
um"bilhetesimples").Emboraessapráticasejaaindabas-
tantelimitada,jáseevidenaabuscadeum"estadoou
condiçãodequemsabelereescrever",maisqueaverifi-
caçãodasimplespresençadahabilidadedecodificarem
línguaescrita,istoé,jáseevidenaatentativadeavalia-
çãodoníveldefetramento,enãoapenasaavaliaçãoda
presençaoug©z?ugda"tecnologia"dolereescrever.

221Letramento
Aavaliação doníveldefetramento,enãoapenas da
presença ounãodacapacidade deescreverouler(oíndi-
cedealfabetização) éoquesefazempaísesdesen-
volvidos, emqueaescolaridade básicaérealmente
obrigatória erealmente universal,esepresume, pois,que
todaapopulação teráadquiridoacapadade delere
escrever. Assim, deummodo geral, essespaísestomam
como critério paraavaliar oníveldeletramento dapopu-
laçãoonúmero deanosdeescolaridadecompletados pe-
losindivíduos (4,5oumais,dependendodopaísquese
esteja considerando eainda domomentohistórico: onú-
mero deanosdeescolaridade tomadocomocritério cresce
aolongo dotempo,àmedida quecrescemasdemandas
sociais deleituraeescrita): opressupostoéqueaescola,
em4,5oumais anos,terálevadoosindivíduosnãosóà
aquisição da"tecnologia" doleredoescrever, mastam-
bémaosusosepráticas sociais daleituraedaescrita, a
umaadequada imersão nomundodaescrita. Oqueinte-
ressaaessespaíseséaavaliação doníveldefetramento
dapopulação, nãooíndice dealfabetização,efrequen-
temente buscam essenível pelarealizaçãodecensos por
amostragem emque,pormeiodenumerosasevariadas
questões, avaliam ousoqueaspessoasfazemdaleitura e
daescrita, aspráticas sociais deleituraedeescrita deque
seapropriaram.
Sendo assim, éimportante compreender queéatetre-
mentoqueseestão referindo ospaísesdesenvolvidos
quando denunciam, como têmfeitocomfrequência, Ín-
dicesalarmantes deilliteracy (EstadosUnidos,Grã-Bre-
tanha, Austrália) oudeillettrisme(França)napopulação;
naverdade, nãoestãodenunciando, comosecostuma crer
noBrasil, umaltonúmero depessoasquenãosabem ler
eescreuer (fenômeno aquenosreferimosnós,brasilei-
ros,quando denunciamos onosso aindaaltoíndice de
analfabetismo), masestãodenunandoumaltonúmero
Verbete123
depessoasqueevidenciam nãoviveremestadooucon-
diçãodequemsabelereescrever, istoé,pessoasque
nãoincorporaramosusosdaescrita, nãoseapropria-
ramplenamentedaspráticas sociais deleitura edees-
crita:emsíntese, nãoestão sereferindo aíndices de
alfabetização,masaníveis defetramento.Umexem-
ploéapesquisadesenvolvida nasegunda metade dos
ano80nosEstados Unidos, buscando identificar onível
deletramento(literacy) dejovens americanos (faixa etá-
riade21a25anos): emprimeiro lugar, osinstrumentos
utilizados avaliaram ashabilidades deler,compreender
eusartextosemprosa, como editoriais, reportagens, poe-
mas,ete.edelocalizar eusarinformações extraídas de
mapas,tabelas,quadros dehorários, etc.,oqueeviden-
ciaqueoobjetivonãofoiverificar seosjovens sabiam
lereescrever-seeram alfabetizados -massesabiam
fazer usodediferentes tiposdematerial escrito, com-
preendê-Ias, interpretá-Ias eextrair delesinformações -
queníveldeletramento tinham; emsegundo lugar, a
conclusão dapesquisa foiqueailliteracy (aincapa-
dadedelereescrever, istoé,oanalfabetismo) nãoera
umproblemaentre osjovens, aliteracy (acapacidade
defazerusodaescrita, istoé,oletramento) éque
constituíaoproblema.
Adiferença entre alfabetizaçãoefetramentofica
clara tambémnaáreadaspesquisas emEducação, em
História, emSoologia, emAntropologia. Aspesquisas
quesevoltamparaoestudo donúmero dealfabetizados
eanalfabetosesuadistribuição (por região,porsexo,
poridade,porépoca, poretnia,pornível socioeconômico,
entreoutrasvariáveis), ouquesevoltam para onúmero
decriançasqueaescola consegue levar àaprendizagem
daleituraedaescrita, nasérie inicial, sãopesquisas
sobrealfabetização; aspesquisas quebuscam identifi-
carosusosepráticas sociais deleitura eescrita em

241Letramento
determinado grupo social (porexemplo, emcomunidades
denível sooeconôrnico desfavoredo, ouentre crian-
ças,ouentre adolescentes), oubuscamreperar, com
baseemdomentos eoutrasfontes, aspráticas deleitu-
raeescritanopassado (emdiferentes épocas, emdife-
rentes regiões, emdiferentes grupos sociais) sãopesquisas
sobre fetramento.
Uma última inferêricia quesepode tirardoconceito
defetramentoéqueumindivíduo pode nãosaber ler
eescrever, istoé,seranalfabeto, masser,decerta
forma, letrado(atribuindo aesteadjetivo sentido vin-
culado aletramento). Assim, umadulto pode seranal-
fabeto, porque marginalizado social eeconomicamente,
mas,seviveemummeio emquealeituraeaescrita
têmpresença forte,seseinteressa emouviraleitura de
jornais feita porumalfabetizado, serecebe cartas que
outros leem paraele,seditacartas para queumalfabe-
tizado asescreva (eésignificativo que,emgeral, dita
usando vocabulário eestruturas próprios dalíngua es-
crita), sepede aalguém quelheleiaavisosouindica-
ções afixados emalgumlugar, esseanalfabeto é,de
certaforma, fetrado, porque fazusodaescrita, envol-
ve-se empráticas sociais deleituraedeescrita. Da
mesma forma, acriança queainda nãosealfabetizou,
masjáfolheia livros, fingelê-Ios, brincadeescrever, ouve
histórias quelhesãolidas, estárodeada dematerial es-
critoepercebe seuusoefunção, essacriança éainda
"analfabeta", porque nãoaprendeu alereaescrever,
masjápenetrou nomundo dofetramento, jáé,de
certaforma, fetrada.Essesexemplos evidenam aexis-
tênadeste fenômeno aquetemos chamado tetremen-
toesuadiferença deste outro fenômeno aquechamamos
alfabetização, eapontam aimportâna enecessidade
desepartir,nosprocessos educativos deensino e
VerbeteI25
aprendizagem daleitura edaescrita voltados sejapara
crianças, sejaparaadultos, deumaclara concepção des-
sesfenômenos edesuasdiferenças erelações.

t._,
~,o:.,
i;";'jJi1::;, 'i.~\t"~:t'"~ji
,··:t:l!TRAMI!~NTó EM
TEXTO DIDÁTICO:
oQUEÉLETRAMENTO
EALFABETIZAÇÃO
.>. ::;Y:7!)-~~~:~'::_--~;::;:~: .<':--~~;~:~ ;;iciE'::;;_:_:~_;;"";~:;:-i:_:; ~•.-;~;:::'~~~:i;!~--=;:;_~;~~:~~~!-.,:~:;_:_':'::(.'~
2::....'re~t~~;p~pâ~ido ;:P;o€~1!cit!1çãô:do'i~~t~~;?d~;A~êr.rér,~O'm:ent~:~:
:'i.·:;:'::d~;;P:;/b~sSiDVQi$:;d~:jfO$,~~;~ ;G,lWç:~~: d~;:aie:dé;,M'Ún;éi.~(, i1é:;insif;J~;
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~;.,:.'::~~~,:~;:~~~;j,.~-~;~:~'~;:::::~!>,!.:;: ::~::2<~:.->':';,~:;.,~;,~:!::i~,:'~,:,-: I~'::':'_-:~:::i~~:'~~;~::~.,:;,~, ;"it'·~;

T_,;_J29
Nestetexto,vamosdistirconceitose,portanto,pala-
vras,ou,sequiserem,vamosdistirpalavrase,portanto,
conceitos:osconceitosalfabetizaçãoeletramento,aspa-
lavrasalfabetizaçãoeletramento.
Emumprimeiromomento,gostariadefazerum"passeio"
pelocamposemânticoemqueseinseremessaspalavras,
essesconceitos.Sãopalavrasdeusocomum,conhedas,
excetotalvezletramento,palavraaindadesconhedaou
malentendida,ouaindanãoplenamentecompreendida
pelamaioriadaspessoas,porqueépalavraqueentrouna
nossalínguahámuitopoucotempo.
ALFABETIZAÇÃO
ALFABETIZAR ALFABETIZADO
ANALFABETISMO ANALFABETO
LETRAMENTO
LETRAMENTO ILETRADO
ALFABETISMO
Nãopresamosdefiniressaspalavras,porqueestamos
familiarizadoscomelas,talvezcomexceçãoapenasda
palavraletramento.Masvoumedeternelasparaconduzir
nossareflexãoemdireçãoaosentidodeletramento.

30ILetramento
Vejamos asdefinições queaparecem nodionário Au-
rélio:
ANALFABETISMO: estadooucondiçãodeanalfabeto
a(n)+alfabet+ismo
~ ~
a-;prefixo grego
(acrescenta -seum-n-
quando apalavra aque
éadicionado começa
comvogal)
indica:
privação, faltade
Exemplos:
acéfalo.
semcabeça,semcérebro
amoral.
privado demoral
-ismo.sufixo
indica:
mododeproceder,
depensar
Exemplos:
heroismo:
procedimento deherói
servilismo:
procedimento servil
ANALFABETO: quenãoconheceoalfabeto,
quenãosabelereescrever
a(n)+alfabeto
Naspalavrasanalfabetismo eanalfabetoaparece opre-
fixoa(n)«
Analfabetoéaquelequeéprivadodoalfabeto, aque
faltaoalfabeto, ouseja,aquele quenãoconhece oalfabe-
to,quenãosabelereescrever.
(Aopédaletra, significa aquele quenãosabenemoalfa,nemo
beta-atfaebetasãoasprimeiras letras doalfabeto grego; em
outras palavras: aquele quenãosabeobê-a-bâ.)
Emanalfabetismo, aparece aindaosufixo-ismo.a
palavrasignifica ummododeprocedercomoanalfabeto,
ouseja:analfabetismo éumestado, umacondição, omodo
deproceder daquelequeéanalfabeto.
T_~,,~.J.\1
ALFABETIZAR: ensinaralereaescrever
alfabet+izar
~
-izer. sufixo
indica:
tornar, fazercomque
Exemplos:
suavizar: tornar suave
industrializar:
tornar industrial
Alfabetizarétornar oindivíduocapaz delereescrever.
ALFABETIZAÇÃO: açãodealfabetizar
Alfabet+iza(r)+ção
~
-çêo:sufixoqueforma
substantivos
indica: ação
Exemplos:
traição:açãodetrair
nomeação:
açãodenomear
Alfabetizaçãoéaaçãodealfabetizar, detornar"alfa-
beto".
Causaestranhezaousodessapalavra"alfabeto",na
expressão"tornaralfabeto".Équedispomosdapalavra
analfabeto,masnãotemosocontráriodela:temosa
palavranegativa,masnãotemosapalavrapositiva.
Énocamposemântico dessas palavras queconhecemos
bem-analfabetismo, analfabeto, alfabetização, alfabeti-
zar-quesurge apalavraletramento. Comosurgiu essa
palavra eoqueelaquerdizer?

321Letramento
LETRAMENTO?
Conhecemos aspalavras letradoeiletrado.
LETRADO: versadoemletras,erudito
ILETRADO: quenãotemconhementos literários
umapessoaletrada =umapessoaerudita, versada em'
letras (letras significando literatura,línguas);
umapessoailetrada =umapessoaquenãotemconhe-
cimentos literários, quenãoéerudita;analfabeta, ouqua-
seanalfabeta.
Osentidoquetemosatribuídoaosadjetivosletradoe
iletradonãoestárelaonadocomosentidodapalavra
letramento.
Apalavra letramento ainda nãoestádionarizada, por-
quefoiintroduzida muito recentementenalíngua portu-
guesa, tanto quequasepodemos datarcomprecisão sua
entrada nanossalíngua, identificarquandoeonde essa
palavra foiusada pelaprimeira vez.
Parece queapalavra letramento apareceupelaprimei-
raveznolivrodeMary Kato:Nomundodaescrita: uma
perspectiva psicolinguística, de1986. [Consulte orodapé,
sequiser areferência completa.]' Napágina7,aautora
dizoseguinte:
Acredito ainda queachamada norma-padrão, oulínguafalada culta,
éconseqüência doletramento, motivoporque, indiretamente, é
função daescola desenvolver noalunoodomíniodalinguagem falada
institucionalmente aceita. (grifo meu)
1KATO, Mary A.Nomundodaescrita: umaperspectiva psicounguisuca. SãoPaulo:
Ática, 1986.(Série Fundamentos)
TextodidáticoI33
Apalavraletramento nãoé,como sevê,definida pela
autora e,depoisdessareferência, éusadavárias vezes no
livro;foi,provavelmente, essaaprimeira vezqueapala-
vraletramentoapareceu nalíngua portuguesa -1986.
LEIASEQUISER:
Éinteressante verificar que asubstantivo doverbo letrar, que
palavra letramentoaparece hásignificava oquehojechamamos
umséculo atrás, nodicionário desoletrar. Estarnos, pois, diante
Caldas Aulete, jáaliindica daelocaso deuma palavra que
como palavra antiga ouanti- "morreu" e"ressuscitou" em
quada, palavra fora deuso, e1986 ...Éeste umbelíssimo
comumsentido que nãoéoexemplo decomoalíngua é
queapalavra letramento tem algorealmente vivo, decomo as
hoje;segundooDicionário Cal- palavras vãomorrendo enascendo
dasAulete,letramento significa- conforme fenômenos sociais e
vaomesmo que escrita, culturais vãoocorrendo.
Depoisdareferência deMary Kato, em1986, apalavra
letramentoaparece em1988,nolivroque,pode-se dizer,
lançou apalavra nomundo daeducação, dedicapáginas à
definiçãodeletramento ebuscadistinguir letramento de
alfabetização:éolivroAdultos nãoalfabetizados: oavesso
doavesso,deLeda Verdiani Tfouni,umestudo sobreo
mododefalaredepensar deadultos analfabetos. [Consulte o
rodapé,sequiserareferêna completa.F
Maisrecentemente, apalavra tornou-se bastante cor-
rente, aparecendo atémesmoemtítulo delivros,porexem-
plo:Ossignificados doletramento, coletânea detextos
organizada porÂngela Kleiman, livrode1995; Alfabetiza-
çãoeletramento,damesma Leda Verdiani Tfouni, ante-
riormentemenonada, livrotambém de1995.[Consulte o
rodapé,sequiserasreferências cornpletas.P
2TFOUNI, LedaVerdiani. Adultos nãoalfabetizados: oavesso doavesso. SãoPaulo:
Pontes, 1988. (Coleçào Linguagem/Perspectivas),
3KLEIMAN, Ânge1a 13.(org.). Ossignificados doletrarnento: umanova perspectiva
sobre aprática social daescrita, Campinas, SI':Mercado deLetras, 1995.
TFOUNI, LedaVerdiani. Alfabetizaçâo eletramento. S'lOPaulo: Cortez, 1.995. (Coleção
Questões denossa época).

34ILetramento
Nabusca deesclarecer oquesejaletramento, talvez
sejainteressante refletirmos sobreoseguinte:vivemos sé-
culos semprecisar dapalavraletramento;apartir dos
anos80,começamos apresar dessapalavra,inventamos
essapalavra -porquê,paraquê?
Porqueaparecempalavrasnovasnalíngua?
Resposta
Nalíngua sempre aparecem
palavras novas quando fenô-
menos novosocorrem, quan-
doumanova idéia, umnovo
fato,umnovo objeto surgem,
sãoinventados, eentãoéne-
cessário terumnome para
aquilo, porque oserhumano
nãosabeviversemnomear as
coisas: enquanto nósnãoas
nomeamos, ascoisas parecem
nãoexistir.
Umexemplo
Hojeemdiaseusacommuita
lykx©?ugapalavra globaliza-
çâo,abrimosojornaleláestáa
palavraglobalização; poucos
anosatrás,ninguém usava essa
palavra,nãonosentido comque
aestamosusando atualmente.
Porquesurgiuapalavra. globa-
lização? Porque surgiu um
fenômeno novonaeconomia
mundialefoipreciso darum
nomeaessefenômeno novo-
surgeassimapalavra nova.
VEIAOUTROS EXEMPLOS. SEQUISER:
Umexemplo mais familiar desur-
gimento deumanovapalavra éo
casodapalavra televisão, quefoi
íntroduzída nalíngua nosanos 50,
época emqueapareceu essenovo
meio decomunicação efoipreci-
sodarumnome aele.
Outros exemplos sãoaspalavras
ligadas aousodocomputador: há
uma série depalavras queestão
entrando nalíngua,porexemplo,
micreiro; quedesigna apessoausu-
áriadomícrocornputador, inter~
nauta, ouseja,apessoa que"na-
vega" naInternet, eainda aintro-
dução, nonosso vocabulário coti-
diano, depalavrasdaáreadainfor-
mática, comoacessar; significando
estabelecercontato,edele/ar, que
vemsubstituindoapalavra apagar.
Portanto: otermo letramento surgiuporqueapareceu
umfatonovoparaoqualprecisávamos deumnome, um
fenômeno quenãoexistia antes, ou,seexistia, nãonos
TextodidáticoI35
dávamoscontadelee,como nãonosdávamos contadele,
nãotínhamosumnomeparaele.
Trêsperguntaspresam agoraserrespondidas:
Qualéo
significadodessa
palavraletramento?
Porquesurgiu
essanovapalavra,
letramento?
Ondefomos
buscaressanova
palavra,letramento?
Comecemosporresponder àúltima pergunta.
ONDE FOMOS BUSCAR APALAVRA LETRAMENTO?
Naverdade,apalavra letramento éumatradução para
oportuguêsdapalavrainglesa literacy, osdicionários de-
finemassimessapalavra:
LITERACY:theconditionofbeingliterate
littera+cy
tt
palavra latina =letra -cy:sufixo
indica:
qualidade, condição, estado
Exemplo:
innocency.
condição deinocente.
Traduzindoadefinição acima, literacyé"acondição
deserletrado"-dandoàpalavra "letrado" sentidodiferen-
tedaquelequevemtendoemportuguês. [Recorra àpági-
na32,sepresarrecordarqualéessesentido.] Eminglês,
osentidodeliterate é:

361~_~
LITERATE: educated;especiallyabletoreadandwrite
educado;espeficamente,quetemahabilidade
delereescrever
Literateé,pois,Oadjetivoquecaracterizaapessoaque
dominaaleituraeaescrita,eliteracydesignaoestadoou
condiçãodaquelequeéliterate,daquelequenãosósabe
lereescrever,mastambémfazusocompetenteefrequen-
tedaleituraedaescrita.
Há,assim,umadiferençaentresaberlereescrever,ser
alfabetizado,evivernacondiçãoouestadodequemsabe
lereescrever,serletrado(atribuindoaessapalavraosenti-
doquetemliterateeminglês).Ouseja:apessoaqueapren-
dealereaescrever-quesetornaalfabetizada-eque
passaafazerusodaleituraedaescrita,aenvolver-senas
práticassoaisdeleituraedeescrita-quesetornaletrada
-édiferentedeumapessoaquenãosabelereescrever-é
analfabeta-ou,sabendolereescrever,nãofazusoda
leituraedaescrita-éalfabetizada;masnãoéletrada,não
vivenoestadooucondiçãodequemsabelereescrevere
praticaaleituraeaescrita.
oadjetivoletrado,eseufemininoletradaserãousadosno
restantedestetextocomumsignificadoquenãoéoque
têm(porenquanto)nosdicionários:serãousadospara
caracterizarapessoaque,alémdesaberlereescrever,
fazusofrequenteecompetente daleituraedaescrita.
Serãousadostambém osadjetivosi1etradoliletradacomo
seusantônimos.
Estadooucondição:essaspalavrassãoimportantespara
quesecompreendamasdiferençasentreanalfabeto,alfabe-
tizadoeletrado;opressupostoéquequemaprendealerea
escreverepassaausaraleituraeaescrita,aenvolver-seem
práticasdeleituraedeescrita,torna-seumapessoadiferente,
adquireumoutroestado,umaoutracondição.
T.~,;_J37
Soalmenteelturalmente,apessoaletradajánãoé
amesmaqueeraquandoanalfabetaouiletrada,elapas-
saaterumaoutracondiçãosoaleltural-nãose
tratapropriamentedemudardeníveloudeclassesoal,
ltural,masdemudarseulugarsoal,seumodode
vivernasoedade,suainserçãonaltura-suarelação
comosoutros,comocontexto,comosbenslturais
torna-sediferente.
Háahipótesedequetornar-seletradoétambémtornar-se
cognitivamentediferente:apessoapassaaterumaforma
depensardiferentedaformadepensardeumapessoa
analfabetaouiletrada.
SEDESEJARLERPESQUISASQUEEXPLORAMESSAHIPÓTESE:
olivrodeLedaVerdianiTfouniLuria,relatadanolivrodesse
játado,Adultosnãoalfabeti-autortraduzidoparaoportu-
zados.oavessodoavessorelataguêscomoDesenvolvimento
pesquisabaseadanessahípó-cognitivo:seusfundamentos
tese;umapesquisaclássicanessaculturaisesociais,SãoPaulo:
áreaéadopsicólogorussoÍcone,1990.
Tornar-seletradotraz,também,ivuzkx©?ugzlínguís-
ticas:algunsestudostêmmostradoqueoletradofalade
formadiferentedoiletradoedoanalfabeto;porexemplo:
pesquisasquecaracterizaramalínguaoraldeadultos
antesdeseremalfabetizadoseacompararamcomalín-
guaoralqueusavamdepoisdealfabetizadosconcluíram
que,apósaprenderalereaescrever,essesadultospas-
saramafalardeformadiferente,evidenandoqueo
convíviocomalínguaescritatevecomoivuzkx©?ugz
mudançasnousodalínguaoral,nasestruturaslinguís-
ticasenovocabulário.
SEQUISERLERUMPOUCOMAISSOBREISSO:
MaryKato,nolivrojátado,duçàodocapítulo,páginas10
Nomundodaescrita,trataa12,eoitem"Afalapré-
dessaquestãonocapítulo1:letramentoepós-letramento",
leia,partilarmente, aintro-páginas22-23.

381Letramento
Enfim:ahipóteseéqueaprenderalereaescrevere,
alémdisso,fazerusodaleituraedaescritatransformam
oindivíduo,levamoindivíduoaumoutroestadoou
condiçãosobváriosaspectos:soal,ltural,cognitivo,
linguístico,entreoutros.
Tentamosresponder,atéaqui,aumadastrêsperguntas
dapágina35:
RESPONDIDA?
Qualéo
significadodessa
palavraletramento?
Porquesurgiu
essanovapalavra,
letramento?
Ondefomos
buscaressanova
palavra,letramento?
Busquemos,agora,arespostaàprimeirapergunta.
FINALMENTE, UMADEFINiÇÃO DELETRAMENTO
Chegamosfinalmenteàpalavraeaoconceitoletra-
mento:
letra+mento
1-1-
formaportuguesada
palavralatinalittera
-mento:sufixo
indica:
resultadodeumaação
Exemplo:
ferimento:
resultadodaaçãodeferir
Portanto:letramentoéoresultadodaaçãode"letrar-
se",sedermosaoverbo"Ietrar-se"osentidode"tornar-se
letrado".
Textodidático139
LETRAMENTO
Resultadodaaçãodeensinareaprenderas
práticassociaisdeleituraeescrita
Oestadooucondiçãoqueadquire
umgruposocial
ouumindivíduo
comoconsequênciadeter-seapropriado
daescritaedesuaspráticassociais
Observaçãoimportante:ter-seapropriadodaescri-
taédiferentedeteraprendidoalereaescrever:aprender
alereescreversignificaadquirirumatecnologia,ade
codificaremlínguaescritaededecodificaralínguaescri-
ta;apropriar-sedaescritaétornaraescrita"própria",ou
seja,éassumi-Iacomosua"propriedade".
oEXEMPLOABAIXOPODETORNARMAISCLARAESSADIFERENÇA;LEIA-O,SE(ULGARNECESSÁRIO.
Retomemosagrandediferençaentrealfabetizaçãoele-
tramento,entrealfabetizadoeletrado[senecessário,reveja
aspp.36,38]:umindivíduoalfabetizadonãoéneces-
sariamenteumindivíduoletrado;alfabetizadoéaquele
Gruposindígenassãosoedades
ágrafas,istoé,soedadessem
escrita[observe,napalavraágrafa,
apresençadoprefixogregoa-,
jádistido:a-grafa=semgrafia,
semescrita].
Alfabetizaríndiossignificadara
elesacessoàtecnologiadeleitura
edeescrita,oqueostornaráalfa-
betizados,masnãoletrados.
Introduzirnogrupopráticas
soaisdeleituraedeescrita(a
leituradelivros,aescritadecar-
tas,oregistroporescritodesua
ltura,atrocadomentada em
rebos,asinalizaçãodehabi-
tações,caminhoselocaiscom
palavrasefrases,ete.)significa
mudarseuestadooucondição:
elepassaaserumgrupodife-
rentenosaspectosltural,soal,
político,linguístico,psíquico.

40ILetramento
indivíduo quesabelereescrever; jáoindivíduo letrado,o
indivíduo quevive emestado deletramento, énãosó
aquele quesabelereescrever, masaquele queusasoal-
mente aleitura eaescrita, pratica aleitura eaescrita,
responde adequadamente àsdemandas sociais deleiturae
deescrita.
LETRAMENTO DEFINIDO NUMPOEMA
Umaestudante norte-americana, deorigem asiática, Kate
M.Chong, aoescreversuahistória pessoal deletramento,
define-o emumpoema; atradução dopoema, comas
necessárias adaptações, éaseguinte [para areferêna
dolivro emqueopoema foipublicado, nalíngua origi-
nal,vejaorodapé]."
.\Mcl.AUGHUN, M.&VOGT, M.E. Portfolios inTeacber Education. Newark, De:
Internatíonal Reading Association, 1996.
TextodidáticoI41
oQUEÉLETRAMENTO?
Letramento nãoéumgancho
emquesependura cada somenunciado,
nãoétreinamento repetitivo
deumahabilidade,
nemummartelo
quebrando blocosdegramática.
Letrarnento édiversão
éleitura àluzdevela
ouláfora, àluzdosol.
Sãonotícias sobre opresidente,
otempo, osartistas daTV
emesmoMônica eCebolinba
nosjornais dedomingo.
Éuma receita debiscoito,
umalistadecompras, recados coladosnageladeira,
umbilhete deamor,
telegramas deparabéns ecartas
develhos amigos.
Éviajarparapaíses desconhecidos,
semdeixar suacama,
érirechorar
compersonagens, heróis egrandes amigos.
Éumatlas domundo,
sinais detrânsito, caçasaotesouro,
manuais, instruções, guias,
eorientações embulas deremédios,
para quevocênãofique perdido.
Letramento é,sobretudo,
ummapadocoração dohomem,
ummapadequemvocêé,
edetudoquevocêpode ser.

42ILetramento
Sevocêdesejaumaexplicaçãodopoema,leiaesta
páginaeapáginaseguinte;sejulgadesnecessária
essaexplicação,passelogoàpágina44.
oQUEÉLETRAMENTO?
Letramentonãoéumgancho
emquesependuracadasomenunado,
nãoétreinamentorepetitivo
deumahabilidade,
nemummartelo
quebrandoblocosdegramática.
Letramentoédiversão,
Éleituraàluzdevela
Ouláfora,àluzdosol.
Sãouv~?gzsobreopresidente,
otempo,osartistasdaTV,
emesmoMônicaeCebolinha
nosjornaisdedomingo.
Letramento nãoéalfabe-
tização:estaéqueéumpro-
cessode"pendurar"sonsem
letras("ganchos");costuma
serumprocessodetreino,
paraqueseestabeleçamas
relaçõesentrefonemasegra-
femas,umprocessodedes-
montedeestruturaslinguís-
ticas("ummarteloquebran-
doblocosdegramática").
Letramentoéprazer,élazer,
éleremdiferenteslugares
esobdiferentescondições,
nãosónaescola,emexer-
i?vzdeaprendizagem.
Letramentoéinformar-se
atravésdaleitura,ébuscar
uv~?gzelazernosjornais,
éinteragircomaimprensa
diária,fazerusodela,sele-
onando oquedesperta
interesse,divertindo-secom
astirasdequadrinhos.
Éumareceitadebiscoito,
umalistadecompras,recadoscoladosna
geladeira,
umbilhetedeamor,
telegramasdeparabénsecartas
develhosamigos.
Éviajarparapaísesdesconhedos,
semdeixarsuacama,
érirechorar
compersonagens,heróisegrandesamigos.
Éumatlasdomundo,
sinaisdetrânsito,caçasaotesouro,
manuais,instruções,guias,
eorientaçõesembulasderemédios,
paraquevocênãofiqueperdido.
Letramentoé,sobretudo,
ummapadocoraçãodohomem,
ummapadequemvocêé,
edetudoquevocêpodeser.
TextodidáticoI43
Letramentoéusaraleitura
paraseguirinstruções(are-
ceitadebiscoito),paraapoio
àmemória(alistadaquilo
quedevocomprar),paraa
comunicaçãocomquemestá
distanteouausente(oreca-
do,obilhete,otelegrama).
Letramentoélerhistórias
quenoslevamalugaresdesco-
nhedos,semque,paraisso,
sejanecessáriosairdacama
ondeestamoscomolivronas
mãos,éemoonar-secomas
históriaslidas,efazer,dos
personagens,amigos.
Letramentoéusaraescrita
paraseorientarnomundo
(oatlas),nasruas(ossinais
detrânsito),parareceber
instruções(paraencontrar
umtesouro paramontar
umaparelhoparatomarum
remédio),enfim,éusaraes-
critaparanãoficarperdido.
Letramentoédescobrirasi
mesmopelaleituraepela
escrita,éentender-se,lendo
ouescrevendo(delinearo
mapadequemvocêé),eé
descobriralternativasepossi-
bilidades,descobriroque
vocêpodeser.

441Letramento
opoemamostra queletramento émuitomaisquealfa-
betização. Eleexpressamuitobemcomooletramento éum
estado,umacondição: oestado oucondição dequem
interagecomdiferentes portadores deleituraedeescrita,
comdiferentes gêneros etiposdeleituraedeescrita, com
asdiferentes funções quealeituraeaescritadesempe-
nham nanossa vida.Enfim: letramenro éoestado oucondi-
çãodequem seenvolve nasnumerosas evariadas práticas
sociais deleitura edeescrita.
LEIASEQUISER:
Háumapalavra quetalvezseria palavraalfabetismo.Aocontrá-
maisadequada paradesignar esse riodeletramento, éumapalavra
estadooucondição queestarnos dionarizada, comaseguinte defi-
denominando letramento. anição noDicionário Aurélio:
Alfabetismo =estado ouqualidade dealfabetizado
Deumaforma sintética, éomes- Uma curiosidade: emPortugal,
mosentido deIetrameruo. Alfabe- tem-se usado apalavra literacia,
USlnO teria avantagem deapre- nãoseconhece apalavra letra-
sentar-se como oantônimo eleanal- mento-literacia éuma rranspo-
fabetismo que,como vimos (página sição muitomais próxima dapala-
30),éo"estado oucondição eleanal- vraliteracy,doinglês. [Sequiser
[abeto". Maséapalavraletramento umexemplodousodapalavra
quesevemimpondo, naáreaelosliteracianaliteraturaeducacional
estudos sobre aleitura eaescrita. portuguesa,leiaorodapé.P
Tentamos responder, atéagora, aduas dastrêspergun-
tasdapágina 35:
,Antônio Nóvoa, umconhecido autor português eleobrasnaáreadaEducação,
afirma, aoprefaciar Lima obra recente (Lereescrevernomundo ruraldoAntigo
Regime: umcontributo para. ahistória daalfabetizaçãoedaescolarizaçâo em
Portugal, dejustir.o Pereira deMagalhães, 1994):
"Portugal vaifechar Oséculo XXcomníveis intoleráveis eleanalfabetismo (talvez elaordem
dos15%)eC0111níveis aindamaisbaixos deliteraa, entendida aquicomo autilização
social elacompetência alfabética." (grífos meus). Acitação fazmaisquecomprovar ouso
elapalavra lüeraaa emPortugal: sepensarmos nasituação brasileira, concluiremos que
também nósfecharemos oséculo XXnamesma situação -com níveis intoleráveis de
analfabetismo eníveis baíxíssimos deletrarnenro, oulireracia, oualfabetísrno.
Texto didático145
RESPONDIDA? RESPONDIDA?
Qualéo
significadodessa
palavraletramento?
Porquesurgiu
essanovapalavra,
letramento?
Ondefomos
buscaressanova
palavra,letramento?
Qualéaresposta paraaúltima pergunta?
PORQUESURGIU APALAVRA LETRAMENTO?
Apalavraanalfabetismo noséfamiliar, usamos essa
palavrahásélos, elajáestápresente emtextos dotem-
poemqueéramos Colônia dePortugal. Éumfenômeno
interessante:usamos, háséculos, osubstantivo quenega
(recordeaanálise dapalavraanalfabetismo napágina 30:
a(n)+alfabetismo =privação dealfabetismo), enãosentí-
amos necessidade dosubstantivo queafirmasse: alfabetis-
moouletramento. Porquesóagora,nofimdoséculo
XX,apalavra letramentotornou-se necessária?
Comojáfoiditoanteriormente [recordeoitem"Porque
aparecempalavras novasnalíngua?" Página 34],palavras
novasaparecemquandonovasideiasounovosfenômenos
surgem,Convivemos comofatodeexistirem pessoasque
nãosabemlereescrever,pessoasanalfabetas, desdeoBrasil
Colônia, eaolongo dossélos temos enfrentado oproble-
madealfabetizar, deensinar aspessoasalereescrever;
portanto: ofenômeno doestadooucondição deanalfabe-
tonósotínhamos (eainda temos...),eporissosempre
tivemos umnome paraele:analfabetismo.
Àmedidaqueoanalfabetismo vaisendo superado, que
umnúmerocadavezmaior depessoasaprende alerea
escrever,eàmedida que,concomitantemente, asociedade
vaisetornandocadavezmais centrada naescrita (cada
vezmaisgrafocêntrica), umnovofenômeno seevidena:
nãobastaapenas aprender alereaescrever. Aspessoasse
alfabetizam, aprendem alereaescrever, masnãonecessa-
riamente incorporam aprática daleitura edaescrita, não

461Letramento
necessariamenteadquiremivtwk~?ugparausaraleitura
eaescrita,paraenvolver-secomaspráticassoaisde
escrita:nãolêemlivros,jornais,revistas,nãosabemredigir
umvl?v-umrequerimento,umadeclaração,nãosabem
preencherumformulário,sentemdifildadeparaescrever
umsimplestelegrama,umacarta,nãoconseguemencon-
trarinformaçõesnumcatálogotelefônico,numcontratode
trabalho,numacontadeluz,numabuladeremédio...Esse
novofenômenosóganhavisibilidadedepoisqueéminima-
menteresolvidooproblemadoanalfabetismoequeode-
senvolvimentosoal,ltural,econômicoepolíticotraz
novas,intensasevariadaspráticasdeleituraedeescrita,
fazendoemergiremnovasnecessidades,alémdenovasalter-
nativasdelazer.Aflorandoonovofenômeno,foipreso
darumnomeaele:quandoumanovapalavrasurgena
língua,équeumnovofenômenosurgiuetevedesernome-
ado.Porisso,eparanomearessenovofenômeno,surgiua
palavraletramento.
LEIASEOUISER:
Também nalínguainglesa,a
palavraquenega-illiteracy-
foiusadamuitoantesqueaque
afirma-literacy:desdeosé-
loXVIIosjovu?yovzdelíngua
inglesaregistramapalavrailli-
teracy,enquantosónofinaldo
séloXIXpassamaregistrar
literacy.Issoquerdizerqueo
fenômeno queseevidenou
entrenósnestefimdoséloXX,
exigindoapalavraletramento,
jáseevidenaranosEstados
UnidosenaInglaterranofinaldo
séloXIX...estamosatrasados
em"apenas"umsélo...
Estarãoagorarespondidasastrêsperguntasdapágina35?
RESPONDIDA? RESPONDIDA?RESPONDIDA?
Qualéo
significadodessa
palavraletramento?
Ondefomos
buscaressanova
palavra,letramento?
Porquesurgiu
essanovapalavra,
letramento?
Compreendidooqueéletramento,porquesurgiuapa-
lavraletramento,qualaorigemdapalavraletramento,pode-
sevoltaràdiferençaentreletramentoealfabetização:
Textodidático147
ALFABETIZAÇÃO: açãodeensinar/aprenderalereaescrever
LETRAMENTO: estadooucondiçãodequemnãoapenassabelere
escrever,masltivaeexerceaspráticassoaisqueusamaescrita
cultiva=dedica-seaatividadesdeleituraeescrita
exerce=respondeàsdemandassoaisdeleituraeescrita
Rykzgy?gtvzdeumverbo"letrar"paranomearaaçãode
levarosindivíduosaoletramento...Assim,teríamosalfabeti-
zareletrarcomoduasaçõesdistintas,masnãoinseparáveis,
aocontrário:oidealseriaalfabetizarletrando,ouseja:ensi-
naralereaescrevernocontextodaspráticassoaisda
leituraedaescrita,demodoqueoindivíduosetornasse,ao
mesmotempo,alfabetizadoeletrado.
LEIA,SEOUISERAPROFUNDAR-SENASDIFERENCASENTRE"ALFABETIZADO"E"LETRADO":
Umadultopodeseranalfabetoe
letrado:nãosabelernemescrever,
masusaaescrita:pedeaalguém
queescrevaporele,ditauma
carta,porexemplo(eéinteres-
santeque,quandodita,usaas
convençõeseestruturaslinguís-
ticasprópriasdalínguaescrita,
evidenando queconheceas
peliaridadesdalínguaescrita)
-nãosabeescrever,masconhece
asfunçõesdaescrita,eusa-as,
lançandomãodeum"instru-
mento"queéoalfabetizado(que
funonacomoumamáquinade
escrever...);pedeaalguémque
leiaparaeleacartaquerecebeu,
ouumauv~?gdejornal,ouuma
placanarua,ouaindicaçãodo
roteirodeumônibus-nãosabe
ler,masconheceasfunçõesda
escrita,eusa-a,lançandomãodo
alfabetizado.Éanalfabeto,mas
é,decertaforma,letrado,outem
umcertoníveldeletramento.
Umacriançapodeaindanãoser
alfabetizada,masserletrada:
umacriançaquevivenumcon-
textodeletramento,queconvive
comlivros,queouvehistórias
lidasporadultos,quevêadultos
lendoeescrevendo,ltivae
exercepráticasdeleituraede
escrita:tomaumlivroefinge
queestálendo(eaquidenovo
éinteressanteobservarque,
quandofingeler,usaasconven-
çõeseestruturaslinguísticas
própriasdanarrativaescrita),
tomapapelelápise"escreve"
umacarta,umahistória.Aindanão
aprendeualereescrever,masé,
decertaforma,letrada,temjá
umcertoníveldeletramento.
Umapessoapodeseralfabeti-
zadaenãoserletrada:sabeler
eescrever,masnãoltivanem
exercepráticasdeleituraede
escrita,nàolêlivros,jornais,
revistas,ounàoécapazde
interpretarumtextolido:tem
difildadesparaescreveruma
carta,atéumtelegrama-éalfa-
betizada,masnãoéletrada.

48Iletramento
Alfabetizado e/ouletrado -umanovapergunta seim-
põe:
Comodiferenaroapenasalfabetizadodoletrado?
Édifícilarespostaaessapergunta, porque letramento
envolve doisfenômenos bastante diferentes, aleituraea
escrita,cada umdelesmuito complexo,poisconstituído
deuma multiplicidade dehabilidades, comportamentos,
conhecimentos:
Ler Éumconjunto dehabilidades ecomporta-
mentosqueseestendem desde simplesmente
decodificar sílabas oupalavras atélerGran-
deSertãoVeredas deGuimarães Rosa...
umapessoa pode sercapaz delerumbi-
lhete,ouumahistória emquadrinhos, enão
sercapaz delerumromance, umeditorial
dejornal...Assim: leréumconjuntode
habilidades, comportamentos, conhemen-
tosquecompõem umlongo ecomplexo
continuum:emquepontodessecontinuum
umapessoa deve estar,paraserconsidera-
daalfabetizada, noqueserefere àleitura?
Apartirdequepontodesse continuum
umapessoa pode serconsiderada letrada,
noqueserefere àleitura?
Escrever Étambém umconjuntodehabilidades e
comportamentos queseestendem desde sim-
plesmente escrever opróprio nome atées-
crever umatesededoutorado ...umapessoa
Textodidático149
pode sercapazdeescrever umbilhete, uma
carta,masnãosercapaz deescrever uma
argumentação defendendo umponto devis-
ta,escrever umensaio sobredeterminado
assunto ...Assim: escrever étambém um
conjunto dehabilidades, comportamentos,
conhecimentos quecompõem umlongo e
complexo continuum: emqueponto desse
continuum umapessoadeve estar, paraser
considerada alfabetizada, noqueserefere à
escrita? Apartirdequepontodesseconti-
nuumumapessoapode serconsiderada
letrada, noqueserefere àescrita?
Conclui-se quehádiferentes tiposeníveisdeletramen-
to,dependendo dasnecessidades, dasdemandas doindi-
víduo edeseumeio, docontexto social eltural.
LETRAMENTO ÉUMAPALAVRA PLURAL? LEIASEQUISER:
Naliteratura educacional elinguís- oqueevidencia oreconhemento
ticaemlíngua inglesa, apalavra dequehádiferentes tipos eníveis
literacy vem sendo frequente- delueracy. Deveríamos talvez usar
menteusada noplural -literacies,letramento noplural-tetrameruosi
analfabetoealfabetizado,alfabetizadoeletrado:
conceitosimpresos

50ILetramento
Eleições de1996.Ojornal FolhadeSãoPaulo, em19
dejulho de1996,publica aseguinte notícia:
BAURU
Candidaturassãoinnpugnadas
apõstestedealfabetização
daAg~ndaFolha.emBaUIU
ojuizeleitoraldeItapetininga
[airoSampaioIncaneFilho,38,
impugnou20dos80candidatos
aprefeitoevereadordasdades
deltapetininga,SarapuíeAlam-
bari,naregiãodeSorocaba(87
kmaoestedeSãoPaulo).
Aimpugnaçãofoimotivada
pelofatodeoscandidatosterem
sidoreprovadosemumtestede
alfabetizaçãorealizadopelojuiz,
noFórumdeItapetininga.
IneaneFilhodissequefezo
textocombasenakÀom?ugcon-
tidanaLeiComplementarnO
64/90,de1992,doTRE(Tribunal
RegionalEleitoral),queproíbe
analfabetosdeseremcandidatos
acargoseletivos.
Ojuizafirmouqueconvocou
os80candidatosquedisseram
terl-grauincompletoemostra-
ramdifildadesnopreenchi-
mentodoadomentos parao
registrodesuascandidaturas.
Ostestescomoscandidatosfo-
ramfeitosindividualmente.
Seusnomessãomantidosemsi-
gilo."Pediatodosquelesseme
interpretassemumtextodeum
jornalinfantil. Emseguida,pedi
quecadaumredigisseumtexto,
expondosualógica",disse.
SegundolncaneFilho,erros
gramaticaisDioforamlevados
emconta."Apenasobserveiseo
candidatotemcondiçõesdeen-
tenderumtexto,poisumavez
eleito,eleYlÚterdetrabalhar
comleisedornentos."
Aassessoriadeimprensado
TREinformouqueotribunal
transmitiuumarecomendação
aosjuízesparaque"emcasode
dúvida",laçam"umtestedeal-
fabetização"noscandidatos.
Textodidático\5\
Baseado numa leique"proíbe analfabetos deserc111
candidatos acargos eletivos", ojuizsubmeteu candidatos
aprefeito eavereador a"umtestedealfabetização".
Que razões levaram oJUIZa
suporque80candidatos eram
analfabetoS?
Duas razões:
1ª)tinham 1Qgrauincompleto;
2ª)mostraram dificuldades no
preenchimento dosdocu-
mentos para oregistro de
suas candidaturas.
Portanto: paraojuiz,umalfabetizado seriaalguémque
tivesseo1ºgraucompleto epreenchesse formulários sem
dificuldades.
Noentanto, ojuizadmitiuque,embora nãotendo o1º
grau completo erevelando dificuldades para preencher
documentos deregistro decandidatura, ocandidato apre-
feitoouvereador poderia serconsiderado alfabetizado:
Segundo ojuiz,quecompor-
tamentos ocandidato deveria
demonstrar, paranãosercon-
siderado analfabeto?
ocandidato deveria:
•Lereinterpretar umtexto;
•redigirumtexto sobre o
texto lido.
Ojuizdefiniuainda oníveldotextoqueocandidato
deveria sercapaz deinterpretar eocritério decorreção
dasrespostas docandidato:
Segundo ojuiz,ocandidato
deveria sercapazdelerein-
terpretar quetipodetexto?
Segundo ojuiz,comquecrité-
riososresultados docandida-
todeveriam seravaliados?
•textodeumjornalinfantiL.
•nãolevar emconta erros
gramaticais;
•verificar seocandidato tinha
entendido otexto.

521Letramento
ojuizadmitiu, pois, queumcandidato aprefeito ou
avereador poderia nãotero1ºgraucompleto, poderia
enfrentar dificuldades para preencherdocumentos,
masdeveria sercapaz delereinterpretarumtextode
jornal infantil, ederedigir umtextosobre oquelera,
mesmo cometendo erros gramaticais; ejustificou esses
critérios:
Porqueojuizconsiderou que
sercapaz deentender umtex-
toeraocritério adequado para
avaliar seocandidato apre-
feito ouvereador poderia ser
considerado alfabetizado?
•Porque, seeleito, eleteriade
trabalhar com leisedocu-
mentos(que deveria saber
lereinterpretar).
ojuizmostrou terdoisconceitos dealfabetização:
umconceito genérico, aplicável aqualquer pessoa -tero
1ºgraucompleto esercapaz depreencher documen-
tos,semdificuldades;
umconceito especifico, aplicável apessoasqueexercem a
função deprefeito ouvereador -sercapaz delere
interpretar textos legais edomentos oficiais.
TALVEZ VOCÊQUEIRA REFLETIR UMPOUCO MAISSOBREESSEEPISÓDIO:
•Aalfabetização que ojuiz
considera necessária aprefei-
tosevereadores estará sendo
avaliada numteste quemede
acapacidade delereinter-
pretar umtexto elejornal
infantil?
•Ficaclaro que,para ojuiz, as
práticas sociais queenvolvem
alíngua escrita necessárias a
prefeitos evereadores sãoas
deleitura eletextos legais e
documentos oficiais -éesta
uma concepção adequada?
•Seráquesepode concordar que
oníveldealfabetização deum
indivíduo deveserdefinido pelas
exom?ugz daspráticas sociais
específicasqueeleprecisa tercom
aescrita,segundo suainserção
nomundoelotrabalho?
•Pense: ojuizprocura avaliar onível
dealfabetização ouonível de
letramento doscandidatos?
Textodidático153
Mascontinuemos, porque oepisódio nãotermina aí.
Cercadevinte diasdepois, em7deagosto,omesmo
jornalFolhadeSãoPaulo publica aseguinte notícia:
ALFABETlZAÇAO
TREaprova
candidatura
dereprovados
emteste
daReportagemLocal
oplenáriodoTribunalRegional
Eleitoralaprovouontemacandi-
daturade30políticosqueforam
reprovadosemumtestedealfabe-
tizaçãoaplicadopelojuizeleitoral
deItapetininga,[airoSampaioIn-
caneFilho,38.
Ojuizhaviaimpugnadoascan-
didaturasdepolíticosdasdades
deItapetininga,SarapuíeAlamba-
ri,todasnaregiãodeSorocaba(87
kmaoestedeSãoPaulo).Elestive-
ramquelerotextodeumsuple-
mentoinfantildeumjornalees-
creveralgosobreoqueleram.
IncaneFilhoconvocouparaesse
teste80candidatosqueafirmaram
nãoteroprimeirograucompleto.
Ostestessebasearamnaleicom-
plementarn!!64/90,de1992,que
proíbeanalfabetosdeseremcan-
didatosacargoseletivos.
OTREreformouasentençado
juiz,considerandoqueoscandi-
datostinham"rudimentos"daal-
fabetizaçãoeque,portanto,não
poderiamserconsideradosanalfa-
betos. Parachegaraessaconclu-
são,osjuizesutilizaramadefini-
çãodojovu?yovAurélioparaa
palavra"analfabeto".
OTREdeverájulgarhojeoutros
onzerersosapresentadospelos
candidatosimpugnadosdaquelas
dades,Aaplicaçãodetestesdeal-
fabetizaçãoéumaorientaçãodo
próprioTREatodososjuizeselei-
toraisdoEstado.
Entreoscandidatosimpugnados
pelojuizIncaneFilho,haviaum
ex-prefeitoeseisvereadores.José
LuizHoltz(PSDB),ex-prefeitode
Sarapuí,considerouadesão do
juizdeItapetininga"umabsur-
do".Seucandidatoavicetambém
foiimpugnado.
SegundoojuizIncaneFilho,o
testequeaplicounãolevouem
consideraçãooserrosgramaticais,
masapenasacapadadedoscan-
didatosdeentenderumtexto.
"Depoisdeeleitos,elesterãode
trabalharcomleisedomentos",
afumouojuiz.

54ILetramento
oTribunal RegionalEleitoral -TRE-foicontrárioao
conceito dealfabetização dojuiz,considerando queos
candidatos reprovados nãoeram analfabetos porque tinham
"rudimentos daalfabetização":
Qualocritério doTREpara
considerar queoscandidatos
nãoeram analfabetos?
Adefinição dodidonário Aurélio
paraapalavra "analfabeto".
Recorde adefiniçãodeanalfabeto dodicionário Aurélio
(página 30):
ANALFABETO: quenãoconheceoalfabeto,
quenãosabelereescrever
Portanto: oTREconsiderou queoscandidatos sabiam
lereescrever (jáquetinham alguma oualgumas sériesdo
1ºgraue,embora comdificuldades, enfrentaram osdo-
mentos deregistro dacandidatura) e,assim, nãoeram
analfabetos.
Ojuizeleitoral eoTREmostraram terconceitos diferentes
dealfabetização: ojuizeleitoral avaliavaantesoletramento
queaalfabetização doscandidatos -embora desconhecesse
oconceito deletramento, preocupava-se comaspráticas
soaisdeleitura eescritaqueelesdeveriamter;oTREavaliou
apenasaalfabetização doscandidatos,porque sesatisfez
comos"rudimentos" deleitura eescritaquetinham, desco-
nhecendo seunível deletramento, poisnãoconsiderou suas
habilidades deusaraleitura eaescrita.
Esseepisódio evidencia:
TextodidáticoI55
•aimpresão doconceitodealfabetização -pessoas
ougrupostêmconceitos diferentes, oconceito varia de
acordo comasituação,comocontexto;
•ofenômeno doletramento ainda époucopercebido
emnossa sociedade.
Analfabeto-alfabetizado,letrado-iletrado:
variaçõessegundoascondiçõessoaisehistóricas
Umbomexemplo davariação doconceitodealfabeti-
zaçãoaolongo dotempoedadependêna entre ofenô-
meno doletramento eascondições culturaisesociais éa
comparação entre oscritérios queforam nopassado utili-
zados eosquehoje sãoutilizados paradefinirquem é
analfabeto ouquem éalfabetizado nosrecenseamentos da
população brasileira.
Atéadécada de40,oformulário doCenso definia o
indivíduo como analfabeto oualfabetizado perguntando-lhe
sesabiaassinar onome: ascondições culturais, sociais e
políticas dopaís,atéentão,nãoexigiam muitomaisque
issodegrande parte dapopulação. Aspessoasaprendiam
adesenhar onome, apenas para poder votarouassinar
umcontratodetrabalho.
Apartirdosanos40,oformulário doCensopassou ausar
umaoutrapergunta: sabelereescreverumbilhete simples?
Apesar daimpropriedade dapergunta [sequisersaber por
quê,leiaoquadro aseguir], elajáexpressa umcritério para
definirqueméalfabetizado ouanalfabeto queavança em
relação aocritério deapenas saber escrever onome: definir
como analfabeto aquele quenãosabelereescrever umbi-
lhetesimplesindica jáumapreocupação comosusossociais
daescrita,aproxima-se, pois,doconceito deIetramento, e
revela umaoutra expectativa comrelaçãoaoalfabetizado-
umaexpectativa dequesejatambém letrado.

56ILetramento
AIMPROPRIEDADEDAPERGUNTADOCENSO-LEIASEQUISER::
Reflitasobreasseguintes
questões:
•Quaispodemserasatitudes
dosindivíduosdiantedaper-
gunta"Vocêsabelereescre-
verumbilhetesimples:"A
pessoapodedizerquesim,
porenvergonhar-sededizer
quenão;oupodedizerque
não,portemerquelhe
apresentemum"bilhetesim-
ples"elhepeçamparalê-Io...
Pode-seconfiarnasrespostas
aessapergunta?
•Umoutroproblema:emcada
domicílio,umindivíduores-
pondeportodosquealihabi-
tam,ouseja,umindivíduoava-
liaahabilidadedetodosos
outrosde"lereescreverum
bilhetesimples";pode-secon-
fiarnessaavaliação?
•Aindaumterceiroproblema:
oqueé"umbilhetesimples"?
éumbilhetecompoucaspa-
lavras?comapenasduasoutrês
linhas?comapenasorações
simples,oucoordenadas,sem
subordinadas? comapenas
palavrasdeusocomum?
•Maisumproblema:saber"lere
escreverumbilhetesimples"éser
apenasalfabetizado?ouéjáter
umcertoníveldeletramento?
•Finalmente:nasatuaiscondi-
çõesdasoedadebrasileira,
bastasaber"lereescreverum
bilhetesimples"paraserconsi-
deradoalfabetizado?ouparaser
consideradoletrado:
Conclua:queinrerpretacãopode-se
daraosíndicesdeanalfabetismo
dapopulaçãobrasileiradefinidos
peloCenso?
Amudançadecritérioparaaavaliaçãodosíndices
deanalfabetismonoBrasilrevelamudançashistóricas,
soais,lturais.Acomparaçãodoscritériosutilizados
aquicomosutilizadosempaísesdoPrimeiroMundo
podeseresclarecedora.
ANALFABETISMO NOPRIMEIRO MUNDO?
Ésurpreendentequandoosjornaisnotiamapreo-
paçãocomaltosníveisde"analfabetismo"empaísescomo
osEstadosUnidos,aFrança,aInglaterra;surpreendente
porque:comopodemteraltosníveisdeanalfabetismo
paísesemqueaescolaridadebásicaérealmenteobriga-
tóriae,portanto,praticamentetodaapopulaçãoconclui
oensinofundamental(que,nospaísestados,temdura-
çãomaiorqueadonossoensinofundamental-10anos
Textodidático157
nosEstadosUnidosenaFrança,11anosnaInglaterra).É
que,quandoanossamídiatraduzparaoportuguêsa
preopação dessespaíses,traduzilliteracy(inglês)e
illetrisme(francês)poranalfabetismo.Naverdade,não
existeanalfabetismonessespaíses,istoé,onúmerode
pessoasquenãosabemlerouescreveraproxima-sede
zero;apreopação,pois,nãoécomosníveisdeanal-
fabetismo,mascomosníveisdeletramento,comadifi-
ldadequeadultosejovensrevelamparafazeruso
adequadodaleituraedaescrita:sabemlereescrever,
masenfrentamdifildadesparaescreverumvl?v-pre-
encherumformulário,registraracandidaturaaumem-
prego-osníveisdeletramentoéquesãobaixos.
QUERSABERCOMOSEAVAUAONíVELDELETRAMENTODAPOPULAÇÃO?
Nasegundametadedosanos80,eusarinformaçõesdevários
realizou-se,nosEstadosUnidos,tiposdetexto-editorialde
umapesquisaparadefiniraníveljornal,uv~?gz-poemas-eques-
deliteracydejovensadultosame-tõesparaavaliarahabilidade
rícanos;oinstrumentopormeiodeextraircorretamenteinfor-
doqualessenívelfoiavaliadomaçõesdequadrosdehorá-
evidenaoqueseconsideraser,rio,demapas,detabelas.
nessepaís,literateouilliterate:Obviamente,nãoseavaliavao
otesteincluiuquestõesparaava-níveldealfabetizaçãodosjovens
liaracapadadedeinterpretareadultos..
NoBrasil,hájáalgumaspoucaspesquisasqueproram
avaliaroníveldeletramentodejovenseadultos;aten-
j?ugtemsidoconsiderarcomoalfabetizado(otermomais
adequadoserialetrado)oindivíduoquetenhapelomenos
completadoa4ªsériedoensinofundamental,combase
nopressupostodequesãonecessáriosnomínimoquatro
anosdeescolaridadeparaaapropriaçãodaleituraeda
escritaedeseususossoais.Quandosecallaoanalfa-
betismonoBrasilcombasenessecritério,oíndicecresce
assustadoramente...

581Letramento
CONDiÇÕES PARAOLETRAMENTO
Termosdespertado para ofenômenodoletramento-
estarmos incorporando essapalavraaonosso vocabulário
educacional -significa quejácompreendemos quenosso
problema nãoéapenasensinar alereaescrever, masé,
também, esobretudo, levar osindivíduos-crianças eadul-
tos-afazer usodaleitura edaescrita, envolver-se em
práticas sociais deleitura edeescrita.
Noentanto, infere-se, detudoquefoidito,queonível
deletramento degrupos sociaisrelaona-se fundamen-
talmente comassuascondições soais,lturais eeconô-
micas. Épreso quehaja, pois,condiçõesparao
fetramento.
Umaprimeira condição équehajaescolarização reale
efetivadapopulação -sónosdemosconta danecessida-
dedeletramento quando oacesso àescolaridade seam-
pliou etivemos mais pessoassabendo lereescrever,
passando aaspirar aumpouco maisdoquesimplesmente
aprender alereaescrever.
Umasegunda condição équehajadisponibilidade de
material deleitura. Oqueocorrenospaíses doTerceiro
Mundo équesealfabetizam crianças eadultos, masnão
lhessãodadasascondições paralereescrever: nãohá
material impresso posto àdisposição, nãohálivrarias, o
preço doslivroseatédosjornais erevistas éinacessível,
háumnúmero muito pequeno debibliotecas. Como é
possível tornar-se letradoemtaiscondições? Issoexplica
ofracassodascampanhas dealfabetizaçãoemnossopaís:
contentam-se emensinar alereescrever;deveriam, em
seguida, criarcondições paraqueosalfabetizados passas-
semaficarimersosemumambientedeletramento, para
quepudessem entrar nomundo letrado, ouseja,nummundo
emqueaspessoas têmacessoàleituraeàescrita, têm
acessoaoslivros, revistas ejornais, têmacessoàslivrarias e
Texto didático\59
bibliotecas, vivem emtaiscondições sociais quealeitura e
aescritatêmumafunção paraelasetornam-se umane-
cessidadeeumaforma delazer.
EISDOISEXEMPLOS-LEIA-OSSEQUISER COMPROVAÇÃO DESSASAFIRMAÇÕES;
LETRAMENTO EESCOLA,
LETRAMENTO EEDUCAÇÃO DEJOVENS EADULTOS
•Quaisasconseqüências detudoissoparaaescola?
•Paraaeducação dejovens eadultos?
•Oquesignifica alfabetizar?
•Oquesignifica "letrar'?
•Quaisasdiferenças entrealfabetizar e"letrar"?
•Comoalfabetizar "letrando"?
•Quandosepode dizer queumacriança ouumadulto
estãoalfabetizados? Quando sepodedizer queestão
letrados?
•Quaissãoascondições paraqueoaprender alerea
escrever sejaalgoquerealmente tenha sentido, usoe
função paraaspessoas?
Lembre-se doMobral: pesquisas
mostraram quepessoas alfabeti-
zadasporessemovimento esta-
vam, umanodepois, "desalfa-
betizadas": tinham aprendido a
lereaescrever, mas, porim-
possibilidade deusodaleitura e
daescrita,porauz?ua, emseu
meio,dedemandas deleitura e
escrita,porfalta deacesso a
materialimpresso, tinhamperdido
ahabilidadedelereescrever.
Tinham sidoalfabetizadas, mas
nãolhesfoipossibilitado torna-
rem-se letradas.
ocontrário aconteceu, porexem-
plo,emCuba:quando houve ali
arevolução eindependência, no
início dosanos60,fez-se nopaís
umacampanha dealtabetízação
intensa, querealmente alfabetizou
todaapopulação empoucotempo;
masnãosefezsóisso,produzi-
ram-semateriais deleitura que
eramlevados aosmaislongínquos
ríncões dopaís,qualquer pequena
povoação recebia livrosparadar
continuidade àcampanha dealfa-
betização. Opovocubano tornou-
sealfabetizado eletrado.

60ILetramento
Ésemprebomterminarcomperguntasenãocomsolu-
ções;dizograndeescritorportuguêsSaramago:
"Tudonomundoestádandorespostas,
oquedemoraéotempodasperguntas."
Aíestãoasperguntas;busquemosasrespostas,
LETRAMENTO EM
ENSAIO:
LETRAMENTO:
COMO DEFINIR,COMO
AVALIAR, COMO MEDIR
MonografiaelaboradaporsolicitaçãodaSeçãodeEstatísticada
UNESCO,emParis,publicadaeminglês,emmarçode/992.com
otítulo"LiteracyAssessmentanditsimplicationsforStatisticiJl
Measurement",traduzidaparaofrancêseoespanhol;aquise.
apresentapelaprimeiravezatraduçãoparaoportuguês,
Traduçãopreliminarparaoportuguês:RaquelLuanadeSouzaeRobervalAraújodeOliveira.
Revisãoelatraduçãopreliminar:SueliCamposPaiva.Versãoparaoportuguêsdaautora.

Ensaio163
INTRODUÇÃO
opermanentedesafio,enfrentadomundialmente,para
auniversalizaçãodoletramento-doacessoplenoàshabi-
lidadesepráticasdeleituraedeescrita-estáintimamente
relaonadocomumoutrodesafio:odeavaliaremediro
avançoemdireçãoaessameta.Dadostornam-se,assim,
necessários,tantoparaevidenarseosobjetivosestão
sendoalcançadoscomoparaestabelecerpolíticasoucon-
trolarprogramasdealfabetizaçãoeletramento.Poressa
razão,desdeescolasatéinstituiçõeseorganizaçõesnao-
naiseinternaonaisestãocontinuamentebuscandodados
eproduzindoíndiceseestatísticassobreníveisdedomínio
dehabilidadesdeleituraedeescritaedeusodepráticas
soaisqueenvolvemaescrita,pormeiodeavaliaçõese
medições.
Osprocessosdeobtençãodessesdadosapresentam,
porém,sériosproblemasdenaturezatécnica,conceitual,
ideológicaepolítica.
Problemasdenaturezatécnicasão,semdúvida,osmais
evidenteseurgentes:relaonam-secomosprocessosde
tomadadejkz?vparaadefiniçãodeprocedimentosde
avaliação,aconstruçãodeinstrumentosdemedida,aor-
ganizaçãoeprocessamentodosdados.

64ILetramento
Entretanto, apesar daevidência eurgência dessespro-
blemas denatureza técnica, háumasérie deproblemas
conceituais quedeveriam servirdebase parabuscar-lhes
asolução; equivocadamente, essesproblemas conceituais
sãogeralmente negligenados, emvirtude exatamente
daimperativa necessidade desoluçãoimediata dospro-
blemas técnicos.
Umprimeiro eessencial problemaconceitual éapró-
priadefiniçãodeletramento. Antesdecoletar dadosou
produzir estatísticas sobre letramento, umaquestão central
precisa serrespondida: queletramento éessequesebus-
caavaliaremedir? Aavaliação emedição doletramento
temdefundamentar-se numa definiçãoprecisa dofenôme-
no;contudo, essadefinição serápossível?
Umsegundo problema conceitual, intimamente ligado
aoprimeiro,éaescolha doscritérios aserem usados para
aavaliaçãoemedição adequadas doletramento. Tradicio-
nalmente, oletramento éavaliado emedido emcontextos
escolares, emcensosdemográficos naonais eempesqui-
sasporamostragem. Quecritérios sãoutilizados paraava-
liá-lo emcadauma dessassituações? Equeconceito de
letramento conduziu aessescritérios?Emoutras palavras,
dequemodoaavaliação doletramento emcontextos esco-
lareseextra-escolares (censos dapopulação nacional ou
pesquisas poramostragem) enfrentaoproblema da
definição deletramento para,apartirdela, determinar os
critérios paraavaliá-lo?
Finalmente, como decorrência dessas questões, surgeum
terceiro problema. Porumlado,aimportância eaneces-
sidade daavaliação emedição doletramento nãopodem
deixardeserreconhecidas; poroutrolado,cumprir os
pré-requisitos parafazê-lo -ouseja,definirletramento com
precisão eespecificar critérios confiáveis paraavaliá-lo emedi-
10-éumaquestão bastante controversa. Como enfrentar
esseparadoxo?
EnsaI65
Afinalidade deste estudo élevantarediscutiressasques-
tõesconceituais. Naprimeira parte, examina-se oconceito
deletramentocomo umfenômeno multifacetado eextrema-
mente complexo; argumenta-se queoconsenso emtomo
deumaúnicadefinição éimpossível. Emseguida, discutem-
seaavaliação eamedição doletramento emcontextos
escolares, censos dernográficos naonais epesquisas por
amostragem, apontando-se deficiênas epressupostos equi-
vocados nadefinição decritérios paraoplanejamento e
execução dessa avaliação emedição. Porfim,naúltima
parte doestudo, apartírdeargumentos afavor daavaliação
edamediçãodoletramento, sugerem-se formas deenfrentar
oconflitoentre, deumlado,aimportância enecessidade
desuaavaliação e,deoutro lado,adifildade deatender
aospré-requisitos paraarealização dessatarefa.Conclui-se
enfatizando osaspectosideológicos epolíticos dadefinição
deletramentoedesuaavaliação emedição; naverdade,
opropósito deste texto ésugerirumabaseconceitual
para adisssão dessasquestões ideológicas epolíticas
que,semdúvida, constituem oceme doproblema.
LETRAMENTO:
EMBUSCA DEUMADEFINiÇÃO
Qualquerprocessodeavaliação oumedição exigeuma
definição precisa dofenômeno aseravaliado oumedido.
Semdúvida, amaior parte dasdúvidasecontrovérsias em
torno delevantamentos epesquisas sobreníveis deletra-
mento têmsuaorigem nadificuldade deformular umadefi-
nição presa euniversal dessefenômeno ena
impossibilidade dedelimitá-lo com precisão. Essadifi-
culdade eimpossibilidade devem-se aofatodequeole-
tramento cobre uma vasta gamadeconhecimentos,
habilidades,capacidades, valores, usosefunçõessociais;

66ILetramento
oconceitodeletramentoenvolve,portanto,sutilezase
complexidadesdifíceisdeseremcontempladasemuma
únicadefinição.Issoexplicaporqueasdefiniçõesde
letramentodiferenam-seeatéantagonizam-seecon-
tradizem-se:cadadefiniçãobaseia-seemumadimensão
deletramentoqueprivilegia.Confrontem-seestesdois
autores:
Paraestudareinterpretaroletramentoc...),trêstarefassãone-
cessárias.Aprimeiraéformularumadefiniçãoconsistenteque
permitaestabelecercomparaçõesaolongodotempoeatravés
doespaço.Níveisbásicosouprimáriosdeleituraeescritaconsti-
tuemosúnicosindicadoresousinaisflexíveiserazoáveispara
responderaessecritérioessenalc...)oletramentoé,amade
tudo,umatecnologiaouconjuntodetécnicasusadasparaaco-
municaçãoeparaadecodificaçãoereproduçãodemateriais
escritosouimpressos:nãopodeserconsideradonemmaisnem
menosqueisso.(Graff,1987a,p.18-19,grifosdooriginal).
Astentativasdedefinição(deletramento)estãoquasesempre
baseadasemumaconcepçãodeletramentocomoumatributo
dosindivíduos;buscamdescreverosconstituintesdoletramento
emtermosdehabilidadesindividuais.Masofatomaisevidente
arespeitodoletramentoéqueeleéumfenômenosocialC...)O
letramentoéumprodutodatransmissãolturalC...)Umadefi-
niçãodeletramentoC...)implicaaavaliaçãodoquecontacomo
letramentonaépocamodernaemdeterminadocontextosoal...
Compreenderoque"é"oletramentoenvolveinevitavelmente
umaanálisesoal...(Scribner,1984,p.7-8,grifasdooriginal).
Subjacentesaessasdefiniçõesestãoasduasprinpais
dimensõesdoletramento:adimensãoindividualea
dimensãosocial.Quandoofocoépostonadimensão
individual,oletramentoévistocomoumatributopessoal,
parecendoreferir-se,comoafirmaWagner(1983,p.5),à
"simplesposseindividualdastecnologiasmentaiscom-
plementaresdelereescrever".Quandoofocosedesloca
paraadimensãosoal,oletramentoévistocomoum
fenômenocultural,umconjuntodeatividadessoaisque
envolvemalínguaescrita,edekÀom?ugzsoaisdeuso
dalínguaescrita.Namaioriadasdefiniçõesatuaisde
letramento,umaououtradessasduasdimensõeséprio-
rizada:põe-seênfaseounashabilidadesindividuaisde
Ensaio167
lereescrever,ounosusos,funçõesepropósitosdalíngua
escritanocontextosoal.'
Masidentificaressasduasdimensõesqueestãoportrás
dediferentesdefiniçõeséapenasumprimeiropassopara
oenfrentamentodoproblemadeformularumadefinição
adequadadeletramento.Semdúvida,aidentificaçãodeduas
amplascategoriasdedefinições-aquelasqueenfocama
dimensãoindividualdofenômenoeaquelasqueenfocam
suadimensãosocial-lançaalgumaluzsobreoproblema,
masnãoésufienteparasuacompletaks©jg??v-poisé
presoaindaconsideraracomplexidadeeanaturezahe-
terogêneadecadadimensão.
Asduasseçõesseguintesenfocamessanaturezacom-
plexaeheterogêneadasdimensõesindividualesoaldo
letramento.
ADIMENSÃO INDIVIDUAL DOLETRAMENTO
Mesmoqueapenassobaperspectivadadimensãoin-
dividual,éjol?sdefinirletramento,devidoàextensãoe
diversidadedashabilidadesindividuaisquepodemsercon-
sideradascomoconstituintesdoletramento.
Umaprimeirafontededifildade,queatingeocerne
mesmodaquestão,équeoletramentoenvolvedoispro-
cessosfundamentalmentediferentes:lereescrever.Nas
palavrasdeSmith:
Lereescreversãoprocessosfrequentementevistoscomoimagens
espelhadasumadaoutra,comoreflexossobângulosopostosde
ummesmofenômeno:acomunicaçãoatravésdalínguaescrita.
Mashádiferençasfundamentaisentreashabilidadeseconhe-
mentosempregadosnaleituraeaquelesempregadosnaescrita,
assimcomohádiferençasconsideráveisentreosprocessos
1Ahabilidadedefazerusodosistemanuméricoé,àsvezes,incorporadaaoconcei-
todeletramento(ler,escrever,contar);nesteestudo,porém,letramentoestásendo
tomadoemseusentidoliteral,referindo-seexclusivamenteàescritaeàleitura.

68ILetramento
envolvidos naaprendizagem daleituraeosenvolvidos naapren-
dizagem daescrita.(Srnith, 1973,p.117)
Apesar dessasdiferenças "fundamentais", asdefinições
deletramento frequentemente tomamaleitura eaescrita
como umamesmaeúnicahabilidade,desconsiderando as
peculiaridades decada uma easdessemelhanças entre
elas(uma pessoapode sercapaz deler,masnãoserca-
pazdeescrever; oualguém podelerfluentemente, mas
escrever muito mal).
Poroutro lado,asdefinições deletramento queconside-
ramasdiferenças entre leitura eescritatendem aconcentrar-
seounaleitura ounaescrita (maisfrequentemente naleitura),
ignorando queosdoisprocessos sãocomplementares: são
diferentes, masoletramento envolveambos.Bormuth (1973),
porexemplo, declara que"letramento éahabilidade decolo-
caremaçãotodososcomportamentos necessários parade-
sempenhar adequadamente todas aspossíveis demandas de
leiturd' (p.72,grifo nosso), eKirsch eGuthrie 0977-1978)
argumentam que"seria prudente usarotermo letramento
parareferir-se àleitura,eaexpressão competência cognitiua
parareferir-se ahabilidades geraisdeouvir,ler,escrever e
calcular" (p.505, grífosdooriginal).
Nãolevar emconta acoexis~?ug- noconceito dele-
tramento, dessesdoisconstituintes heterogêneos -leitura
eescrita -torna-se aindamais sério, seseconsidera que
cadaumdesses constituintes éumconjunto dehabilidades
bastante diferentes, enãoumahabilidade única.
Aleitura,doponto devista dadimensão individual de
letramento (aleitura como uma "tecnologia"), éumcon-
junto dehabilidades linguísticas epsicológicas, quese
estendem desde ahabilidade dedecodificarpalavras escri-
tasatéacapacidade decompreender textos escritos. Essas
categorias nãoseopõem, complementam-se; aleitura é
umprocessoderelacionar símbolos escritos aunidades de
someétambém oprocessodeconstruir umainterpreta-
çãodetextos escritos.
Ensaio169
Desse modo, aleitura estende-se dahabilidade detra-
duziremsonssílabas semsentido ahabilidades cognitivas
emetacognitivas; inclui, dentre outras: ahabilidade de
decodificarsímbolos escritos; ahabilidade decaptar signi-
ficados; acapadade deinterpretar sequências deideias
oueventos, analogias, comparações, linguagem figurada,
relações complexas, anáforas, e,ainda, ahabilidade de
fazer previsões iniciais sobre osentido dotexto, decons-
truirsignificado combinando conhecimentos prévios ein-
formação textual, demonitorar acompreensão emodificar
previsões iniciais quando necessário, derefletir sobre o
significadodoquefoilido, tirando conclusões efazendo
julgamentossobre oconteúdo.
Acrescente-se aessagrande variedade dehabilidades de
leitura ofatodequeelasdevem seraplicadas diferenciada-
menteadiversos tiposdemateriais deleitura: literatura,
livrosdidáticos, obrastécnicas, dicionários, listas, enciclo-
pédias, quadros dehorário, catálogos, jornais, revistas, anún-
cios,cartas formais einformais, rótulos, cardápios, sinais
detrânsito, sinalização urbana, receitas ...Como declara Smith
(973),aleitura pode ocorrer nasmais diversas situações,
"deumretalpúblico depoesia aoexameprivadodelistas
depreçoehorários deônibus" (p.103).
Assimcomo aleitura, aescrita, naperspectiva dadi-
mensão individual doletramento (aescrita como uma"tec-
nologia"), étambém umconjunto dehabilidades linguísticas
epsicológicas, mashabilidades fundamentalmente dife-
rentes daquelas exigidas pelaleitura. Enquanto ashabili-
dadesdeleitura estendem-se dahabilidade dedecodificar
palavrasescritas àcapacidade deintegrar informações
provenientesdediferentes textos, ashabilidades dees-
critaestendem-se dahabilidade deregistrar unidades de
somatéacapadade detransmitir significado deforma
adequada aumleitor potencial. E,assim como foiobser-
vado emrelação àleitura, essascategorias nãoseopõem,
complementam-se: aescrita éumprocessoderelacionar

70ILetramento
unidades desom asímbolos escritos, eétambém um
processodeexpressar ideiaseorganizaropensamento
emlíngua escrita.
Dessemodo, aescrita englobadesdeahabilidade de
transcrever afala,viaditado, atéhabilidades cognitivas e
metacognitivas; inclui ahabilidademotora(caligrafia), a
ortografia, ousoadequado depontuação, ahabilidade de
selecionar informações sobre umdeterminado assunto e
decaracterizar opúblico desejado comoleitor, ahabili-
dade deestabelecer metas paraaescritaedecidirquala
melhor forma dedesenvolvê-Ia, ahabilidadedeorganizar
ideiasemumtexto escrito, estabelecerrelações entreelas,
expressá-Ias adequadamente.
Além disso,ashabilidades deescrita,talcomo asde
leitura, devem seraplicadas diferenadamente àprodução
deumavariedade demateriais escritos: dasimples assinatu-
radonome ouelaboração deumalistadecompras atéa
redação deumensaio oudeumatesededoutorado.
Àluzdessasconsiderações sobreogrande número de
habilidades ecapacidades cognitivasemetacognitivas que
constituem aleitura eaescrita,anaturezaheterogênea
dessashabilidades eaptidões, agrandevariedade degê-
nerosdeescrita aqueelasdevem seraplicadas, ficaclaro
queéextremamente difícilformularumadefinição consis-
tente deletramento, aindaquenoslimitássemos aformu-
lá-Iaconsiderando apenas ashabilidadesindividuais de
leitura eescrita: quais habilidades eaptidões deleitura e
escrita qualificariam umindivíduocomo"letrado"? que
tiposdematerial escrito umindivíduodeve sercapaz de
lereescrever paraserconsiderado"letrado"?
Respostas ataisquestões sãobastanteproblemáticas.
Ascompetências queconstituem oletramentosãodistri-
buídas demaneira contínua, cadapontoaolongo desse
contínuo indicando diversos tiposeníveisdehabilidades,
capacidades econhecimentos, quepodemseraplicados a
-171
diferentestiposdematerial escrito. Emoutras palavras, o
letramentoéuma variável contínua, enãodiscreta ou
dicotômica.Portanto, édifícil especificar, deumamanei-
ranãoarbitrária, uma linha divisória quesepararia oin-
divíduoletradodoindivíduo iletrado.Jáemmeados dos
anos50,amonografia daUNESCOWorld Illiteracy at
mid-century(1957)reconhecia que"oconceito deletra-
mentoémuitoflexível epodecobrirtodos osníveis de
habilidades, deummínimo absoluto aummáximo inde-
terminado" (p.19), econcluía queédefatoimpossível
considerarpessoas letradas eiletradas como duascate-
goriasdistintas.
Contudo,asdefinições deletrado eiletrado apresenta-
daspelaUNESCOem1958, comopropósito depadroni-
zação internacional dasestatísticas emeducação, sãouma
tentativa defazer taldistinção:
Életrada apessoaqueconsegue tantolerquanto escrever com
compreensão umafrasesimples eCUltasobre suavidacotieliana.
Éiletrada apessoaquenãoconsegue lernemescrever com
compreensão umafrasesimples ecurtasobre suavielacotidia-
na.(UNESCO, 1958,p.4)
Considerandoapenas adimensão individual doletra-
mento,essasdefinições determinam quais habilidades de
leituraeescritacaracterizam uma pessoaletrada (lere
escrever comcompreensão), eaquetipodematerial es-
critoessashabilidades devem seraplicadas (umafrase
simpleserta sobre suavida cotidiana). Entretanto, a
definiçãoéarbitrária: qualéofundamento paraselecionar
umacertahabilidade (lereescrever comcompreensão -e
atente-separaaimprkz?v daexpressão "com compreen-
são")eumtipoespecífico dematerial escrito (umafrase
simplesecurtasobreavidacotidiana dealguém) como
opontodocontínuo quedefine umapessoacomo letra-
da?Essapergunta conduz àdiscussão apresentada na
seção seguinte.

nl,-""_
ADIMENSÃO SOCIAL DOLETRAMENTO
Aqueles quepriorizam, nofenômeno letramento, asua
dimensão social, argumentamqueelenãoéumatributo
unicamente ouessencialmente pessoal,masé,sobretudo,
umaprática social: letramento éoqueaspessoas fazem
comashabilidades deleitura edeescrita, emumcontexto
específico, ecomo essashabilidades serelacionam com
asnecessidades, valores epráticas sociais. Emoutras pala-
vras, letramento nãoépura esimplesmente umconjunto
dehabilidades individuais; éoconjuntodepráticas sociais
ligadas àleitura eàescrita emqueosindivíduos seenvol-
vememseucontexto social.
Masháinterpretações conflitantes sobre anatureza da
dimensão social doletramento: umainterpretação progres-
sista,"liberal" -umaversão "fraca" dosatributos eimpli-
cações dessadimensão, euma perspectiva radical,
"revolucionária" -umaversão "forte" deseusatributos e
implicações.
Deacordo comaperspectiva progressista, "liberal" das
relaçõesentreletramento esociedade,ashabilidades de
leitura eescrita nãopodem serdissoadas deseususos,
dasformas ernpíricas queelasrealmente assumem navida
social; oletramento, nessa interpretação "fraca" desua
dimensão soal, édefinido emtermos dehabilidades ne-
cessárias para queoindivíduo funcioneadequadamente
emumcontexto social -vem daíotermo letramento
funcional (oualfabetização funcional), difundido apartir
dapublicação doestudo internacional sobre leitura ees-
critarealizado porGray, em1956,paraaUNESCO. Gray
(1956) enfatiza anatureza pragmática doletramento quan-
doadota oconceito deletramento funcional que, como
afirma, surgira apartirdepesquisas eexperiênas sobre
leitura desenvolvidas nasduas outrêsdécadas anteriores.
Graydefine oletramento funcional como sendo osco-
nhecimentos ehabilidades deleitura eescrita quetornam
Ens,J73
umapessoacapaz de"engajar-se emtodasaquelas ativi-
dadesnasquais oletramento énormalmente exigido em
sualturaougrupo".
Oenfoquenafuncionalidade como oatributo essenal
dashabilidades deleitura eescrita influenciou significativa-
menteadefinição deletramento daUnesco, jácitada, for-
mulada comoobjetivo depadronização internacional de
estatísticas educaonais. Revendo, em1978, aRecomenda-
çãode1958, aConferência Geral daUnescojulgou necessá-
riointroduzir umnovo graudeletramento: embora mantendo
adefinição de1958deuma pessoaletrada,baseada em
habilidadesindividuais, anteriormente citada, introduz ocon-
ceitode"pessoa funonalmente letrada", fundamentado nos
usossoaisdaleitura eescrita:
Umapessoa éfuncionalmente letradaquando pode participar
detodas aquelas atividades nasquais oletrarnento énecessá-
riopara oefetivo funcionamento deseugrupo ecomunidade
e,também, para capacitá-Ia acontinuar usando aleitura, a
escrita eocálculo paraseudesenvolvimento eodesuacomu-
nidade. (Unesco, 1978a, p.I)
Letramento funcional significa, pois,adaptação, como
nametáforadeScribner (Scribner, 1984): "Esta metáfora
(letramentocomoadaptação) éproposta paracaracterizar
conceitos deletramento queenfatizam seuvalor pragmáti-
cooudesobrevivência." (p.9) Scribner reforça aimpor-
tância doletramento funcional oudesobrevivência:
Anecessidade dehabilidades deletramento nanossa vidadiá-
riaéóbvia; noemprego, passeando pelacidade, fazendo com-
pras,todos encontramos situações querequerem ousodalei-
turaouaprodução desímbolos escritos. Nãoénecessário
apresentar justificativas para insistir queasescolas sãoobriga-
elasadesenvolver nascrianças ashabilidades deletramento
queastornarão aptas aresponder aestas demandas sociais
cotidianas. Eosprogramas deeducação básica têmtambém a
obrigação dedesenvolver nosadultos ashabilidades quede-
vemterpara manter seus empregos ouobter outros melhores,
receber otreinamento eosbenefícios aquetêmdireito, eassu-
mirsuasresponsabilidades cívicas epolíticas. (p.y)

741Letramento
Assim,letramentoenvolvemaisdoquemeramentelere
escrever.ComoKirscheJungeblut(1990)afirmam,letra-
mentonãoésimplesmenteumconjuntodehabilidadesde
leituraeescrita,mas,muitomaisqueisso,éousodessas
habilidadesparaatenderàskÀom?ugzsoais.Acreditando
nopoderdoletramentoparaconduziraoprogressosoale
individual,osautoresdefinem-nocomo"ousodeinforma-
çãoimpressaemanuscritaparafunonarnasoedade,
paraatingirseusprópriosobjetivosedesenvolverseusco-
nhementosepotenalidades."(p.1-8)
Subjacenteaesseconceitoliberal,funonaldeletramento,
estáacrençadequeivuzkx©?ugzaltamentepositivasad-
vêm,necessariamente,dele:sendoousodashabilidadesde
leituraeescritaparaofunonamentoeawgy~owg??vade-
quadosnasoedade,eparaosucessopessoal,oletramento
éconsideradocomoresponsávelporproduzirresultadosim-
portantes:desenvolvimentocognitivoeeconômico,mobili-
dadesoal,progressoprofissional,dadania.2
Umaperspectivadiferentesobreasrelaçõesentreletra-
mentoesoedadeépropostaporaquelesquesefiliamà
vertenteanteriormentedenominadadeumainterpretação
radical,"yk°vs©vu?yog"dessasrelações-suaversão"for-
te".Enquantoque,nainterpretaçãoliberal,progressista(a
versão"fraca"),letramentoédefinidocomooconjuntode
habilidadesnecessáriaspara"funonar"adequadamenteem
práticassoaisnasquaisaleituraeaescritasãoexigidas,
nainterpretaçãoradical,"yk°vs©vu?yog"-letramentonãopode
serconsideradoum"instrumento"neutroaserusadonas
práticassoaisquandoexigido,maséessenalmenteum
conjuntodepráticassoalmenteconstruídasqueenvolvem
aleituraeaescrita,geradasporprocessossoaismaisam-
plos,eresponsáveisporreforçarouquestionarvalores,
tradiçõeseformasdedistribuiçãodepoderpresentesnos
contextossoais.
Street(1984),umdosrepresentantesdestainterpretação
alternativadadimensãosoaldoletramento,caracteriza-a
comoo"modeloideológico"deletramento,emoposição
ao"modeloautônomo".DeacordocomStreet,letramentoé
"umtermo-síntesepararesumiraspráticassoaisecon-
cepçõesdeleituraeescrita"(p.I),temumsignificadopolí-
ticoeideológicodequenãopodeserseparadoenãopode
sertratadocomosefosseumfenômeno"autônomo"(p.8).
Streetafirmaqueaverdadeiranaturezadoletramentosãoas
formasqueaspráticasdeleituraeescritaconcretamente
assumememdeterminadoscontextossoais,eissodepen-
defundamentalmentedasinstituiçõessoaisquepropõem
eexigemessaspráticas.
Provavelmente,aposturamaisradicalnoquadrodo"mo-
deloideológico"deletramentoéadeLankshear(1987).
Colocando-secontraapressuposiçãodequeoletramentoé
um"instrumento"dequeaspessoassimplesmentelançam
mãopararesponderàskÀom?ugzdaspráticassoais,Lank-
shearafirmaqueéimpossíveldistinguirletramentodocon-
teúdoutilizadoparaadquiri-loetransrnítí-Io,edequaisquer
vantagensoudesvantagensadvindasdosusosquesãofei-
tosdele,oudasformasqueassume(p.40).Oqueo
letramentoédependeessenalmentedecomoaleituraea
escritasãoconcebidasepraticadasemdeterminadocontex-
tosoal;letramentoéumconjuntodepráticasdeleiturae
escritaqueresultamdeumaconcepçãodeoquê,como,
quandoeporquêlereescrever.
Dopontodevistadesseconceito,asqualidadesine-
rentesaoletramentoesuasivuzkx©?ugzpositivas,enfati-
zadasporaquelesqueafirmamsuafunonalidadecomo
uminstrumentopararesponderademandassoaisepara
realizarmetaspessoais,sãonegadas.Nessaperspectiva,o
2Aafirmaçãofrequentedequeoletramentotraz,comoivuzkx©?ug-aelevação
dosníveiscognitivo,econômicoesoaltemsidoquestionadapornumerosos
estudosnasáreasdaPsicologia,daEtnografia,daHistória:emboraimportante,a
disssãodessaquestãoultrapassaosobjetivosopresenteestudo.Paraumarevi-
sãosobreestetema,verAkinnaso,1981.
EnsaI75

761Letramento Jn
pressuposto édequeasconsex©?ugz doletramento es-
tãointimamente relacionadas comprocessossociais mais
amplos, determinadas poreles,eresultamdeumaforma
particular dedefinir, detransmitiredereforçar valores,
crenças, tradições eformas dedistribuiçãodepoder. As-
sim,ospartidários daversão "forte"dasrelações entre
letramento esociedade argumentam queasconsequências
doletramento sãoconsideradas desejáveis ebenéficas
apenas poraqueles queaceitam comojustaeigualitária
anatureza eestrutura docontextosoalespecífico no
qualeleocorre. Quando nãoéesseocaso, istoé,quan-
doanatureza eaestrutura daspráticaserelaçõessociais
sãoquestionadas, oletramento évistocomouminstru-
mento daideologia, utilizado comoobjetivo demanter
aspráticas erelações soais correntes,acomodando as
pessoasàscondições vigentes. Porexemplo:aqueles que
criticam associedades capitalistas afirmamqueoletra-
mento funcional, talcomo éconcebidonessassocieda-
des,apenas reforça eaprofunda asrelações epráticas
queproporcionam ouvantagens oudesvantagens eco-
nômicas, relações epráticas estruturadassocialmente;
como Lankshear afirma, oletramentofunonal "desig-
naumestado mínimo, essenalmente negativo epassi-
vo:serfuncionalmente letrado ésercapaz deestar à
alturadaspequenas rotinas cotidianasedoscomporta-
mentos básicos dosgrupos dominantesnasociedade
contemporânea". Cp.64)
Resultam dessaconcepção alternativas"revolucionárias"
aoconceito liberal, progressista de"Ietramento funcio-
nal".Paulo Freire 0967, 1970a,1970b,1976) foiumdos
primeiros educadores arealçar essepoder"revolucioná-
rio"doletramento, aoafirmarqueseralfabetizado é
tornar-se capaz deusar aleituraeaescritacomoum
meio detomar consciência darealidadeedetransfor-
má-Ia. Freire concebe opapel doletramento como sen-
dooudelibertação dohomem oudesua"domestícação",
dependendo docontexto ideológico emqueocorre,e
alertaparaasuanatureza inerentemente política, defen-
dendoqueseuprincipal objetivo deveria serodepromo-
veramudançasoal.
Essanovamaneira deconceber oletramento foipro-
postanoSimpôsio Internacional para oLetramento, acon-
tecidoemPersépolis, em1975, comoapoio daUnesco.'
Umconceitomaisamplo deletramento funcional foientão
sugeridopelos participantes, propondo
...umadistinção entreasduasprincipais categorias defunciona-
lidade:aprimeira, decaráter econômico, relacionada comapro-
duçãoeascondições detrabalho; aoutra, decaráter cultural,
relaonadacomatransformação daconsciência primária em
ivuz?ucia crítica(oprocesso de"conscientízação") ecoma
ativapartipação dosadultos emseupróprio desenvolvimento.
(tadoemStreet, 1984,p.187)
Seguindoessadistinção, aDeclaração dePersépolis
considerouoletramento como sendo
...nãoapenas oprocesso deaprendizagem dehabilidades de
leitura,escrita ecálculo, masumacontribuição paraaliberação
dohomemeparaoseupleno desenvolvimento. Assim concebi-
do,oletramento criacondições paraaaquisição eleumacons-
?ugcrítica elascontradições daSOCiedade emqueosho-
mensvivem edosseusobjetivos; eletambém estimula ainiciati-
vaeaparticipação dohomem nacriação deprojetos capazes
deatuarsobre omundo, detransformá-lo ededefinir osobjeti-
vosdeumautêntico desenvolvimento humano. (citado emBhola,
1979, p.38)
Lankshear(987), citado anteriormente, emumaposi-
çãoaindamaisradical, eendossando adistinção deO'Neil
entre"adequadamente letrado" e"inadequadamente letra-
do"(O'Neil,1970), masdotando-a demaior forçapolítica,
afirmaque"oletramento adequado aumenta ocontrole
3Umestudo exaustivo decomo osconceitos delerramento eosprogramas parasua
promoção evoluíram naUnesco, de]946a1987,édesenvolvido porjones (1988).

78ILetramento
daspessoassobre suasvidasesuacapadadeparalidar
racionalmente comdecisões, porqueastornacapazes de
identificar,compreender eagirparatransformarrelações e
práticas soaisemqueopoderédesigualmente distribuí-
do"(p.74). Levine (982) fazamesmaafirmação, quando
enfatiza opapel doletramentonoprocessode"produzir e
reproduzir -oudefalharemreproduzir-adistribuição
social doconhecimento" (p.264, grifonosso).
Resumindo, osconceitos deletramentoqueenfatizam
suadimensão social fundamentam-se ouemseuvalor prag-
mático, istoé,nanecessidade deletramentoparaoefetivo
funcionamento nasoedade (aversão"fraca"), ouemseu
poder "revolucionário", ouseja,emseupotenal para
transformar relações epráticassoaisinjustas(aversão
"forte"). Apesar dessadiferença essenal,tanto aversão
"fraca" quanto aversão "forte" evidenamarelatividade
doconceito deletramento. porqueasatividades sociais
queenvolvem alíngua escritadependemdanatureza e
estruturadasociedade edependem doprojeto quecada
grupo político pretende implementar,elasvariamnotem-
poenoespaço. Graff0987a)afirmaqueosignificado e
contribuição doletramento nãopodeserpressuposto, ig-
norando "opapel vitaldocontextosocio-bistorico" (p.17).
Naspalavras dele:
Estudoshistóricos documentam asmudanças de
concepçãodeletramento aolongo dotempo." estudos
antropológicoseetnográficos evidenciam osdiferentesusos
doletramento,dependendo dascrenças, valores epráticas
lturais,edahistória decada grupo soal." Como afirma
Scribner0984}
Emcerto momento, ahabilidade deescrever opróprio nome
eraacomprovação deIetrarnento, hoje,emalgumas partes do
mundo, ahabilidade dememorizar umtextosagrado éaprin-
paldemanda deletramento. Oletramento nãotemumaes-
z?ugestática nemuniversal. (p.8)
Oprincipal problema, queretarda muitíssimo osestudos sobre o
letramento, sejanopassado ounopresente, éodereconstruir
oscontextos deleitura eescrita: como, quando, onde, porquee
para quem oletramento foitransmitido; ossignificados quelhe
foramatribuídos; osusosquedeleforamfeitos; asdemandas de
habilidades deletramento, osníveisatingidosnasrespostas a
essas demandas; ograu derestriçãosoalàdistribuição edifu-
sãodoIetrarnento, easdiferenças reaisesimbólicasqueresulta-
ramdascondições sociais deletramentoentreapopulação. (p.23)
Dopontodevista histórico eantropológico, é,por
exemplo,significativo quealíngua inglesa tenha incorpo-
radootermoilliteracy (ausência deletramento) muitoan-
tesquesurgisseotermo literacy (letramento): segundo
Charnley&jones (979), oOxford English Dictionary
registraotermoilliteracy desde 1660, enquanto queoter-
mopositivoliteracy sóaparece registrado nofinaldosé-
lo19(p.8).Osurgimento dotermo literacy nessaépoca
refletecertamente umamudança histórica naspráticasso-
ais:novasdemandas soais deusodaleitura eescrita
exigiramumanova palavra paradesigná-Ias. Conse-
quentemente,umnovo conceito foicriado.
Éinteressanteobservar que,empaíses onde demandas
soaiscomplexasdeusodaleitura eescritanãoestão
aindaamplamente disseminadas, alíngua nãooferece um
termoequivalente aliteracy, noportuguês doBrasil, por
exemplo,rlamostermos negativos "analfabeto" e"anal-
fabetismo"hámuito tempo, massórecentemente foram
criadostermosequivalentes aliteracy -"alfabetismo", "le-
tramento".Oconceito oposto a"analfabetismo", signifi-
candomaisdoquesercapaz deassinar opróprionome
É,assim, impossível formularumconceitoúnico de
letramento adequado atodas aspessoas,emtodososlu-
gares, emqualquer tempo, emqualquercontextoltural
oupolítico.
4Ver,porexemplo: Graff 0987a, 1987b),Schofield (1968),Resnick &Resnick (977),
Furet &Ozouf (977), Chartier &Hébrard (989), Chartier (1985).
,Ver,porexemplo: Goody 0968,1987), Levíne 0982, 1986), Heath (1983), Finnegan
(1988), Scribner&Cole(981), Wagner 0983, 1986, 1991), Schieffelin &Gilmore (986).
EnsaioI79

80ILetramento
Ensaio181
oulereescrever umasentença simples, vai-se constituin-
doàmedida quenovas demandas decomportamento le-
trado vãosurgindo nocontexto social.
Pode-se concluir, então, quehádiferentes conceitos de
letramento, conceitos quevariam segundo asnecessidades
econdições sociais específicas dedeterminado momento
históricoededeterminado estágio dedesenvolvimento.
Além disso,dopomo devistasociológico, emqualquer
sociedade, sãovárias ediversas asatividades deletramento
emcontextos sociais diferenciados, atividades queassumem
determinados papéis navidadecadagrupo edecadaindi-
víduo. Assim, pessoas queocupam lugares sociais diferentes
etêmatividades eestilos devidaassoados aesseslugares
enfrentam demandas funcionais completamente diferentes:
sexo, idade,residência rural ouurbana eetniasão,entre
outros, fatores quepodem determinar anatureza docom-
portamento letrado. Consequentemente, definir umconjun-
touniversal decompetências queevidenciassem odomínio
deum"letramento funonal" éproblemático: queparârne-
trosescolher paraselecionar edefinir essas competências?
Damesma forma, naperspectiva deumletramento "para
alibertação", pessoas ougrupos quetêmideologias dife-
rentes e,consequentemente, diferentes objetivos políticos
propõem diferentes práticas deletramento, determinadas
porseusvalores, afirmações, ideais. Porexemplo: ocon-
ceito deletramento emsociedades emprocesso demu-
dança revolucionária (como emCuba, nosanos 60,em
Nicarágua, nosanos 80)nãoéomesmo quenospaíses
politicamente estáveis.
SOCiaiS ecompetências funcionais e,ainda, avalores
ideológicos emetas políticas.
Reconhecendo essesmúltiplos significados evarieda-
desdeletramento, Scribner (1984) defende aconveniência
de"desagregar" seusdiversos níveis etiposemumpro-
cesso dedecomposição (p.I8). Asugestão quefazHar-
mandeuma definição deletramento quedistinga três
diferentes estágios representa umatentativa derealizar essa
"desagregação":
oprimeiro (estágio) éaconcepção deletrarnento como um
instrumento. Osegundo éaaquisição doletramento, aaprendi-
zagemdashabilidades delereescrever. Oterceiro éaaplicação
prática dessas habilidades ematividades significativas para o
aprendiz. Cadaestágio édependente doanterior; cada uméum
componente necessário doletramento. (Harman, 1970,p.228)
Umsegundo exemplo detentativas de"desagregar" ole-
tramento éatendêna contemporânea, sobretudo empaíses
desenvolvidos, dequalificar otermo, fazendo distinções en-
treletramento básico eletramento crítico, letramento ade-
quado einadequado, letramento funcional eintegral,
letramento geraleespecializado, letramento domesticador e
libertador, letramento descritivo eaoaliatiuo, etc.
Umatentativa mais radical de"desagregar" oletra-
mento nosseuscomponentes éaquela proposta porau-
toresque,emvezdeconsiderarem oletramento como
constituído de"estágios" oucomponentes, oucomone-
cessitando serqualificado, argumentam queémais ade-
quado referir-sealetramentos, noplural, enãoaum
único letramento, nosingular:
ÉPOSSíVELUMADEFINiÇÃO?
...seria, provavelmente, mais apropriado referirmo-nos a
"letrarnentos" doqueaumúnico "letramento", (Street, 1984, p.S)
...devemosfalardeletramentos, enãodeletramento, tantono
sentido dediversas linguagens eescritas, quanto nosentido de
múltiplos níveis dehabilidades, conhecimentos ecrenças, no
campo decada língua e/ou escrita. CWagner, 1986, p.259)
...deveríamos identificar eestudar diferentes letramentos enão
supor 01.1presumir umúnico letramento. (Lankshear, 1987, p.48)
Adiscussão anterior permite concluir queoconceito
deletramento envolve umconjunto defatores quevariam
dehabilidades econhecimentos individuais apráticas

821Letrameoto
.-183
Pode-se concluir quedefinirletramento éumatarefaal-
tamente controversa; aformulação deuma definição que
possaseraceita semrestrições parece impossível. Contudo,
como observa Cervero (1985), "afirmarqueumadefinição
geralecomumatodosnãoépossível. ..nãoquerdizerque
nãohajanecessidade deumadefinição geralecomuma
todos" (p.53). Umadefiniçãogeral eamplamente aceita é
necessária, especialmente quando sepretende avaliar eme-
dirníveis deletramento: semela,como determinar critérios
queestabeleçam adiferença entre letrado eiletrado, entre
diferentes níveis deletramento? Naseçãoseguinte, alguns
critérios comumente utilizados paraavaliar emedir oletra-
mento serãoexaminados doponto devistadessa controvér-
siaconceitual.
Kirsch &Jungeblut, 1990);deacordo comestatísticas edu-
cacionais, tantoempaíses desenvolvidos quanto empaí-
sesemdesenvolvimento, umnúmero alarmante decrianças
nãoalcança oletramento nosprimeiros anosdoensino
fundamental.? Entretanto, queletramento (ounãoletra-
mento) estáportrásdesses dados?Seoletramento éum
contínuoquerepresenta diferentes tiposeníveis dehabi-
lidades econhementos, eéumconjunto depráticas
sociais queenvolvem usos heterogêneos deleituraees-
critacomdiferentes finalidades, queponto, nesse contí-
nuo,deve separar adultosletrados deiletrados, emcensos
populaonais epesquisas poramostragem, oucrianças
bem sucedidas decrianças malsucedidas naaquisição
doletramento, emcontextos escolares?
Asprincipais tentativas deenfrentamento desse pro-
blema sãodistidas abaixo. Como aavaliação emedi-
çãodoletramento dependem essencialmente deseu
propósito, adisssão éapresentada segundo asseguin-
tescategorias: avaliação emedição doletramento em
contextos escolares, emcensos demo gráficos naonais e
empesquisas poramostragem.
AVALIAÇÃO EMEDiÇÃO DOLETRAMENTO:
EMBUSCADECRITÉRIOS
Sendo difícil oumesmo impossível definirletramento,
enfrenta-se afaltadeumacondição essenal parasua
avaliação emedição: uma definição precisa quepermita
determinar oscritérios aseremutilizados paradistinguir
pessoas letradas deiletradas, ouparaestabelecer diferen-
tesníveis deletramento.
Naausência dessacondição, asavaliações emedições
deletramento realizadas, queratravés decensos popula-
cionais, querdepesquisas poramostragem, quer, ainda,
emsentidomais restrito, realizadas porsistemas escola-
resouescolas, produzem dados imprecisos. Segundo os
censos populacionais, quase umbilhão demembros da
população mundialadulta (deidade acima de15anos)
sãoiletrados (Unesco 1990); conforme pesquisas por
amostragem, oletramento éhoje umgrande problema
atémesmo empaísesdesenvolvidos (ver, porexemplo,
AVALIAÇÃO EMEDiÇÃO DOLETRAMENTO
EMCONTEXTOS ESCOLARES
Nassociedades contemporâneas, ainstância respon-
sável porpromover oletramento éosistema escolar(em-
bora nãosejaimpossível, como Scribner&Cole(1981)
6Porexemplo: noBrasil, assim como emmuitos países doTerceiro Mundo, uma
grande porcentagem decrianças (emtorno de50%) repetem oprimeiro anode
escolaridade, porquesãoconsideradas nãoalfabetizadas; McGill-Franzen &Alling-
ton(991) informam que, naAmérica doNorte,"umnúmero jamais alcançado de
crianças estãorepetindo osprimeiros anos, basicamente porque estão "atrasadas"
nodesenvolvimento daleitura" (p.87). Paralimarevisão crítica dedados referentes
àAmérica Latina, verRoca(1989).
1.11
I1
\1
;11
II
II
,I
1~~1

841Letramento
demonstraram, serletrado semtertidoescolarização), se-
gundoCook-Gumperz (1986), "éconsenso soal, nosdias
dehoje, queoletramento étantooobjetivo quanto o
produto daescolarização" (p.16)J Masoqueseentende
poresseletramento proposto como objetivo eproduto
daescolarização, ecomo éeleavaliado emedido em
contextos escolares?
Pararesolver oconflitoentre afaltadeumadefinição
precisa deletramento eanecessidade desuaavaliação e
medição, osistema escolar enfrenta condições simultanea-
mentefavoráveis edesfavoráveis.
Condições favoráveis advêrn dofatodequeoletramen-
toé,nocontexto escolar, umprocesso, mais queumpro-
duto;consequentemente, asescolas podem fazer usode
avaliações emedições emvários pontos docontínuo queé
oletramento, avaliando demaneira progressiva aaquisi-
çãodehabilidades, deconhecimentos, deusossociais e
culturais daleituraedaescrita, evitando, assim,oproble-
madeterdeescolher umúnico ponto docontínuo para
distinguirumaluno letrado deumiletrado, uma criança
alfabetizada deumanãoalfabetizada.
Poroutro lado,danatureza "teleológica" dosistema
escolaradvêm condições desfavoráveis paraoenfrentamento
doconflito entreafaltadeumadefinição presa deletra-
mentoeanecessidade desuaavaliação emedição. Asesco-
lassãoinstituições àsquaisasoedade delega a
responsabilidade deprover asnovasgerações dashabilida-
des,conhecimentos, crenças, valoreseatitudes considera-
dosessenciais àformação detodoequalquer cidadão. Para
alcançar talobjetivo, osistema escolar estratifica ecodifica
oconhecimento, selecionando edividindo em"partes" o
quedeveseraprendido, planejando emquantos períodos
(bimestres, semestres, séries, graus) eemquesequência
devesedaresseaprendizado, eavaliando, periodicamente,
emmomentos pré-determinados, secadaparte foisuficien-
temente aprendida. Dessemodo, asescolas fragmentam e
reduzem omúltiplosignificado doletrarnento: algumas
habilidades epráticas deleituraeescritasãoseleonadas
e,então,organizadas emgrupos, ordenadas eavaliadas
periodicamente, atravésdeumprocesso detestes eprovas
tanto padronizados quanto informais. Oconceito deletra-
mento torna-se, assim, fundamentalmente determinado pelas
habilidades epráticas adquiridas através deumaescolari-
zação burocraticamente organizada etraduzidas nositens
detesteseprovas deleituraedeescrita.Aconsequência
dissoéumconceito deletramento reduzido, determinado
pelaescola, muitasvezesdistante dashabilidades epráti-
casdeletramento querealmente ocorrem foradocontexto
escolar -umletramento escolar, naspalavras deCook-
Gumperz(986):
Ainstituição escola redefiniu oletramento, tornando-o oque
agorasepodechamar deletramento escolar, ouseja,umsiste-
madeconhecimento descontextualizado, validado através do
desempenho emtestes (p.14).
Essaestreita relação entreletramento eescolarização
controla maisdoqueexpande oconceito deletramento, e
seusefeitos sobreaavaliação emedição doletramento são
significativos, embora nãosejamosmesmos empaísesde-
senvolvidos eemdesenvolvimento.
Nospaísesdesenvolvidos, ondeossistemas escolares
sãorigorosamente organizados, oletramento escolar é,
emgeral,definidopormeiodoestabelecimento dedeter-
minados padrões deprogresso desejado emleitura ees-
crita,eosníveis alcançados pelosestudantes tendo como
parâmetro essespadrões sãoconsiderados umarepresen-
taçãoadequada deletramento. Devido aocaráter "teleoló-
gico" dosistema escolar, essespadrões deprogresso são
,Ahistória dasrelações entre letramento eescolarização esclarece bastante osatuais
procedimentos deavaliação emedição cioletramento emcontextos escolares, mas
essadiscussão ultrapassa osobjetivos deste texto;paraumarevisão crítica, verCook-
Gumperz (1986).
Ensaio185
II
I~I

861Letramento
Ensaio\'õ7
definidos, emgrande parte, portestes padronizados e/ou
informais; como consequêna, ofenômeno complexo e
multifacetado doletramento éreduzido àquelas habilida-
desdeleitura eescrita eàqueles usossociais queostestes
avaliam emedem. Desse modo, oscritérios segundo os
quais ostestes sãoconstruídos équedefinem oqueé
letramento emcontextos escolares: umconceito restrito e
fortemente controlado, nemsempre condizente com as
habilidades deleitura eescrita easpráticas sociais necessá-
riasforadasparedes daescola.
Essaé,provavelmente, uma explicação (dentre ou-
tras)para ofatodeoletramento ainda serumgrande
problema entreadultos depaísesdesenvolvidos, apesar
de,neles,aeducação fundamental obrigatória atingir prati-
camente atodos: tendo alcançado umletramento esco-
lar,osadultos sãocapazes decomportamentos escolares
deletramento, massãoincapazes delidar comosusos
cotidianos daleitura edaescrita emcontextos nãoesco-
lares. Porexemplo, Kirsch &]ungeblut (1990) alegam
queosproblemas deleitura eescrita identificados em
adultos jovens naAmérica doNorteevidenciam umdo-
míniolimitado dashabilidades eestratégias deprocessa-
mento deinformação necessárias para queosadultos
sejam bem-sucedidos aoenfrentarem umavastagama de
atividades notrabalho, emcasa, emsuascomunidades.
Domesmo modo, umaanálise dosproblemas deleitura
eescrita dejovens adultos naGrã-Bretanha (ALBSU, 1987)
revela queelesenfrentam dificuldades navidacotidiana
etambém notrabalho, oquesugere que,talvez, ocon-
ceito deletramento adotado pela escola esteja decerta
forma emdissonância comaquilo queéimportante para
aspessoas emsuavidadiária.
Nospaísesemdesenvolvimento, osefeitos daestrei-
tarelação entreescolarização eletramento sãobastante
diferentes.
Emprimeiro lugar, amaioriadospaíses emdesenvolvi-
mento ainda nãoprovê educação fundamental paratodos e,
obviamente, essefatotemsérias implicações paraaavalia-
çãoemesmo paraaconceituação deletramento. Porum
lado,como aescolarização éaprincipal responsável, nas
sociedades contemporâneas, porpromover egarantir ole-
tramento, aincapadade dosistema escolar emoferecer
umaescolarização universal resulta emaltosíndices deanal-
fabetismo ebaixos níveis deletramento: quase todaapopu-
laçãoanalfabeta domundo encontra-se empaíses em
desenvolvimento, enquanto queoíndice deanalfabetismo
nospaíses desenvolvidos podeserconsiderado desprezível
(Unesco, 1990,p.4).Poroutrolado,ecomo consequência
dofatodeoanalfabetismo resultar dafaltadeescolariza-
ção,oconceito deletramento nospaíses emdesenvolvi-
mento ébastante diferente doconceito maisdifundido nos
países desenvolvidos: nesses, seriletrado significa terdifi-
culdades paralereescrever; naqueles, seriletrado significa
serincapaz delereescrever. Poressarazão, enquanto que
nospaíses desenvolvidos oletramento éoprincipal pro-
blema, enãoonão-letrarnento (oanalfabetismo), como afir-
mam Kirsch &]ungeblut (990), nos países em
desenvolvimento, pelocontrário, onão-Ietramento (oanal-
fabetismo) éoprinpal problema, nãooletramento.
Emsegundo lugar, nospaíses emdesenvolvimento,
apesar deossistemas escolares serem emgeral rigidamen-
teregulamentados, aadesão àsnormas eregulamentos
nãoérigorosamente controlada, demodo quesetorna
difícil assegurar padrões deresultados. Nocaso dole-
tramento, aausêna depadrões estabelecidos deforma
maisgeralpermite autilização decritérios vagos ealeató-
riosdeavaliação emedição, demodo quealunos dames-
mafaixaetária ousérie evidenciam odomínio de
habilidades deleitura eescrita bastante diferenadas e
níveis variados deletramento escolar. Quase sempre, nos
países emdesenvolvimento, emgeral sociedades com
:[1
:11
,
I
t
1'1
I'
I:;
11
I
!i
I:
!I!
'i
I
III
1:11
I

J.__
divisões soais marcantes, ospadrõesdeletramento defini-
dospelasescolas variam deacordocomostatussocial e/
oueconômicodoaluno: ospadrõessão,quasesempre,
consideravelmente mais altos paraosalunos dasclasses
altas. Assim,tornar-se letrado oumesmoapenas alfabeti-
zado numaescola declassealtatemumsignificado bas-
tante diferente detornar-se letradooualfabetizado numa
escola declassetrabalhadora; defato,osalunos dasclas-
sestrabalhadoras sãosub-escolarízados esub-letrados em
comparação comosalunos dasclassesaltas.Dessemodo,
comoafirmaLankshear (1987), "atransmissão eaprática do
letramentonaescola contribuem paraamanutenção de
padrões desiguais dedistribuição depoder edevantagens
dentrodaestrutura social" Cp.131).8
Emsíntese, doispontos prinpaisdevem serenfati-
zados emrelaçãoàavaliação emediçãodoletramento em
contextos escolares. Oprimeiro delesdizrespeito aocon-
ceito deletramento escolar,quedecorredoscritérios defi-
nidos pelaescola para avaliar emedirashabilidades de
leitura eescrita: umconceito limitado, emgeral insuficien-
tepararesponder àsexigências daspráticas sociais que
envolvem alíngua escrita, foradaescola.Osegundo pon-
todizrespeitoaosdiferentes efeitoseducacionais esociais
desseletramento escolar empaísesdesenvolvidos eem
desenvolvimento: nospaísesdesenvolvidos, sistemas edu-
cacionais fortemente organizados prescrevem padrões es-
tritoseuniversais para aaquisiçãoprogressiva deníveis
deletramento, enquanto que,nospaíses emdesenvolvi-
mento, umfunonamento inconsistente ediscriminatório
daescolagerapadrões múltiplos ediferenciados deaqui-
siçãodeletramento.
KNaverdade, Lankshear nãoserefere, nessa tação, exatamente aospaíses em
desenvolvimento, massimàsSOCiedades capitalistas modernas; entretanto, apesar
eleOproblema queeleaponta nãoselimitar, certamente, apenas aospaísesem
desenvolvimento, eleé,semdúvida alguma,maisacentuado nessespaíses.
11'
EnsaI89
Essasquestões têmumaouls©?ugsignificativa nadefi-
nição decritérios paraaavaliação emedição doIetrarnen-
toemcensospopulacionais, comosediscute aseguir.
AVALIAÇÃO EMEDiÇÃO DOLETRAMENTO
EMCENSOS POPULACIONAIS
Afirmarqueumconceito únicodeletramento nãoé
possível, tanto paraasociedade comoumtodo quanto
emcontextos escolares, nãoimplicaqueesseconceito
único nãosejanecessário; defato,umadefinição precisa
éindispensável para fundamentarprogramas decoleta
dedadossobre oletramento, comonocasodecensos
demográficos nacionais.
Nessescasos,oproblema aenfrentar éque,apesar deo
letramento,como foidiscutido,nãoseralgoqueaspesso-
asoutêmounãotêm-eleéumcontínuo, variando do
nívelmaiselementar aomais complexodehabilidades de
leituraeescrita edeusossociais-emlevantamentos censi-
tários,questões práticas exigemqueoletramento sejatrata-
docomoumavariável discretaenãocontínua. Como um
dospropósitos doscensos demográficos éfornecer infor-
mação estatística sobre letramento eanalfabetismo, osins-
trumentosdeavaliação nãopodem deixar dedeterminar um
pontodesãonocontínuo doletramento quedistinga pes-
soasalfabetizadas ouletradas deanalfabetas ouiletradas,e
nãopodemdeixar deusaraenganosadicotomia "alfabeti-
zado", "letrado", versus "analfabeto", "iletrado",
Tradionalmente, oslevantamentos censitários coletam
dadossobre oletramento basicamente através deumde
doisprocessos: oprimeiro éaautoavaliação, ouseja,o
próprioinformante responde seéalfabetizado, letrado, ou
seéanalfabeto, iletrado; osegundoéaobtenção deinfor-
maçãosobre aconclusão, ounão,peloinformante, de
umadeterminada sérieescolar,ouseja,aobtenção dedado

~ILetramento
Ensaio191
sobre aescolarização formal. Adefinição deletramento e
oscritérios paraavaliá-Io variam, assim, enormemente, pois
dependem doponto específico escolhido, sejapelorecen-
seado sejapelorecenseador, comolinhadivisória entre in-
divíduos alfabetizados eanalfabetos, letrados eiletrados,ao
longo docontínuo queéoletramento.
Naverdade, adecisão sobrequeponto escolher como
linha divisóriaédeterminada peloestágiohistórico daso-
ciedade emanálise, ouseja,porsuascondições culturais,
sociais eeconômicas específicas numdeterminado mo-
mento, edepende daspráticas reaisdeusosdaleitura eda
escrita edosprocessosatravés dosquaisessesusossão
transmitidos naquelas condições específicas enaquele
momento. Assim, alinha divisória escolhidaparadistinguir
o"alfabetizado", o"letrado" do"analfabeto", do"iletrado"
varia desoedade para sociedade: pessoasclassificadas
comoalfabetizadas ouletradas emumdeterminado país
nãooseriamemoutro. Maisainda:emummesmopaís,
osconceitos dealfabetizado eanalfabeto, deletrado e
iletrado variamaolongo dotempo: àmedida queascon-
dições soaiseeconômicas mudam, também asexpecta-
tivasemrelação aoletramento mudam, eaqueles
classificados como alfabetizados ouletrados emdetenni-
nadomomento podem nãosê-lo emoutro.
Aprópriaescolha entre coletar dadossobre oletramen-
toatravés deautoavaliação oudeidentificação denível de
escolarização depende doestágio dedesenvolvimento so-
cialeeconômico dasociedade e,consequentemente, de
seusistema escolar.
Ospaísesemdesenvolvimento optam, emgeral, pela
coleta dedadosatravés doprocesso deautoavaliação 3Aa
avaliação feitapelopróprio informante sobre suashabilida-
desdeleituraeescrita éconsiderada amaisadequada, por
várias razões: primeiramente, porqueaspráticas sociais de
leitura eescritanãoestão suficientemente difundidas entrea
população, nãosendo pertinente, porisso,pretender avaliar
nível ouníveis deletramento; emsegundo lugar,porque a
educação fundamental universal eobrigatória ainda não
foiinteiramente alcançada, demodoqueocritério dení-
veldeescolaridade seria improcedente;além disso,eem
terceiro lugar, porque ossistemas escolares estão organi-
zados demodoinconsistente enãosãohomogêneos, fun-
cionando emníveis dequalidade muito diferentes, demodo
quehaveriapouca concordância sobreoquepode signifi-
caraconclusão dedeterminada sérieescolar emdiferentes
regiões, emdiferentes escolas.
Ospaíses desenvolvidos, aocontrário, geralmente utili-
zam-se dedados sobrenível deescolarização paraaferiro
graudeletramento dapopulação: considera-se necessáriaa
conclusão deumcerto número deanosdeescolarização
formal paracaracterizar apopulação letrada, porque avida
social exigehabilidades epráticas deletramento eminúme-
rasediferentes ocasiões, aeducação fundamental básica para
todos jáfoipraticamente atingida, eossistemas escolares
sãorigorosamente organizados.
Entretanto, tanto aautoavaliação quanto informações
sobreconclusão desérie escolar sãoprocessos problemá-
ticosparaacoletadedados arespeito doletramento,
como sediste aseguir.
Autoava'iação
Informações sobre oletramento atravésdeautoavalia-
ção,coletadasemcensosdemográficosnaonais, sãoob-
tidaspormeio deumaoumaisperguntas feitas ao
indivíduo, perguntas quetraduzem umadefinição prévia
daquiloqueseconvencionou serletramento. Entretanto,
apesardatentativa degarantir confiabilidade aosdados
derivando asperguntas deumadefinição deletramento
decididapreviamente, asinformações através deautoava-
liação sofrem dealgumas deficiênas sérias.
Aprimeira deficiência éresultadodaaplicação errônea
dadefiniçãodeletramento maisamplamente utilizada em

II

92ILetramento
censos demográficos, definição quegera asperguntas e
aaferição dasrespostas. Apesar depaísesdiferentes uti-
lizarem definições diferentes, afonteprimária éinvaria-
velmente arecomendação daUnesco:"életrada apessoa
queconsegue tantolerquanto escrever comcompreen-
sãoumafrase simples ecurta sobresuavidacotidiana"
(Unesco, 1978a).Contudo, ousodessa definição básica
para finsdeautoavaliação nãodeixadeserproblemáti-
co:como sepodetraduzi-Ia emumaoumaisperguntas
brevesaseremincluídas noquestionário censitário?
Afimdeevitar esseproblema, namaioria dospaísesa
pergunta docenso sobreoletramento ésimplesmente sea
pessoa sabelereescrever ("Você sabelereescrever?"),
semqualquerreferência aoquêapessoaécapaz delere
escrever ouàcompreensão doqueélidoouescrito; o
resultadoéqueosignificado daresposta"sim" ounão"do
informante é,namelhor dashipóteses,dúbio." Comoob-
servaoestudotécnico dasNações Unidas de1989sobre a
avaliação doletramento:
Como determinar searesposta incluiorequisito de"com com-
preensão", aplicado a"umafrasesimples ecurta sobre sua
vidacotidiana", éuma questão diferente ecomplexa. Fre-
qüentemente, presume-se simplesmente queesteéocaso; às
vezes, aquestão ouasquestões especificam umcontexto am-
bíguo talcomo em:"Você sabe leruma mensagem simples?"
(UnitedNations, 1989, p.85)
NoBrasil,porexemplo, omanualdeinstrução que
orienta orecenseador incluiumadefinição de"alfabeti-
zado" aserusada nopreenchimento doquestionário,
definição queé,naverdade, umaversão simplificada da
definição daUnesco. uma pessoa deveserconsiderada
alfabetizada seforcapazdelereescreverumamensagem
?Sociedades multilíngues emultiletraclas enfrentam ainda umoutro problema: em
quelíngua oindivíduo deve saber lereescrever? Paraumadiscussão dessa questão,
verWagner (1990), United Natíons (1989), Unesco (1978b).
J~
simplesnasuaprópria língua (IBGE, 1991). Naprática,
contudo, osrecenseadores geralmente nãoseguem es-
tritamenteasinstruções econfiamexclusivamente na
respostaafirmativa ounegativa doinformante àquestão
consa queaparece noquestionário: "Você sabe lere
escrever?" Uma dasrazões quepode explicar adescon-
sideração dadefinição proposta nomanual deinstrução
éprovavelmente adifildade desaber exatamente o
queelasignifica: qual deveria seraextensão de"uma
mensagem simples"? quantas unidades deinformação
eladeveriaincluir? emqueníveldeproficiência ela
deveriaserlidaouescrita? oquequer dizer"com com-
preensão"? etc.
Umsegundo obstáculo àconfiabilidade dasinforma-
ções obtidas através deautoavaliação éaimpossibilidade
de,combaseapenas narespostaafirmativa C'sim") ou
negativa("não") àpergunta sobreahabilidade doinfor-
mantedelereescrever, captardistinções importantes em
termosdehabilidades eprocessos (porexemplo, leitura
versusescrita; diferença entre decodíficação ecompre-
ensão ouinterpretação; diferença entre apenas sercapaz
detranscrever unidades sonorasesercapaz decomuni-
car-se porescrito comumleitorpotencial). Naverdade, as
respostas "sim" ou"não" aperguntas arespeito daspró-
priashabilidades deleitura eescritadependem, funda-
mentalmente, daavaliação queoinformante fazdesuas
habilidades,competências epráticaspessoais deletramento.
Deve-sesalientar aquiumpontoimportante: essaavalia-
çãoqueoinformante fazdesimesmo éfrequentemente
influenada porumconceito deletramento definido pela
escola,istoporque, nassociedades contemporâneas, como
foiditoantes,asescolas são"árbitros dospadrões de
letramento" (Cook-Gumperz, 1986,p.34),demodo queo
informante tende adescrever-se comoalfabetizado/analfa-
beto,letrado/iletrado, tendo comoparâmetros ashabilida-
desepráticas deletramento quesãotipicamente ensinadas
emedidasnoscontextos escolares,ouseja,deacordo com

J__
Ensaio195
umconceito deletramento escolar enãoemfunção das
habilidades epráticas aprendidas eusadas defatonavida
cotidiana foradaescola."
Uma outraconsideração aserfeitaéqueasperguntas
deautoavaliação noslevantamentos censitários nãosão
respondidas porcada indivíduo separadamente, maspor
ummorador dodomicílioqueresponde portodososou-
trosmoradores. Assim, aclassificação deumindivíduo
como "alfabetizado" ou"analfabeto", "letrado" ou"iletra-
do"baseia-se nãoapenas naavaliação queoinformante
fazdesuaspróprias habilidades deletramento, mastam-
bémnaestimativa quefazdashabilidades dosoutros mo-
radores: comquecritériosoinformante classifica asimesmo
eaosoutroscomo dominando ounãoashabilidades ne-
cessárias paraqueoindivíduo sejaconsiderado alfabetiza-
doouletrado?
Finalmente, asrespostas doinformante àsperguntas
docenso sobre letramento podem nãocorresponder às
suascondições reais, devido ainibições sociais epsico-
lógicas eatitudes decensura. Como osinformantes des-
confiam frequentemente dasmotivações dorecenseador,
podem darrespostas desejáveis emvezderespostas sin-
ceras; porexemplo, pessoas analfabetas muitasvezes
preferem esconder quenãosabem lereescrever, por
vergonha deadmitir, diante deumestranho, sobretudo
alguém queveem como exercendo umpapel deautori-
dade, oqueconsideram seruma defiência; ou,pelo
contrário, pessoasalfabetizadas ouletradas podemde-
clarar nãosaber lereescrever pelotemor deviraserem
submetidas aumtesteoualguma outraforma demedi-
çãodireta. Como afirmaSchofield (1968):
Como namaioria dasinvestigações atuais sobre oletramento, os
dados dessesrelatórios (relatórios estatísticos) sãomedidas das
opiniões daspessoas sobre suascompetências deletramento, tal
como foram declaradas aestranhos, enãoconstituem umaevi-
j?ua direta daexistência dessas competências. Operigo de
resultados pouco confiáveís nesses casos, sobretudo quando se
estabelece umarelação entre statusepossedecompetências de
letramento, sequer precisa serenfatizado. (p.319)
Àluzdessasconsiderações, pode-se concluir que,ape-
sardastentativas degarantiraconfiabilidade dosdados,as
informações sobreíndices deletramento baseadas emau-
tovaliação sãomuitoimprecisas. Aprincipal causadisso é
queomarco divisório quedistinguiria pessoas alfabetiza-
das,letradas,depessoasanalfabetas, iletradas, aolongodo
contínuo doletramento, varia enormemente naspesquisas
feitasparacensosdemográficos, porque suacaracterização
depende defatores diversos efrequentemente discrepantes:
aaplicação (oumáaplicação) pelorecenseador dadefini-
çãodeletramento pré-estabelecida edaqualdeveria deri-
var-seessemarco divisório; adecisãodopróprioinformante
sobre essemarco divisório, aodescrever asimesmo ea
outros membros dafamília como alfabetizados ouanalfabe-
tos;osaspectos psicológicos esoais relacionados como
status doletramento nasociedade.
Essasrestrições àsinformações sobre letramento obti-
dasporautoavaliação têmconduzido aoprocedimento
alternativo demedircompetências epráticas deletramen-
tocom basenaescolarização enaconclusão dedeter-
minada série escolar.
Conclusãodesérieescolar
Definir,avaliar emediroletramento emtermosdeanos
deescolarização apresenta algumas vantagens conceituais
emrelaçãoafazê-locombaseemautoavaliação.
Aprinpal vantageméque,enquanto aautoavaliação
fundamenta-se essenalmente nasuposição dequeexiste
umpontoespecífico, numcontínuo dehabilidades e
10Atémesmo empaíses doTerceiro Mundo, embora oensino fundamental para
todos ainda nãotenha sido alcançado, uma grande maioria dapopulação tem
algum tipodecontato comaescolarização elementar, demodo queosparâmetros
daescola paraavaliação doletramento sãoemgeral bastante conhecidos eampla-
mente ínternalízados.

%I~,~_ro
EnsaioICJ7
práticas,queseparaoalfabetizado,oletrado,doanalfabeto,
doiletrado,ocritériobaseadoemnúmerodeanosdeescolari-
dade,emboratenhatambémoobjetivo,nocasodoslevanta-
mentoscensitários,dedistinguiralfabetizado,letrado,de
analfabeto,iletrado,trazemsi,intrinsecamente,oreconhe-
mentodequeoletramentoéumasérieouumcontínuode
ivtwk~?ugzepráticas,decertaformaescapando,assim,à
dicotomiaartifialletramentoversusanalfabetismo.Naverda-
de,avaliaremediroletramentocombasenonúmerodeanos
deescolafundamentalconcluídoséreconhecerqueégradual-
mentequeaspessoaspassamdoanalfabetismo,donãoletra-
mento,aoletramento,equeissoocorreaolongodeumcerto
períododetempoeatravésdeváriosestágios.
Umaoutravantagemdeavaliaroletramentoemtermos
deanosdeescolarizaçãoéquearesponsabilidadedeclassi-
ficarindivíduoscomoalfabetizados,letrados,ouanalfabetos,
iletradosétransferidaparaumárbitroprovavelmentemais
confiável:enquantoainformaçãobaseadaemautoavaliação
fundamenta-sebasicamentenaavaliaçãodopróprioinfor-
mantesobresuasivtwk~?ugzdeleituraeescrita,como
distidoanteriormente,ocritériodeconclusãodesérie
escolaratribuiaavaliaçãoaosistemaescolar,aproximando-
se,dessaforma,deumaestimativamaisimparal.
Entretanto,onúmerodeanosdeescolaridadeconcluí-
dos,comocritérioparaaavaliaçãoemediçãodoletra-
mento,sustaumproblemacrual:énecessárioseleonar
umadeterminadasérieescolarcomolinhadivisóriaentre
oanalfabetismo,onãoletramentoeoletramento,eessa
seleçãoéinevitavelmentearbitrária.Hillerich(1978)expressa
esseproblemanosseguintestermos:
Osdadosabaixo,relativosaestimativasdeletramentonos
EstadosUnidos,fomedasporNewman&Beverstock(1990),11
reforçamoargumentodeHillerich:osdadosilustramaarbitra-
riedadedaseleçãodeumadeterminadasériejaconclusão
indicarialetramentoadequadoousatisfatório:
Nosanos30,oCivílianConseniationCorpsutilizouaconclusão
daterceirasériecomopadrãodeletramento.Noou?vdaSegun-
daGuerraMundial,aconclusãodaquartasériefoiconsiderada
comoindicativodeletramentosufienteparaaentradanokÀ?y-
to.Contudo,àmedidaqueaguerraavançava,askÀom?ugzde
letramentoforamalteradas,demodoqueumnúmerosufiente
desoldadospudesseserincorporado.Ocensoespealde1947
estabeleceucomonívelindicativodeletramentoncoanosde
escolarização,e13.5porcentodapopulaçãomaslinanãoatin-
giuessenível.Ocensode1949tomoucomocritérioaquinta
série,eode1952,asextasérie.Nadécadadesessenta,oDepar-
tamentodeEducaçãodosEstadosUnidosestabeleceucomoní-
velindicativodeletramentooitoanosdeescolarização.Conside-
rando9anosdeescolarizaçãocomoomínimonecessáriopara
seratingidooletramento,ocensode1980revelou24milhõesde
pessoasde25anosoumaisqueeramiletradas-18porcentodas
pessoasnessafaixaetária.Mas,tomandocomocritérioummíni-
mode12anosdeescolaridade,omesmocensoencontrou45
milhõesdepessoasiletradas,ouseja,34porcento.Cp.57)
Seumdeterminadonúmerodeanosnaescolaéadotadocomo
basedeavaliaçãodoletramento,énecessárioapenasescolhera
sériequeseráusadacomocritério.Taljkz?vpodeserfeitaem
termosdonúmerodeiletradosquesedesejadeclarar-quanto
maisavançadaasérieescolhida,maiorserá,obviamente,onú-
merode"iletrados"identificado.Ouasériepodeserescolhida
combaseemalgumnívelquesepresuma"necessário"paraque
adultossejambemsucedidos.(p.31)
Comoosdadosdeixamclaro,onúmerodeanosde
escolaridadeconsideradosnecessáriosparaquesejaalcan-
çadooletramentopodeaumentarcomotempo:àmedida
queasoedadevai-setornandomaiscomplexa,maisexi-
m?ugzvãosendofeitasemrelaçãoahabilidadesepráti-
casdeleituraeescritae,consequentemente,níveismais
avançadosdeescolarizaçãovãosendoconsideradosne-
cessários.Maisainda,aseleçãodeumadeterminadasérie
comolinhadivisóriaentreletramentoenãoletramento
dependedosfinsdaavaliaçãoemedição,ouseja,daquilo
queéjulgadonecessárioemfunçãodosefeitosdesejados.
uAfontedosdadosapresentadosporNewman&Beverstocké:McGrail,].(984).
AdultIlliteratesanelAdultLiteraPrograms:ASummaryofDescriptiveData.San
Fransco,CA:NationalAclultLiteraProject,FarWestLaborarory.

98ILetramento
Finalmente, eobviamente, pode-se obterqualquer número de
analfabetos ouiletrados, apenas tomando-se como critério
aconclusãodesta oudaquela série.
Além daarbitrariedade inerente aocritériodeescolher
uma determinada série escolar ededirque,concluída
ela,foiatingido umnível adequado deletramento e,abai-
xodela,permanece-se nonãoletramento (Hillerich, 1978,
p.33), ocritériodeconclusão dedeterminada sérieescolar,
para avaliaroletramento, baseia-se emalgumas suposi-
çõesequivocadas.
Primeiramente, ousodocritériodeconclusão desé-
rieescolarpara avaliar oletramento emlevantamentos
censitários pressupõe queaeducaçãouniversal eobri-
gatória éadequadamente oferecida, demodo quetodo
indivíduo tenha aoportunidade deentrar epermanecer
nosistema escolar. Mais ainda,essesistema deveser
fortemente organizado, parapermitirsupor queanatu-
rezaequalidade daescolarização sejasuficientemente
uniforme entre asescolas, equeomesmo nível dele-
trarnento sejaalcançado nomesmo número deanosem
escolas diferentes.
Istocertamente nãoocorre nospaíses emdesenvolvi-
mento, emqueaconclusão dedeterminada série escolar
tempoucavalidade como critério paraaavaliação dole-
tramento, porque ainda nãoéoferedooensino funda-
mental paratodos,eaorganização econtrole escolares
são,emgeral,tãoprecários queumagrande parte das
crianças queconseguem teracesso àescola ouaabando-
nam, depoisdecompletar doisoutrêsanosdeescolariza-
çãofundamental, ourepetem amesmasériediversas vezes
(emgeralaprimeira série)." Maisainda, nospaísesem
12oBrasiléumexemplo característico: cercadeapenas50porcento dascrianças de
seteanosbrasileirasmatriladas naprimeira série passamparaasérie seguinte; os
outros 50porcentooudeixam aescola ourepetem oano.
EnsaI<f)
I
i
desenvolvimento, justamente porcausadoíndice derepro-
vaçõesedasrepetências decorrentes delas,aconclusão da
quartasérie, porexemplo (emgeral selecionada como
linhadivisória entre analfabetismo eletramento) represen-
tacomfrequêna, naverdade, seis,oitooudezanosde
escolarízação,
Atémesmo nospaísesdesenvolvidos, onde ossistemas
educaonais sãoemgeral submetidos apadrões bemde-
finidosdeprogressão desérieparasérie,nãodeixadeser
discutível supor queoprocesso deescolarização éunifor-
meentreasescolas, igualando-se oqueécertamente desi-
gual:processos deescolarização, competência dos
professores, potencialidades dosalunos, valoresatribuí-
dospelacomunidade aoletramento. Como observa Oxe-
nham(1980):
i'
...enquanto quatro anosdeescolarização, emcertasescolas
dealguns países, podemhabilitaramaioria dosalunosator-
nar-se adequadaepermanentemente letrada,omesmonú-
mero desériesemoutro lugar pode resultar simplesmente em
permanência noanalfabetismo. Cp.90)
Umasegunda suposição subjacente aocritério decon-
clusãodesérieescolar paraavaliação emedição doletra-
mento éapresumida relação entre comportamentos
adquiridosnaescola ehabilidadesepráticas deletramen-
toou,emoutraspalavras,umasuposição dequeoletra-
mento éaquilo queasescolasensinam emedem e,
portanto, ébasicamente adquiridopormeio daescolaríza-
ção.Alémdofatodequeessasuposição ignora aaprendi-
zagempormeios informais aolongodavida,emsituações
externasàescola, háoutras importantes evidências deque
setratadeumasuposição distível.
Emprimeiro lugar,apesar deterrecebido ainda pouca
atençãoahipótese dequeumdeterminado nível/série con-
cluídoequivale aletramento, algunsestudos empíricos su-
geremqueelanãoprocede: Harman (1970), Kirsch &

100ILetramento EnsaI101
Guthrie(1977-1978),Hillerich(1978),Wagner(1991)rela-
tamresultadosdepesquisaqueindicamhaverumarela-
çãomuitotênueentreocritériodesérieescolarconcluída
easivtwk~?ugzdeletramentodoadulto.
Emsegundolugar,asupostaligaçãodecausa-e-efei-
toentreescolarizaçãoeletramentoérefutadapelofato
dequeonãoletramento(oanalfabetismofunonal)
continuaaserumgraveproblemanospaísesondeo
ensinofundamentalobrigatórioparatodosfoipratica-
mentealcançado,comonocasodospaísesdesenvolvi-
dos.Seaconclusãodeumadeterminadasérieequivale
aletramento,porquebaixosníveisdeletramentoocor-
rememsoedadesemqueodireitoàescolaridadebá-
sicaégarantidoatodos?
Esseaparenteparadoxopodesercompreendidose
seconsideraofatodequeasescolas,comodistido
ama,avaliamemedemoletramentosegundoasexi-
m?ugzdedesempenhodeterminadasporinstrumentos
deavaliaçãodefinidosporelasmesmas,internamente,
nãolevandoemconta,emgeral,asivtwk~?ugzde
letramentorequeridasemsituaçõesexterioresaelas.Na
verdade,ashabilidadesepráticasdeletramento,em
outroscontextossoais,parecemirmuitoalémdasha-
bilidadesdeleituraeescritaensinadasemedidasem
contextosescolares,ouseja,muitoalémdeumletra-
mentoescolarizado.Aivuzkx©?ug-comoafirmam
Castelletal.(1986),é"umajoziykw?ugsignificativa
entreoquecontacomoletramentonaescolaeostipos
deivtwk~?ugzdeletramentorealmentenecessárias
nasatividadesprofissionaisecomunitárias"(p.").Em
outraspalavras,pormeiodaescolarização,aspessoas
podemsetornarcapazesderealizartarefasescolares
deletramento,maspodempermanecerincapazesde
lidarcomusoscotidianosdeleituraeescritaemcon-
textosnãoescolares-emcasa,notrabalhoenoseu
contextosoal.Defato,otermo"letramentofunonal"
foicriadojustamenteparaampliaroconceitodeletra-
mentodefinidopelaescola,acrescentandoaelecomporta-
mentosletradoscotidianosqueaaprendizagemformal
emcontextosescolaresnãoparecepromover.
Inúmerosestudostêmdadosuporteaessasafirmações.
Porexemplo:osestudosetnográficosdeHeath(1983)
indicamqueasatividadesdeleituraeescritaemcontex-
tosescolaresrevelam-sealtamenteirrelevantesemsitua-
çõesexternasaomundoescolar;nessemesmosentido,a
pesquisadeWagnersobreoletramentofunonalentre
criançasmarroquinasemidadeescolar(1991)levouà
seguinteconclusão:
opresenteestudoconfirmaumcrescentenúmerodeevidên-
asindicandoquemuitasdashabilidadesnecessáriasnavida
cotidianapodemnãoseradquiridasmesmoapósos4anos
deescolarizaçãoformalconvenonalmente (ouconvenien-
temente)utilizadoscomoalinhadivisóriaentreletramentoe
nãoletramento.(p.193)
Portanto,asuposiçãodequesepodeavaliaremedir
letramentopelocritériodeconclusãodedeterminadasérie
escolaré,certamente,umasuposiçãoequivocada.
Igualmenteequivocadaéumaterceirasuposiçãoem
quesefundamentaocritériodesérieescolarconcluída
paraaavaliaçãoemediçãodoletramento:asuposição
dequeaconclusãodeumadadasériegaranteumletra-
mentopermanenteedequeoquefoiadquiridonão
seráperdido.
Essasuposiçãodeixadelevaremconsideraçãouma
questãoimportante:avalidadedearbitrariamenteescolher
umadeterminadasérieescolarcomoolimiardeumapren-
dizadodetalnaturezaque,mesmonocasodepoucoou
nenhumusodasivtwk~?ugzadquiridas,nãoocorreria
umareversãoaoanalfabetismoouaperdadehabilidades
deletramento.Oesclarementodessaquestãodepende
dedadosempíricosaindanãodisponíveis,comoobserva
Wagner(1990)

102ILetramento
EnsaioI103
Emborahajanumerosashipótesessobre°rrururnode
escolarizaçãoprimárianecessário(oudeeducaçãonãoformal
oudekÀwkyo?ugzvivenadasemcampanhasdealfabetiza-
ção)paraqueoletramentoseja"fixado"nacriançaouno
adulto,háaindamuitopoucainformaçãoparasustentaressas
hipóteses.(p.131)
k°oj?ugzdequeo'retrocessodoletramento'pode
serummito"(p.Ll).
Conclui-sequeestudosempíricossobrearetençãode
ivtwk~?ugzdeleituraeescritatêmchegadoaresultados
conflitantes;assim,presumirqueaconclusãodeumade-
terminadasérieescolarsejak°oj?ugdeletramentoé,por
enquanto,questionável.
Emsíntese,emboraocritériodeconclusãodesérie
escolarparaaavaliaçãoemediçãodoletramentoofe-
reçaalgumasvantagensconceituaisemrelaçãoaocrité-
riodeautoavaliação,trazalgunssériosproblemase
baseia-seemsuposiçõesouequivocadasoucontroversas.
Alémdisso,éumaquestãoaindaabertaainvestigações
futurasdeterminarseindivíduosqueconcluemumade-
terminadasérietornam-seletradosdeformaadequadae
permanente.
Podemosconcluirqueasinformaçõesporautoavalia-
çãoeporconclusãodesérieescolar,coletadasemlevan-
tamentoscensitários,permitemapenasumamedidabastante
precáriadeletramento.Umprocedimentoparaaavaliação
eamedição,commaisprofundidade,doletramento,per-
mitindoinvestigartantoashabilidadesquantoaspráticas
soaisdeleituraedeescrita,éoestudoporamostragem,
distidoaseguir.
Naverdade,aretençãodeivtwk~?ugzdeleituraede
escritaéumfenômenoaindapoucoestudado,sendosur-
preendentementepequenoonúmerodepesquisasnesse
campo.Alémdisso,osresultadosaquechegamesses
poucosestudosempíricosnãosãoconclusivos,sendoain-
darestritaapossibilidadedegeneralização.
Simmons,aorevisar,nasegundametadedosanos70,
seisestudossobrearetençãodeivtwk~?ugzdeletra-
mentoque,segundoele,constituíam,então,todaalitera-
turasobreotema,resumeosresultadosconcluindoque:
primeiro,"osestudosindicamdemodoconsistenteum
declíniodashabilidadesdeleituraeescritaaolongodo
tempo";segundo,"altosníveisalcançadosemeducação
anteriornãogarantemqueaspessoasnãoregridamao
analfabetismo";e,finalmente,"mesmoaquiloqueéreti-
dopareceterpoucovalorpráticoparaoindivíduooua
soedade"(Simmons,1976,p.84).Oestudorealizadopelo
próprioSimmonssugerequeasuposiçãodequeaeduca-
çãofundamentaltemefeitospermanentesdeveserquesti-
onada,eque"omotivopeloqualalgunsindivíduosretêm
maisdoqueoutrospareceestarmaisemfatoresligados
aoambientefamiliareusopós-escolardashabilidades
cognitivasdoqueemfatoresligadosàskÀwkyo?ugzesco-
lares"(Simmons,1976,p.92).
Aocontrário,umestudolongitudinalrealizadopor
Wagner,Spratt,Klein&Ezzaki(1989)"nãoconfirmaa
hipótesedo'retrocesso'emivtwk~?ugzdeletramen-
toouperdadehabilidadesacadêmico-cognitivasde-
poisdencosériesdeescolarizaçãofundamental"
(p.Z);segundoosautores,oestudo"ofereceasprimeiras
AVALIAÇÃO EMEDiÇÃO DOLETRAMENTO
EMESTUDOS PORAMOSTRAGEM
Avaliaroletramentopormeiodelevantamentodas
ivtwk~?ugzreaisdeumaamostrarepresentativada
população,istoé,levantamentorealizadoporamos-
tragem,éumaalternativaparaassegurarumaaferição
maispresadaextensãoequalidadedoletramentona
população.

1041Letramento
Ensaio1105
Acoleta dedados sobre oletramento emlevantamentos
censitários temporobjetivo fornecer, dentre muitas ou-
trasinformações sobre características demográficas, so-
ciais esocioeconômicas, umindicadorgenérico da
extensão doletramento napopulaçãocomo umtodo; os
levantamentos poramostragem, aocontrário, visam àco-
letadeumagrande variedade deinformações específicas
sobre habilidades epráticas sociais reais deleitura ede
escrita. Consequentemente, enquanto olevantamento cen-
sitário avalia emede oletramento demaneira superficial,
porque nãopode utilizar mais queumaouduaspergun-
tascurtas deautoavaliação ouosimplescritério decon-
clusão dedeterminada série escolar,olevantamento por
amostragem pode avaliar emediremprofundidade tanto
ashabilidades deleitura edeescrita, através deprovase
testes, quanto osusoscotidianos dessas habilidades, atra-
vésdequestionários estruturados. Oslevantamentos por
amostragem sobre oletramento podem, pois,fornecer
dados sobre ambas asdimensões doletramento discuti-
dasanteriormente: adimensão individual, ouseja,apos-
sepessoal dehabilidades deleituraeescrita, eadimensão
social,ouseja, oexercício daspráticassociais queen-
volvem aleitura eaescrita.
Além disso, como pesquisas poramostragem sobre
oletramento quase sempre levantam dados também
sobre aformação educacional emgeral esobre asca-
racterísticas socioeconômicas eculturais dogrupo fa-
miliar, elaspermitem queseanalisem asrelaçõesentre
ashabilidades epráticas sociais deleitura edeescrita
eoutros fatores, taiscomo idade,sexo,raça,renda,
residência rural/urbana, meio lturaleregião (United
Nations, 1989, p.10). Dessemodo, pesquisas deletra-
mento poramostragem fornecem dados nãoapenas
paraaestimativa dosníveis deletramento, mastambém, e
sobretudo, paraaformulação depolíticas educacionais e
aimplementação deprogramas dealfabetização ede
letrarnento."
Naverdade, oqueoslevantamentos poramostragem
buscamidentificar éoletramento funcional; emlugar
deconsiderar oletramento como umacaracterística que
aspessoas outêmounãotêm,como fazem oslevanta-
mentos censitários, oslevantamentos poramostragem
buscam identificar aprática realdashabilidades delei-
turaeescrita eanatureza efrequência deusos sociais
dessas habilidades. Assim, oslevantamentos poramos-
tragem têmcomo objetivo avaliar emedirníveis dele-
tramento, enãoapenas onível básico de"sercapaz de
lereescrever".
Comoconsequência, anecessidade deavaliar emedir o
letramento pormeio depesquisas poramostragem éreco-
nhecida prinpalmente empaísesonde essenível básico
deletramento jáfoialcançado praticamente portodos, de
modo queépertinente buscar identificar habilidades de
leitura eescrita mais complexas, como também ousoda
leituraedaescrita emcontextos sociais osmais diversos.
OWorldEducation Report de1991(Unesco, 1991) ratifica
essepontodevista:
Nãoobstante adiversidade deníveis deIetrarnento, amaioria
dospaíses domundo ainda temproporções significativas de
suapopulação abaixo atémesmo elonível mínimo deserca-
pazde,com compreensão, lereescrever uma frase simples
sobre avidacotidiana. Ofatodequeesteprimeiro nível conti-
nuaaseraprincipal preocupação namaioria dospaísesficou
evidenado nasrespostas aoquestionário doInternational
Bureau ofEducation (IBE) sobre astendências atuais daedu-
caçãofundamental edeprogramas dealfabetização deadultos
"Uma discussão arespeito daspossibilidades deutilização depesquisas deletra-
mentoporamostragem domiciliar ultrapassa osobjetivos deste estudo; umadiscus-
sãodetalhada podeserencontrada noestudo técnico dasNações Unidas de1989
sobre aavaliação doletramento através delevantamentos domiciliares (United
Nations, 1989); vertambém Wagner (1990).

1<X5ILetramento
EnsaioI107
quefoidistribuído aosEstados Membros daUNESCO, poroca-
siãoda42"sessão daConferência Internacional deEducação
(Genebra, setembro de1990). Asrespostas, emsuamaioria,
afirmaramqueadefinição primeira deanalfabeto de1958 ain-
daerarelevante emseuspaíses; umnúmero menor concordou
queanoção de"analfabeto funonal" era"percebida edefini-
dacomo uma categoria específica". (p.47-48)
consistedeumgrande númerodediferentes habilida-
des,competências cognitivas emetacognitivas, aplica-
dasaumvasto conjunto demateriaisdeleitura egêneros
deescrita,erefere-se aumavariedade deusosdalei-
turaedaescrita, praticadas emcontextos sociais dife-
rentes.Osinstrumentos deavaliação utilizados em
pesquisasporamostragem deletramento (testes eques-
tionários)nãopodem, assim,deixardeseleonar uma
amostradecomportamentos considerados representa-
tivosdeuma grande variedadedehabilidades epráti-
cas.Como consequência, asestimativas deletramento,
atravésdepesquisas poramostragem, "variam tanto
quantoasmedidas empregadas" (Kirsch &Guthrie,
1977-1978, p.504). Newman &Beverstock (990)refe-
rem-seaestudos quetentaram avaliar emediroletra-
mento funcional nosEstados Unidos nosanossetenta
eoitentanosseguintes termos:
Poressarazãoéqueaspesquisasporamostragem so-
breoletramento foram implementadas prinpalmente nos
paísesondeanoção deanalfabeto funonal é"percebida
edefinidacomo uma categoria específica", ouseja,nos
paísesdesenvolvidos. NosEstados Unidos, porexemplo,
umnúmerosignificativo depesquisasporamostragem sobre
oletramento foirealizado nasúltimasduasdécadas (para
umarevisãocrítica, verKirsch &Guthrie,1977-1978; New-
man &Beverstock, 1990). Jánospaíses emdesenvolvi-
mento, ondeuma grande parte dapopulação ainda não
atingiu sequeronível básico deletramento -sercapaz de
lereescrever-estudos doletramento atravésdepesquisas
poramostragemsãoraros,provavelmente porque sãocon-
siderados supérfluos."
Umaoutraconsideração aserfeitaéque,embora le-
vantamentos poramostragem domiliar sobre oletra-
mento forneçam informações sobreumaampla variedade
dehabilidades epráticas, nãosedevesupor queneles
sejainteiramente eliminada aseleção arbitrária delinhas
divisórias nocontínuo doletramento paradistinguir di-
ferentes níveis. Como discutido anteriormente, oletramento
Osestudos variavam, eseus resultados também. Asestimati-
vasindicavam de13atémaisde50porcento dapopulação
adulta americana com dificuldades emhabilidades epráti-
casbásicas deletramento. Dependendo dequem estiver fa-
landoedequal estudo étado,osEstados Unidostêmum
índice deletramento baixo, alto ouumíndice que se
posiciona emalgum lugar entrebaixo ealto.(p.49)
Afaltadeconcordância emrelação aoquedeveser
medidoemprocessosdeavaliaçãodeletramento pode
serevidenada comparando-se osquadros referenciais
paraamedição doletramento adotados pordoisestudos
relativamente recentes: oNationalAssessment ofEducati-
onalProgress (NAEP), umestudosobre oletramento dos
jovens norte-americanos (Kirsch&Jungeblut, 1990), eo
estudotécnico dasNações Unidassobre aavaliação de
letramentoatravés depesquisas domiciliares (NHSCP:
NationalHousebold Suruey Capability Programme, Uni-
tedNations, 1989).
"orelativamente recente estudo técnico dasNaçõesUnidas sobre aavaliação do
letramento atravésdepesquisas domiciliares (United Nations, 1989)pretendeu auxiliar
ospaíses emdesenvolvimento comumaminuciosa orientação sobre como planejar,
conduzir eexecutar umapesquisa deletramento poramostragem domiciliar, tacitamente
reconhecendo ainexperíência epouca fantiliaridade desses países comessetipode
levantamento. Naverdade, omaior desafio dospaíses emdesenvolvimento ainda está
emplanejar, conduzireexecutar programas ecampanhasnacionais dealfabetização
clirecionaclos àeliminação dealtosepersistentes índicesdeanalfabetismo.

108ILeerameneo
EnsaioI101
Ambos osquadros referenciais propõem uma matriz
dehabilidades deleitura eescritaaplicadas adiferentes
tiposdemateriais escritos, masoscritérios deseleção
dascategorias dehabilidades edosmateriais deleitura e
escrita para compor osinstrumentos deavaliação são
bastante diferentes.
Emrelação àshabilidades deleitura eescrita, en-
quanto ascategorias doNAEP sãodefinidas tendo por
critério osusosdessashabilidades, ouseja,otipode
informação queosindivíduos buscamquando leem ou
escrevem, ascategorias doNHSCPsãodefinidas segun-
doosprocessos básicos envolvidos naleitura enaescrita.
Assim, amatriz doNAEPinclui, comocategorias deuso
daleitura edaescrita, conhecimento, avaliação, infor-
maçãoespecifica, interação social eaplicação, enquan-
toamatriz doNHSCP inclui, como tiposdehabilidades
deleitura eescrita, decodificação, compreensão, escri-
taelocalização deinformações.
Damesma forma, emrelação aosmateriais deleitura
eescrita, enquanto ascategorias doNAEPsãodefinidas
segundo aforma linguistica emqueainformação é
apresentada, ascategorias doNHSCPreferem-se aosdo-
mínios emqueashabilidades deleitura eescrita são
utilizadas. Assim, amatriz doNAEP inclui asseguintes
categorias demateriais deleitura eescrita: signo/rótulo,
instruções, memorando/carta, formulário, tabela, grá-
fico,prosa,índices/referências, notícia, esquema oudi-
agrama, anúncio econta/fatura; trabalhando com
critérios diferentes, amatriz doNHSCPinclui nãomais
quetrêstiposdedomínios textuais: palauras/frases, prosa
edocumentos.
Éimportante observarqueessafaltadecongruência en-
trepropostas distintas defragmentação doletramento em
componentes específicos parafinsdeavaliação explica-se
pelaexigência aquedeveatender qualquer instrumento
deavaliação: anecessidade deselecionar, nouniverso de
comportamentos quesedeseja avaliar emedir, umcon-
juntodecomportamentos dequeasquestões doinstru-
mentodeavaliação devem serumaamostragem. Como a
definição desse conjunto decomportamentos depende
dospropósitos edocontexto daavaliação, propósitos e
contextos diferentes resultam emprocedimentos deamos-
tragem diferentes.
Assim, asdiferenças entre osdoisestudos discutidos
aquipodemserexplicadas pelos seusdiferentes propó-
sitosecontextos. Opropósito doestudo doNAEP foi
descreveranatureza eaextensão dosproblemas dele-
tramento apresentados porjovens adultos deumpaís
desenvolvido onde oconceito deletramento ébasica-
mente, como opróprio estudo declara, "ousopeloindi-
víduodeinformações impressas eescritas parainserir-se
nasociedade, para atingir suasmetas pessoais edesen-
volver seuconhecimento epotencial" CKirsch &Junge-
blut,1990,p.I-8). Poroutro lado,oestudo doNHSCP foi
concebidoprincipalmente paraorientar programas epo-
líticasdeletramento empaísesemdesenvolvimento onde,
como distido anteriormente, oletramento ainda édefi-
nidocomoacapadade elementar delereescrever, eo
letramento funonal ainda nãoseconfigurou como uma
categoria distinta.
Énecessário apontar ainda umaúltima questão sobre
ousodepesquisas poramostragem paraavaliação de
letramento.Adicotomia básica letrado/iletrado pode,é
óbvio,serutilizada também nessetipodepesquisa; o
estudotécnico dasNaçõesUnidas sobre aavaliação do
letramento, anteriormente mencionado, atémesmo reco-
menda queospaíses emdesenvolvimento façam uso
dessadicotomia noslevantamentos poramostragem do-
miciliar sobre oletramento (United Nations, 1989, p.89).

110ILetramento
Ensaio1m
Entretanto,comoessemesmoestudodasNaçõesUnidas
observa,essadicotomiabásica"poderevelardetalhesin-
sufientessobreosníveisehabilidadesdeletramento",
e"amediçãodiretadehabilidadesdeleituraeescrita
atravésdautilizaçãodeinstrumentosdeavaliaçãoforne-
ceinformaçõesparaaconstruçãodecategoriasmaispre-
sasdoqueasqueasimplesauto-avaliaçãopermite
construir"(UnitedNations,1989,p.156,159).Umexem-
plodissoéoapresentadonesseestudomesmodasNa-
çõesUnidas,quesugereasseguintescategoriascomo
umapossívelclassificaçãodeníveisdeletramentoase-
remavaliadosatravésdepesquisasporamostragem:não
letrado,poucoletrado,letradomedianoealtamentele-
trado(UnitedNations,1989,p.159-160;vertambémWag-
ner,1990,p.122)
Asduasclassificaçõesseguintes,ambasincluídasem
estudosrelativosàmediçãodiretadehabilidadesepráti-
casdeletramento,sãooutrosexemplosde"categorias
maispresas",superandoadicotomialetrado-iletrado,
jol?sdesermantida:aprimeiraestabeleceníveisde
letramentopelocritérioda"zvhyk°o°?ug"soalper-
mitidaporcadanível,eclassificaoletramentodeso-
brevivênciacomoprovável,marginal,questionável,
baixo(Barris,1970);15asegundausaocritériodafun-
onalidadeeclassificaoindivíduonascategoriasfun-
cionalmenteincompetente,marginalmentefuncionale
funcionalmenteproficiente(AdultPerformanceLevel
Study,1977).16
Umexemplomaissofisticadoéencontradonoestu-
dodeKirsch&Guthrie(990)sobreníveisdeletramen-
todejovensadultosnorte-americanos.Asquestõesde
avaliaçãodashabilidadesdeleituraedeescritaincluí-
dasnoinstrumentodemedidautilizadoforamdistribuí-
dasemtrêsescalasdeletramentoeorganizadas,em
cadaescala,segundoníveisdedifildade,demodoa
tornarpossívelaavaliaçãodeváriostiposeníveisde
wyvlo?ug.Oobjetivofoi"construirumperfil"dos
indivíduosenãoapenas"classificá-los",segundoosre-
sultadosemcadaescalaeentreastrêsescalas.Kirsch&
Guthrieindicamopressupostosubjacenteaotratamen-
toquedãoàavaliaçãoemediçãodoletramentonos
seguintestermos:
oqueépresoéumtratamentoquerealmentepermitacom-
preenderosváriostiposeníveisdewyvlo?ugemleiturae
escritaatingidosemnossasoedade.Taltratamentoforneceria
umarepresentaçãomaispresanãoapenasdanaturezacom-
plexadaskÀom?ugzdeletramentoemumasoedade
pluralística,mastambémdostatusdaspessoasqueatuamem
nossasoedade.Cp.III-36)
Naverdade,essepressupostoestápresente,deummodo
geral,naspesquisasporamostragemsobreoletramento.
Propiandoumaabordagemmultidimensionaldoletra-
mentoeavaliandohabilidadesepráticasdeleituraede
escritaatravésdeumamediçãodireta,essaspesquisaspodem
fornecerdadosmaisrefinadoseconfiáveissobreaexten-
sãoenaturezadoletramentonapopulaçãodoqueoutros
procedimentosdecoletadedados.
15HARRIS,L.&Assoares(1970).SurvivalLiteracyStudy.Washington,DC:National
ReadingCounei!.Citadopor:Newman&Beverstock,1990,p.65;vertambémKirsch
&Guthrie,1977-1978,p.496.
16USOFFICEOFEDUCATION(1977).FinalReport:TheAmericanPerformanceLevel
Study.Washington,DC:USOfficeofEducation,DepartmentofHealth,Education
andWelfare.Citadopor:Newman&Beverstock,1990,p.69-70;vertambémKirsch&
Guthrie,1977-1978,p.499.
AVALIAÇÃO EMEDiÇÃO DOLETRAMENTO:
EMBUSCA DESOLUÇÕES
Esteestudo,emborapretendendoesclareceraquestão
daavaliaçãoemediçãodoletramentoemsuasrelações

1121Letramento
••113
comaconceituação edefinição dessefenômeno, traz,na
verdade, maisproblemas quesoluções.
Adisssão feita evidencia queavaliar emedir o
letramento éuma tarefa altamente complexa edifícil:
elaexigeumadefinição precisa deletramento, indis-
pensável como parârnetro para aavaliação eamedida,
masqualquertentativa deresposta aessaexigência
trazsériosproblemas epistemológicos. Concluiu-se que
oletramento éumavariável contínuaenãodiscreta ou
dicotômica; refere-se auma multiplidade dehabili-
dades deleitura edeescrita, quedevem seraplicadas
auma amplavariedade demateriaisdeleitura eescri-
ta;compreende diferentes práticasquedependem da
natureza, estrutura easpirações dedeterminada socie-
dade. Emsíntese, oletramento é"umfenômeno de
muitos significados" (SCRIBNER, 1984, p.9); uma única
definição consensual deletramento é,assim, totalmente
impossível.
Entretanto, afalta deconcoyj?ug sobre oqueé
letramento -e,portanto, afalta deconcordância sobre
oquedeveseravaliado emedido -nãoelimina ane-
cessidade ouaimportância daavaliação emedição do
letramento, únicaformadeobter dadossobre essefenô-
meno, dadosquesãonecessários para finsteóricos e
práticos. Pelomenos trêsargumentos justificam ane-
cessidade dedefinir índices deletramento através de
avaliação emedição.
Primeiramente, oíndice deletramento deumasocie-
dade oudeumgrupo social éumdosindicadores bási-
cosdoprogresso deumpaísoudeuma comunidade.
Obviamente, como afirmado anteriormente, nãosetrata
depropor queoíndice deletramento, elesó,represen-
teonível econômico, social eculturaldeumpaísoude
umacomunidade; naverdade, opressuposto subjacente
aessaproposição -opressuposto dequeoletramento
levaaocresmento econômico eaoprogresso social -
nãotemqualquer suporte empírico, como jádemons-
traramvárias pesquisas históricas eetnográficas. Como
afirmaWagner 0990, p.Lló),defender umarelação de
causalidade entre letramento eindicadores econômi-
cos,oqueainda éfeito comfrequência, éextrema-
mentediscutível:
Seria igualmente correto afirmarque, aocontrário, osíndices
eleletramento, assim comoosdemortalidade infantil, sãocon-
sequência dograudedesenvolvimento econômico namaioria
dospaíses. Quando háprogresso social eeconômico, desco-
bre-se geralmente queosíndices eleIetrarnento sobem eosde
mortalidade infantil caem. Blaug, quefoiumdosdefensores
dateoria docapital humano, concluiu, posteriormente, que
nemanosdeescolarização nemíndices deletramento têmqual-
querefeitodireto nocrescimeruo econômico dospaísesemdesen-
volvimento. (grifo nosso)
Entretanto, embora sedevareconhecer queoletramen-
toéantesumavariável dependente queindependente (Graff,
1987a),eleseassocia, semdúvidaalguma, amuitos dos
indicadores dedesenvolvimento social eeconômico. Cor-
relaonar índicesdeletramento comindicadores socioe-
conômicos taiscomo produto interno bruto,índices de
mortalidade infantil, denatalidade,denutrição, dentre
muitosoutros, permite identificarecompreender ostatus
econômico, social ecultural deumpaísoudeumacomu-
nidade,evidenciando, porexemplo, queoanalfabetismo
eapobreza andam demãos dadas,como ocorrenospaí-
sesdoTerceiro Mundo.
Umasegunda justificativa paraanecessidade dede-
terminaríndices deletramento atravésdeavaliação e
medição estáintimamente ligadaàprimeira. Osíndi-
cesdeletramento sãoextremamente úteis para finsde
comparação entre países ouentre comunidades, res-
pondendo, assim, auma importante preocupação na-
cionaleinternacional comocotejodedados econômicos
esoais.

1141Letrarnento
Emaio1115
Porumlado, osíndices deletramento podem serutili-
zadosparaavaliar einterpretar mudanças nosníveis de
letramento/analfabetismo através dostempos, combase
nosdadosdeuma sériecronológica delevantamentos.
Apossibilidade detaiscomparações históricas éfunda-
mental, nãoapenas paraapesquisa histórica, mastam-
bémparaestudar ecompreender oletramento nopresente
eavaliar suadifusão aolongo dotempo. Como observa
GraffC1987a,p.32):
aformulação depolíticas quantoparaoplanejamento, a
implementação eocontrole deprogramas, nãoapenas
programas deletramento, mastambém programas debem-
estar soal,emgeral.Segundo oestudo técnico sobre a
avaliaçãodoletramento feitopelasNações Unidas (UNITED
NATIONS,1989, p.8):
".oestudo adequado daexperiêna histórica deletramento
nãoresponde apenas auminteresse pelo passado; eletraz
muitos dados relevantes para aanáliseeadefinição depolíti-
casnomundo emquevivemos hoje.
Medironível deletramento napopulação dopaíséumpasso
paraaavaliação daeficácia dosprogramas emdesenvolvimen-
toeparaaobtenção dedados precisos necessários àformula-
çãodeprogramas futuros noscampos educaonal esocial.
Porexemplo, projetos deassoz~?ua médica básica nãopodem
deixar deconsiderar ograu deletramento dapopulação-alvo.
Éclaroquemedidas daextensão edistribuição da
leitura edaescrita, dequeresultam dadosquantitativos
sobre adifusão doletramento através dostempos, não
sãoaúnicanemaprinpal fonte para"oestudoadequa-
dodaexperiência histórica deletramento", mascerta-
mente contribuem comalgumas evidências significativas
esistemáticas.
Poroutrolado, índices deIetramento sãoutilizados
paracomparações emumdeterminado momento dotem-
pohistórico, fornecendo dados paraqueseidentifique a
distribuição dashabilidades epráticas deleituraede
escrita porregiões geográficas oueconômicas domundo
oudeumcerto país. Osíndices deletramento são,as-
sim,úteis pararevelar tendências eperspectivas emnível
nacional einternacional, paraconfrontar amagnitude do
analfabetismo emdiferentes paísesouregiões, paracom-
parar populações ougrupos, evidenando disparidades
naaquisição doletramento determinadas porfatores tais
como idade, sexo,etnia,residência urbana ourural, ete.
Finalmente, uma terceira justificativa para anecessi-
dade deavaliação emedição doletramento éofatode
queíndices deletramento sãoimpresndíveis tantopara
Asconsiderações acima conduzem aumparadoxo: de
umlado, aimportância enecessidade daavaliação eme-
dição doletramento, parafinsteóricos epráticos;deoutro
lado, aimpossibilidade deatenderaopré-requisito paraa
suaavaliação emedição, ouseja,aformulação deuma
definiçãoprecisa quepossaserusada como parâmetro.
Como enfrentar esseparadoxo?
Deinício, épreso reafirmar eenfatizar queoletra-
mento nãopodeseravaliado emedido deforma abso-
luta.Como nãoépossível "descobrir" umadefinição
indistível einequívoca deletramento, ouamelhor
forma dedefini-lo,qualquer avaliação oumedição des-
sefenômeno serárelativa, dependendo deoquê(quais
habilidades deleitura e/ou escrita e/ou práticas sociais
deletramento) estiver sendo avaliado emedido, porquê
(para quais finsoupropósitos), quando(emquemo-
mento)eonde(emquecontexto socioeconômico ecul-
tural) seestáavaliando oumedindo, ecomo(deacordo
comquais critérios) éfeita aavaliação ouamedição.
Assim, oqueépossível enecessário pararealizar qual-
quer avaliação oumedição doletramento éformular uma
definiçãoadhocdesse fenômeno aseravaliadooumedido
e,apartirdaí,construirumquadropreciso deinterpretação

116\Letramento
Ensaio1117
dosdadosemfunção dosfinsespecíficos emumdeter-
minado contexto. Umadefinição comumeuniversalnão
épossível, masumadefinição deliberadamente opera-
cional, ainda quearbitrária, tantoépossível quanto é
extremamente necessária paraatenderaosrequisitosprá-
ticosdeprocedimentos deavaliação emedição. Desse
modo, haverá tantas estratégias operacionais paraame-
dição doletramento quantos programas parasuaavalia-
çãoemedição. Emoutras palavras, oreconhemento
dosmúltiplos significados deletramento conduz auma
diversidade dedefiniçõesoperacionais, cada umares-
pondendo aosrequisitos deumdeterminado programa
deavaliação oumedição.
Assim, aquestão crual, emprocessos deavaliação
oumedição doletramento, édeterminar demodoclaro a
definição operacional emqueessesprocessos deverão
basear-se econstruir instrumentos paraacoleta deinfor-
mações emfunção dessadefinição.
Emcontextos escolares,esseprocedimento éfalitado
pelofatodeque,como observado anteriormente, asesco-
laspodem avaliar emedirhabilidades ecompe~?uas em
pontos diferentes docontínuo queéoletramento, eem
diversos momentos durante oprocesso deescolarização.
Dessemodo, asescolaspodem trabalhar com várias e
diferentes definições operacionais deletramento, cada
uma sendoutilizada paraaavaliaçãoouamedição de
determinadas habilidades epráticas emestágios específi-
cosdoprocesso deescolarização. Oproblema, aqui, é
ouodeevitarqueoletramento sejadefinido demodo
vagoemedido com critérios diferentes emcadaescola,
sistema deensino ouregião, como emgeral ocorre nos
paísesemdesenvolvimento, ouodereduzir oletramento
aumconceito escolarizado, distanado dasexigências
deletramento externas àescola, comoocorre frequente-
mente nospaísesdesenvolvidos. Naverdade, aestrutura
daeducação formalbásica équedetermina fundamental-
menteaquantidade eanatureza dashabilidades epráti-
casdeletramento quepodem seradquiridas; sendo assim,
adisssão dedefinições operaonais deletramento para
finsdesuaavaliação emedição, emcontextos escolares,
pressupõe adiscussão danaturezaequalidade daesco-
larização fundamental paratodos.
Enquantoqueemcontextos escolares épossível ava-
liaroletramento repetidas vezes eprogressivamente e,
portanto, épossível atribuir-lhevárias ediferentes defi-
nições operacionais, umlevantamento censitário nacio-
nal,realizando-se através deuma única situação de
avaliaçãoedeumúnico instrumento deavaliação, tem
denecessariamente basear-se emuma únicadefinição
deletramento.
Quando ocritérioéaconclusão dedeterminada sé-
rie,adefinição deletramento bemcomo suaavaliação e
medição sãotransferidos, decerta forma, para osiste-
maescolar e,assim,dependem dousooumauuso,em
contextos escolares, dedefinições operacionais dele-
tramento edosinstrumentos deavaliação emedição
decorrentes delas. Dessemodo, éindispensável que,ao
utilizar-se ocritério deconclusão desérie, esseseja
relaonado com aestrutura equalidade daeducação
fundamental formal.
Quando dados para umcensosãocoletados através
deautoavaliação, umadefinição operacional esuatradu-
çãoemumaouduasperguntas tornam-se questões cru-
ciais.Como discutido anteriormente, umsérioobstáculo
àconfiabilidade deinformações sobre oletramento, quan-
doobtidas através deautoavaliação dopróprio infor-
mante,éaaplicação inadequada dadefiniçãosegundo a
qual asperguntas deveriam serpropostas. Como essa
definição nãoé,emgeral, operacionalmente formulada,
asperguntas sãovagas eimpresas, gerando respostas

1181Letramento
Ensaio1119
dúbiasepouco confiáveis. Assim, osidados básicos
comousodeautoavaliação parafinsdeavaliação e
medição doletramento,emlevantamentos censitários na-
onais, devem ser,emprimeiro lugar, esobretudo, a
formulação deumadefinição operaonal adequada que
expresse oqueseconsidere umníveldehabilidadese
práticasdeleituraeescrita desejável,emumdetermina-
dopaís;emsegundolugar, atradução dessadefinição
emperguntas presaseinequívocas; e,emterceiro lu-
gar,acompreensão eaplicação corretas dessas pergun-
taspelosrecenseadores.
Avantagem, emrelaçãoaoslevantamentos porcensos
naonais, delevantamentos sobre oletramento poramos-
tragemdomiciliar équepodem serutilizadas várias defini-
çõesdeletramento, emvezdeumaúnica,podendo-se
abranger, dessaforma, diferentes conjuntos dehabilidades
edepráticas deleitura edeescrita.Sendo assim, tipos
diferentes deinstrumentos deavaliaçãoemedição podem
serconstruídos, permitindo distinções mais clarasedife-
renações maisrefinadas deníveis deletramento. Aques-
tãoprincipal, aqui,éaformulação deumconjunto adequado
dedefinições operaonais, considerando-se oquereal-
mente deveserlevadoemconta comoletramento emdado
contexto, aseleção, apartirdaí,deumaamostra adequada
dehabilidades epráticas sociais desejadas, eaconstrução
deinstrumentos paraavaliar corretamente essashabilida-
desepráticas.
Essas considerações enfatizam apossibilidade ea
necessidade deformulação dedefinições operacionais
deletramento, construídas deliberadamente pararespon-
deràsexigências deumdeterminado processodeavalia-
çãoemedição confiáveis deletramento, eindicam tanto
osmaiores problemas inerentes aessatarefaquanto algu-
masprecauções paraasuarealização. Masaobtenção
dedadosconfiáveis sobre oletramento nãoéaúnicaquestão
importante; naverdade, aquestão fundamental éainter-
pretaçãodessesdados.
Conforme foidistido nasseçõesanteriores, oscrité-
rioscomumente utilizadospara avaliaremediroletra-
mento apresentam defiências e/ou estãomuitas vezes
baseados emsuposições equivocadas; comoessasdefi-
ciênas esuposições são,decerta forma,inevitáveis, a
interpretação dedadossobre oletramento devesempre
levá-Ias emconta.
Alémdisso,como oconceito deletramento varia de
acordocomocontexto soal, cultural epolítico, ainterpre-
tação adequada dedadossobre letramento requer oconhe-
cimento dasdefinições combasenasquaisfoiavaliado e
medido,edastécnicas decoleta dedadosutilizadas.
Umaoutra consideração équedadossobre letramento
devem serrelacionados comascaracterísticas docontex-
to,paraquesejam adequadamente interpretados: aoava-
liar,comparar ouconfrontar dados emnível nacional ou
internaonal, éfundamental analisá-los associando-os a
indicadores demográficos, socioeconômicos, culturais e
políticos.Fazendo usodeumaexpressão criada porWag-
ner(1990, p.132), dadossobre letramento devem serin-
terpretados noquadro deuma análise da"ecologia do
letramento" .
Finalmente, como aestrutura daeducação formal ea
naturezaequalidade daescolarização primária influenciam
enormemente oconceitodeletramento, seuvalor social,
seususosefunções, bemcomo suaavaliaçãoemedição, a
interpretação dedados sobre letramento deve sempre levar
emcontaascaracterísticas dosistema escolar.
Emsíntese, oconjuntodeproblemas envolvidos na
definição, avaliação emedição doletramento, discutidos
nesteestudo, equipara-se aumconjuntocorrespondente
deproblemas associados àinterpretação dosdados cole-
tados. Oponto principal, aqui, équeenfrentar ambos

120/Letramento
essesconjuntos deproblemas nãoéapenas umaquestão
conceitual, mastambém umaquestão ideológica epolíti-
ca.Esteestudo enfatizou, atéaqui,afaceta conceitual da
avaliação emedição doletramento, nosseusaspectos teó-
ricosepráticos -foiesseoseuobjetivo central. Entretan-
to,épreso concluir, acrescentando eenfatizando asua
polêmica faceta ideológico-política.
Oletramento é,semdúvida alguma,pelo menos nas
modernas soedades industrializadas, umdireito humano
absoluto, independentemente dascondições econômicas e
sociais emqueumdado grupo humano esteja inserido;
dados sobreletramento representam, assim, ograu em
queessedireito estádistribuído entreapopulação efoi
efetivamente alcançado porela.
Entretanto, oqueoletramento é,e,consequentemente,
osignificado dedados sobre oletramento, istoé,dados
sobreadistribuição eaconquista efetiva dodireito ao
letramento, sãoquestões relativas, como esteestudo pre-
tendeu demonstrar.
Algumas indagações devem, pois,serpropostas àre-
flexão. Seletramento nãopode terumadefinição absolu-
taeuniversal, seráqueodireito humano aoletramento
deve tersignificados diferentes emsoedades diferentes?
Seráqueaavaliação emedição doletramento eainter-
pretação dosdados coletados deveriamsercondiciona-
dasàscondições deuma determinada sociedade? Sea
resposta aessasperguntas for"sim", seráqueumcon-
ceito "empobrecido" deletramento, processos "pouco so-
fisticados" parasuaavaliação emedição, euma
interpretação "benevolente" dosdadoscoleta dosnãose-
riam maisumfator demanutenção dasdesigualdades
entre países desenvolvidos, subdesenvolvidos eemde-
senvolvimento?
Nãohárespostas "técnicas" paraessasindagações; elas
seinserem nocampo dasnormas edosvalores.
Ensaio/121
Pode-se concluir afirmando queaanálise conceitual de
letramento edesuaavaliação emedição, desenvolvida nes-
teestudo,pretende servircomoumquadro referencial para
astarefasessencialmente ideológicas epolíticas deformu-
laçãodepolíticas dealfabetização eletramento edepro-
gramas dedesenvolvimento doletramento.
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