Dona Benta riscou o céu com o dedo, dizendo: — Se você tirar uma linha que toque na delta e na beta do Cruzeiro e a
prolongar nesta direção (e o dedo de Dona Benta ia riscando), essa linha vai encontrar duas estrelas da constelação do
Centauro, justamente a alfa e a beta do Centauro — e pronto! Você terá achado a constelação do Centauro, que é das maiores
dos céus do sul. E nessa constelação a estrela alfa é uma das mais conhecidas de todas. É a terceira em brilho de todo o céu e
uma das mais próximas de nós.
— E aquela mancha negra que estou vendo lá? — perguntou a menina, apontando.
— Pois aquilo é o célebre Saco de Carvão da Via-láctea. Repare na beleza da Vialáctea, que fica atrás do Cruzeiro. Em
certo ponto escurece. Isso quer dizer que naquele ponto há uma nebulosa escura que tapa as estrelas — e por isso recebeu o
nome de Saco de Carvão.
Pedrinho não tirava os olhos das estrelas da constelação do Centauro.
— Por que, vovó, deram o nome de Centauro àquelas estrelas? Que relação há entre elas e os monstros meio cavalos e meio
homens da mitologia grega?
Dona Benta assoprou.
— Ah, meu filho, os astrônomos, que são homens de muita imaginação, acharam que uma linha ligando todas as estrelas
desse grupo lembra a forma dum Centauro.
— Mas lembra realmente?
— Olhe e decida por si mesmo — e Dona Benta indicou as principais estrelas da constelação do Centauro. Pedrinho ligou-
as com uma linha imaginária e não viu formar-se centauro nenhum.
— Estou vendo, vovó, que os astrônomos possuem ainda mais imaginação do que a Emília...
— E assim são as linhas que você tirar de todas as outras constelações — continuou Dona Benta. — Umas dão uma vaga
idéia de qualquer coisa; outras, só com muita força de imaginação lembram as coisas indicadas pelo nome. Temos ali (e o seu
dedo apontava) a constelação do Pavão. E temos aquela ali que é a do Tucano... Ah, meus filhos, não há nada mais poético do
que a astronomia, ou ciência dos astros! Está aí uma aventura que vocês podem realizar um dia: um passeio pelas
constelações!... Que lindo! Podiam começar pela estrela Polar, que nós não vemos daqui, mas que para as criaturas humanas é
a mais importante.
— Por que, vovó?
— Porque foi a bússola das mais antigas civilizações. Os egípcios, os babilônios, os chineses, os hindus, todos os velhos
povos ao norte do equador, guiavam-se por essa estrela, que está sempre visível e marca o pólo. Fica bem em cima do pólo
norte. E perto dela ficam duas constelações muito célebres, a Ursa Menor e a Ursa Maior.
— Por que têm esses nomes? — quis saber Narizinho.
— Porque os mais antigos astrônomos lhes deram esses nomes. Não podiam dar o nome de Tucano ou qualquer bicho das
zonas quentes, próximas do equador. Deram-lhes o nome do animal que gosta de viver nos gelos — o urso polar. Por essa
estrela se guiavam os navegantes do norte, no tempo em que não havia a bússola. Depois da bússola os navegantes
dispensaram as estrelas — a agulhinha da bússola está sempre voltada para o norte.
— E as outras constelações?
— Ah, meu filho, há tantas... E inúmeras designadas por meio de nomes de animais, como as do Escorpião, do Leão, do
Cavalo, do Carneiro, dos Peixes, do Cisne, da Lebre, da Hidra, do Corvo, do Peixe-Voador, da Abelha, da Ave-do-Paraíso,
da Girafa, da Raposa, do Lagarto, da Rena, do Gato...
— E a tal Cabeleira de Berenice, que a senhora falou tanto outro dia? — quis saber Pedrinho.
— Ah, essa constelação tem um nome muito romântico. Trata-se duma história meio compridinha...
— Conte, conte — pediram todos — e Dona Benta contou a história dos cabelos da Princesa Berenice, esposa de Ptolomeu
Evergete, rei do Egito.
— Este Ptolomeu — disse ela — havia partido à frente duma expedição guerreira contra a Síria; e, tomada de medo,
Berenice fez à deusa Vênus a promessa de cortar a sua linda cabeleira e depositá-la no templo da deusa, caso Evergete
voltasse vivo e vitorioso.
Ora, o rei voltou vivo e vitorioso e a rainha cumpriu o voto: cortou os cabelos e depositou-os no templo da deusa. Mas
aconteceu uma coisa inesperada: no dia seguinte a cabeleira havia desaparecido do templo!... E vai então, um astrônomo da
ilha de Samos, que acabava de descobrir no céu uma nova constelação, mandou dizer ao rei que a cabeleira de Berenice
estava lá: eram as sete estrelas que ele havia descoberto entre as constelações do Leão e de Arturus — e desde esse tempo o
grupo das sete estrelas passou a ser conhecido sob o poético nome de Cabeleira de Berenice.
— Que lindo! — exclamou a menina. — Quando eu tiver uma gatinha, vou botar-lhe o nome de Berenice...
— Há constelações de nomes ainda mais curiosos — continuou Dona Benta — como a da Coroa, da Lira, da Flecha, do
Altar, da Balança, do Relógio, do Telescópio, da Oficina Tipográfica, etc. E há as de nome poético, como essa da Cabeleira
de Berenice, a da Pomba de Noé, a dos Cães de Caça, a da Harpa de Jorge, a do Buril do Gravador, a do Escudo de Sobieski,
a do Coração de Carlos II, a da Cabeça de Medusa, a do Homem Ajoelhado, etc.
E há a de Sírio ou do Cão Maior, onde aparece a mais bela estrela do nosso céu, afastadíssima de nós. Imaginem que Sírio