OS ARDIS E O ROMANCE
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Jay, de Bath, senhor", disse o estudante. Ora, Jay foi um famoso pregador em Bath, nos
primórdios do século passado, e alguns de seus sermões haviam sido impressos em dois
volumes. "Espere um minuto", disse Spurgeon. E, voltando -se para a sua biblioteca,
puxou de uma estante um de seus volumes. E lá estava o sermão, o sermão exato — o
mesmo texto, as mesmas divisões, tudo era a mesma coisa! Que sucedera? O fato é que o
Sr. Spurgeon também pregara um sermão de William Jay, e chegara mesmo a imprimi -lo,
juntamente com outros sermões propriamente seus. A única explicação do Sr. Spurgeon
para isso é que já se tinham passado muitos anos desde que ele lera os dois volumes de
sermões de Jay, esquecendo-se inteiramente daquele sermão em particular. Podia dizer,
com toda a honestidade, que não tinha consciência do fato que, ao pregar aquele sermão,
estava pregando um dos sermões de William Jay. Estava registrado inconscientem ente
em sua memória. O estudante foi absolvido da acusação de estar pregando um dos
sermões do Sr. Spurgeon, apesar do que continuava culpado de plágio!
Existe uma outra história muito boa, que repito aqui para consolo de qualquer
pregador em necessidade, ou de qualquer homem em estado de desespero — os
pregadores leigos em particular. Trata-se de outro episódio que envolve Spurgeon, o qual,
conforme é conhecido, era dado a fases de depressão. Ele sofria de gota, e essa condição
com freqüência é acompanhada por certo elemento de depressão. Durante um daqueles
períodos, Spurgeon sentia-se tão deprimido que sentia que não era capaz de pregar, e, de
fato, que não era apto para pregar. Portanto, recusou-se a pregar no Tabernáculo, no
domingo seguinte, e retirou-se para o interior do país, para sua antiga casa em Essex. No
domingo pela manhã ele se arrastou até um assento, no fundo de um minúsculo templo,
onde freqüentara a igreja quando menino. Um pregador leigo estava pregando naquela
manhã, e o pobre homem passou a pregar um dos sermões impressos do Sr. Spurgeon.
No momento em que o bom homem terminou Spurgeon precipitou -se para ele, com
lágrimas a verter-lhe rosto abaixo, e agradeceu-lhe profusamente. O pobre homem disse:
"Sr. Spurgeon, não sei como olhá-lo de frente. Acabo de pregar um de seus sermões".
"Não me importa de quem é o sermão", disse o Sr. Spurgeon, "pois tudo quanto sei é que
a sua pregação desta manhã me convenceu de que sou um filho de Deus, de que estou
salvo pela graça, de que todos os meus pecados estão perdoados, e de que fui chamado
para o ministério; e estou pronto para voltar e começar a pregar novamente". Seu próprio
sermão, através dos lábios, da boca e da língua daquele pregador leigo, fizera aquele
milagre para ele. Segundo eu penso, esta é a única justificativa para tal prática.
Não obstante, seja-me permitido adverti-lo para que exerça cautela. Atravessei o
Adântico, em 1937, na companhia do querido e idoso santo e evangelista, Mel Trotter, de
Grand Rapids. Após uma vida de pecado e op róbrio, ele se convertera de maneira
gloriosa, tendo-se tornado superintendente de uma grande obra e da Rescue Mission Hall
(Missão de Auxílio aos Marginais). Contou-me com grande satisfação o seguinte episódio.
Estivera trabalhando arduamente durante certa semana, falando, organizando a obra e
aconselhando a muitas pessoas em dificuldade. Ora, ele não era um homem estudioso, e
não tivera muito tempo para preparar -se devidamente para o domingo. Já tinha
preparado seu sermão para o domingo à noite, mas simplesmente não podia pensar em
coisa alguma para o culto matinal. Teve de recolher-se ao leito, no sábado à noite,
naquele estado intranqüilo, sem um sermão sequer para o domingo pela manhã. Por
conseguinte, levantou-se bem cedo, na manhã de domingo; mas mes mo assim nada lhe
ocorria, e ele não sabia o que fazer. Finalmente, em desespero, resolveu que teria de
pregar um dos sermões de seu amigo, o Dr. G. Campbell Morgan. Portanto, subiu ao
púlpito e dirigiu a reunião da maneira usual — hinos, leitura bíblica, orações, etc.
Quando a congregação estava a pique de terminar o hino antes do sermão, Mel Trotter
viu abrir-se uma porta nos fundos do edifício, e, para seu total desalento, entrou
Campbell Morgan e sentou-se nas últimas fileiras de bancos! Nada mais restava para
ser feito, e Mel Trotter pregou o sermão. Terminada a reunião, Campbell Morgan dirigiu-
se a ele e agradeceu-lhe calorosamente pelo sermão. "Que é isso?", disse Mel Trotter,
"você não reconhece um de seus próprios filhos, simplesmente porque desta vez está
com uma roupagem minha?"
No ano de 1936, no segundo domingo de agosto, estávamos gozando um dia de
feriado, em família, na porção oeste do País de Gales. A única igreja que ali existia era a
igreja anglicana, pelo que fomos até ali com o fazendeiro e sua esposa, com quem
estávamos hospedados. Quando, eventualmente, o pastor subiu ao púlpito para pregar o
sermão, e anunciou o seu texto, então minha esposa fez-me um aceno, porquanto, na
realidade, aquele havia sido o primeiro texto acerca do qual eu pregara na Capela de
Westminster, na ocasião de minha primeira visita que fiz ao lugar, no último domingo de
1935. Por essa causa, suponho, e porque eu era um estranho nos púlpitos londrinos,
aquele meu sermão fora impresso em dois ou três jornais e periódicos religiosos; e a
minha esposa, tendo lido os mesmos, conhecia perfeitamente bem aquele sermão. O
pastor anunciou o texto, e começou a pregar. Lamento ter de dizer que ele tentou pregar
o meu sermão; e ali achava-me eu, ouvindo-o. Ele não me conhecia, e nunca me vira
antes. Fiz o que estava ao meu alcance para evitar encontrar-me com ele, durante a
semana que se seguiu, mas o nosso hospedeiro fazendeiro trouxe-o até nossa sala, um
dia, e fez as devidas apresentações entre nós. Embora eu não tivesse fica do
impressionado pela maneira como ele manuseara o meu sermão, era mister que eu
agora lhe desse a nota máxima, devido à maneira como manipulou a situação! Sem
demonstrar qualquer embaraço, ele olhou-me diretamente nos olhos, e disse: "Alegro-me
por conhecê-lo, pois tenho ouvido falar a seu respeito por muitas vezes. Se ao menos eu
soubesse que você estava aqui, ter-lhe-ia pedido que oferecesse a mensagem no culto".
"Verdadeiramente, ele já têm seu galardão"; eu não o traí. Mas isso é o que poderá
acontecer com você, se pregar os sermões de outrem.
Minha esposa sabe duma história que ilustra um outro perigo possível. Dois
pregadores vieram, em dois domingos sucessivos, pregar na igreja da qual ela era
membro, e pregaram o mesmíssimo sermão. A pergunta era: Qual deles era o seu autor?
A resposta provável é — nem um nem outro. A maior probabilidade é que ambos
tomaram-no por empréstimo, ou melhor ainda, plagiaram -no. Mas é assim que aca-
bamos sendo apanhados. Mais um comentário — alterar o texto não basta! Qualquer
ouvinte dotado de discriminação será capaz de detetar o que você estiver fazendo quanto
a isso.