— 6 —
esbelto, curvo e largo como uma
voice; o Álvares, moreno, cenho
carregado, cabeleira espessa e
intonsa de vate de caverna, vio-
lento e estúpido ( . . . ); o Almeidinha,
claro, translúcido, rosto de me-
nina, faces de um rosa doentio,
que se levantava, para ir à pedra com
um vagar lânguido de convales-
cença; o Maurílio, nervoso, insofri-
do, fortíssimo em tabuada: cinco
vezes três, vezes dois, noves fora,
vezes sete?. . . Iá estava Maurílio, trê-
mulo, sacudindo no ar o dedinho
esperto... olhos fúlgidos no ros-
to moreno, marcado por uma pin-
ta na testa; o Negrão, de ventas
acesas, lábios inquietos, fisio-
nomia agreste de cabra, canhoto
e anguloso, incapaz de ficar sen-
tado três minutos; (...) Batista
Carlos, raça de bugre, válido, de
má cara, coçando-se muito, co-
mo se o incomodasse a roupa no
corpo, alheio às coisas da aula,
como se não tivesse nada com aquilo,
espreitando apenas o professor para
aproveitar as distrações e ferir a ore-
lha dos vizinhos com uma seta de pa-
pel dobrado. (...)
Fui também recomendado ao Sanches.
Achei-o supinamente antipático:
cara extensa, olhos rasos, mor-
tos, de um pardo transparente, lá-
bios úmidos, porejando baba,
meiguice viscosa de crápula anti-
go. Era o primeiro da aula. Primeiro que
fosse do coro dos anjos, no meu con-
ceito era a derradeira das criaturas.»
(O Ateneu, Raul Pompéia — Coleção dos Clássicos
Brasileiros, Edições de Ouro, p. 57-58.)
Exemplo de descrição de pessoa
NHÔ RUFA
Chamava-se Rufino o preto cuja
carapinha em desalinho a neve dos anos
manchara de branco. Não sei a sua ida-
de, mas meu avô dizia que "Negro quan-
do pinta tem três vezes trinta". Talvez
carregasse por noventa anos aquele
corpo magro e dolorido.
As pálpebras empapuçadas deixa-
vam entrever, dos olhos, apenas um ris-
co preto que mirava com ódio a menina-
da que o acompanhava e divertia-se às
suas custas.
A pele preta era opaca e sem viço,
próprio da idade avançada. Seu nariz
achatado parecia esborrachado. O lá-
bio inferior, bem vermelho e grosso, pen-
dia desgovernado, dificultando a fala.
Os pés grandes e descalços, sem-
pre inchados, permitiam-lhe apenas um
caminhar trôpego, arrastado e cansa-
do. Usava um velho capote de cor inde-
finida, onde predominava o pó da estra-
da, e um chapéu de feltro, maltratado
pelas intempéries, tão deformado pela
falta de forro a ponto de parecer uma
tigela desabada sobre os olhos.
Trazia a tiracolo um bodoque (que
é um arco para atirar bolotas de barro)
e, no outro ombro, uma velha aljava de
couro, velha e encardida, repleta das
ditas bolotas de barro seco, sua arma
contra os meninos. Estes diziam que Nhô
Rufa tinha bicho-de-pé e gritavam de
longe, em coro:
— Bichento! Bichento!
(Dalva Ferreira Fanchim. Piraí do Sul, sua gente e suas
histórias. Curitiba: Imprensa da Assembléia Legislativa
do Paraná, 1984, p. 90.)