Capítulo 2 – FILOSOFIA JURÍDICA 237236 CURSO DE FILOSOFIA JURÍDICA – 2ª EDIÇÃO
pressuposto, para o jusfilósofo em comento, corresponde à autorização de
competência ao legislador constituinte primário, para inaugurar um novo
sistema de direito.
Acerca das fontes jurídicas, de outro lado, o professor italiano as con
-
ceitua como todos os fatos e atos que alimentam a atividade jurígena
728
. O
conceito operacional é dado no plural porque não existem concretamente
ordens jurídicas simples, isto é, em que há apenas uma única origem do
direito, como naqueles exemplos meramente didáticos, em que aparecem
somente os personagens do legislador, que estabelece as regras, e do súdito,
que as recebe para cumprimento
729
.
Logo, o referido autor admite a complexidade do ordenamento jurí
-
dico, sob o argumento de que sua composição recebe influxos normativos
de diversos canais
730
, por dois motivos fundamentais, consistentes em, a
um, limite externo, que é a recepção pelo estado de normas preexistentes na
sociedade, ainda que de conotação moral, religiosa, costumeira etc
731
; e, a
dois, limite interno, o qual se refere à necessidade do poder soberano delegar
competência legiferante a órgãos e pessoas, com vistas a viabilizar atualização
normativa, a exemplo da criação de agências reguladoras, dos poderes nego
-
ciais conferidos aos particulares etc
732
.
Tais limitações, embora conformem fronteiras ao sistema jurídico, não
afastam a sua qualidade unitária, pois mesmo as regras delegadas reportam,
728. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 208: “Podemos
aqui aceitar uma definição que se tornou comum: ‘fontes do direito” são aqueles fatos e aqueles atos de
que o ordenamento jurídico depende para produção de normas jurídicas” .
729. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 201: “Podemos
distinguir os ordenamentos jurídicos em simples e complexos, conforme as normas que os compõem sejam
derivadas de uma única fonte ou de várias fontes. Os ordenamentos jurídicos que constituem a nossa ex-
periência de historiadores e de juristas são complexos. A imagem de um ordenamento composto de apenas
dois personagens, o legislador, que põe as normas, e os súditos, que as recebem, é puramente didática” .
730. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 202: “A com-
plexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta em
qualquer sociedade é tão grande que não existe poder (ou órgão) capaz de satisfazê-la sozinho” .
731. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 205: “1. ne-
nhum ordenamento nasce num deserto; metáforas à parte, a sociedade civil em que se vai formando um
ordenamento jurídico, como o do Estado, não é uma sociedade natural, absolutamente desprovida de
leis, mas uma sociedade em que vigem normas de vários tipos, morais, sociais, religiosas, comporta-
mentais, costumeiras, convencionais e assim por diante. O novo ordenamento que surge nunca elimina
completamente as estratificações normativas que o precederam: parte daquelas regras passa a integrar,
através de uma recepção expressa ou tácita, o novo ordenamento, que, desse modo, surge limitado pelos
ordenamentos anteriores. […] Podemos falar nesse caso de um limite externo do poder soberano” .
732. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 205-206: “Nes-
se caso, a multiplicação das fontes não deriva, como nos casos considerados sub 1, de uma limitação
proveniente do exterior, ou seja, do choque com uma realidade normativa pré-constituída, com que
também o poder soberano se deve deparar, mas de uma autolimitação do poder soberano, que subtrai a
si mesmo uma parte do poder normativo para atribuí-lo a outros órgãos ou organismos, de algum modo
dependentes dele. Pode-se falar nesse caso de limite interno do poder normativo originário” .
em última instância, à norma fundamental única
733
.
Quarto, no concernente à coerência do ordenamento jurídico, a di
-
ficuldade ocorre principalmente quando duas ou mais normas manifestam
incompatibilidade entre si e, por isto, não podem coexistir harmonicamente
dentro do mesmo sistema normativo, sob pena de acarretarem incertezas, por
dificultarem a previsibilidade das consequências de determinadas condutas
734
.
Notadamente, a ordem jurídica constitui um sistema justamente
porque as normas que a compõem são coerentes umas com as outras, for
-
mando um todo íntegro
735
. Destarte, o direito deve conter mecanismos que
permitam a resolução de eventuais inconsistências, mediante exclusão dos
preceitos conflitantes, para fins de viabilizar a segurança jurídica
736
.
O fenômeno da incompatibilidade entre duas ou mais normas do mesmo
ordenamento jurídico, com relação a pelo menos dois de seus âmbitos de va
-
lidade (temporal, espacial, pessoal e/ou material), é tecnicamente chamado de
antinomia
737
. As antinomias que podem ser suprimidas mediante o emprego
de critérios fornecidos pelo sistema são chamadas de meramente aparentes, en
-
quanto aquelas que não comportam solução dentro do sistema são designadas
de reais
738
. Cabe, então, apresentar a versão bobbiana de como se deve portar
o Jurista positivista quando diante de cada uma dessas hipóteses.
As antinomias aparentes, como a própria nomenclatura indica, podem
ser resolvidas mediante a aplicação de três critérios clássicos da doutrina jus
-
positivista, consistentes na prevalência hierárquica da regra superior sobre a
733. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 207: “Quando
falamos de uma complexidade do ordenamento jurídico, decorrente da presença de fontes reconhecidas
e de fontes delegadas, acolhemos e reunimos numa teoria unitária do ordenamento jurídico tanto a
hipótese dos limites externos quanto a dos limites internos” .
734. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 269: “Quando
existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e, portanto, ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico
não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com
exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como igual tratamento
das pessoas que pertencem à mesma categoria” .
735. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 231: “Entende-
mos por ‘sistema’ uma totalidade ordenada, ou seja, um conjunto de organismos, entre os quais existe
uma certa ordem. […] Pois bem, quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um
sistema, perguntamo-nos se as normas que o compõem estão em relação de compatibilidade entre si e
em que condições é possível essa relação” .
736. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 239: “[...] diz-se
que um ordenamento jurídico constitui um sistema porque nele não podem coexistir normas incompatí-
veis. Nesse caso, ‘sistema’ equivale a validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas. Se
num ordenamento passam a existir norma incompatíveis, uma das duas ou ambas devem ser eliminadas” .
737. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 246: “Após
esses esclarecimentos, podemos redefinir antinomia jurídica como aquela situação que se verifica entre
duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e com o mesmo âmbito de validade” .
738. BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 250.