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Primeiras palavras
Professora-tia: a armadilha
Termino de ler a primeira cópia, como geralmente chamamos o exemplar
impresso, pronto, morno ou ainda quente, do livro que findamos de escrever. Esse
exemplar que nos chega às mãos antes mesmo que a edição vá para as livrarias. Refiro-
me à “Pedagogia da esperança, um reencontro com a Pedagogia do oprimido” que a Paz
e Terra lançou em dezembro de 1992.
O título deste livro, “Pedagogia da esperança”, não foi uma escolha antecipada,
como às vezes ocorre com livros que escrevemos. Nasceu nas conversas com amigos, entre eles Werner Linz, seu editor norte-americano, em torno do próprio movimento
que a redação do texto geralmente vai imprimindo ao pensamento de quem escreve.
Neste caso, que a redação do texto veio insinuando a meu pensam ento no trato com a
“Pedagogia do oprimido”. É que, na verdade, escrever não é um puro ato mecânico,
precedido de um outro, que seria um ato maior, mais importante, O ato ele pensar
Ordenadamente, organizadamente, sobre um certo objeto, em cujo exercício o sujeito
pensante, apropriando-se da significação mais profunda do objeto sendo pensado, termina por apreender a sua razão de ser. Termina por saber o objeto. A partir daí,
então, o sujeito pensante, num desempenho puramente mecânico, escreve o que sabe e
sobre o que pensou antes. Não! Não é bem assim que se são as coisas. Agora mesmo,
no momento exato em que escrevo sobre isto, quer dizer, sobre as relações pensar,
fazer, escrever, ler, pensamento, linguagens, realidade, experimento a solidariedade
entre esses diversos momentos, a total impossibilidade de separá-los, de dicotomizá-los.
Se isto não significa que após pensar, ou enquanto penso, eu deva
automaticamente escrever, isto significa, porém, que ao pensar guardo em meu corpo
consciente e falante, a possibilidade de escrever da mesma forma que, ao escrever, continuo a pensar e a repensar o pensando-se como o já pensado.
Esta é uma das violências que o analfabetismo realiza – a de castrar o corpo
consciente e falante de mulheres e de homens, proibindo-os de ler e de escrever, com o
que se limitam na capacidade de, lendo o mundo, escrever sobre sua leitura dele e, ao
fazê-la, repensar a própria leitura. Mesmo que não zere as milenar e socialmente criadas
relações entre linguagem, pensamento e realidade, o analfabetismo as mutila e se constitui num obstáculo à assunção plena da cidadania. E as mutila porque, nas culturas letradas, interdita analfabetos e analfabetas de completar o ciclo das relações entre
linguagem, pensamento e realidade, ao fechar a porta, nestas relações, ao lado
necessário da linguagem escrita. É preciso não esquecer que há um movimento
dinâmico entre pensamento, linguagem e realidade do qual, se bem assumido, resulta uma crescente capacidade criadora de tal modo que, quanto mais vivemos integralmente
esse movimento tanto mais nos tornamos sujeitos críticos do processo de conhecer, de
ensinar, de aprender, de ler, de escrever, de estudar.
No fundo, estudar, na sua significação mais profunda, envolve todas estas
operações solidárias entre elas. O importante agora é deixar claro, e em certo sentido,
repetindo-me um pouco, que o processo de escrever que me traz à mesa, com minha
caneta especial, com minhas folhas de papel em branco e sem linhas, condição
fundamental para que eu escreva, começa antes mesmo que eu chegue à mesa, nos