Editição n. 5 Mai / Jun 2006 15
Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura / Journal of Theology & Culture
fugir. E depois, a título de elementos antropológicos, com os quais é preciso contar, numa análise
plausível do que é a existência humana.
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O que eu pretendo aqui, sem ter o tempo, nem os elementos para desenvolvê-lo, é que as
categorias de explicações, que procedem da filosofia da ciência e, especialmente, das que se
propõem a explicar a evolução biológica, podem servir, ao mesmo tempo, para explicar melhor
sem contradições e para tirar conclusões mais valiosas dessas afirmações do javista e de Paulo.
Conservando o que poderíamos chamar de idéia fundamental, podem, como a própria Igreja pede,
prescindir de tipos de pensamento fixistas, que foram superados e que não permitem perceber toda a
plausibilidade do que os autores inspirados, na realidade, quiseram consignar por escrito (mesmo
que lhes faltasse o instrumento intelectual adequado na cultura que conheciam).
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Apenas para que o leitor compreenda a que me refiro com esse exemplo, tentarei resumir,
brevemente, o que um pensamento surgido dessa extensão filosófica das experiências científicas
a teoria da evolução pode explicar melhor no caso do javista e de Paulo. Em primeiro lugar,
explicará melhor como uma criação recém-saída das mãos de Deus, fresca e intacta, encaminhada
para ser material da criação humana, começa com o desencadeamento de forças primitivas da vida,
que, olhadas a partir do hoje humano, pareceriam imperfeições e sofrimentos, que deveriam ser
castigo de algo ou, então, resultado de uma maldade incompreensível do próprio Deus, que teria
podido evitá-las (não esqueçamos que o homem de hoje, mesmo ciente dos argumentos da teoria
evolutiva, mantém um pensamento fixista para seu uso diário...). A criação, em sua viagem até o
homem, não para pisá-lo, mas para ir tornando cada vez mais importantes, decisivos e propriamente
criativos, a liberdade e os projetos de amor dos homens, ao fazê-los cada vez mais interdependentes,
de alguma maneira aumenta a dose de dor com a qual os homens devem defrontar-se no mundo
criado. Forçosamente. Por acaso, amar não é tornar-se dependente de uma pessoa que, quanto mais
amada, mais pode causarnos uma dor maior? Se não existisse a dor, e se cada um de nós não a
pudéssemos evitar aos demais, por meio de projetos de injustiça, solidariedade e amor, cada um de
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Não se trata de uma casualidade o fato de que um homem tão afastado do pensamento cristão,
como S. Freud, fale das origens infantis do desejo em termos de “pecado” ou, se se prefere, de
“imoralidade”: o “perverso polimorfo”. É verdade que seu interesse vai sublinhar mais o adjetivo
do que o substantivo (adjetivado), uma vez que lhe interessa mostrar as diferentes e
disfarçadas formas que toma a libido na primeira etapa da infância. Mas, mesmo assim, o
qualitativo de “perverso” faz alusão a que essa criança, considerada “inocente” (pelo sentido
comum, não pela teologia), conhece apenas os limites impostos desde fora para seus desejos. É
ainda um gesto egoísta total. Somente mais tarde a “realidade” ensina-lhe a fazer rodeios cada
vez maiores em busca de satisfações mais seguras, e é nesses rodeios onde encontra e começa
a respeitar e depois a amar de verdade outras pessoas, solidarizando-se com elas.
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Indico ao leitor, curioso de saber como e quando é válida e mesmo necessária a reformulação e
reforma das fórmulas dogmáticas, a instrução Mysterium Ecclesiae, da Congregação (Romana)
para a Doutrina da Fé, onde se lê (entre outros motivos para essas necessárias reformulações):
“Acontece... não poucas vezes, que uma verdade dogmática expressa-se primeiramente de
modo incompleto, mas não falso; e, mais tarde, vista num contexto mais amplo da fé e dos
acontecimentos humanos, expressa-se mais perfeita e plenamente”. A instrução, escrita sob o
pontificado de Paulo VI, traz a assinatura do cardeal prefeito F. Seper. O grifo é meu, pois de
todas as razões dadas ali, esta é a que leva em conta, positivamente, a contribuição do
progresso científico ao “aperfeiçoamento” da verdade dogmática.