fungáo de quatro dessas “constelagdes” que se acha organi-
zada a presente obra.) No interior desses conjuntos, será con-
rolagdos existentes; em outras palavras, montas o quadro das
-Timhas de convergéncia, estabelecer o inventário dos pontos de
encontro e dos fatores de similitude. Para além das variantes,
das diversidades possiveis de formulagdo e até mesmo das con-
tradiçes aparentes, surgiräo assim, construidas a partir dos
|mesmos esquemas condutores, em torno dos mesmos arqué-
tipos, das mesmas imagens ¢ dos mesmos símbolos, o que será.
possível considerar como as estruturas fundamentais da reali-
|dade mítica. Último passo: seräo colocados, entäo, os proble-
mas de interpretagáo... E € aqui, parece, que a história —
história dos fatos sociais e história das mentalidades coletivas
Chamada também, pelo menos assim o cremos, a fornecer um
elemento novo de compreens roporcionar um modo de
ver original, por longo tempo e muito freqiientemente negli
genciado.
Entretanto, nao se poderia ignorar que essa intervençäo
corre o risco, e em seu proprio principio, de provocar certas
inquietaçôes, de suscitar pelo menos certas interrogagées. Ine-
xoravelmente sujeito As leis da análise mitológica, levado por
isso mesmo a privilegiar os fatores de convergéncia e de per-
manéncia, náo será o historiador conduzido, por sua vez, a
ocultar ou a apagar as disparidades de época, de lugar e de
situacäo, isto é, levado no final das contas a trair o que apa-
rece como o essencial de sua vocaçäo? Nao é preciso conside»
rar como anti-histérico por definiçäo um tipo de procedimento
que tende, explícita ou implicitamente, a reduzir A intempo-
ralidade os fatos que se propde estudar? O que dizer de uma
ciéncia do passado que náo se obrigasse mais a situar priori-
tariamente seus dados na perspectiva da duraçäo, ou seja, da
evoluçäo e da mudanga, que nao se obrigasse mais, por outro
lado, a apreendé-los em sua especificidade, isto 6, datados e
localizados, recolocados em seu contexto cronológico e em seu
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contorno geográfico e social? Assimilar, por exemplo, como o
faz o historiador americano Norman Cohn nas últimas pági-
nas de seu Os fanáticos do Apocalipse, o advento do regime
nazi aos grandes impetos messiänicos do final da Idade Média
pode, sem dúvida, contribuir para esclarecer sob uma luz su-
gestiva um e outro desses fenómenos.” Mas näo é também cor-
Tero risco, para cada um deles, de passar ao largo daquilo ave}
0 torna historicamente único, de ignorar ou de falsear sua ori-
ginalidade e talvez sua verdade essencial?
Interrogagóes ou precaugóes, essas observagdes tém, em
todo caso, o mérito de evocar o reselto a uma prud£nein bas.
tante elementar. No que se refere a este ensaio — e conscien
tes, aliás, dos limites de nossa competéncia —, cremos té-la
levado em conta muito suficientemente, reduzindo o campo
de nossas observagdes aos dois últimos séculos de nossa histó
ria ideológica: estes podem, de fato, legitimamente aparecer,
ao olhar do historiador das mentalidades e da sensibilidade
políticas, como constituindo uma espécie de limiar ou de pata-
mar cultural, formando, em outros termos, um conjunto ero-
nológico com fronteiras muito bem definidas e do qual se tem
© direito de afirmar a coeréncia e a continuidade. Quanto ao
resto, e no plano mais geral, parece permitido sustentar, 20
contrário, que o recurso à his
legítimo quanto o estudo do
se, com efeito, muito fregüentemente encerrado na formula-
sio de uma temática abstrata, isenta de toda consideragáo de
circunstáncia e de lugar. Faz parte da vocagáo do historiador
recolocar na evolugäo geral de uma sociedade ou de uma civi-
lizaçäo esses grandes impetos de efervescéncia onírica que, ao
longo dos dois últimos séculos, tio fregüentemente marca-
ram as mentalidades políticas. Cabe-Ihe colocé-los em relaçäo
com tal ou qual fenómeno de ruptura ou de mutaçäo, tal crise
ou tal situagäo de ordem política, económica ou social. Cabe-
ihe igualmente pesquisar quais grupos ou quais meios foram
seus focos privilegiados. Cabe-lhe ainda acompanhá-los em
seu desenvolvimento ou em seu declínio, reconstitui-los na
complexidade concretamente vivida de seu poder de fascínio.
a