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Desses e outros gestos provinha-lhe vantajoso ar de desembaraço e
petulância. Articulava sílaba por sílaba os vocábulos, sublinhando os mais
significativos.
A tantos e preciosos predicados juntavam-se imensa verbosidade,
vivaz imaginação poética, corroborada por aturados estudos literários, fértil
em radiantes metáforas, entusiasmo, natural eloqüência, inspiração.
Nabuco, demais, sempre escolhia para tema assuntos levantados,
problemas sociais, filosóficos e religiosos, de alcance universal. Fugia às
polêmicas individuais, às intrigas da politiquice. Não se submetia à
disciplina e às conveniências partidárias; desconhecia chefe.
...A imprensa abolicionista vivia a endeusá-lo. Tudo, em suma,
cooperava para determinar e encarecer os seus inolvidáveis triunfos
oratórios de então. Fascinava; os próprios adversários, que tamanhas
superioridades irritavam, reconheciam-lhe e proclamavam-lhe o imenso
valor.
Acorria gente de todas as condições, numerosas senhoras para vê-lo e
ouvi-lo. As galerias o aclamavam.
Mal o presidente proferia a frase regimental: tem a palavra o senhor
Joaquim Nabuco, corria um calafrio pela assistência excitada; eletrizava-se
a atmosfera. A oração não tinha um curso contínuo e seguido: fazia-se por
meio de jatos.
Nabuco disparava um pedaço mais ou menos longo, rematado por
uma citação justa, uma bela imagem, um mot a la fin. Parava, descansava,
consentia que se cruzassem os apartes e os aplausos.
Olímpico, sobrepujando a multidão com a avantajada estatura,
manuseava vagarosamente as notas, sorria, os olhos entrefechados, refletia,
aguardava a cessação do rumor, desprezava os apartes, ou levantava o que
lhe convinha e, de repente, partia para novo arremesso.
Mal descerrava os lábios, restaurava-se o silêncio. Nem era possível
detê-lo. Continuasse o ruído, e a portentosa voz, a vertiginosa dicção de
Nabuco prestes o abafariam.
As perorações, de ingente sopro lírico, eram cuidadosa e habilmente
preparadas. Para aí a imagem mais pomposa, a declaração de maior
alcance, o gesto mais teatral provocavam estrepitosas ovações nas galerias.
Sentava-se Nabuco, e, durante minutos, ficavam os trabalhos
virtualmente suspensos, enquanto não se esvaeciam as ressonâncias de
seus possantes e mágicos acentos, repercutidos no que a inteligência e o
coração possuem de mais elevado e sensível...'
Um espetáculo! Entretanto, se Nabuco hoje, com toda sua
competência oratória, se apresentasse sem fazer as necessárias adaptações