O que é a sociologia? A. Giddens

duartealbuquerque 24,492 views 19 slides Oct 13, 2013
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Slide Content

OqueéaSociologia?
Desenvolvendo uma perspectiva sociológica
Estudar Sociologia
Como pode a Sociologia ajudar-nos na nossa vida?
Consciência de diferenças culturais
Avaliação dos efeitos políticos
Auto-consciencialização
O desenvolvimento do pensamento sociológico
Os primeiros teóricos
Auguste Comte
Émile Durkheim
Karl Marx
Max Weber
Olhares sociológicos mais recentes
Funcionalismo
Perspectiva do conflito
Perspectivas da acção social
Conclusão
Sumário
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Capítulo 1: O que é a Sociologia?
Vivemos hoje - no começo do século vinte e um -
num mundo intensamente inquietante eJ ao mesmo
tempo, repleto das maiores promessas para o futuro.
E um mundo inundado pela mudança, marcado por
graves conflitos, tensões e divisões sociais, bem como
pelo assalto destrutivo ao meio ambiente natural pro-
movido pela tecnologia modema. Não obstante,
temos mais possibilidades de controlar melhor os nos-
sos destinos e de daÍ um outro rumo às nossas vidas
do que era imaginável pelas gerações anteriores.
Como se desenvolveu este mundo? Porque são as
nossas condições de vida tão diferentes das dos nos-
sos pais e avós? Que rumo tomarão no futuro os pro-
cessos de mudança: Estas questoes sâo as principais
interrogações da SocioÌogia, um campo de estudos
que tem um papel fundamental a desempenhar na
cultura intelectual moderna.
A Sociologia é o estudo da vida social humana,
gnrpos e sociedades. E uma (arefa fascinante e cons-
trarìgedora, na medida em que o tema de estudo é o
nosso próprio componamento enquanto seres sociais.
A esfera de acção do estudo sociológico é extrema-
mente abrangente, podendo ir da análise de encontros
casuais entle indivíduos que se cmzam na rua âté à
investigação de processos sociais globais.
A maior parte de nós vê o mundo em termos das
característicâs das nossas próprias vidas, com as
quais estamos familiarizados. A Sociologia mostra
que é necessário adoptar uma perspectiva mais abran-
gente do modo como somos e dâs razões pelas quais
agimos. Ensina-nos que o que consideramos natural,
inevitável. bom ou verdadeiro pode nào o ser, e que o
que tomamos como <dado> nas nossas vidas é forte-
mente influenciado por forças históricas e sociais.
Compreender as maneiras ao mesmo tempo subtis,
complexas e profundas, pelas quais as nossas vidas
individuais reflectem os contextos da nossa experiên-
cia social é essencial à perspectiva sociológica.
Desenvolvendo uma perspectiva sociológica
Aprender a pensar sociologicamente - por outrâs
palavras, olhar mais além - significa cultiyar a ima-
ginação. EstudaÍ Sociologia não pode ser simples-
mente um processo rotineiro de acumulação de
conhecimentos. Um sociólogo é alguém capaz de se
libenar do qua&o das suas circunstâncias pessoais e
Pensar as coisa5 num contexto mais abrangenle.
O trabalho sociológico depende do que o autor ame-
ricano C. Wright Mills, numa frase famosa, denomi-
nou de imaginação sociológica (Mills, 1970).
A imaginação sociológica implica, acima de tudo,
abstÌairmo-nos das rotinas familiares da vida quoti-
diana de maneira a poder olhá-las de forma diferente.
Tenha-se em consideração o simples acto de beber
uma chávena de café. O que há a dizer, do ponto de
vista sociológico, aceÍca de um compoÍamento apa-
rentemente tão desinteressante? Imenso,
Podemos começar por notar que o café não é
meramente uma bebida. Enquanto parte das nossas
actividades sociais quotidianas possui um yalor sírz-
àólico. O ritual associado ao acto de tom ar café é fre-
quentemente muito mais importante do que o consu-
mo de café propriamente dito. Duas pessoas que
combinam encontrar-se paÍa tomaÍ café estaÌão pro-
vavelmente mais interessadas em estarem juntas e
conversarem do que em beber, de facto, café. Em
todas as sociedades, na realidade, beber e comer pro-
poÍcionam ocasiões para a interacção social e o
desempenho de rituais - e tal fomece temáticas ricas
para o estudo sociológico.
Em segundo lugar, o café é uma drogc, pois con-
tém cafeína, que exerce no cérebro um efeito estimu-
lante. Os adictos em café não são vistos pela maioria
das pessoas no Ocidente como consumidores de
droga. O café, tal como o álcool, é uma droga social-
mente aceitável, enquanto a marüuana, por exemplo,
não o é. No entanto, há sociedades que permitem o
consumo de marijuana e mesmo de cocaína, mas
desaprovam tanto o café como o álcool. Os sociólo-
gos estão interessados nas razões pelas quais estes
contrastes exrstem.
Em terceiro lugar, um indivíduo que bebe uma
chávena de café está envolvido numa complicada
rede de relações sociais e económicas de dimensão
intemacional. O café é um produto que liga as pes-

O QUE E A SOCIOLOGIA? 3
-:maf
uma simples chávena de café é uma experiência social bastante familiar, mas o sociólogo pode analisá-la de forma
s-'preendente.
:r{i de algumas das partes mais ricas e mais pobres
:r pÌanetâ: é consumido em grande quantidade nos
:ises ricos, mas cultivado fundamentalmente nos
flt'res. Depois do petróleo, o caïé é a mercadoria
,ìjj valiosa do comércio internacionaì, representan-
rr a pdncipal exportação de muitos países. A produ-
::o- tmnspoÍe e distdbuição do café implicam tran-
\i.-ções constantes que envolvem pessoas a milhffes
.= quilómetos dos consumidores. Estudar estas fian-
:-ções globais é uma tarefa importante da Sociolo-
-:,.
na medida em que muitos aspectos das nossas
':ias são hoje afectados por influências sociais e
:,.municações a nível mundial.
Em quaÍo lugar, o acto de beber uma chávena de
:à-é pressupõe todo um processo de desenyolvímento
:. n:íal e económico pass4do. Com outros artigos hoje
::niliares nas dietas ocidentais - como o chá, as
:.rlanas, as batatas e o açúcar - o café tornou-se um
:rrduto de consumo generalizado somente nos finâis
:r :eculo XÌX. Embora seja uma bebida originária do
\Íédio Oriente, o seu consumo maciço data do peío-
do da expansão colonial ocidental, há cerca de um
século e meio atás. Praticamente todo o café que se
bebe nos países ocidentais provém de áreas (América
do Sul e Africa) colonizadas pelos europeus; não é, de
maneira nenhuma, um elemento <natural>r da dieta
ocidental. Ahemnça colonial teve um impacto enorÍne
sobre o desenvoÌvimento do comércio mundiaÌ de
café.
Em quinto lugar, o café é um produto que está no
centro do debate actual em tomo da globalização, do
comércio mundial- dos direítos humanos e da des-
tmição ambiental. A medida que o café aumentou a
sua populaddade, tomou-se um produto politizado e
um assunto de marketing: as escolhas dos consumi-
dores sobre que tipo de café beber e onde comprar
tomaram-se opções de estílo de vida. As pessoas
podem escolher bebeÍ apenas café orgânico, café des-
cafeinado naturalmente ou café comerciado a preços
<justos> (aÍavés de esquemas que pagam o totai do
preço de mercado a pequenos produtores de café em
países em vias de desenvolvimento). Podem optar

4OQUEÉASOCIOLOGIA?
O caíé significa o sustento destes tÍabalhadores de uma cooperaliva de comércio justo na América do Sul.
por apoiar cafeta.rias <<independentes>, em vez das
câdeias intemacionais de cafetarias como a <<Star-
bucks>. Os consumidores de café podem decidir boi-
cotaÍ café proveniente de determinados países onde
haja pouco respeito pelos direitos humanos e o
ambiente natural. Para os sociólogos, é interessante
perceber de que forma a globalização aumenta a
consciência das pessoas acerca de questões que se
passam em pontos remotos do planeta, incentivando-
-as a actuar no dia-a-dia em função desse novo
conhecimento.
Estudar Sociologia
A imaginação sociológica permite-nos ver que mui-
tos dos fenómenos, que parecem dizer respeito ape-
nas ao indivíduo, na verdade, reflectem questões
mais amplas. O divórcio, por exemplo, pode ser um
processo muito complicado para quem o atravessa -
aquilo a que Mills chama <problema pessoal>>. Mas,
como ele refere, o divórcio é também uma questão
pública e na ordem do dia numa sociedade como a
britânica nos dias de hoje, onde mais de um teÌço dos
casam€ntos acaba ao fim de dez anos. O desemprego,
para dar outro exemplo, pode ser uma tragédia pes-
soal pa-ra quem foi despedido de um emprego e não
consegue arranjar outro. Contudo, é uma questão que
vai além do desespero privado, quando dez milhões
de pessoas de uma sociedade estão nessa mesma
situação: é uma questão pública que expressa grandes
tendências sociais .
Tente aplicâr esta maneira de ver as coisas à sua
propria vida. Não é necessário pensar unicamente em
fenómenos inquietantes. Considere, por um momen-
to, as Ìazões pelas quais folheia as páginas deste livro
- porque é que está a estudar Sociologia. Pode ser um
estudante relutante de Sociologia, que tenta fazer o
curso apenas por ter de obter uma licenciatura. Ou
pode ser um entusiasta que procura sabeÍ mais ac€rca
da matéÍia. Sejam quais forem as suas motivações, é
provável que, sem que o saiba necessariamente, tenha
muito em comum com outros oue estudam Sociolo-

gia. A sua decisão privada Íeflecte a sua posição na
sociedade.
As seguintes características aplicam-se a si? É
novo? E branco? De um estrato social de profissio-
nais qualificados ou colarinhos-brancos? Teve ou tem
aÌgum (pad-time> que lhe permita ganhar mais
algum dinheiro? Deseja encontrar um bom emprego
quando acabaÌ a escola, embora não esteja especial-
mente interessado nos estudos? Não tem a ceÍeza do
que é a Sociologia, embora pense que tem algo a ver
com o componamento das pessoas em gmpos? Mais
de três quartos de vocês responderá afirmativamente
a estas perguntas. Os estudantes universitários não
ião uma amostra típica da população no seu todo,
pois tendem a ser oriundos de meios sociais mais pri-
r iÌegiados. E as suas atitudes, por norma, Íeflectem
a: dos seus amigos e conhecidos. Os meios sociais de
.-ìnde provimos têm muito a ver com o tipo de deci-
sões que consideramos adequadas.
\'las suponha que respondeu negativamente a uma
,ìr mais destas questões. Poderá ser oriundo de um
:Íupo minoritário ou pobre. Poderá andar pela meia-
-idade ou ser ainda mais velho. E provável que tenha
:io que lutar para chegar onde chegou; pode ter sido
-Èrisado a ultrapassar reacções hostis por pane de
:.!risos e de outros quando anunciou que pretendia ir
=ra a faculdade; ou pode ser ao mesmo tempo aÌuno
:-. ensino superior e pai ou mãe.
Embora todos sejamos influenciados pelo contex-
r vr-ial em que nos inserimos, nenhum de nós tem o
'eir
comportamento determinado unicamente por
5.<i contextos. Nós possuímos. e criamos. a nossa
r..9ria individualidade. E tarefa da Sociologia inves-
-:"r a5 relaçõ€s enÍre o que a socíedade faz de n<is e
: ;te nós faTemos de nós próprios, O que nós faze-
--!Lìs tanto estÍutura - dá forma a - o mundo social
J-Ë noi rodeia como, simultaneamente, é estruturado
:r:a isse mesmo mundo social.
O conceito de estrutura social é um conceito
-:r'a.tante
para a Sociologia. Refere-se ao facto de
:s ;-.ÍÌtextos sociais das nossas vidas não consistirem
:!Ë..ai em acontecimentos e acções ordenados alea-
-r.-"4:i<nte: eles estão estruturados, oI pad.roniTad.os,
-
::.rentes maneiras. Há regularidades no modo
: :!-rr nos componamos ou nas relações que temos
-:- -üÌìs
pessoas. Mas a eshutura social não é
::r-.r-' uma estrutura física, como um edifício, que
:-!- è lbrma independente das acções humanas.
O QUE E A SOCIOLOGIA? 5
As sociedades humanas nunca deixam de estar em
procasso de estruturação. Elas são reconstruídas a
todo o momento pelos viírios <<blocos>> que as com-
põem - seres humanos como nós.
Como exemplo, pense novamente no caso do café.
Uma chávena de café não aparece automaticamente
nas nossas mãos. Tem de decidir, por exemplo, ir a
um determinado café, optar entre uma bica ou um
garoto, e por aí adiante. A medida que vai tomando
essas decisões, juntamente com outros milhões de
pessoas, está a configurar o mercado do café e a afec-
tar a vida dos produtores de café que vivem possivel-
mente do outro lado do mundo, a milhares de quiló-
metros de distância.
Como pode a Sociologia aiudar-nos
na nossa vida?
A Sociologia tem muitas implicações práticas paÍa as
nossas vidas, tal como Mills sublinhou quando de-
senvolveu o seu conceito de imaginação sociológica.
Consciência de diferenças culturais
Em primeiro lugar, a Sociologia permite que olhemos
para o mundo social a partir de muitos pontos de
vista. Muito frequentemente, se compreendermos
correctamente o modo como os outos vivem, adqui-
rimos igualmente uma melhor compreensão dos seus
problemas. As medidas políticas que não se baseiam
numa consciência informada dos modos de vida das
pessoas que afectam têm poucas hipóteses de suces-
so. Deste modo, um assistente social branco que tla-
balhe numa comunidade predominantemente negÌa
não irá ganhar a confiança dos seus membros, a não
ser que desenvolva uma sensibilidade face às dife-
renças de experiência social que frequentemente
separam brancos e negros.
Avaliação dos efeitos das políticas
Em segundo lugar, a pesquisa sociológica fornece
uma ajuda prática na ayqliação dos resultados de ini-
ciativas políticas.Um programa de reformas práticas
pode simplesmente falhar a consecução dos objecti-
vos que os seus autores pretendiam, ou produzir con-
sequências não intencionais de cariz prejudicial.
A título de exemplo, refira-se que nos anos que se

6OOUEEASOCIOLOGIA?
seguiram à Segunda Guerra Mundial construíram-se
grandes blocos habitacionais de iniciativa pública no
centro das cidades de muitos países. A intenção era
providenciar um bom nível de habitação, com zonas
comerciais e outros serviços públicos à mão, para os
moradores dos bainos degradados e com baixos ren-
dimentos. Contudo, a investigação mostrou que mui-
tos dos que se mudaram para esses blocos habitacio-
nais se sentiam isolados e infelizes. Em muitos casos
os grandes blocos habitacionais e as úeas comerciais
em zonas pobres depressa se degÍadaram, tendo-se
üansformado em viveiros para a ladroagem e outros
crimes vioÌentos.
Auto-consciencialização
Em terceiro lugar, e em alguns aspectos o mais
impofiante, a Sociologia pode permitir-nos uma
auto-consciencialização - uma auto-compreensão
cada vez maior. Quanto mais sabemos acerca das
razôes pelas quais agimos como agimos e como fun-
ciona, de uma forma global, a nossa sociedade, tanto
mais provável é que sejamos capazes de influenciar o
nosso futuro. Não devemos conceber a SocioÌogia
como algo que apenas ajuda os decisoÍes poìíticos -
ou seja, os poderosos - a tomar as melhores medidas.
Não se pode presumir que aqueles que estão no
poder, ao tomarem decisões, tenham sempre em con-
sideração os interesses dos grupos menos poderosos
ou desfavorecidos. Os grupos com autoconsciência
podem, com frequência, beneficiar da investigação
sociológica, para assim poder responder de uma
forma eficaz às medidas políticas govemamentais ou
para promover as suas próprias iniciativas poÌíticas.
Grupos de auto-ajuda, como os AÌcoólicos Anóni-
mos, e movimentos sociais, como os ecologistas, são
exemplos de grupos sociais que lograram introduzir
reformas práticas com um sucesso considerável.
O desenvolvimento do pensamento
sociológico
Quando começam a estudar Sociologia, muitos alu-
nos ficam perplexos com a diversidade de aborda-
gens existentes. A Sociologia nunca foi uma daquelas
disciplinas com um corpo de ideias unanimemente
aceites como válidas. Os sociólosos discutem entre si
frequentemente acerca da meÌhor maneira de estudar
o comportamento humano e da forma como os resul-
tados das pesquisas devem ser interpretados. Porque
é que isto se passa assim? A resposta €stá relaciona-
da com a própria natureza do campo de estudos,
A Sociologia debruça-se sobre as nossas vidas e o
nosso próprio comportamento, e estudar-nos a nós
próprios é a mais difícil e complexa tarefa que pode-
mos empreender.
Os primeiros teóricos
Nós, os seres humanos, sempre sentimos curiosidade
pelas razões do nosso próprio comportamento, mas
durante milhares de anos as tentativas de nos enten-
dermos dependeram de formas de pensar lransmiti-
das de gemção em geração. Estas ideias eram expres-
sas frequentemente em termos religiosos, ou em
mitos bem conhecidos, superstições ou crenças tuadi-
cionais. O estudo objectivo e sistemático da socieda-
de e do comportamento humano é uma coisa relati-
vamente recente, cujos inícios remontam aos finais
do século XVIIL Um desenvolvimento-chave foi o
uso da ciência para se compreender o mundo - a
emergência de uma abordagem científica teve como
consequência uma mudança radical nas formas de ver
e entender as coisas. As expÌicações tradicionais
baseadas na religião foram suplântadas, em sucessi-
vas esferas, por tentativas de conhecimento racional
e crítico.
Tal como a Física, a Química, a Biologia e outras
disciplinas, a Sociologia surgiu como parte deste
importante processo inteÌectual. As origens da disci-
pìina inserem-se no contexto de uma série de mudan-
ças radicais introduzidas pelas <duas grandes revolu-
ções> da Europa dos séculos XVIII e XIX. Estes
acontecimentos profundos transformaram irreversi-
velmente o modo de vida que os seres humanos leva-
vam há milhares de anos. A Revolução Francesa de
1789 representou o triunfo das ideias e valores secu-
lares, como a liberdade e a igualdade, sobre a ordem
social tradicional. Foi o início de um movimento
dinâmico e iatenso que a partir de então se espalhou
pelo globo, tornando-se algo inerente ao mundo
moderno. A segunda grande revolução teve início na
Grã-Bretanha em finais do século XVIII, antes de se
verificar noutros locais da Europa, na América do
Norte e noutros continentes. Ficou conhecida como

O QUE E A SOCÌOLOGIA? 7
Revolução Industrial - o conjunto amplo de trans-
l-ormações económicas e sociais que acompanharam
o surgimento de novos avanços tecnológicos como a
máquina a vapor e a mecanização. O surgimento da
indústria conduziu a uma rnigração em grande escala
de camponeses, que deixaram as suas terïas e se
ransformaram em habalhadores industriais em fábri-
!-âs. o que causou uma rápida expansão das ifueas
uÍbanas e introduziu novas formas de relacionamento
-rocial. A Revolução Industrial mudou de forma dra-
mática a face do mundo social, incluindo muitos dos
Dossos hábitos pessoais. A maioÍ parte da cornida que
úgerimos e das bebidas que tomamos - o café, por
eremplo - são hoje em dia produzidos ahavés de
meios industriais.
A destruição dos modos de vida tradicionais levou
os pensadores a desenvolver uma nova concepção
dos mundos natural e social. Os pioneiros da Socio-
Ìogia confrontaram-se com os eventos que acompa-
aharam essas revoluções, tentando compreender
=ato as razões da sua emergência como as suas con-
sequências potenciais. O tipo de questões a que estes
Fnsadores do século XIX procuraram responder - O
que é a natureza humana? Porque é que a sociedade
:sú estruturada assim? Como mudam as sociedades e
:or que mzão o fazem? - são as mesmas a que os
iociólogos procuram responder actualmente.
\uguste Comte
\inguém pode, por si só, como é óbvio, fundar sozi-
úo todo um novo campo de estudos, e foraÍn muitos
rlueÌes que contribuíram para os começos do pensa-
=ento sociológico. Contudo, é ftequentemente afti-
rrído um lugar de destaque ao autor francês Auguste
Comte (1798-1857), nem que seja porque foi ele
quem de facto inventou o termo <Sociologio. Origi-
rilmente, Comte usou a expÍessão <<física social>,
:as alguns dos seus rivais intelectuais da altura tam-
:\ém a usavam. Comte queria distinguir o seu ponto
jÊ \'ista da visão dos seus rivais, de modo que criou o
-;rmo <Sociologio> paÌa descrever a disciplina que
:ÍeÌendia estabelecer.
O pensamento de Comte reflectia os acontecimen-
:. Ìurbulentos do seu tempo. A Revolução Francesa
:ar ia introduzido uma série de mudanças importantes
:a sociedade e o crescimento da industrialização
Auguste Comte (1798-1857)
tinha alterado o modo tradicional de vida da popula-
ção francesa. Comte procurou criar uma ciência da
sociedade que pudesse explicar as leis do mundo
social, à imagem das ciências naturais que explica-
vam como funcionava o mundo físico. Embora reco-
nhecesse que cada disciplina científica tem o seu
próprio objecto de análise, Comte acreditava que
todas paÌtilham uma lógica comum e um método
cienífico, o que visa revelar leis universais. Tal como
a descoberta das leis do mundo natural nos permite
controlar e prever os acontecimentos à nossa volta,
também desvendar as leis que govemam a sociedade
humana nos pode ajudar a configurar o nosso destino
e a melhorar o bem-estar da humanidade. Comte
acreditava que a sociedade se submete a leis invaÍiá-
veis, de um modo muito semelhante ao que sucede no
mundo físico.
Comte via a Sociologia como uma ciência posili-
va. Acreditava que a disciplina devia aplicar ao estu-
do da sociedade os mesmos métodos científicos e
rigorosos que a Física ou a Química usam para estu-
dar o mundo físico. O positivismo defende que a
ciência deve preocupar-se apenas com factos obser-

sOOUEEASOCIOLOGIA?
\'á!eis que ressaltam diÍectamente da exp€riência.
Com base em cuidadosas observações sensoriais.
podemos inferiÌ as leis que explicam a relação exis-
tente entle os fenómenos observados. Compreenden-
do o relacionamento causal entre acontecimentos, os
cientistas podem então prever o modo como futuros
acontecimentos poderão oconer. A abordagem positi-
vista da Sociologia acredita na produção de coúeci-
mento aceÍca da sociedade com base em provas
empíricas retimdas da observação, da comparação e
da experimentação .
A leí dos três esíádios de Comte postula que as
tentativas humanas para compreender o mundo pas-
saram pelos esü4dios teológico, metafísico e positivo.
No estádio teológico, as ideias reìigiosas e a crença
que a sociedade era uma expressão da vontade de
Deus eram o guia do pensamento. No esúdio metafí-
sico, que se afirmou pela época do Renascimento, a
sociedade começou a ser vista em termos natuÍais, e
não sobrenaturais. O estádio positivo, desencadeado
pelas descobertas e feitos de Copérnico, Galileu e
Neyton, encorâjou a aplicação de técnicas científicas
ao mundo social . Comte , ao adopÌaÍ esta úlúma pers-
pectiva, considerava a SocioÌogia como a última dâs
ciências a desenvolver-se - depois da Física, da Quí
mica e da Biologia -. embora também a mais impor-
tante e complexa das ciências.
Já na fase final da sua carreiÍa, Comte concebeu
planos ambiciosos parâ a reconstrução da sociedade
ftancesa em paÌticular e das sociedades humanas em
geral, com base nos seus pontos de vista sociológi-
cos . Reclamou a fundação de uma
"religião
da huma-
nidade", que deveria abandonaÍ a fé e o dogma em
favor de um fundamento científico. A Sociologia
estaria no centÌo desta nova religião. Comte estava
perfeitamente consciente do estado da sociedade em
que vivia: estava preocupado com as desigualdades
que a industrialização pÍoduziâ e a ameaça que elas
constituíam paÍa a coesão social. A solução a longo
prazo, de acordo com a suâ perspectiva, consisúa na
produção de um consenso moral que âjudâr'ia a regu-
lar, ou unir, a sociedade, apesar dos novos padrões de
desigualdade. Embora o caminho de Comte paÍa a
reconstrução da soci€dade nunca se tivesse concreti
zado, a sua contribuição para a sistematização e uni-
ficação da ciência da sociedade foi importante para a
posterior profissionalização da Sociologia enquanto
disciolina acadérnica.
Emile Durkheim
A obra de outro autor francês, Émile Durkheim
(1858-1917), teve um impacto mais duradouro na
Sociologia modema do que a obra de Comte. Embo-
ra se apoiasse em determinados aspectos da obra de
Comte, Durkheim pensava que muitas das ideias do
seu predecessor eram demasiado especulativas e
vagas, e que Comte não realizara com sucesso o seu
programa - dar à Sociologia um carácter científico.
Durkheim via a Sociologia como uma nova ciência
que podia ser usada paÍa elucidar questões filosóficas
tradicionais, examinando-as de modo empírico. Dur-
kheim, como anteriormente Comte, acreditava que
devemos estudar a vida social com a mesma objecti-
vidade com que cientistas €studam o mundo natural.
O seu famoso princípio básico da Sociologia era
<estudaÍ os factos sociais como caisao. Queria com
isso dizer que a vida social podia ser analisada com o
mesmo rigor com que se analisam objectos ou fenó-
menos da natureza.
A obra de Durkheim abrange um vasto espectro de
tópicos. Três dos principais temas que aboÍdou
foÍaÍÌ: a imponância da Sociologia enquanto ciência
Emile Durkheim (1958-1917)

€mpírica; a emeÍgência do indivíduo e a formação de
üma ordem social; e as origens e carácter da autori-
dade moral na sociedade. Encontraremos as ideias de
Dütheim repetidas vezes nas nossas discussões teó-
ricas acerca da religião, do desvio e do crime, do tra-
balho e da vida económica.
Para o autor, a principal preocupação intelectual
da Sociologia reside no estudo dos factos sociâis. Em
iÈz de aplicar métodos sociológicos ao estudo de
indi\íduos, os sociólogos deviam antes analisar fac-
ros sociais - aspectos da vida social que determinam
a tro,ssa acção enquanto indivíduos, tais como o esta-
do da economia ou a influência da religião. Dur-
ifuin acreditava que as sociedades tinham uma lea-
Iitâde pópria - ou seja, a sociedade não se resume às
siryles acções e interesses dos seus membros indivi-
.foais- De acordo com o autor, factos sociais são for-
Eâs de agir, pensar ou sentir que sáo externqs aos
iudiríduos, tendo uma realidade própria exterior à
rida e percepções das pessoas individualmente.
fua caracteística dos factos sociais é exercerem
w poder coercivo sobre os indivíduos . No entanto , a
&rureza consÍangedora dos factos sociais raramente
é rÈcoúecida pelas pessoas como algo coercivo. pois
è uma forma geral actuam de livre vontade de acor-
do com os factos sociais, acÍeditando que estão a agir
segundo as suas opções. Na verdade, afirma Dur-
iàÈim- frequentemente as pessoas seguem simples-
note padrões que são comuns na sociedade onde se
mserem. Os factos sociais podem condicionar a
rìao humana de variadas formas, que vão do casti-
s Flro e simples (no caso de um crime. por exem-
Cot a üm simples mal-entendido (no caso do uso
n'orrecÌo da linguagem).
Durkleim reconhecia que os factos sociais são
iifictis de estudar. Os factos sociais não podem ser
$sen'ados de forma directa, dado serem invisíveis e
dangíveis. Pelo contriário, as suas propriedades só
rdem ser reveladas indirectamente, através da aná-
:se dos seus efeitos ou tendo em consideÍação tenta-
ras feitas para as expressar, como leis, textos reli-
giosos ou regras de conduta estabelecidas. Durkheim
qblinhava a importância de pôr de lado os precon-
Èftos e a ideologia ao estudar factos sociais. Uma
rirude científica exige uma mente aberta à evidência
jG
sentidos e liberta de ideias preconcebidas prove-
trIetrÍes do exterior. O autor defendia que os conceitos
,-€ntíficos apenas podiam ser gerâdos pelâ prática
O OUE É A SOCIOLOGIA? 9
científica. Desafiou os sociólogos a estudar as coisas
tal como elas são e a consüuÍ novos conceitos que
reflectissem a verdadeira natureza das coisas sociais.
Tal como os outros fundadores da Sociologia,
Durkheim estava preocupado com as mudanças que
transformavam a sociedade do seu tempo. Estava
particularmente interessado na solidariedade social e
moral - por ouhas palavras, naquilo que mantém a
sociedade unida e impede a sua queda no caos. A soli-
dariedade é mantida quando os indivíduos se inte-
gram com sucesso em gÍupos socrals e se regem por
um conjunto de valores e costumes partilhados. Na
sua primeira grande obra, A DivísAo Socíal do Traba-
lfto (1893), Durkheim expôs uma análise da mudan-
ça social, defendendo que o advento da era industrial
representava a emergência de um novo tipo de soli-
dariedade. Ao desenvolver este argumento, o autoÍ
contrastou dois tipos de solidariedade - rnecônica e
orgânica - , relacionando-os com a divisão do traba-
lho e o aumento de distinções entre ocupações dife-
rentes.
Segundo Durkheim, as culturas tradicionais com
um nível reduzido de divisão do ftabalho caÌâcteri-
zam-se pela solidariedade mecAnica. Em virtude da
maioÍ parte dos membros da sociedade estar envolvi-
da em ocupações similares, eles estão unidos em
tomo de uma experiência comum e de crenças parti-
lhadas. A força destas últimas é de natureza rcpressi-
vâ - a comunidade castiga prontaÍnente quem quer
que ponha em causa os modos de vida convencionais .
Desta forma Íesta pouco espaço para dissidências
individuais. A solidariedade mecânica baseia-se, por
conseguinte, no consenso e na similaridade das cren-
ças, No entanto, as forças da industrialização e da
urbanização conduziram a uma maior divisão do tra-
balho , o que contribuiu para o colapso desta forma de
solidariedade. A especialização de tarefas e a cada
vez maior diferenciação social nas sociedades desen-
volvidas haveria de conduzir a uma nova ordem
caÌacterizada pela solidariedade orgânica, defendia
Durkheim. Este tipo de sociedades estão unidas pelos
laços da interdependência económica entre as pes-
soas e pelo reconhecimento da impoÍância da contri-
buição dos outros. A medida que a divisão do tÌaba-
lho aumenta, as pessoas tomam-se cada vez mais
dependentes umas das outras, dado que cada uma
necessita dos bens e serviços que só ouhas pessoas
com ocupações diferentes podem fomecer. Relações

ra o olrE t A soaroLoG A'
O estudo de Durkheim sobre o suicídio
Um dos estudos clássicos da Sociologia que explo-
ra a relaçáo entre o indivíduo e a sociedade é a
análise de Durkheim sobre o suicídio (Durkheim.
1952; originalmente publicado em 1897). Embora os
seres humanos se vejam a si pÍóprios como indiví-
duos livres na sua vontade e opções, os seus com-
oortamentos são muitas vezes oadronizados e
determinados pelo mundo social. O estudo de Dur-
kheim demonstrou que mesmo um acto táo pessoal
como o suicídio é influenciado pelo mundo social.
Tinha havido anteriormente pesquìsas sobre o
suicídìo, mas Durkheim foi o primeiro autor a insistir
numa explicação sociológica para o fenómeno. As
obras anteriores tinham reconhecido a inÍluênciâ de
íactores sociais no suicídio, embora destacando
Íactores como a raça, o clima ou perturbações men-
tais, para explicar a probabilidade de alguém come-
ter suicídio. Contudo, segundo Durkheim, o suicídio
en um facto socíalque apenas podia ser explicado
por outros Íactos sociais. O suicídio era algo mais
do que um simples coniunto de actos individuais -
era um Íenómeno com características padroniza-
das.
Ao examinar registos oficiais sobre o suicídio êm
França, Durkheim descobriu que determinadas
categorias de pessoas eram mais pÍopênsas â
cometer suicídio do que outras. Descobriu, por
exemplo, que se veriÍicavam mais suicídios êntre
os homens do que entre as mulheres, mais entre
os protestantes do que entre os católicos, mais
entre os ricos do que entre os pobres, e mais entre
os solteiros do oue entre os casados. Durkheim
Dercebeu também que as taxas de suicídio tendiam
a ser menores duranle épocas de guerra e mais
elevadas em alturas de mudança económica ou de
instabilidade,
Estes achados lêvaram Durkheim a concluir que
existem forças sociaìs externas ao indivíduo que
inÍluenciam as taxas de suicídio, O auÌor relacionou
a sua explicaçáo com a ideia de solidariedade
social e com dois tipos de laços na sociedade - a
integração social e a rcgulação soclâl Durkheim
acreditava que as pessoas que estavam solidamen-
te integradas em grupos sociais, e cujos desejos e
aspirações se regiâm pelas normas sociais, tinham
uma menor orobabilidade de se suicidar. ldentificou
quatro tipos de suicídio, em Íungáo da presênça ou
ausência da integraçào e da regulação.
Os suicÍdios egoístas caracletizam-se por uma
fraca integração na sociedade ê ocorrem quando o
indivíduo está sozinho, ou quando os laços que o
pÍendem a um grupo estão eníraquecidos ou que-
brâdos. As baixas taxas de suicÍdio entre os católi-
cos, por exemplo, podem explicar-se pela sua íortê
de recipr-ocìdaclc econ(rnrica e dc rnútua dçpendência
vênì substituir as crenças partilhadas na função cLe
criíÌr um conscnso social.
N() entanto. os processos de rludança no muntlo
mollcrno siu de tal nruncirr rrrpiJos c itttenror qtte
dão oligem a problemas sociais importantes. PodcÍìl
ter eltitos dissolventes sobre os estilos dc vida tradi-
cionlis. a moral. as crenças rcligiosas e os padrões do
quotidiano. scm no entanto fornccereÍr1 novos lalotes
de forma evidcnte. Durkl'ìeiÌÌ'ì rcìacionou este conle\-
to conturbiÌdo com a irnolììi:i. Lrm sentinÌ9nto dc
ausência de objectivos ou de dcsespero proroclilo
peia vida social modelna. Os padrircs e mcios dç con
t|olo tradicionais, fornecidos antcÌiormentlj pcla rcli
gialt). são destruídos em larga medida pelo desenvol-
vimento social moderno. o quc deixa enl nìuitos ìlìdi
vítluos das sociedades moderniìs um sentimento de
ausência de scntido niì sua vida quotidiana.
Um dos €studos mais famosos de Durkheim (ver
caixa de texto) dizia respeito à anáÌise do suicídio.
O suicídio parcce scr uma acção puran'ÌeÌÌte pessoal.
o rcsultaclo de uma inÍèlicidade pesserl extremiì.
O uttÍ.,t nlorlrou. eonltldrì. qlle lu(lOrei .ociai e'f-
cem urla influência fìrrdamentai Ììo corì'rporlan'ìc'nÌLì
suicidárìo sendo a anomia uma dessas influências
.A.s tirxas dÈ suicídio nrostram padrões regulares ah
ano para ano. c esses padrões clevem ser expÌicado:
sociologicamcnte.

O OUE E A SOC OLOG A? 11
noção de comunidade social, enquanto que a liber-
dade moral e pessoal dos protestantes significa que
.,estão sozinhos" perante Deus. O casamento fun-
ciona como uma protecção em relação ao suicídio,
ao integrar o indivíduo num relacionamento social
estável, ao contrário das pessoas solteiras, que per-
rranecem
mais isoladas no seio da sociedade.
A menor taxa de suicídios em tempo de guerra,
segundo Durkheim, pode ser vista como um sinal
le uma maior integração social.
O suicídio anomico é causado por uma ausència
Je regulação social. Para Durkheim, tãl reportava-
-se às condiçÕes sociais de aromrâ, quando as
Sessoas se vêem
"sem
normas' em contextos de
"rudança
súbita ou de instabilidade na sociedade.
À peÍda de um ponto de reÍerência iixo no que diz
'espeito às normas e desejos - como sucede em
:empos de convulsões económicas ou de conÍlìtos
sessoais como o divórcio - pode perturbar o equilÊ
Jrio entre a realidade da vida das pessoas e os
:eus deselos.
O suicídio altruísta lem lugar quando um indivi
:Jo se encontra (excessivâmente integrado" - os
.,nculos sociais são demasiado fortes - e valorizâ
"lais a sociedade do que a si próprio. Neste caso, o
,<!icídio transforma-se numa esDécie de sacriÍício
3or um
"bem
maior". Os pilotos kamlkase japone-
ses ou os
"bombistas
suicidas" islámicos são exem-
3 cs de suicidas altruístas. Para Durkheim. este tiDo
de suicídio é característico das sociedades tradicio-
nais. onde orevalece a solidariedade mecânica.
O último tiDo de suicídio é o suicídio ÍaÍallsfa.
Embora oara Durkheim este tioo de suicídio Íosse
pouco relevante na sociedade contemporânea, o
autor acreditava que este se veriÍicava quando um
indivíduo era excessivamente regulado pela socie-
dade. A opressão do indivíduo traduz-se num senti-
mento de imDotència Derante o destino ou a socie-
oaoe.
Embora variem de sociedâde pârâ sociedade, as
taxas de suicídio apresentam padrões reguladores
em cada sociedade ao longo dos anos. Para Dur-
kheim, tal provava que existem forças sociais con-
sistentes oue influenciam o comDortamento suicidá-
rio. Uma análise das taxas de suicídio revela até
que ponto podem ser identificados padróes sociais
gerais em acções individuais.
Desde a publicação de O Suicídio, Íoram levan-
tadas muitas objecções a este estudo de Dur-
kheim, especialmente acerca da sua utilização nas
estatísticas oÍiciais, da sua rejeição de inÍluências
de carácter não-social sobre o suicídio, e da sua
insistência em classiÍicar em conjunto todos os
tipos de suicídio. De qualquer maneira, esta obra
continua a ser um estudo clássico e a sua asserção
fundamental permanece válida: mesmo um acto
táo pessoal como o suicídio exige uma explicação
sociológica.
ir.rll \lrrx
i- .J.ias de Klll Mar (188i lì3) contrastam radi
,..:ìl.nÌe conì as dc Comte e Durkheirn, cmbora. lal
. :--.o eles. tarnbón Marx tenh!Ì tentado explicar as
,..ianças cÌue ocoriian] na épociì da Revolução
:,:u.trial. As actividades poiíticas tle Marx. quanclo
. aiÌ. tiveranì conro consequêncin um conflito conr
.. .:uroridades llcnrãs: trpós unra bteve estadia em
:-,nca. íixou-se. parit semprc. no cxílio nr CrirBrc-
:.: .irr. Marx iìssistiLl iÌo rÌumcnto do número de fábri-
-... e da produçio industrial. bent como às clcsigual-
-.-je daí ÌesultaDlcs. O seu intercssc pelo movimcÌr10
-r':iirio curopcr.r e peÌas ideias sociaìistas rellccliu-
-se na sua obriì. quc abrangc unìa grande diversidadc
.lc l..untos. A ntlrr('r'pitr'te dos .uu. c(rito5 centril .c
cnì questões cconón'ìicas. ìras. cor]]o sempÍe tce
conìo preocLlpaçiio reÌacior]ar os pfoblemas econ(irÌìi
cos com as instìtuições sociais, a sua obra erl, c é,
rica em rcïlexircs sociológicas. Mesno os seus críti-
cos mais ilrplacáveis considcriLm a sua obliì cle
inportância para o desenvolvinÌento da Seciololrìr.
(tpilulisnut t luíu tlt clqssct
EmboÌ-a escri:vcssc accrca de vÍlias Íascs da histór'ia.
Marx colìcentrou-sc na mudançiì nos tcmpos modcr
nos. Para eie. irs rnudanças mais inlponantes estaviìm

l2OOUEEASOCIOLOGIA?
Karl Marx (Í818-1883)
ligadas ao desenvolvimento do capitalismo - um sis-
tema de produção que contuasta de forma radical com
sistemas económicos historicamente anteriores,
implicando a produçào de bens e serviços paÍa serem
vendidos a uma gnnde massa de consumidores,
O autor identificou dois elementos cruciais nas
empresas capitalistas. O primeiÍo é o capital - qtJal-
quer activo. incluindo dinheiro. máquinas. ou mesmo
fábricas, que possa ser usado ou investido para reali-
zar frrturos bens. A acumulação do capital está inti-
mamente ligada ao segundo elemento, o trabalho
assalariodo - poÍ tal entende-se o conjunto de taba-
lhadores que não detém a propriedade dos meios de
produção, mas que tem de procurar emprego, fome-
cido pelos que detêm o capital. Marx acreditava que
aqueles que detêm o capital, ou capitalistas, constì-
tuem uma classe dominante, enquanto a grande
massa da população constitui uma classe de trabalha-
dores assalariados. ou classe operária. A medida que
a industrialização se propagou, um grande número de
camponeses, que anteriormente subsisüam do traba-
lho agícola, mudou-se para as cidades em expansão,
aiudando a formar uma classe oDerária industrial
urbanâ. Esta classe de tuabalhadores é também aoeli-
dada de proletaríado .
Segundo Marl(, o capitalismo é inerentemente um
sistema de classes, sendo as relações entre as classes
caracterizadas pelo conflito. Embora os proprietiários
do capital e os trabalhadores dependam uns dos
outÍos - os capitalistas necessitam da mão-de-obra e
os trabalhadoÍes necessitam dos salários - a depen-
dência é exúemamente desequilibradâ. O relaciona-
mento entre as classes assenta na exploração, na
medida em que os trabalhadoÍes têm pouco ou
nenhum controlo sobre o seu trabalho e os patrões
têm a possibilidade de gerar lucro apÍopriando-se do
produto do esforço dos trabalhadores. Marx acredita-
va que o conflito de classes em tomo dos recuÍsos
económicos se iria acentuâr com a passagem do
tempo.
Mudança social: a concepção materiaüskt
da história
A perspectiva de Marx assentava no que denominava
concepção materialista da história. De acordo com
esta perspectiva, não se enconham nas ideias ou nos
valores humanos as principais fontes de mudança
social. Pelo contri4rio, a mudança social é promovida
acima de tudo poÍ factores económicos. Os conflitos
entre classes fornecem a motivação para os desenvol-
vimentos históricos - eles são o <motor da histório.
Nas palavras de Marx, <toda a história humaÍa ê, a|é
à data, a história da luta de classes>. Embora o autoÍ
centrasse a maior parte da sua atenção no capitalismo
e na sociedade modema, analisou igualmente a forma
çomo as sociedades se desenvolveram ao longo da
história. Segundo Marx, os sistemas sociais ÍansitaÍn
de um modo de produção para outro - às vezes de
forma gradual , outras vezes por via de uma revolução
- em Íesultado das conhadições dos seus sistemas
económicos. O aulor delineou uma progressão por
etapas históricas, com início nas sociedades comu-
nistas dos caçadores-recolectores, passando pelos sis-
temas esclavagistas antigos e pelos sistemas feudais
baseados na distinção entre senhores das teÌras e seÍ-
vos . A emergência de comerciantes e aÍesãos marcou
o início de uma classe comercial ou capitalista que
acabou por substituir a nobreza fundiiíria. De acordo
com estâ perspectiva da história, Marx defendeu que
tal como os capitalistas se haviam unido para derru-

O OUE É A SOCIOLOGIA? 13
!aÍ a ordem feudal, também os capitalistas seriam
uplantados e uma nova ordem instalada.
\íaÍx acreditava na inevitabilidade de uma revolu-
ìâo da classe trabalhadora que demrbaria o sistema
--apitalista
e abriria portas a uma nova sociedade onde
H existissem classes - sem gmÍìdes divisões enúe
::,-os e pobres. Marx não queria dizer que todas as
jesisualdades
entue os indivíduos iriam desaparecer,
:is que as sociedades não mais iriam ser divididas
3cre uma pequena classe que monopoliza o poder
:--ftico e económico, por um lado, e, do outro, uma
9:ande massa de indivíduos que pouco benefício reti-
::.m da riqueza gerada pelo seu trabalho. O sistema
3--o!ómico assentaria na posse comum, sendo estabe-
-e;ida uma forma de sociedade mais justa do que a
--.r<
coúecemos hoje. Marx acrediÌava que na socie-
-de
do futuro a produção seria mais evoluída e efi-
:.:z do que na sociedade capitalista.
,{ obra de Marx teve um efeito de enorme relance
:ó mundo do século XX. Até muito recentemente,
?Li de um terço da população humana vivia em paí-
'es
cujos governos reivindicavam ser inspirados
-ias
ideias de Marx, como a União Soviética e os
:ai<es da Europa de l-este.
\Irr \'eber
Taì como Marx, Max weber (1864-1920) não pode
=; simplesmente rotulado como sociólogo; os seus
=:aresses e preocupações abrangem muitas iíreas.
.cido na Alemanha, onde passou a maior parte da
::a carreira académica, Weber era um indivíduo de
E-ande erudição. As suas obras cobrem os campos da
E oromia. do Direito, da Filosofia e da História
Comparada, bem como da Sociologia. Grande paÍe
-
sua obra dava também particular atenção ao
.==nlolvimento do capitalismo modemo e à forma
:omo a sociedade modema eÍa difeÍente de outÍos
:!os anteriores de organização social. Através de um
,ujunto de estudos empíricos , Weber explicitou
:ìgrrmas das características básicas das sociedades
dustriais modemas e identificou debates sociológi-
--.ìs
fundamentais, que ainda hoje permanecem cen-
:ais para os sociólogos.
Tal como outros pensadores do seu tempo, Weber
-arou compreender a natuÌeza e as causas da mudan-
;a social. Foi influenciado por Marx, mas mostrou-se
3mbém muito crítico em relação a alguns dos princi-
Nrax Weber (1864-1920)
pais pontos de vista de Marx. Weber rejeitou a con-
cepção materialista da história e deu ao conflito de
classes um significado menor do que Marx. Na pers-
pectiva de Weber. os factores económicos eram
importântes, mas as ideias e os valores tinham o
mesmo impacto sobre a mudança social . Ao contnário
dos primeiros pensadores sociológicos, Weber defen-
deu que a Sociologia devia centÌar-se na acçdo
socíal, e não nas estruturas. Atgumentava que as
ideias e as motivações humanas eram as forças que
estavam por detrás da mudança - as ideias, valores e
crenças tinham o poder de originar transformações.
Segundo o autor, os indivíduos têm a capacidade de
agfu livremente e configurar o futuro. Ao contÍiírio de
Durkheim ou Marx, Weber não acreditava que as
estruturas existiam extemamente aos indivíduos ou
que eram independentes destes. Pelo contuário, as
estruturas da sociedade eram formadas por uma com-
plexa rede de acções recíprocas. A tarefa da Sociolo-
gia era procurar entender o sentido por detrás destas
acções.
Algumas das obras mais importantes de Weber
Dreocuparam-se com a análise das caracteísticas

l4OQUEEASOCIOLOG]A?
Uma Íundadora esquecida
Embora Comte, Durkheim, Marx e WebeÍ sejam,
sem dúvida alguma, as figuras fundadoras da
Sociologia, existem outros pensadores importantes
do mesmo período histórico cuja contribuição deve
também ser tomada em conta. A Sociologia, como
muitas outras áreas académìcas, nem sempre teve
a postura ideal de reconhecer a importância de
cada um dos auÌores cuja obra tenha um mérito
intrínseco. No oeríodo .clássico. do Íim do século
XIX e princípios do século XX, muito poucas
mulheres ou membros de minorias étnicas tiveram
a possibilidade de se tornarem sociólogos profis-
sionais a tempo inteiro. Além disso, os poucos que
tiveram a possibilidade de conduzir pesquisas
sociológicas de importância maior Íoram muitas
vezes esquecidos pelo meio. Gente como Harriet
l\4artinêau merece a atenção dos sociólogos con-
temporâneos.
HaÍiet l\,4artineau (1 802'1 876)
próprias da sociedade Ocidental, en'Ì comparação
com as outras grandes civilizações. Estudou as reli-
giões da China. India e Próximo Oriente. e no decor-
rer dessas pesquisas fez grandcs coÌrtribuições para a
Sociulogia dir lcligiào. Comparand,r or prineipai..i:-
temas reÌigiosos da China e india com os do Ociden-
te, Weber concluiu que alguns aspectos das crenças
clistãs iltfluenciaram glandemente o aparecimento do
capitalismo. Estc não emergim. como Marx acredita-
va. apenas graças às mudanças económicas. Scgundo
Weber, os valoLes e as ideias culturais contribuenr
para moldar a sociedade e as nossas acções indivi-
duais.
Um elemento importantc da perspectiva sociológi-
ca de Weber era a ideia de tipo ideal modelos con-
ceptuais ou analíticos que podem ser usados para
comprccndel o mundo. Na vida real, é raÍo existirem.
se c quc e\iem. tipos iJeiti muitils \e/e e\i5ten)
apenas aÌgumas das suas características. Estas cons-
truçôes hipotéticas podem, no cntanto, reveÌar-se
muito úteis, na medida em que se pode compreender
qualquer situação do mundo real iúravés da sua com-
pançio com uÌn tipo ideal. Desta formr, os tipos
ideais servem como pontos de referência fixos.
E imponante sublinhar que por tipo
"ideal>
Weber
não entendia que essa concepção Íbsse algo de per-
fèito ou desejável, sendo antes uma Íbrma
"pura>
de
determinado Íenómeno. Weber utilizou os tipos
ìdeais nas suas oblas sobre a buroclacia e o mercado,
Rn<'ionali:açtio
Segundo Weber, a emergência da sociedade modema
foi acompanhada por importantcs rnudanças ao nível
dos padrões de acção sociaÌ. O autoÌ acreditava que
as pessoas estavam a aÍìlstar-se d!Ìs crenças tradicio-
nais baseadas na superstiçtÌo. na rl]ligião. no costume
e em hiibitos enlaizados. Ern vez disso, os indivíduos
envolviam-se cada vez nrais em cálculos racionais e
instrumentais que tinhan'ì em consideração a eficiên-
cia e as consequências Íuturas. Na sociedade indus
tdaÌ, havia pouco espaço para os sentimentos e pariÌ
fazer ceftas coisas só porque sempre tinham sido fei-
tas assim desde há muitas gerações. O desenvolvi-

O OUE E A SOC OLOGIA? 15
Harriet Martineau
Harriet Martineau (1802-1876) foi já chamada a
,primeira mulher socióloga", mas, tal como Marx
3u Weber, não pode seÍ vista apenas como uma
socióloga. Ela nasceu e cresceu em lnglaterra,
:endo escrito mais de cinquenta livros, bem como
1ümerosos ensaios. Martineau é hoje considerada
rcmo tendo introduzido a Sociologia na Grã-Breta-
'na, por via da sua tradução da Filosofia Positivade
acmte, tratado ÍunciadoÍ da djsciplina (Rossi, 1973).
:' ém disso, lvlartineau conduziu um estudo siste-
-álico
em primeira máo sobre a sociedade amêri-
:âna no decurso das suas extensas viagens pelo
-:erior dos Estados Unidos da América, na década
:e 30 dÕ século XlX. das quais resultou o seu livro
:. Sociedade na América. A aulota lem importância
:â:a os sociólogos dê hoje em dia por diversas
-32ões. Em primeiro lugar, defendia que quando
= guém estuda uma sociedadê deve centrar-se em
todos os seus aspectos, incluindo as principais ins-
tituiçóes políticas, religiosas ou socìais. Em sêgun-
do lugar, insistia em que a análise de uma socieda-
de deve incluir a vida das mulheÍes. Em terceiro, Íoi
a primeira a olhar de uma forma sociológica para
assuntos anteriormente ignorados, como o casa-
mento, as crianças, a vida pessoal e rel;giosa, e as
relações racìais. Como escreveu a autora, .o quar-
to dâs criânças, os aposentos femininos, e a cozi-
nhâ são escolas excelentes, onde podemos Íicar a
conhecer a moÍal e os modos de uma povo' (lvlar-
tineau, 1962, p. 53). Por último, a autora defendia
que os sociólogos não devem limitâr-se apenas a
observar, mas devem igualmente agir em prol de
uma sociedade. Consequentemente, Martineau foi
uma Íigura activa tanto na deÍesa dos direitos das
mulheres como na luta pela emancjpação dos
escravos.
:-:.r da ciência, da tecnoÌogia modena e da buro
. , , loi colectivamente descrito por Weber coÌno
-
,nrlizaqão - a organizaçaro da vidx económica e
- - >equndo pfincípios de eficiência e tendo por
' .: r ionÌìecimcnto técnico. Se nas sociedades tl.a-
- :"rs a religião e os hábitos enraizados definiam
: ,rres e as atitudes das pessoas, a sociedade
,::rr caractedzava-se pela racionalização de cada
: :.:ii campos, da política à reìigião. passando
, ,-lir idade económica.
-
-
:Joldo com o aúor, a Revolução Industrial e a
: ::-ÌraÌa do capitalismo eram provas de uma ten-
, ,, rraìor no sentido da racionalização. O capita-
:io er.Ì dominado peÌo conflito de classes,
\llrr Cefendia, mas pelo avanço da ciência e
-:
,,'racia - organizações de grande dinensão.
:
.- .i:ber. o caráctel científico era um dos traços
.
- -:ixc te rís ticos do Ocidente. A burocracia. o
- ::rodo cÌe organizar eficientemente unì gnnde
:i Je pessoas, expandiu-sc com o crescimerto
- :-:.-o e político. O autoÌ utilizou o termo deJ€l?-
'.,rr1) para descrever a forma pcla qual o perr-
samento cieDtífico no mundo modcrno lcz clcsapare-
cer as forças sentinentais do passado.
Weber não era. no entanto, totalmcnte optimista
em reÌação às consequências da racionalização.
Temia umu rociedlde nrodema que fos\e um si:lerna
que, ao tentaÍ Íegular todas as esferas da vida social.
destruísse o espírito humano. Receava, em pafiìcular,
os eÍèitos potencialmente sufocantes e desumanizan
tes da burocracia e as suas inplicações no destino da
democracia. A agenda do IÌuminismo do século
XVÌÌÌ, da promoção do progresso, da riqueza e da
felicidade através da rejeição da tradição e da supers-
tição em favor da ciência e da tecnologia, produz os
seus própÌ'ios perigos.
Olhares socioiógicos mais recentes
Os primeiros sociólogos pafiilhavan o desejo de con
ferir sentido à sociedade em mudança em que vivian.
Todavia, queriam Íãzer algo rnais do que limitar-se a
descrever e interpretiir os acontecimentos rnomertâ
neos do seu ternpo. Mais inÌpofiante do que isso, pro-

l6OQUEEASOCIOLOGIA?
cuÍavam desenvolver formas de estudar o mundo
social que pudessem explicaÍ o funcionamento das
sociedades em geral e a natureza da mudança social.
No entanto, como já pudemos observar, Durkheim,
Marx e Weber utilizaram abordagens muito diferen-
tes enÍe si nos estudos do mundo social. Por exem-
plo, enquanto Durkheim e Marx se centraïam no
poder de forças extemas aos indivíduos, Weber adop-
tou como ponto de partida a capacidade que os indi-
víduos têm de agir de forma criativa sobre o mundo
exterior. Enquanto MarÍ apontava a predorninância
das questões económicas, Weber tomou em conside-
ração um leque muito mais vasto de fâctores que con-
siderou significantes. Tais diferenças de abordagem
têm continuado a verificar-se ao longo da história da
Sociologia. Mesmo quando os sociólogos estão de
acordo em relação ao objecto da análise, esta é con-
duzida muitas vezes a partir de pe$pectivas teóricas
difeÍentes.
TÍês de entre as mais impoÍantes correntes teóricas
recentes: o funcionalísmo , a perspectiva d.o conflin , e
o interaccionismo símbólico, estão directamente rela-
cionadas com Durkheim, Marx e Weber, respectiva-
mente (ver figura 1.1). Ao longo da presente obra irão
enconftar-se discussões e ideias que derivam destas
abordagens teóricas e lhes sewem de ilustação.
Funcionalismo
O funcionalismo defende que a sociedade é um sis-
tema complexo cujas partes se conjugam para garan-
tir estabilidade e solidaÍiedade. Segundo esta pers-
pectiva, a Sociologia, enquanto disciplina, deve
investigaÍ o Íelacionamento das partes da sociedade
entre si e píua com a sociedade enquanto um todo.
Podemos analisar as crenças religiosas e costumes de
uma sociedade, por exemplo, ilustrando a forma
como se relacionam com outras instituições, pois as
diferentes partes de uma sociedade estão intimamen-
te relacionadas entre si.
Estudar a função de uma instituição ou prática
social é analisar a contribuição dessa instituição ou
prática paÍa a continuidade da sociedade. Os funcio-
nalistas, incluindo Comle ou Durkìeim, usaram mui-
tas vezes uma analogia orgâníca para comparaÍ a
actividade da sociedade com a de um organismo
vivo. Defendem que. à imagem dos viírios compo-
nentes do corpo humano, as paÍes da sociedade con-
jugam-se em benefício da sociedade enquanto um
todo. Para estudar um órgão humano como o coraçào
é necessário demonstrar a forma como se relaciona
com outras partes do corpo. Ao bombear sangue p€Ìo
corpo inteiro, o coração desempenha um papel vial
na perpetuação da vida no organismo. Da mesrna
forma, analisar a função de um item social significa
demonshar o papel que desempenha na perpetuaçã(l
da existência e prosperidade de uma sociedade.
O funcionalismo enfaÍiza a importância do cair-
senso moral na manutenção da ordern e da estâbili-
dade na sociedade. O consenso moral verifica-se
quando a maior paÍe das pessoas de uma sociedadc
partilham os mesmos valoles. Os funcionalistas cm-
cebem a ordem e o equilíbrio como o estado noru{
da sociedade - este equilíbrio social assenta na erÊ
tência de um consenso moral enÍe os membros da
sociedade. Por exemplo, Durkheim acreditava qre r
religião reitera a adesão das pessoas a valores soci-
nucleares , pelo que contribui para a solidez da coeú
social.
Durante um longo período, o pensamento frrrrì-
nalista foi provavelmente a principal corrente teóÍiÉ
da Sociologia, em particular nos Estados Unidos ò
América. Tanto Talcott Parsons como Robert M€ÍE
considerados dois dos seus aderentes mais prtm-
nentes. insDiraÍaÍn-se muito na obra de Durkh*-
Auguste
Comtè
(1798n 857)
I
V
Emil€
Du*heim
085&1917)
I
I
I
V
Funcionalismo
KâÌl
(181&1883)
(1864"1920)
Georg€

Herbêít Mead
(1863-1931)
\V
InìêËccionismo
slmbólico
As linhas conlínuas indicam uma inlluência direcla, as
linhas a Íacejâdo uma relação indiredla. Mead não é discÊ
pulo de Weber, ainda que as posições deate úllimo autor -
sublinhando a natureza intencional e signiíicativa da acção
humana-tenham afinidades com os lemas esiudados pelo
lnteraccionismo Simbólico.
Figura l,í Abordagens teóricas da Sociologia

!i06 útimos anos a sua populaÌidade começou a
decrescer, à medida que as suas limitações vieram ao
de cima. Uma crítica feita reco[entemente ao fun-
.imalismo é a de que este realça excessivamente o
pryel de factores que conduzem à coesão social, em
fuimento de factores que produzem conÍlito e divi-
n- A ênfase na estabilidade e na ordem significa que
É divisões ou as desigualdades - com base em facto-
Íes como a classe social. a raça ou o género - são
minimizadas. O funcionalismo confere também uma
€dase menor ao papel da acção social criativa na
siedade. Para muitos cíticos, este tipo de anáüse
Ír-bui à6 sociedâdes atributos que estas não pos-
gEm- Os firncionalistas falaram muitas vezes das
siedades como se estâs tivessem <<necessidades> e
robjectivos>, apesar de estes conceitos só fazerem
srido quando aplicados aos seres humanos.
Perspectiva do Conflito
fal como os funcionalistas, os sociólogos que adop-
ãam as teorias de conflito subliúam a impoÍância
& estrutuÌas na sociedade. Defendem também um
delo> abrangente para explicar a forma como a
ruiedade funciona. Os teóricos do conflito rejeitam,
D eatatrto, a ênfase que os funcionalistas dão ao con-
Í€nso. Pelo contrário, preferem sublinlar a importân-
.-ra das divisões na sociedade. Ao fazê-lo, centram a
aálise em questões de poder, na desigualdade e na
ha. Tendem a ver a sociedade como algo que é com-
INo por diferentes grupos que lutâm pelos seus pró-
pioe interesses. A existência desta diferença de inte-
resses signifrca que o potencial para o conflito está
5ÊmpÌe presente e que determinados grupos ilão tiÍaÍ
mis benefício do que outros. Os teóricos do conflito
Íâlisrrm as tensões existentes enüe grupos dominan-
rs e desfavorecidos da sociedade, procuÍando com-
geender como se estabelecem e perpetuiìm as rela-
ções de controlo.
Os pontos de vista de muitos teóricos do conflito
t€mootam aos escritos de Man, cuja obra enfatizava
o mnflito de classes, muito embora outros sejam
igualmente influenciados por Weber. Um bom exem-
plo disto é o sociólogo alemão contemporâneo Ralf
Dahrendorf (1929
- ). No clássico Class and. Class
ConJlict in Industri.al Society (1959), Dahrendorf
&fende que os pensadores funcionalistas só tomam
O QUE E A SOCIOLOGIA? 17
em consideração uma parte da sociedade - aqueles
aspectos da vida social onde existe harmonia e con-
cordância. Mas tão ou mais importântes são os cam-
pos que se caracterizam pelo conflito e pela divisão.
De acordo com DabÌendorf, o conflito surge princi-
palmente do facto de os indivíduos e grupos terem
diferentes interesses. Marx concebia as diferenças de
inteÌesses sobÍetudo em função das classes, mas Dú-
rendorf relaciona-as de uma forma mais vasta com a
autoridade e o poder. Em todas as sociedades há uma
sepaÍação d€ interesses entre aqueles que detêm auto-
ridade e aqueles que estão em grande medida excluí-
dos dela, uma sepffação entre govemantes e gover-
nados, portanto.
Perspectivas da acção social
Se o funcionalismo e a perspectiva do conflito colo-
cam a tónica nas estruturas que sustentâm a socieda-
de e influenciam o comportâmento humano, as teo-
rias da acção social dão uma atenção muito maior ao
papel desempenhado pela acção e pela interacção dos
membros da sociedade na formação dessas estrutu-
ras. Aqui, o papel da Sociologia é visto como sendo
mais o da procura do significado da acção e da inte-
racção social, do que o da explicação das forças
extemas aos indivÍduos que os compelem a agir da
forma que agem. Se o funcionalismo e as perspect!
vas do conflito desenvolvem modelos relativos ao
modo de funcionamento global da sociedade, as teo-
rias da acção social centram-se na análise da maneira
como os âctores sociais se comportam uns com oS
outros e para com a sociedade.
Weber é frequentemente apontado como um dos
prirneiros defensores das perspectivas da acção
social. Embora recoúecendo a existência de estmtu-
ras sociais - como as classes, os paÍidos, os grupos
de prestígio. entre outrâs -, Weber afirmava que essas
estruturas eram criadas pelas acções sociais dos indi-
víduos. Esta posição foi desenvolvida de uma forma
mais sistemática pelo interaccionismo simbólico,
uma corrente de pensamento que se tomou pârticu-
larmente importante nos Estados Unidos da América,
O interaccionismo simbólico foi apenas influenciado
de forma indirecta por Weber. As suas origens mais
directas residem na obra do filósofo americano G. H.
Mead (1863-1931).

lSOOUEEASOCIOLOGIA?
I n t e rac c ionis m o s in bó li c o
O interaccionismo simbólico nasce de uma preocu-
pação com a linguagem e o sentido. Mead defendia
que a linguagem permite tornarmo-nos seres auto-
conscientes - cientes da nossa própria individualida-
de e capazes de nos vermos a partir de fora, como os
outros nos vêem. Neste processo o elemento-chave
reside no símbolo. Um símbolo é aÌgo que represen-
ta algo. Por exemplo, as palavras que usamos para
aludir a determinados objectos são, na verdade, sím-
bolos que representam o que queremos tlansmitrr.
A palavra <colheD é o símbolo que usamos para des-
crever o utgnsílio a que ÍecotÏemos
PaÌa comer sopa.
Gestos não-verbais ou outras formas de comunicação
são também exemplos de símbolos. Acenar a alguém
ou fazer um gesto grosseiro tem um valor simbólico.
Mead defendia que os seres humanos dependem de
símbolos panilhados e entendimentos comuns nas
suas intencções uns com os outrcs. Dado os seres
humanos viverem num universo aÌtamente simbólico.
praticamente todas as interacções entre os indivíduos
impÌicam um fluxo de símbolos.
O interaccionismo simbólico dirige a nossa aten
ção
paÍa os detalhes da interacção interpessoal, e para
a forma como esses detalhes são usados para conferir
sentido ao que os outros dizem e fazem. Os sociólo-
gos influenciados por esta corrente teórica centram
muitas vezes a sua atenção na interacção face-a-face
e nos contextos da vida quotidiana, realçando a
importância do papel dessas inteÍacções na criação da
sociedade e das suas instituiçôes.
Muito embora a perspectiva intemccionista simbó-
lica possa incluir muitas reflexões em tomo da natu-
reza das nossas acções na vida social quotidiana, já
foi criticada por ignorar questões mais amplas rela-
cionadas com o poder e a estrutura na sociedade e a
forma como ambos servem para constranger a acção
individual.
Conclusão
Como já vimos, a Sociologia engloba uma variedad€
de perspectivas teóricas. Por vezes a discordância
entre as diferentes posições teóricas é bastante exten-
sa, mas esta diversidade é um sinal da força e vitali-
dade da disciplina, e não uma fraqueza.
Todos os sociólogos concordam que a Sociologia é
uma disciplina em que nós pomos de lado os nossos
próprios modos de ver o mundo, para observarmos
cuidadÕsamente as influências que dão forma às nos-
sas vidas e às dos outros. A Sociologia emergiu, como
um esforço intelectual distinto, com o desenvolvi-
mentÕ das sociedades modemas, e o estudo desse tipo
de sociedades permanece a sua principal preocupação.
Mas os sociólogos estão igualmente interessados num
leque mais vasto de assuntos acerca da natureza da
interacção social e das sociedades humanas em geral.
A Sociologia não é apenas um campo intelectual
abstracto, mas algo que pode ter implicações prática.
importantes na vida das pessoas. Aprender a tomar-
mo-nos sociólogos não devia ser um esforço acadé-
mico aborrecido. A melhor maneira de nos assegurar-
mos que tal não acontece é abordar a disciplina de
uma forma imaginativa e relacionar ideias e conclu-
sões com situações da nossa própria vida.
Uma maneira de fazerrnos isso é tornarmo-nca
conscientes das diferenças entre os modos de vida qu.
nós nas sociedades modemas consideramos conr-
normais e os dos outros grupos humanos. Embora t-'
seres humanos tenham muito em comum. exislc=
muitas variações entre difercntes sociedades e cuÌr--
ras. Veremos algumas dessas semelhanças e difere:-
ças no capítulo seguinte, (Cultura e Soci€dade>.
Pode deÍlnir-se a Sociologia como sendo o estudo sistemático das socieda,=:
humanas, dando ênfase especial aos sistemas modernos, industdalizados.
A prática da Sociologia implica a capacidade para pensar de forma imaginanr = :
nos distanciarmos de ideias preconcebidas acerca da vida social.
A Sociologia é uma disciplina com grandes implicações práticas. Pode contnr-jr
de várias formas para a crítica social e para a aplicação de reformas sociais. Pia
começar, uma melhor compreensão de um determinado conjunto de circuns--o-
cias sociais oferece-nos muitas vezes a possibilidade de o controlar. Ao m:.=r

O QUE E A
tempo, a Sociologia fornece os meios para melhoralmos a nossa sensibilidade
cultuml, criando condições para que as políticas se baseiem numa consciência de
valores cultuÍais diferentes. Em termos práticos, podemos investigar as conse-
quências da adopção de determinadas liúas de orientação política. Por último, e
talvez o mais importante, a Sociologia permite auto-conhecimento, oferecendo
aos gmpos e aos indivíduos mais oportunidades pam alterar as condições em que
decorrem as suas próprias vidas.
- Sociologia surgiu como uma tentativa para compreender as mudanças radicais
que ocorreram nas sociedades humanas durante os últimos dois ou três séculos.
-As mudanças em causa não foram apenas mudanças em graade escala, mas tam-
bém trânsformações nas caracteísticas mais pessoais e íntimas da vida das pes-
soas.
Enne os fundadores clássicos da Sociologia, quatÍo figuras são particulamÌente
importaÍìtes: Auguste Comte, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Comte
e Marx, que trabalharam em meados do século XIX, estabeleceram algumas das
questões essenciais da Sociologia, mais tarde desenvolvidas por Durkheim e
Web€r. Estas questões dizem respeito à natureza da Sociologia e ao impacto das
mudanças resultantes da modernização no mundo social.
Há diversas abordagens teóricas em Sociologia. Se as discussões teóricas são difí-
ceis de solucionar mesmo no caso das ciências naturais, em Sociologia estamos
perante dificuldades acrescidas, dados os problemas complexos que envolvidos
quando se trata de estudar o nosso próprio comportamento,
O funcionalismo, a perspectiva do conflito e o interaccionismo simbólico consti-
tuem as principais abordagens teóricas na Sociologia. Existem algumas diferen-
ças básicas entre elas, diferenças que muito influenciaram o desenvolvimento da
disciplina durante o período que se seguiu ao pós-guena.
SOCIOLOG IA? 19
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