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Alessandra Galdo
“noção de que as novas tecnologias necessitavam de zonas fora da
lei para florescer, e que, portanto, Night City existia como um
playground deliberadamente não supervisionado para a tecnologia
em si mesma”.
Ali, cowboys mistos de hacker e traficantes comercializam, além de códigos
crackeados, "extrato glandular sintético" no mercado negro. Em um dado
momento Case passa em frente a uma "butique cirúrgica" observando,
indiferente, "vatgrown flesh" traduzido como “carne de cultura” (no sentido de
tecido humano) exposta na vitrine. O tradutor explica em nota: “Carne crescida
em tanques. Segundo a ficção de Gibson, será possível cultivar porções de
tecido animal vivo, inclusive humano, a partir de amostras do DNA”.
Nesse ponto a leitora se pergunta: Alguma relação entre vatgrown flesh do
Gibson e a produção de tecidos animas a partir de células-tronco? Ou o que há
de real, hoje, nessa viagem do Gibson de mais de 20 anos atrás? A pergunta
se faz em relação exclusivamente à produção de tecidos humanos porque todo
o conteúdo do romance conduz a inevitáveis comparações em relação ao
mundo tecnológico de hoje. Em resposta à pergunta feita por e-mail, o diretor
médico da Genzyme no Brasil, empresa americana de biotecnologia e
engenharia genética, Carlos Ruchaud esclarece:
“Os vat são realmente tanques de cultura, onde se cultivam
células/tecidos. Por enquanto é possível cultivar células modificadas
geneticamente. Os genes da enzima humana são inseridos no
núcleo de uma determinada célula (bactéria ou animal), a qual
“acredita” que o gene é dela. Assim, as células ditas transfectadas
conseguem sobreviver e se multiplicar em tanques de cultura ou
biorreatores onde encontram os nutrientes necessários e as
condições são rigorosamente controladas. Tais células, que contêm
o gene da enzima humana expressam e produzem uma enzima igual
à humana. Depois de uns oito meses de cultura, todo o conteúdo do
biorreator é drenado e a enzima aí existente é extraída e purificada,
num complexo processo bioquímico e biofísico.”
Continuando a saga de nosso anti-herói, Case é perseguido e caçado por uma
“samurai das ruas”. Molly, jovem de cabelos pretos, roupa justa de couro preto,
lentes de prata em formato de olhos de inseto implantadas na pele, unhas
artificiais cor de vinho tinto borgonha debaixo das quais recolhiam-se
deslizantes dez lâminas de bisturi com quatro centímetros de comprimento
cada.
Molly informa a Case que sua missão seria “recolhê-lo” para seu chefe, o
misterioso Armitage que lhe oferece uma solução cirúrgica para retirar-lhe as
“micotoxinas” em troca de serviços cujo objetivo não é explicado e só se revela
no desenrolar da trama. Armitage dá a Case, um novo pâncreas, o livra da
infecção mas o mantém refém através da inoculação de outras toxinas.