à retaguarda de regimentos depauperados, por ordem de um ex-secretário de Guerra, a nação
deu um grande suspiro de alívio. Quando, depois do colossal Congresso de Religiões, a
intolerância e o fanatismo foram enterrados em suas covas, e a bondade e a caridade
começaram a agregar seitas rivais, muitos acharam que os mil anos de paz e felicidade tinham
chegado, pelo menos no Novo Mundo, que, afinal, é em si um mundo inteiro.
Mas a autopreservação é a primeira lei, e os Estados Unidos contemplavam com tristeza e
impotência a Alemanha, a Itália, a Espanha e a Bélgica sofrerem com as desgraças da anarquia,
enquanto a Rússia, que assistia a tudo do Cáucaso, envolvia-as e capturava uma por uma.
Na cidade de Nova York, o verão de 1899 foi marcado pela demolição das linhas férreas
elevadas. O verão de 1900 viverá nas lembranças dos moradores da cidade por muito tempo; foi
nesse ano que removeram a estátua do Dodge. No inverno seguinte, iniciou-se a agitação pelo
fim das leis que proibiam o suicídio, que rendeu seu fruto definitivo em abril de 1920, quando a
primeira Câmara Letal do governo foi inaugurada na Washington Square.
Naquele dia, eu tinha caminhado da casa do dr. Archer, na Madison Avenue, onde estive por
mera formalidade. Desde que caí do cavalo, quatro anos atrás, às vezes sou importunado por
dores na cabeça e no pescoço, mas agora fazia meses que elas tinham desaparecido, e o médico
despediu-se de mim dizendo não haver mais nada em mim a ser curado. Eu nem devia precisar
pagar a consulta só para ouvir isso; eu mesmo já sabia. Mesmo assim, não me incomodei em
pagá-lo. O que me incomodou foi o erro que ele cometera no início. Quando me levantavam do
chão onde eu jazia inconsciente, alguém havia piedosamente metido uma bala na cabeça do meu
cavalo, e me levaram até o dr. Archer; e ele declarou que meu cérebro fora afetado e me
internou em seu manicômio particular, onde fui obrigado a me submeter a um tratamento para
insanidade. Por fim, ele decidiu que eu estava bem, e eu, sabendo que minha mente sempre
estivera tão boa quanto a dele, se não melhor, “paguei meus estudos”, como ele dizia brincando,
e fui embora. Sorrindo, eu disse-lhe que iria à forra pelo erro, e ele caiu na gargalhada e pediu
que eu telefonasse de vez em quando. Fiz isso, esperando por uma chance de acertar as contas,
mas ele não me dava, e eu lhe dizia que esperaria.
A queda do cavalo, felizmente, não deixou sequelas. Pelo contrário: melhorou a minha
personalidade. De um rapaz preguiçoso e mundano, tornei-me ativo, enérgico, equilibrado e,
acima de tudo, ah, acima de tudo mesmo, ambicioso. Só uma coisa me incomodava: eu ria da
minha própria ansiedade, e mesmo assim ela me incomodava.
Durante minha convalescência, comprei e li pela primeira vez O Rei de Amarelo
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. Lembro,
depois de terminar o primeiro ato, que me ocorreu que era melhor parar por ali. Arremessei o
volume na lareira, mas o livro bateu na grade protetora e caiu aberto no chão, iluminado pelas
chamas. Se não tivesse visto de passagem as primeiras linhas do segundo ato, eu nunca teria
terminado a leitura, mas, quando me levantei para pegá-lo, meus olhos grudaram na página
aberta, e com um grito de horror, ou talvez tenha sido de alegria, tão pungente que o senti em
cada nervo, afastei o objeto das brasas e voltei em silêncio e tremendo para meu quarto, onde o li
e o reli, e chorei, e ri e estremeci com um terror que às vezes ainda me assola. É isso que me
incomoda, pois não consigo me esquecer de Carcosa, onde estrelas negras pendem dos céus;
onde as sombras dos pensamentos dos homens se alongam ao entardecer, quando os sóis gêmeos
mergulham no lago de Hali
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; e minha mente guardará para sempre a lembrança da Máscara