Psicoterapia fenomenologica existencial

erikarenata 19,126 views 117 slides Nov 14, 2012
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Slide Content

1
Dr. Thomé Eliziário Tavares Filho
Psicoterapia Fenomenológica
Existencial
Organizador:
Prof. Dr. Thomé Eliziário Tavares Filho
Filósofo, Psicanalista, Teólogo,
Psicopedagogo,
Mestre e Doutor em Psicologia

2
Apresentação
Temos o imenso prazer de apresentar aos alunos do 10º período do
Curso de Psicologia Clínica da Faculdade Martha Falcão,
o presente compêndio com recortes de textos, que se configuram como o ementário básico
da disciplinaTerapia Fenomenológica Existencial,
que representa uma das ferramentas poderosa para a
prática clínica psicoterápica, que de certo, alivia o sofrimento psíquico dos pacientes
que convivem com as tensões psicossociais nas suas crises existenciais, desde a
adolescência até a terceira idade. Autores como Rollo May, Abraham Maslow, Carl
Rogers, Frederick Perls, Kiierkegaard, Russerl , Heidegger e Kurt Lewin entre outros,
representam o que há de melhor nessa linha de pesquisa da Terapia Fenomenológica
Existencial, cujas produções e saberes na área de Saúde Mental, muito contribui para a
formação profissional dos alunos do Curso de Psicologia Clínica.
Professor Doutor Thomé Eliziário Tavares Filho

3
Sumário
Capítulos Assuntos Páginas
Apresentação 1
Sumário 2
1 Terapia Existencial Humanista. 4
2 Fenomenologia Existencial 6
3 O Humanismo Existencial 9
4 A Psicologia Humanista 17
5 A Fenomenologia de Russerl 21
6 O Existencialismo de Martin Heidegger 25
7 O Existencialismo Moderno de Jean Paul Sartre 30
8 O Existencialismo de Soren Kiierkegaard 39
9 Gestalt na perspectiva Existencial 42
10 Gestalterapia de Frederick Persl 47
11 A Teoria do Campo de Kurt Lewin 57
12 A Psicologia da Consciência de William James 60
13 A Terapia Centrada no Cliente de Carl Rogers 70
14 A Psicologia da Motivação de Abraham Maslow 84
15 A Fenomenologia Psicanalítica de Alfred Adler 84
16 O Inconsciente Coletivo Carl Gustav Jung 89
17 O homem à procura de si mesmo, segundo Rollo May 96
18 A função dos Valores 110
19 Piaget e a Teoria do Desenvolvimento Moral 112
20 Erik Eriksson e o desenvolvimento Psicossocial 114
21 Considerações finais 116
22 Referências 117

4
Capítulo I
TERAPIA EXISTENCIAL -HUMANISTA
por Sergio M. de Miranda e Regina Sonia Rodrigues
em 14/5/2008
Ao final da Segunda Guerra Mundial a Psicologia era dominada, nos E.U.A. pelo
“behaviorismo” (conhecida como a “primeira força”) e, na Europa, pela psicanálise
(conhecida como a “segunda força”). Contra a visão de um “homem doente” apresentada
pela psicologia de então, surgiram uma série de vozes discordantes que buscavam novos
caminhos para a Psicologia, tendo como pontos essenciais:
a)ênfase na experiência consciente;
b)crença na globalidade do Ser Humano e em sua conduta;
c)valorização do livre arbítrio, no poder criativo individual e na espontaneidade;
d)abrangência global de todo os aspectos relevantes para o Ser Humano.
Abraham. Maslow, Erich Fromm, Rollo May, Karen Horney, Gordon Allport, Angyal,
Goldstein, Victor.Frankl, Carl R.Rogers, F. S. Perls e outros propõem umavisão alternativa
valorizando as forças e virtudes positivas do homem. Em 1961 o novo movimento--
conhecido como Psicologia Existencial–Humanista-- se formaliza com a fundação de uma
publicação e, no ano seguinte, de uma Associação. Em menos de 10 anos, tornar-se-ia parte
integrante da Psicologia, conhecida como a “terceira força”.
Afirmava Maslow que a Psicologia Humanista era “uma nova filosofia de vida, uma
nova concepção do homem”.
Um ponto central na psicologia existencial-humanistaé o respeito, a valorização do
“homem em pessoa”, em contraste com como “homem em geral” valorizado por outras
abordagens (Nota 1). Essa ênfase sobre a pessoa humana, sobre o indivíduo em sua
totalidade e unicidade é uma característica central da Psicologia Existencial-Humanista
(Nota 2). Mais além do indivíduo, enfatiza a importância do relacionamento Eu-Tu no
crescimento da personalidade.
Matson (1975) destaca a importância de:
Abraham Maslow, considerado como o “pai espiritual” domovimento humanista;
Gordon Allport, o teórico da personalidade e herdeiro de William James;
[SMM1] Comentário:
[SMM2] Comentário:
[SMM3] Comentário:
[SMM4] Comentário:

5
Rollo May que introduziu a abordagem existencial na psicologia norte-americana;
Carl Rogers, com o “respeito incondicional” pelo cliente se assemelha a Paul
Tillich;
Erich Fromm, que se mudou da psicanálise para a Filosofia Social;
Henry A Murray, mestre do humanismo;
Charlotte Bühler, que enfatizou a importância dos valores-metas no curso da vida
humana
entre muitos outros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GREENING, T.C. (1975).Psicologia Existencial-humanista. Rio de Janeiro: Zahar.
MATSON, F. W. (1975). Teoria Humanista: a terceira revolução em Psicologia. IN
Greening .Psicologia Existencial-humanista. Rio de Janeiro: Zahar. p.67-82

6
Capítulo II
Fenomenologia Existencial
Introdução. O Existencialismo difundiu-se como o pensamento mais
radical a respeito do homem na época contemporânea. Surgiu em
meados do século XIXcom o pensador dinamarquêsKierkegaard e
alcançou seu apogeu após a Segunda Grande Guerra, nos anos cinqüenta e sessenta,
comHeidegger eJean-Paul Sartre.
A corrente existencialista assimilou ainda uma influência dafenomenologia cuja
figura principal,Husserl, já citado, propõe a descrição dos fenômenos tais como eles
parecem ser, sem nenhum pressuposto de como eles sejam na verdade. Para o
existencialismo, a fenomenologia de Husserl significou um interesse novo no
fenômeno da consciência.
Reunindo as sínteses do pensamento de cada um desses filósofos podemos listar os
postulados principais dessa corrente filosófica que são:
1. A primeira é o ser humano enquanto indivíduo, e não com as teorias gerais sobre o
homem. Há uma preocupação com o sentido ou o objetivo das vidas humanas, mais
que com verdades científicas ou metafísicas sobre o universo. Assim, a experiência
interior ou subjetiva- e aí está a influência da fenomenologia- é considerada mais
importante do que a verdade "objetiva", um fundamento igual à da filosofia oriental.
2. O homem não foi planejado por alguém para uma finalidade, como os objetos que
o próprio homem cria, mediante um projeto. O homem se faz em sua própria
existência.
3. O mundo, como nós o conhecemos, é irracional e absurdo, ou pelo menos está além
de nossa total compreensão; nenhuma explicação final pode ser dada para o fato de
ele ser da maneira que é;
4. A falta de sentido, a liberdade conseqüente da indeterminação, a ameaça
permanente de sofrimento, da origem à ansiedade, à descrença em si mesmo e ao
desespero; há uma ênfase na liberdade dos indivíduos como a sua propriedade
humana distintiva mais importante, da qual não pode fugir
Kierkegaard. O dinamarquêsSoren Aabye Kierkegaard (1813-1855), encontra sua
posição filosófica ao insurgir-se contra posições aristotélicas remanescentes na
filosofia, o que faz opondo-se à filosofia deHegel (1770- 1831). Kierkegaard não só
rejeitou o determinismo lógico de Hegel (tudo está logicamente predeterminado para
acontecer) como sustentou a importância suprema do indivíduo e das suas escolhas
lógicasou ilógicas.
Kierkegaard contribuiu com a idéia original do existencialismo de que não existe
qualquer predeterminação com respeito ao homem, e que esta indeterminação e
liberdade levam o homem a uma permanente angústia.
Segundo Kierkegaard, o homem tem diante de si várias opções possíveis, é
inteiramente livre, não se conforma a um predeterminismo lógico, ao qual, segundo
Hegel, estão submetidos todos os fatos e também as ações humanas. A verdade não é
encontrada através do raciocínio lógico, mas segundo a paixão que é colocada na

7
afirmação e sustentação dos fatos: a verdade é subjetividade. A conseqüência de ser a
verdade subjetiva é que a liberdade torna-se ilimitada. Consequentemente não se
pode, também, fazer qualquer afirmativa sobre o homem. O pensamento fundamental
de Kierkegaard, e que veio a se constituir em linha mestra do Existencialismo, é este:
inexiste um projeto básico, para o homem verdadeiro, uma essência definidora do
homem porque cada um se define a si mesmo e assim é uma verdade para si.Daí o
moto conhecido que sintetiza o pensamento existencialista: "no homem, a existência
precede a essência"
No caminho da vida há várias direções, vários tipos de vida a escolher, dentro de três
escolhas fundamentais: o modo de vida estético, do indivíduo que não busca senão
gozar a vida em cada momento; o modo ético, do indivíduo que é maquinalmente
correto com a família e devotado ao trabalho, e o modo religioso dentro de uma
consciência de fé.
A liberdade, segundo ele, gera no homem a angústia que podelevá-lo, de várias
formas, ao desespero Então, cada decisão é um risco, o que deixa a pessoa
mergulhada na incerteza, pressionada por uma decisão que se torna angustiante.
Como no modo de vida estético, ele escolhe fugir dessa angústia e do desespero
através do prazer e de buscar a inconsciência de quem ele é. Outra forma de fuga é
ignorar o próprio eu, tornar-se um autômato, apegar-se a um papel, como no modo de
vida ético.
Heidegger. O filósofo alemãoMartin Heidegger (1889-1976) declarou-se um
investigador da natureza do Ser. Heidegger contribuiu com seu pensamento sobre o
ser e a existência, de onde o nome dado à corrente filosófica de "Existencialismo".
A angustia tem, no pensamento de Heidegger, origem diversa da liberdade. Para ele a
angústia resulta da falta da precariedade da base da existência humana. A "existência"
do homem é algo temporário, paira entre o seu nascimento e a morte que ele não pode
evitar. Sua vida está entre o passado (em suas experiências) e o futuro, sobre o qual
ele não tem controle, e onde seu projeto será sempre incompleto diante da morte
inevitável.
Como uma filosofia do tempo, o existencialismo exorta o homem a existir
inteiramente "aqui" e "agora", para aceitar sua intensa "realidade humana" do
momento presente. O passado representa arquivos de experiências a serem usadas no
serviço do presente, e o futuro não é outra coisa que visões e ilusões para dar ao nosso
presente direção e propósito..
Portanto, no homem, o ser está relacionado ao tempo e está dado,- existe-, em três
fenômenos, três "existenciais" que caracterizam como as coisas do passado, do
presente e do futuro se manifestem para o homem e a unidade desses três fenômenos
constitui a estrutura temporal que faz a existência inteligível, compreensível. São a
afetividade, com que se liga ao passado pelo seu julgamento; a fala, com que se liga
ao presente, e o entendimento, que é a inteligência com que lida com o seu futuro,
com a angústia de sua predestinação à morte. Não podemos nos submeter a
condicionamentos de nosso passado; não podemos permitir que sentimentos,
memórias, ou hábitos se imponham sobre nosso presente e determinem seu conteúdo
e qualidade. Nós também não podemos permitir que a ansiedade sobre os eventos
futuros ocupem nosso presente, tirem sua espontaneidade e intensidade. Não podemos
permitir que nosso "aqui e agora" seja liquidado

8
Na angústia, o homem experimenta a finitude da sua existência humana. Todas as
coisas supérfluas em que estava mergulhado se afastam deixando-o a nú, como uma
liberdade para encontrar-se com sua própria morte (das Freisein für den Tod), um
"estar preparado para" e um contínuo "estar relacionado com" sua própria morte (Sein
zum Tode). Essa visão existencial do homem, em que ele se conscientiza das
estruturas existenciais a que está condicionado e que o tira da superficialidade em que
desenvolve seus conflitos tornou-se sedutora para a psiquiatria.
A angústia funciona para revelar o ser autêntico, e a liberdade (Frei-sein) enseja o
homem a escolher a si mesmo e governar a si mesmo.
Sartre. Heidegger e Sartre foram os dois mais importantes filósofos da corrente
existencialista. Ambos foram profundamente influenciados pela filosofia deEdmund
Husserl, afenomenologia, e desenvolveram um método fenomenológico como base
de suas respectivas posições filosóficas. Sartre contribuiu com mais pensamentos
sobre a liberdade e chefiou dentro do movimento uma corrente ateísta.
Para Jean-Paul Sartre (1905-1980), a idéia central de todo pensamento existencialista
é que a existência precede a essência. Não existe nenhum Deus que tenha planejado o
homem e portanto não existe nenhuma natureza humana fixa a que o homem deva
respeitar. O homem está totalmente livre é o único responsável pelo que faz de si
mesmo. E são para ele, assim como havia colocado Kierkegaard, esta liberdade e
responsabilidade é a fonte daangústia,
Sartre leva o indeterminismo às suas mais radicais conseqüências. Porque não há
nenhum Deus e portanto nenhum plano divino que determina o que deve acontecer,
não há nenhum determinismo. O homem é livre. Não pode desculpar sua ação
dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado
de alguma maneira a fazer o que ele faz.
O pensamento de Sartre, contido em seus romances e peças de teatro e em escritos
filosóficos influenciou fortemente os intelectuais franceses, entre eles Gabriel Marcel,
que desenvolveu sua filosofia no âmbito do catolicismo romano, tornando-se um
expoente do existencialismo cristão. Gabriel Marcel. Apesar do precursor do
existencialismo,Soren Kierkegaard, ser profundamente cristão, os principais filósofos
que o desenvolveram e divulgaram,Martin Heidegger eJean-Paul Sartre, eram ateus,
com uma filosofia materialista, bastante pessimista e atéia. Surgiu porém uma
corrente existencialista cristã, sendo o principal filósofo dessa corrente o filósofo
Gabriel Marcel.
A psicanálise e a terapia existencial. Ao definir causas de estados mentais como a
angústia e o desespero, Kierkegaard criou um elo com a psicologia Este elo
prevaleceria e se fortificaria no futuro, com as posições de Sartre e sua crítica à
psicanálise, com as posições deGabriel Marcel e finalmente com a adesão a essas
duas linhas, respectivamente, de psiquiatras ateus e psiquiatras cristãos. A partir das
idéias filosóficasexistenciais, psicoterapeutas comoRonald David Laing, na corrente
materialista de Sartre, eViktor Emil Frankl, na corrente religiosa de Gabriel Marcel,
propuseram práticas psicoterápicas originais.

9
Capítulo 3
O Humanismo Existencial
1- O EXISTENCIALISMO COMO FILOSOFIA DA CRISE
"A volatização progressiva da idéia de Deus e a divinização deformadora da idéia do Homem
deram nesta visão falseada das coisas, responsável, no domínio profundo da inteligência, pela
crise da civilização contemporânea". Estas palavras lapidares, com que o Pe. Leonel Franca
sintetiza toda a etiologia da "Crise do Mundo Moderno"(1) são absolutamente válidas para a
explicação do Existencialismo como filosofia da crise, por que nascida sob o signo fatídico de
duas profundas crises; a crise da pensamento filosófico ocidental e a crise da própria
civilização contemporânea.
A primeira, que teve início em fins do século XIX, está representada pela Crise do
Racionalismo. Este se impusera como concepção mecanicista ou logicista do Universo,
expressa em soberbos sistemas filosóficos que, a partir de Descartes, dominaram o pensamento
ocidental durante muitos anos. As Absolutização da Razão, que em Hegel identificaria o
racional com real, haveria, entretanto, de ceder lugar a uma nova realidade cultural, marcada
pela ausência do Absoluto e pela derrocada dos grandes sistemas filosóficos tradicionais. A
ciência positiva, que preenche o espaço vazio deixado pela filosofia especulativa, negará o
vigor causal da concepção mecanicista do Universo, já admitindo um certo grau de
indeterminação nos fenômeno, cujo futuro comportamento apenas pode-se prever através de
métodos estatísticos fundados na lei das probabilidades. Por outro lado, a rígida divisão
dicotômicado pensamento filosófico entre idealismo e realismo mantenha o mistério da
existência humana "entre parênteses", o seu estudo a plano secundário. E o próprio homem é
diversificado, pelas eliminação de seus aspectos subjetivos, em virtude de se lhe aplicarem os
métodos das ciências exatas. Isto evidenciava o que Husserl denominou de "Crise das Ciências
Européias".
A crise das ciências, entretanto, era apenasprojeção de uma crise maio: a crise da civilização
ocidental. Com efeito, o império da razão, que a Revolução Francesa julgara institucionalizado
no "nouveau regime", cuja expressão mais altas era o culto da Humanidade e a crença numa era
de justiça e progresso, cede lugar a uma realidade histórica estigmatizada pela guerra, no plano
internacional, pela hipertrofia do poder estatal, pela radicalização do mundo no binômio
desenvolvimento-subdesenvolvimento e pelo conseqüente cepticismo do homem diante dos
valores tradicionais de nossa civilização cristã.
Face à frustração causada pela disparidade entre as mistas expectativas e as desoladoras
realidades, só restariam ao homem um dilacerado sentimento de angustia, temor e desespero. E
assim, o"Nada tomava natranscendência o lugar deixado vago pela Razão e por Deus(2).
Despojado, tão violentamente, da crença na razão e das artificiosas roupagens conceituais com
que o pan-idealismo germânico lhe revestira o espírito, só restaria ao homem do século XX
dobrar-se sobre si mesmo, imergindo na própria subjetividade e buscar na finitude da

10
quotidiano aquele angustiado ponto de reflexão que lhe centraria o pensamento no mistério
da vida e da existência.
É preciso voltar "sentimento da vida" dirá Dilthey é preciso voltar as coisas mesmas– "Zu den
Sachem Selbst" dirá Husserl; é preciso dissolver a tradicional dualidade epistemológica sujeito-
objeto na unidade vivencial da correlação fenomenológica consciência– mundo. Deste modo,
ao "sujeito puro" dos neo-kantianos, mais tarde hipostasiado na "Idéia absoluta" de Hegel,
sobrepõe-se agora, o sujeito concreto, em sua dramática singularidade, historicamente engajado
e comprometido com problema da vida, do mundo, de seu próprio projeto existencial da
própria humanidade.
Adescoberta da existência, o estudo de seu caráter contigente e irracional constituirão a
dramática experiência filosófica que o homem deste século de crise rotulará com o nome
sugestivo de "Existencialismo", para expressar e enfatizar o seu compromisso histórico com
mistério da vida e o "engagement" resultante da situação fática do seu "Ser no mundo". Esta
situação, para todos os existencialistas, desde Kierkegard e Gabriel Marcel a heidegger e sartre,
trará a marca inconfundível de um desespero e angústiaexistências, que os dois primeiros
procurarão superar com o sentimento da fé e do amor e os dois últimos com uma "ataraxia"
digna dos estóicos, com que o homem aceita o determinismo heideggeriano de sua condição
teológica de um "ser-para-a-morte" (Sein-Zum-Tode).
2- CARATER GERAL DO EXISTENCIALISMO
O existencialismo, enquanto filosofia da crise e por suas próprias origens Kierkegaardianas,
deve ser historicamente entendido como um complexo de doutrinas eminentemente
antirracionalistas ou, segundo Gabriel Marcel(3), como uma reação anti-hegeliana. Com efeito,
desprezando o discurso especulativo da metafísica e o raciocínio frio das ciências positivas, o
existencialismo vai buscar na "intuição" de Bergson e na fenomenologia de Husserl o método
ou caminhoque nos conduz "de retorno as coisas", à existência individual concreto, como algo
primordial, misterioso, irredutível e anterior à essência. Existência como símbolo de oficina e
de arena onde o homem forja o seu projeto e trava a batalha quotidiana do seu próprio destino.
Daí Jolivet conceituar o existencialismo como "o conjunto de doutrinas segundo as quais a
filosofia tem como objetivo a analise e a descrição da existência concreto, considerada como
ato de uma liberdade que se constitui afirmando-se e que tem unicamente como genese ou
fundamento esta afirmando de si".(4)
2.1- CARACTERÍSTICAS COMUNS
Embora diversas, as filosofias existencialistas temem comum as seguintes características
fundamentais:
oexistência como objeto de investigação e de modelagem do projeto humano em
permanente "devir";
oa vivência existencial, como fonte de angustia e fundamento de uma
antropologia filosófica que, para os existencialistas cristãos, aponta o caminho
da intersubjetividade (comunhão com os homens) e da transcendência
(comunhão com Deus) e, para os existencialistas ateus, conduz à morte, à
náusea, ao nada;
oo homem como liberdade e subjetividade enquanto artífice de seu próprio
projeto existencial, como realidade aberta aos outros e ao mundo;
ofinalmente, a dissolução do dualismo sujeito-objeto inerente à teoria clássica do
conhecimento, na unidade interior de uma vivência que se exprime no amor ou

11
na angustia, considerada esta como consciência da finitude do homem, da sua
gratuidade existencial e do seu ser para a morte.
o
3- O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO
3.1- Sumário do Humanismo Sartreano
3.1.1- As Críticas ao Humanismo de Sartre
Sartre opõe-se às críticas que lhe fazem cristãos e marxistas, ao acusarem-no de:
oisolar o homem trancando-o numa subjetividade egoístas e burguesa;
oincitar o homem ao quietismo num mundo absurdo totalmente desprovido de
sentido;
oacentuar o lado sórdido da existência humana;
olibertar o homem de quaisquer condicionamentos morais, pela eliminação de
Deus que é a fonte de todas os valores.
A Resposta de Sartre como Definição de um humanismo Existencialista:
oà critica do isolacionismo, Sartre responde com a tese da solidariedade
universal, pela universalidade da condição humana, que define os limites "a
priori" de sua situação no mundo, e pela universalidade do projeto humano pelo
qual, ao se escolher, o homem escolhe a própria humanidade;
oà critica do quietismo, Sartre responde com a afirmativa de que só há realidade
na ação e de que o homem é projeto em permanente "devir", projeto que se vive
subjetivamente mas que se supera a si próprio, na perseguição incessante de fins
transcedentes;
oà crítica de pessimismo, por ressaltar o lado sórdido da vida, responde ele com a
tese da "dureza otimista" e que consiste em responsabilizar o homem pelo que
ele é, como soma de todos os seus atos, concluindo que "não há doutrina mais
otimista visto que o destino do homem está em suas mãos".(5)
oà crítica de que "sem Deus o homem está livre para ser o que quiser", responde
Sartre com o princípio moral kantiano, segundo o qual deve o homem agir de
modo que possa a humanidade se regular pelos seus atos; e, assim, Sartre atribui
ao homem a condição de um legislador sobre um mundo moral que é
absolutamente seu e onde não existem "sinais" que lhe orientem a opção.
4- O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO (Desenvolvimento do tema)
4.1- Ontologia Fenomenológica e Ateísmo
O humanismo existencialista de Sartre desenvolve-se sobre as diretrizes teóricas de uma
ontologia fenomenológica de uma teologia atéia. As metafísicas tradicionais opuseram o ser às
aparências, as essências, ao fenômeno. Com Husserl, esta dualidade se dissolve na unidade de
uma ontologia fenomenológica cujo objeto, o ser, se dá no fenômeno e o fenômeno, como
única realidade existente, está lastreado de pensamento, de "logos", de "intentio" no sentido
brentaniano.
Partindo deste princípio, Sartre distingue no fenômeno o "ente en soi", o ser do mundo
material, absolutamente idêntico a si, sem potência, porque "tout este en acte" (6). O ente
entretanto é absurdo, pois não tem em si nem fora de si a sua razão de ser.

12
Neste mundo material do "ensoi", hermético em si, sem liberdade, existe o "etre pour-soi", o
ser especificamente humano. Ele, o homem, que é consciência de si para-si, constitui o objeto
do humanismo existencialista, como ser cuja existência precede à essência, como projeto que se
escolhe a si próprio e se realiza num "devir" de criadora auto-superação.
Diz Bochenski (7) que o pensamento de Sartre gira em torna de problemas teológicos, embora
em sentido ateu. E o próprio Sartre o confirma, quando declara que "o existencialismo não é
senão um esforço para tirar todas as conseqüências duma posição atéia coerente"(8). E esse
dedutivismo lógico de um ateísmo apriorístico constitui abase do humanismo sartreano. Já em
sua obra "Le Diable et le Bom Dieu" dissera Sartre: "se Deus existe, o homem é nada; se o
homem existe ... Deus não existe". Esta irredutibilidade entre o homem e Deus explica a
metafísica do absurdo, em que se fundamenta o humanismo existencialista. Evidentemente,
"senão há um ser necessário para explicar a existência, a contingência é o absurdo; tudo é
gratuidade perfeita, tudo é demais e o homem, o próprio homem, nasce sem razão, subsiste por
fraqueza e morre por acaso"(9) diz Sartre. E nisto reside a origem da "náusea" do abandono e
do desespero.
4.2 A Existência Precede a Essência
"Se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência; um ser que
existe antes de poder ser definido por qualquer conceito. E que este ser é o homem como diz
Heidegger, a realidade humana"
(10)
. Essa prioridade da existência sobre a essência tem sua
explicação na ontologia fenomenológica de Sartre. Evidentemente, se as essências são a
racionalidade imanente doser, enquanto sentido "a priori" que o dinamismo do espírito atribui
ao mundo fenomênico, elas só existem na e para a consciência, o "pour soi". Sendo assim, a
essência humana para anteceder à sua existência, necessitaria de um "Pour-soi" absoluto que a
pensasse. Daí afirmar que "não há natureza humana visto não haver Deus para a conceber". "O
Homem primeiramente existe se descobre, surge no mundo e só depois se define".(11)
4.3 O Projeto Humano e o Caráter Universal da Escolha
O homem, como o concebe Sartre, primeiramente não é nada, porque não é definível ou
concebível "a priori". A realidade primeira é a sua existência, seu ser-no-mundo, situação fática
que ele descobre e assume conscientemente. Só depois então é que se definirá, através de um
projeto humano, concedido em sua subjetividade individual, projeto cuja realização plasmará o
tipo de homem que ele livremente escolher e se propõe ser.
O projeto humano, entretanto, não se contém nos limites da subjetividade. "O homem está
constantemente fora desi mesmo... projetando-se para fora de si... perseguindo fins
transcedentes", diz Sartre
(12)
. Mas "como não há outro universo senão o universo humano", o
projeto existencial que formulamos para nós transcende os limites da subjetividade e adquire o
caráter de uma escolha universal por nos compromissar e responsabilizar com a própria
humanidade. É que "ao escolher-se a si próprio o homem escolhe todos os homens",
(13)
pois
ele pre escolhe o melhor que também o é para toda a humanidade isto Sartre denomina "o
caráter absoluto do compromisso qual cada homem se realiza, realizando um tipo de
humanidade. Tal fato implica numa responsabilidade muito grande para o mem porque ele
envolve toda a humanidade.
4.4 Angústia e Responsabilidade na Liberdade Moral da Escolha
Aqui também, o ateísmo desempenha papel importante comonpedra angular do humanismo
existencialista de Sartre. "Se não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições
que nos legitimem o comportamento"
(14)
. Se, entretanto não há uma moralou valores

13
apriorísticos porque "não há consciência divina infinita e perfeita para pensá-los, e estamos
sós, sem justificativas para os nosso atos, porque, sinais"
(15)
que o balisem existencialmente e
orientem. Estamos condenados a ser livres. Daí concluir Sartre que "o homem está condenado a
cada instante a inventar o próprio homem".
(16)
Nestas condições, o homem se sente esmagar sob o da responsabilidade de uma escolha feita
sob condições de luto desamparo e abandono, o que o leva ao desespero.
4.5 A Moral Existencialista e os demais Valores
"Se suprimi o Deus Pai, é bem necessário que alguém invente os valores", diz Sartre
(17)
. E
inventar os valores significa para ele dar à vida, que não tem sentido "a priori",o humanismo
clássico, que torna o homem como fim e valor superior pelo seu humanismo existencialista, em
cada um se escolhe livremente sem se referir a valores. Esta escolha, porém, não é gratuita,
pois a escolha moral para ele se assemelhe à constatação de uma obra de arte, a qual não se
inspira em regras estabelecidas "a priori".
O projeto humano traz portanto a marca essencial da liberdade, pois o homem se faz
escolhendo a sua moral. Como, porém, esta escolha define um tipo de projeto que é válido para
todos os homens e épocas, eu devo agir segundo o axioma da moral kantiana, que eleva os
meus atos à condição de paradigma de ação para toda a humanidade.
A liberdade moral da escolha rejeita qualquer idéia de determinismo, pois não existe uma
natureza interior ao homem nem valores fora dele para preestabelecer rumos necessários à
ação. Assim, ninguém nasce covarde ou herói, diz Sartre,
(18)
mas cada um se faz conforme sua
livre opção, tornando-se responsável pelo que é. Esta liberdade e reponsabilidade moral de
opção caracteriza o que Sartre chama de "dureza otimista", a qual repugna aos que se refugiam
na "má fé" de um pseudo-determinismo, dissimulando a autenticidade do livre compromisso.
(19)
4.6 O "Cogito" como Via para a Intersubjetividade
Temos de partir do "cogito" ou subjetividade, diz Sartre, por ser ele o único meio de atingirmos
a verdade e salvar o homem como sujeito, evitando torná-lo objetivo.
Pelo "cogito", atingimo-nos a nós próprios e aos outros que se nos apresentam como condição
de nossa existência, "como uma liberdade posta em face de mim"
(20)
. Descobrimos, assim, o
mundo da intersubjetividade.
Não temos com os "outros" uma comunidade de natureza humana, uma essêncial universal,
mas temos uma "universalidade de condição", que se define pelos limites "a priori" que
caracterizam a nossa situação fundamental no universo: e todo projeto humano, sem prejuízo
de sua individualidade, tem um valor universal porqur persegue objetivos relacionados com a
superação ou eliminação desses limites. Daí por que, escolhendo-me, eu construo o universal e
realizo o absoluto, através de um projeto universalmente válido porque inteligível a todos os
homens.
5. CRÍTICA AO HUMANISMO EXISTENCIALISTA DE SARTRE
O existencialismo de Sartre traduz, na angústia e no desespero, a crua dramticidade de uma
civilização em crise, que perdeu o sentido da transcedência e se abismou, conseqüentemente,
na absurda gratuidade de sua própria finitude. Nesta filosofia, dirá Bochenski, "podemos ver a
expressão de um homem sem fé sem família, sem amigos e sem finalidade na vida"
(21)
.

14
Fiel às suas raízes kierkegaardianas, a filosofia existencial de Sartre expressa a revolta anti-
intelectualista do pensamento moderno contra aquela visão romântica e otimista do mundo com
que a euforia racionalista do Renascimento plasmou o perfil ideológico da cultura ocidental.
Como o Filósofo dinamarquês, Sartre vive o dram de sua finitude e do "nada que circunda a sua
contigência". Falta-lhe, porém, o sentimento daquela fé abraâmica que, em Kierkegaard, é
ponte lançada sobre o abismo da existência, ligando o finito ao infinito, a subjetividade à
Transcendência. Daí por que a angústia em Kierkegaard é caminho que eleva o homem a Deus,
"par 1 ‘angoisse vers la hauteur"
(22)
, e em Sartre é sentimento de abandono e solidão, em um
mundo onde o homem assume a inteira responsabilidade de projetar e criar a sua própria
essência, sem valores "a priori" que lhe alisem e fundamentem a decisão.
Paradoxalmente, o humanismo ateu de Sartre e sua própria ontologia estão centradas na idéia
de Deus; não do seu Ser mas do seu não-ser. O nada-de-Deus é, assim, um postulado básico,
apriorístico, necessário, universal, que fundamenta a absurdidade do ser, da existência, das
essências, do homem, dos valores, do absoluto.
Parodiando Spinosa poder-se-ia dizer que Sartre desenvolve um filosofia atéia "more
theológico demonstrata". Seu pensamento desenvolve, paradoxalmente, princípios de uma
teologia atéia como base de uma ontologia fenomenista.
Situando-se o ateísmo de Sartre no contexto de toda a sua filosofia existencial, conclui-se que
ele se reveste de três características essenciais: apriorismo, necessidade e universalidade.
Quanto ao caráter apriorístico da negação de Deus, o próprio Sartre o confessa na seguinte
passagem de sua obra "Sutuation": "O ateísmo de M. Naville não é a expressão de uma
progressiva descoberta, mas uma clara tomada de posição "a priori" perante um problema que
excede infinitamente a nossa experiência... Essa é a minha solução
(23)
.
Comentando o ateísmo apriorístico de Sartre, diz Romano Resek que "a recusa de Deus (que,
para Sartre, poderia dispensar argumentos...) satura e orienta toda a sua obra, na qual ele tenta
provar a possibilidade de suprimir Deus e até construir sobre essa ausência um sistema coerente
do homem e do mundo"
(24)
.
Ocorre, porém, que uma tese, axioma ou princípio apriorístico nada provam, pois, "gratis
affirmatur gratis Negatur".
Como explicar-se, porém, o caráter apriorístico do ateísmo sartreano? Certamente como um
"estado de alma", segundo Merleau Ponty. Como uma irrupção subjetiva de traumas ligados a
uma infância religiosamente neutra, a uma educação deformadora de Deus: "eu precisava de
um Criador, davam-me um Grande Patrão", declarava Sartre em seu artigo "Gide Vivant".
(1951)
No caso, o ateísmo de Sartre adquire o caráter de um "determinismo psicológico", pelo que se
torna patologicamente necessário. A esta necessidade empresta ele características metafísicas
que fundamentam a sua ontologia e a sua antropologia filosófica. Ontologicamente, "o ser é
sem razão, sem causa e sem necessidade", declara Sartre em "L’être et Le Neant"
(25)
. Mas
porque o ser é sem razão e sem causa? Porque necessitaria de uma essência preexistente, o eu
implicaria na necesidade de um "Artífice" para lhe conceber tal essência, explica ele com o
exemplo do corta-papel, "cuja essência– quer dizer o conjunto de receitas e características que
permitem produzí-lo e defini-lo precede a existência". E porque não se admitir esse Artífice,
em cuja mente preexistiriam as idéias de tudo como arquétipos eternos segundo a bela
concepção augutiniana da criação?

15
A resposta nós a temos na explicação antropológica de Sartre para a não existência de Deus
– "Se Deus existe, o homem é nada, se o homem existe, Deus não é ..." (Le Diable et lebon
Dieux). Para ele é, portanto, humanamente necessário que Deus não exista. Cumpre destruí-lo,
para que de suas cinzas possa nascer ou renascer a figura apolínea do homem sartreano, herói e
semi-deus que se basta a si próprio, que projeta e cria a sua própria essência. Tal concepção
configura um humanismo anti-humano, pois o homem, na ânsia de ser um Deus impossível um
"etre-en-soi-pour-soi", termina sendo um nada, "uma paixão inútil" segundo o próprio Sartre.
O ateísmo de Sartre reveste-se, também, de um caráter universal, pela amplitude de suas
deduções, pois ele próprio é quem declara que "O existencialismo não é senão um esforço para
tirar todas as conseqüências duma posição atéia coerente".
(26)
Ocorre, porém, que sendo
incoerente o seu ateísmo, porque apriorístico, incoerentes também o são as suas conseqüências.
Em primeiro plano, avulta a incoerência de uma Ontologia fenomenista, pois reduz o ser do
fenômeno a um fenômeno de ser, o que representa nada. Daí Jacques Maritain dizer que o
equívoco original e irrmediável de Sartre está em ter ele permanecido no âmago da
fenomenologia, pretendendo alcançar aí o ser, pois, "pelo simples fato que a fenomenologia
coloca o real extramental entre parêntesis, exclui a ontologia"
(27)
.
Outra é a incoerência da "universalidade da condição humana" sem a universalidade de uma
natureza humana que lhe sirva de suporte metafísico. Sem esta natureza, a sua tese da
"solidariedade universal"cai por terra ante a evidência de um isolacionismo hermeticamente
enclausurado na subjetividade do "cogito" cartesiano. Mesmo porque fora deste "cogito
cartesiano todos os objetos são apenas prováveis e uma doutrina de possibilidade que não está
ligada a uma verdade desfaz-se no nada"
(28)
. Por outro lado, não aproveita a tese da
universalidadeindividual centrada na idéia de que a nossa escolha envolve toda humanidade,
por sempre escolhermos o que é bom para todos. Na verdade, se o valor da escolha está em
escolher livremente, "só nos resta guiar-nos pelo instinto", pois não existem sinais que nos
balizem os atos e "nenhuma moral geral pode indicarmos o que fazer"
(29)
a nossa escolha será
absolutamente individual como projeto, não podendo, por isso mesmo, sob pena de incoerente
contrasenso, adquirir o caráter universal que Sartre lhe empresta.
Esta conclusão que vimos de fazer é premissa que nos conduz à conclusão de outra incoerência
do humanismo sartreano. Trata-se de sua moral de ação por ele concebida segundo o orgulhoso
estilo da moral kantiana: "Tudo se passa como se, para todo homem, toda a humanidade tivesse
os olhos postos no que ele faz e se regulasse pelo que ele faz"
(30)
. Pura falácia, pois, para mal
de seus pecados, o próprio Sartre decalra que "estamos sós e sem desculpas", sofrendo em cada
decisão uma angústia, pois se Deus não existe, não encontramos diante de nós valores que nos
legitimem o comportamento. E, assim, "fica o homem abandonado, já que não encontra em si
nem fora de si uma possibilidade a que se apegue"
(31)
.
Vemos, aqui, ruir por terra a decantada moral sartreana, constituindo, assim, uma absurda
incoerência a sua afirmativa de que "só há esperança na ação". Que esperança? Esperança na
angústia e no abandono é desespero.
Para sair deste dilema em que o envolveu uma absurda moral de ação "ex-nihilo", porque sem
motivações "a priori", Sartre formula, com inegável habilidade, a sua doutrina da liberdade: o
homem é absolutamente livre porque sua ação se desenvolve sem condicionamentos externos
nem internos. Tratando-se de uma liberdade sem "antes" (motivação) nem "depois"
(finalidade), ela passa a ser um fim supremo em si, pois justifica a ação pela ação. E assim
pensa ele ter respondido à crítica de pessimista, que lhe fazem, declarando que "não há doutrina
mais otimista visto que o destino do homem está em suas mãos"
(32)
.

16
É o "duro otimismo" do existencialista que assume a responsabilidade dos atos em que
projeta a sua essência. "Duro otimismo", concordamos nós, pois toda ação sem motivação é
absurda, como absurda e anti-humana é a liberdade quando a escolha em que ela se realiza tem
o caráter determinista de não poder ser evitada e a gratuidade de uma opção às cegas, porque
sem critérios que a justifiquem. Finalmente, sobressai na antropologia filosófica de Sartre a sua
absurda concepção do homem como um ser que primeiramente é ou existe, surge no mundo,
descobre-se, para depois escolher a sua essência, tentando realizá-la como um auto-projeto em
permanente "devir". Tal concepção, porém, envolve uma radical contradição frente à filosofia
aristotélico-tomista, pois o ser que é (ser-existência) sem ser o (être-en-soi) da ontologia
sartreana, um ser hermético em si mesmo, absolutamente idêntico a si, sem nenhuma
potencialidade, porque "tout est en acte".
Se, porém, o homem, na ordem ontológica do ser, apenas, é o que é, sem nenhuma outra
possibilidade, já é portanto tudo não podendo assim vir-a-ser. Neste caso, como pode um ser
com tal estrutura ôntica projetar-se fora de si, buscar realizar uma essência que o transcende?
Pela "subjetividade", responde Sartre cartesianamente, opondo ao mundo rígido e imóvel do
"en soi" o mundo interior do "pour soi", onde se situa e se realiza existencialmente o ser
especificamente humano, como consciência e liberdade cuja essência consiste no escolher o
tipo de homem que cada um tiver projetado ser.
Embora Sartre não chegue a tanto, o homem existencialista que ele concebe tem, como vemos,
a paradoxal e ambígua situação de um ser ao mesmo tempo heracliano e parmenidiano.
Heracliano como "pour soi"– consciência e liberdade que se realizam na ação, no projetar-se
fora de si, na vertiginosa perseguição de fins transcendentais. Parmenidiano pela condição
fátida de sua primeira e original maneira de ser no mundo, absolutamente idêntico a qualquer
outro "en soi", cuja ausência de potencialidade oequipara ao "Ato Puro" aristotélico-tomista
(Deus). Isto implica envolver o homem e tudo o mais numa percepção monista do Universo,
onde a pluralidade dos seres se reduz à unidade ontológica de ser-em-si. Este será
necessariamente uno, porque tem como única determinação o existir e absolutamente imóvel,
porque sem potência.
Ser e não-ser, eis o homem existencialista de Sartre. Um nada de essência que projeta a
essência de nada, porque "ex nihilo".
Na vã tentativa de explicar estes aspectos contraditóriosde sua ontologia, Sartre inspira-se mais
uma vez na sua teologia atéia, declarando que o homem quer converter-se num em-si que seja
seu próprio fundamento, "causa sui", e, portanto, um "em-si-para-si". O homem qeur tornar-se
Deus; mas como Deus é impossível, pois um em-si-para-si é uma contradição, "o homem é
uma paixão inútil".
Se Sartre houvesse sido fiel ao método fenomenológico de Husserl, ao postulado básico de que
o fenômeno está lastrado de pensamento, de "logos" como se infere da própria etimologia do
termo (fenômeno+logia), teria ele certamene transcendido o mundo das aparências sensíveis e
intuído, no cerne do fenômeno, o "Logos" Universal e Único, o próprio "Vebum Dei" que dá
sentido causal às coisas humanas. E, assim, ao invés de reeditar o mitológico Prometeu, na
pessoa do homem acorrentado a um mundo e destino absurdos, teria ele encontrado Cristo, alfa
e ômega da História, em cuja pessoa Deus se huamnizou para divinizar o homem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno.4ª ed. Agir, p. 141.
(2) JOLIVET, Régis.A Doutrina Existencialista. 1961, Livraria Tavares Martins, Porto, p.21.

17
(3) RESEK, Romani. Deus ou Nada. Ed. Paulistas, 1975, p.147.
(4) JOLIVET, Régis. Op. cit. p.27.
(5) SARTRE, J. P. O Existencialismo é um Humanismo. Apud. Os Pensadores. Vol. XLV, Abril Cultural. p.
09 a 28.
(6) BOCHENSKI. A Filosofia Contemporânea Ocidental. EDUSP, 2ª ed., 1975.
(7) BOCHENSKI. Op. cit. p. 165 e 166.
(8) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09 a 28.
(9) RESEK, Romani. Op. cit. p. 149.
(10) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09a 28.
(20) Ibidem, p. 09a 28.
(21) BOCHENSKI. Op. cit. p. 165 e 166.
(22) WAHL, Jean. Etudes Kierkegaardiennes.Librairie Philosophique J. Vrin, Deuxieme Editair, 1949, p.
210.
(23) RESEK, Romani. Op. cit. p. 168.
(24) Ibidem, p. 169.
(25) Ibidem, p. 188.
(26) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09a 28.
(27) MARITAIN, Jacques. A Filosofia Moral. Agir, 1973, p. 210.
(28) SARTRE, J. P. Op. cit. p. 09a 28.
(29) Ibidem, p. 09a 28.
(30) Ibidem, p. 09a 28.
(31) Ibidem, p. 09a 28.
(32) Ibidem, p. 09a 28.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BOCHENSKI.A Filosofia Contemporânea Ocidental. EDUSP, 2ª ed., 1975.
FRANCA, Leonel.A Crise do Mundo Moderno. 4ª ed., Agir.
JOLIVET, Régis.A Doutrina Existencialista. Livraria Tavares Martins, Porto, 1961.
MARITAIN, Jacques.A Filosofia Moral. Agir, 1973.
RESEK, Romani.Deus ou Nada. Ed. Paulistas, 1975.
SARTRE, J. P.O Existencialismo é um Humanismo. Apud. Os Pensadores. Vol. XLV, Abril Cultural.
WAHL, Jean.Etudes Kierkegaardiennes. Librairie Philosophique J. Vrin, Deuxieme Editair, 1949.
Capítulo IV
PSICOLOGIA HUMANISTA
Apontamentos sobre Psicologia Humanista
Profª. Teresa Cristina Barbo Siqueira
1
A Psicologia Humanista fundamenta-se nos pressupostos da Fenomenologia e Filosofia
Existencial; é centrada na pessoa e não no comportamento, enfatiza a condição de liberdade
contra a pretensão determinista. Visa à compreensão e o bem-estar da pessoa não o controle.
Segundo esta concepção, a psicologia não seria a ciênciado comportamento, seria a ciência da
pessoa.
Caracteriza-se também, por uma contínua crença nas responsabilidades do indivíduo e na sua
capacidade de prever que passos o levarão a um confronto mais decisivo com sua realidade.
Segundo esta teoria, o indivíduo é o único que tem potencialidade de saber a totalidade da
1
Roteiro para estudo: Alguns apontamentos sobre o Humanismo.

18
dinâmica de seu comportamento e das suas percepções da realidade e de descobrir
comportamentos mais apropriados para si.
Os principais constituintes deste movimento são:Carl Rogers (1902-1985) eAbraham Maslow
(1908-1970).
Um ponto fundamental da teoria de Rogers, é que as pessoas se definem por sua experiência.
Segundo Rogers "todo indivíduo vive num mundo de experiência no qual é o centro. Este
mundo particular é denominado de campo fenomenal ou campo experiencial que contém tudo
que passa no organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à
consciência. Esse mundo inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa
não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um
mundo particular e pessoal que pode ou não corresponder à realidade objetiva".
Segundo esta concepção, a atenção que o indivíduo focaliza em um certo evento é determinada
pelo modo como cada um percebe o seumundo, não na realidade comum. Deste modo, o
indivíduo não reage a uma realidade absoluta, mas a uma percepção pessoal dessa realidade.
Essa percepção é para cada um sua realidade. Partindo-se deste pressuposto, cada percepção é
essencialmente uma hipótese- uma hipótese relativa à necessidade do indivíduo.
Segundo Rogers, pelo fato de o organismo ser sempre um sistema total organizado em que, a
alteração de qualquer das partes provoca uma alteração nas outras partes, reage ao seu campo
fenomenal como um todo organizado.
O mesmo autor afirma que, há um aspecto básico da natureza humana que leva um indivíduo
em direção a uma maior congruência e a um funcionamento realista.
Segundo este, "o impulso evidente em toda a vida humana e orgânica, o impulso de expandir-
se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer-se, a tendência a expressar e
ativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo
ou oself". Sendo assim, cada indivíduo possui este impulso inerente em direção a ser
competente e capaz quanto está apto biologicamente.
O comportamento de uma pessoa será voltado para a manutenção, a intensificação e a
reprodução do eu em direção à autonomia, oposto ao controle externo por forças externas. Isso
se aplica quer o estímulo venha de dentro ou de fora, quer seja o meio ambiente favorável ou
desfavorável.
A tendência para a realização plena das potencialidades individuais é expressa nos indivíduos
através de uma variada gama de comportamentos, em resposta a uma gama variada de
necessidades. A tendência do organismo, num momento, pode levar à procura de alimento ou
gratificação sexual. No entanto, a menos que essas necessidades sejam demasiadamente fortes,
sua satisfação será procurada segundo uma forma que intensifique, e que, não diminua a
necessidade de auto-estima, por exemplo. Outras atividades tais como, as necessidades de
explorar, produzir e a necessidade brincar, por exemplo, são basicamente motivadas, segundo
este pressuposto, pela tendência à realização.
A conduta segundo Rogers, seria fundamentalmente um esforço dirigido à consecução de um
objetivo do organismo, para satisfazer as suas necessidades. A reação, o comportamento, não se
dá em face da realidade mas, da percepção da realidade que o indivíduo possui.
Consequentemente, a conduta não seria então causada por algo que aconteceu no passado,
como postulado pela psicanálise mas, causada pelas tensões e necessidades presentes que o
organismo se esforça por reduzir ou satisfazer. Embora a experiência passada contribua para

19
modificar o sentido que será dado as experiências atuais, só há conduta para enfrentar uma
necessidade presente. A conduta é sempre intencional e em resposta à realidade tal como é
aprendida. A melhor forma então para compreendê-la, é a partir do quadro de referência interna
do próprio indivíduo.
Para Rogers, a estrutura do eu é formada como resultado da interação do indivíduo com o
ambiente e, de modo particular, como resultado da interação valorativa com os outros. Assim, o
ego é um modelo conceitual organizado, constituído de percepções, de características e
relações do eu, juntamente com valores ligados a esses conceitos.
O eu está dentro do campo da experiência, não sendo apenas uma mera acumulação de
numerosas aprendizagens e condicionamentos. É uma configuração organizada de percepções
que são acessíveis à consciência, formada por elementos tais como as percepções das
características e capacidades próprias; os conteúdos perceptivos e os conceitos de si em relação
com os outros e com o ambiente. Basicamente é um conjunto de significações vividas sendo
suscetível de mudar sensivelmente em consequência das mudanças ocorridas em seu meio. Em
síntese, é um conjunto organizado e consistente de experiências, num processo constante de
formar-se e transformar-se à medida que as situações mudam.
Os esquemas de autoconceito do indivíduo são estruturados à medida que o indivíduo começa a
vivenciar alguns eventos, incluindo tudo o que é experimentado por seu organismo,
conscientemente ou não. Em decorrência a tudo o que está acontecendo em seu meio, o
indivíduo começa gradativamente, a tornar-se atento às experiências que ele discrimina como
sendo o eu. Pouco a pouco, forma-se um conjunto de conceitos organizados e coerentes,
chamados de valores.
Para Rogers, alguns fenômenos são ignorados e tidos como isentos de significado para a
pessoa. Outros fenômenos são percebidos conscientemente e organizados em sua estrutura.
Alguns parecem impor-se a percepção consciente, outros fenômenos são negados ou
distorcidos porque ameaçam a percepção organizada do eu.
Em síntese, a teoria de Rogers afirma que, todo organismo tem uma tendência inerente e
natural a auto-realização, sendo expressa nos seres humanos numa variada gama de
comportamentos em resposta a uma variada gama de necessidades. Esta tendência do
organismo num momento pode levar à procura de alimento e gratificação sexual, em outro à
procura de status.
Outro expoente do pensamento humanista foi Abraham Maslow. Maslow era psicólogo e foi
considerado um dos fundadores da psicologia humanista. Durante toda a sua carreira
interessou-se profundamente pelo estudo do crescimento e desenvolvimento pessoais, e pelo
uso da psicologia como um instrumento de promoção do bem estar social e psicológico.
O fato de ser considerado Humanista lhe desagradava, ao ponto de afirmar: "Nós não
deveríamos ter que dizer Psicologia Humanista. O adjetivo deveria ser desnecessário. Eu sou
autodotrinário.... Eu sou contra qualquer coisa que feche portas e corte possibilidades".
Maslow começou por estudar a questão da auto-realização mais profundamente através da
análise das vidas, valores e atitudes das pessoas que considerava mais saudáveis e criativas.
Começou por estudar aqueles que achava que eram mais auto realizados, os que haviam
alcançado um nível de funcionamento melhor, mais eficiente e saudável do que o homem ou a
mulher comuns. Assim, suas primeiras investigações sobre auto-realização foram inicialmente
estimuladas por sua vontade de entender de uma formamais completa os dois professores que
mais o influenciaram, Ruth Benedickt e Max Wertheimer. Maslow não somente os considerava

20
cientistas brilhantes e extraordinários, mas seres humanos profundamente realizados e
criativos. Assim, iniciou seu próprio estudo para procurar tentar descobrir o que os fazia tão
especiais.
Maslow definia a questão da auto-realização como " o uso e a exploração pleno de talentos,
capacidades, potencialidades, etc. Eu penso no homem que se auto-atualiza não como um
homem comum a que alguma coisa foi acrescentada, mas sim como um homem comum de
quem nada foi tirado. O homem comum é um ser humano completo com poderes e capacidades
amortecidos e inibidos".
Em seu livro, The Farther Reaches of Humam Nature(1971), Maslow faz algumas
considerações a respeito dos modos pelos quais os indivíduos se auto-realizam:
Auto-realização significa experienciar de modo pleno, intenso e desinteressado, com
plena concentração e total absorção. Em geral estamos alheios ao que acontece dentro
de nós e ao nosso redor.
Se pensarmos na vida como um processo de escolhas, então a auto-realização significa
fazer de cada escolha uma opção para o crescimento. Escolher o crescimento é abrir-se
para experiências novas e desafiadoras, mas arriscar o novo e o desconhecido.
Auto-realizar é aprender a sintonizar-se com sua própria natureza íntima. Isto significa
decidir sozinho se gosta de determinadas coisas, independente das idéias e opiniões dos
outros.
A honestidade e o assumir responsabilidade de seus próprios atos são elementos
essenciais na auto-realização.
Ao invés de, dar respostas calculadas para agradar outra pessoa ou dar a impressão de
sermos bons Maslow pensa que as respostas devem ser procuradas em nós mesmos.
Auto-realização é também um processo contínuo de desenvolvimento das próprias
potencialidades. Isto significa usar suas habilidades e inteligência para trabalhar e fazer
bem, aquilo que queremos fazer.
Um passo para além da auto-realização é reconhecer as próprias defesas e então
trabalhar para abandoná-las. Precisamos nos tornar mais conscientes das maneiras pelas
quais distorcemos nossa auto-imagem e a do mundo exterior através da repressão,
projeção e outros mecanismos de defesa.
Maslow acentua que o crescimento ocorre através do trabalhode auto-realização. Auto-
realização representa um compromisso a longo prazo com o crescimento e o desenvolvimento
máximo das capacidades. O trabalho de auto-realização envolve a escolha de problemas
criativos e valiosos. Maslow afirma que, indivíduos auto-realizados são atraídos por problemas
mais desafiantes e intrigantes, por questões que exigem os maiores e mais criativos esforços.
Estão dispostos a enfrentar a incerteza e a ambiguidade e preferem o desafio à soluções fáceis.
Maslow afirma que, o crescimento psicológico ocorre em termos de satisfação bem sucedida de
necessidades mais elevadas. As primeiras necessidades, as fisiológicas (fome, sono..),
segurança (estabilidade, ordem) geralmente são preponderantes, isto é, elas devem ser
satisfeitas antesque apareçam aquelas relacionadas posteriormente, como; necessidade de amor
e pertinência (família,amizade), necessidade de estima (auto-respeito, aprovação) e necessidade
de auto-atualização (desenvolvimento de capacidades).
Portanto, a busca de auto-realização não pode começar até que o indivíduo esteja livre da
dominação de necessidades inferiores, tais como fisiológicas e segurança.

21
O desajustamento psicológico é definido como doenças decarência, causadas pela privação
de certas necessidades básicas, assim como a falta de vitaminas causa doenças. Outras
necessidades, segundo Maslow, também devem ser satisfeitas para manter a saúde.
Maslow afirma que, um exame acurado do comportamento animal ou humano revela outro tipo
de motivação. Quando um organismo não está com fome, dor e medo novas motivações
emergem, tais como curiosidade e alegria. Sob estas condições, as atividades podem ser
desfrutadas como fins em si mesmas, nem sempre buscadas apenas como meio de gratificação
de necessidades. A este tipo de motivação denomina motivação do ser,pois, refere-se
principalmente ao prazer e a satisfação no presente ou ao desejo de procurar uma meta
considerada positiva. Por outro lado, a motivação de deficiência inclui uma necessidade de
mudar o estado da coisa atual porque este é sentido como insatisfatório ou frustrador.
Maslow define oself como essência interior da pessoa ou sua natureza, inerente a seus próprios
gostos, valores e objetivos. Compreender a própria natureza interna e agir de acordo com ela é
essencial para atualizar oself.
Maslow aborda a compreensão doself através do estudo daqueles indivíduos que estão em
maior harmonia com suas próprias naturezas, daqueles que fornecem os melhores exemplos de
autoexpressão ou autoatualização.
Em síntese,o trabalho de Maslow, ofereceu uma contribuição considerável tanto prática quanto
teórica para os fundamentos de uma alternativa para o Behaviorismo e a Psicanálise, correntes
estas que segundo ele, tendem a ignorar e ou deixar de explicar a criatividade,o amor, o
altruísmo e os outros grandes feitos culturais, sociais e individuais da natureza humana.
Capítulo V
A Fenomenologia de Edmund Russerl
VIDA.Edmund Husserl, filósofo alemão fundador daFenomenologia,
um método para a descrição e análise da consciência através do qual a
filosofia tenta alcançar uma condição estritamente científica. Nasceu a 8 de abril de
1859 em Prossnitz, Moravia, no então Império Austríaco, hoje Prostejov, na
República Checa, e faleceu em 27 de abril a 1938 em Freiburg im Breisgau, na
Alemanha. De origem judaica, completou os primeiros estudos em um ginásio
público alemão, na cidade próxima, Olmütz (Olomouc), em 1876. Em seguida
estudou física, matemática, astronomia e filosofia nas universidades de Leipzig,
Berlim, e Vienna. Nesta última passou sua tese de doutorado em filosofia em 1882,
com o temaBeiträge zur Theorie der Variationsrechnung ("Contribuição para a
Teoria do cálculo de variáveis"). No outono de 1883, Husserl seguiu para Vienna para
estudar com o filósofo e psicólogoFranz Brentano. Em Viena Husserl converteu-se à
fé evangélica luterana e, um ano depois, em 1887, casou com Malvine Steinschneider,
a filha de um professor do ensino secundário de Prossnitz. Esposa energética e
competente, ela foi um indispensável apoio para Husserl até a morte dele.
Em 1886 Husserl, com uma recomendação de Brentano, procurouCarl Stumpf, o
mais velho dos estudantes de Brentano, do qual se tornaria amigo íntimo, e que era
professor de filosofia e psicologia na universidade de Halle. Nesta universidade
Husserl passou o concurso para professor conferencista em 1887.

22
O tema da tese de habilitação foiÜber den Begriff der Zahl: Psychologische Analysen
("Sobre o conceito de número: análise psicológica"), o que mostra sua transição da
pesquisa matemática para uma reflexão sobre as bases psicológicas dos conceitos
básicos da matemática. A tese foi uma versão desenvolvida depois no seuPhilosophie
der Arithmetik: Psychologische und logische Untersuchungen, cujo primeiro volume
apareceu em 1891.
O título de sua conferência inaugural em Hale, onde ensinou de 1887 a1901, foiÜber
die Ziele und Aufgaben der Metaphysik ("Sobre os objetivos e problemas da
metafísica"). O objeto tradicional da metafísica é o estudo do Ser. O texto se perdeu,
mas é provável que nele Husserl já apresentasse seu método de análise da consciência
como o caminho para uma nova e universal filosofia e uma nova metafísica.
Para ele a base filosófica para a lógica e a matemática precisa começar com uma
analise da experiência que está antes de todo pensamento formal. Isto obrigou-o a um
intenso estudo dos empiristas inglesesJohn Locke, George Berkeley,David Hume, e
John Stuart Mill, e familiarizar-se com a terminologia da lógica e semântica derivada
daquela tradição, especialmente a lógica de Mill.
Essa integração de suas idéias com o pensamento empirista levou-o às concepções
apresentadas em sua famosa obraLogische Untersuchungen (1900-01; "Investigações
lógicas"), onde apresentou o método de análise que chamou "fenomenologico".
Após a publicação doLogische Untersuchungen, Husserl foi convidado a lecionar na
universidade deGöttingen, onde permaneceu de 1901 a 1916.
Em seu esforço de pesquisa, Husserl chegou a um extremo: anotava todos os
movimentos de seu pensamento. Durante sua vida produziu mais de 40.000 páginas
estenografadas no método Gabelberger.
Nos seus anos em Göttingen, Husserl rascunhou as linhas gerais dafenomenologia
como uma ciência filosófica universal. Seu princípio metodológico fundamental era o
que chamou "redução fenomenológica". Preocupava-se com a experiência básica da
consciência, não interpretada, e a questão do que é a essência das coisas, a "reducão
eidética".
Por outro lado, é também a reflexão sobre as funções pelas quais as essências se
tornam conscientes. Sob esse aspecto, a redução revela o Eu para o qual todas as
coisas têm sentido. Assim, a fenomenologia assumiu o caráter de um novo estilo da
filosofia transcendental, o qual repetia e aperfeiçoava, em uma maneira moderna, a
mediação deKant entre o empirismo e o racionalismo.
Husserl apresentou seu programa e delineamento sistemático emIdeen zu einer
reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie (1913;
Idéias;Introdução geral à fenomenologia pura"), obra cuja segunda parte não pode
completar devido a romper a Primeira Guerra Mundial. Husserl pretendia que esse
trabalho fosse um manual de estudo para seus alunos, mas estes ficaram indiferentes.
A maior parte deles considerou a virada de Husserl para a filosofia transcendental
como um passo atrás, uma volta ao velho sistema de pensamento e o rejeitaram.
Devido a essa reviravolta e à guerra, o movimento fenomenológico se desfez.
Sua posição junto aos colegas em Göttingen era sempre difícil. Sua nomeação para
catedrático em 1906 havia resultado de uma decisão do ministro da educação contra a

23
vontade do corpo de professores.
Assim, quando foi convidado em 1916 para catedrático na universidade de Freiburg,
isto significou um novo começo para Husserl sob todos os aspectos. Sua aula inicial
sobreDie reine Phänomenologie, ihr Forschungsgebiet und ihre Methode
("Fenomenologia pura, sua área de pesquisa e seu método") definia seu programa de
trabalho.
Neste sentido ele havia lançado em suas aulas sobre Filosofia Primeira (1923-24) a
tese de que a Fenomenologia, com seu método de redução, é o caminho para a
absoluta justificação da vida, ou seja, para a realização da autonomia ética do homem.
Com essa tese, ele continuou a elucidação da relação entre a análise psicológicae a
analise fenomenológica da consciência e sua pesquisa quanto ao embasamento da
lógica, que ele publicou comoFormale und transzendentale Logik: Versuch einer
Kritik der logischen Vernunft (1929; Lógica formal e transcendental).
Reconhecimento vindo de fora não faltou. Em 1919 a Universidade de Bonn conferiu-
lhe o título de Doutorhonoris causa. Muitos visitantes estrangeiros compareciam aos
seus seminários, entre eles Rudolf Carnap, figura de proa do Círculo de Vienna, onde
nasceu o Positivismo lógico.
Fez palestras na Universidade de Londres (1922), na universidade de Amsterdã e,
mais tarde, em 1930, na Sorbone. Deixou de aceitar um convite da prestigiosa
universidade de Berlim a fim de poder dedicar todas as suas energias à
Fenomenologia. Estas palestras foram aproveitadas em uma nova apresentação da
Fenomenologia, que então apareceu com tradução francesa sob o títuloMéditations
cartésiennes (1931).
Quando ele aposentou em 1928,Martin Heidegger, que haveria de tornar-se um
expoente do existencialismo e um dos mais importantes filósofos alemães, foi seu
sucessor. Husserl o havia considerado seu herdeiro legítimo. Somente mais tarde viu
que a principal obra de Heidegger,Sein und Zeit ("O ser e o tempo"), de 1927, havia
dado à Fenomenologia uma reviravolta que a levaria para um caminho totalmente
diferente. Seu desapontamento fez que seu relacionamento com Heidegger esfriasse
depois de 1930.
Com a chegada ao poder deAdolf Hitler em 1933 ele foi excluído da universidade.
Porém recebia a visita de filósofos e intelectuais estrangeiros. Condenado ao silêncio
na Alemanha, ele recebe, na primavera de 1935, um convite para falar para a
Sociedade Cultural em Viena, onde discursou por duas horas e meia sobreDie
Philosophie in der Krisis der europäischen Menschheit ("A filosofia na crise da
humanidade européia ")palestra que repetiu dois depois. Desta conferência e de
outras que fez em Praga surgiu seu último trabalhoDie Krisis der europäischen
Wissenschaften und die transzendentale Phänomenologie: Eine Einleitung in die
phänomenologische Philosophie ("A crise da ciência européia e a fenomenologia
transcendental: uma abordagem da filosofia fenomenológica"), de 1936, da qual
somente a primeira parte veio a público em um periódico para emigrantes.
Enfermo a partir de 1937, disse desejar morrer de modo digno de um filósofo "Eu vivi
como um filósofo- disse-, e eu quero morrer como um filósofo". Por não ser
comprometido com nenhum credo em particular, ele respeitava toda crença religiosa
autêntica.

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Seu conceito de auto-responsailidade filosófica absoluta ficava perto do conceito
protestante da liberdade do homem em sua relação imediata com Deus. Na verdade, é
evidente que Husserl caracterizava a manutenção da redução fenomenológica não
apenas como um método mas também como uma espécie de conversão religiosa. Ele
morreu em abril de 1938 e suas cinzas foram enterradas no cemitério em Günterstal,
perto de Freiburg.
FILOSOFIA
Husserl achava que os filósofos estavam complicando a teoria do conhecimento, em
lugar de considerarem com objetividade o fenômeno da consciência como é
experimentado pelo homem. O que importava, para ele, era o que se passava na
experiência de consciência, através de uma descrição precisa do fenômeno. Por isso
deu o nome de "fenomenologia" à sua teoria que deveria ser uma ciência puramente
descritiva, para somente depois passar a uma teoria transcendental à experiência, o
seja, para além do método cientifico.
As teorias do conhecimento deDescartes e deKant tinham um defeito insanável, em
seu entender. Era o fato de faltar qualquer certeza de que o que aparece na
consciência correspondesse inteiramente ao real. O que havia era uma
"pressuposição" de que aquilo que estava na consciência guardava relação de alguma
sorte com os objetos correspondentes do mundo exterior. A filosofia, a mais
fundamental das ciências, devia ficar livre de suposições. Pensar o mundo somente
poderia ser feito depois de bem examinado como esse mundo é matéria no campo da
consciência. Em sua opinião não adiantava em nada discutir uma teoria do
conhecimento sem esse primeiro passo, pois o que tinha existência verdadeira e
assegurada eram os fatos da consciência. Husserl colocaria qualquer problema
filosófico tradicional entre aspas, para ser examinado somente após estar completa a
descrição fenomenológica. A isto chamou criar uma "época" para a questão em
exame.
Chamou "redução transcendental" aesta redução da coisa aos detalhes da sua
apreensão como fenômeno da consciência propriamente; significava retirá-la de uma
visão teórica, transcendente, para tomar conhecimento dela de modo preciso e
objetivo, analítico, como simples experiência de consciência. No entanto, na primeira
fase do desenvolvimento da sua doutrina, Husserl não partia daí para descrever o
"Eu" ou o que a consciência era, mas sim para estudar as idéias, os vários tipos de
idéias, como as cores, a superfície, etc.. A esse detalhamento das idéias que se juntam
com outras idéias para formar aessência de cada coisa, deu o nome de "redução
eidética" (idéia, imagem, forma). Com este procedimento queria chegar a uma
metodologia perfeita para a filosofia, de modo a garantir a certeza absoluta, e buscou
estudar o queJohn Locke já havia escrito a respeito. Somente mais tarde, no que foi
considerada uma reviravolta em seu pensamento, Husserl passou ao estudo do Eu, do
que existe noEu que lhe faculta o conhecimento, o que foi considerado um retrocesso
à filosofia transcendental deKant. (Clique aqui emFenomenologia, por favor, para
encontrar um artigo nosso mais detalhado sobre o assunto.).
Rubem Queiroz Cobra
Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia

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Capítulo VI
O Existencialismo de Martin Heidegger
Introdução. Filósofo alemão que escreveu sua filosofia em linguagem altamente cifrada e,
apesar de que o dizem dificilmente compreensível, é romanticamente cultuado por um grande
número de admiradores de fragmentos poéticos do seu pensamento sobre o Ser. No entanto, ele
próprio desistiu de suas idéias, preferindo não publicar o segundo volume de sua obra principal,
o "O Ser e o Tempo". Fervoroso adepto do nazismo antes da derrota da Alemanha na segunda
guerra mundial, para muitos foi um pensador original, um crítico da sociedade tecnológica do
século XX. De sua obra ficou a designação de "Existencialismo" para a corrente de pensamento
anti-determinista fundada porKierkegaard e à qual se filiou. Foi um escritor prolífico: calcula-
se que reunir tudo que escreveu daria uns 70 volumes
Primeiros anos e juventude. Martin Heidegger nasceu a 26 de setembro de 1889 em
Messkirch, na Schwarzwald (Floresta Negra), Alemanha, e faleceu em 26 de maio de 1976, na
mesma Messkirch, então parte da Alemanha Ocidental. Seu pai foi um sacristão católico,
incumbido das vestes e dos objetos sagrados, de tocar os sinos e também de cavar as sepulturas
no interior do templo. Heidegger mostrou uma preocupação religiosa precoce e teve seu
interesse despertado para a filosofia ainda ao tempo de seus estudos básicos, através da leitura
do filósofo católico do final do século XIXFranz Brentano. Impressionou-o a psicologia "
descritiva ", , como é apresentada noVon der mannigfachen Bedeutung des Seienden nach
Aristoteles ("Dos vários significados do Ser de acordo com Aristóteles"-1862) de Brentano. De
seu estudo inicial de Brentano procede também seu entusiasmo pelos gregos, especialmente os
pre-Socraticos. Após terminar os estudos básicos, Heidegger entrou para a ordem dos Jesuítas.
Como noviço, estudou a Escolástica (filosofia cristã medieval) e a teologia tomista, na
universidade de Freiburg.
Por toda sua vida madura Heidegger esteve obcecado pela possibilidade que há um sentido
básico do verbo "ser" que jaz atrás de sua variedade de usos. Suas concepções quanto aoque
existe, é uma Ontologia (o estudo do que é, do que existe: a questão do Ser) dependente dos
filósofos antes de Sócrates, da filosofia de Platão e de Aristóteles, e dos Gnósticos. Foi
influenciado ainda por diversos filósofos do século 19 e do início do século 20, principalmente
pelo pensador católico dinamarquês Søren Kierkegaard e pelos filósofos alemães Friedrich
Nietzsche (1844-1900) e Wilhelm Dilthey (1833-1911, e pelo seu mestre e fundador da
fenomenologia (o estudo do modo como as coisas se manifestam),Edmond Husserl (1859-
1938).
Quando ainda em seus 20, Heidegger estudou em Freiburg com o filósofo Heinrich Rickert
(1863-1936), mais tarde fundador da escola de Baden do pensamento neo-kantiano, e com
Husserl, que era então já famoso. A fenomenologia de Husserl, e especialmente sua luta contra
a inclusão da psicologia nos estudos essenciais do homem-- que ele sentiu que devia, em vez,
ser conduzido no nível filosófico-- determinou o substrato da dissertação doutoral do jovem
Heidegger (1914). Consequentemente, o que Heidegger mais tarde disse e escreveu sobre a
ansiedade, pensamento, perdão, curiosidade, angústia, cuidado, ou medo com certeza não se
referia a psicologia; e o que ele disse sobre o homem, não pretendeu que fosse sociologia,
antropologia, ou ciência política. Suas proposições objetivavam descobrir maneiras de ser.
Heidegger começou a lecionar na universidade de Freiburg durante o semestre acadêmico do
inverno de 1915 e ganhou sua habilitação com um estudo do filósofo franciscano escocês
falecido na Alemanha John Duns Scotus (1266-1308).

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Maturidade. Moço ainda e agora um colega de Husserl, era de esperar que Heidegger
levasse o movimento fenomenológico mais longe dentro do espírito de seu antigo mestre.
Entretanto, de grande vocação religiosa, ele preferiu seu próprio caminho, e em 1927
surpreendeu o mundo filosóficoalemão comSein und Zeit ("O ser e o tempo", 1962)-- um
trabalho que, embora quase impossível de se ler, foi imediatamente considerado ser da maior
importância. O livro foi aclamado como um trabalho profundo e importante não somente em
países de língua germânica mas também nos países latinos, onde a fenomenologia era já bem
conhecida mas a língua alemã nem tanto.
Ele Influenciou fortementeJean-Paul Sartre, na França e outros existencialistas, e, apesar dos
protestos de fé do próprio Heidegger, ele foi considerado, por força deste livro, como um líder
do existencialismo ateu. Entretanto, entre os intelectuais ingleses, mais avessos aos modismos,
sua recepção foi um tanto fria, e sua influência foi insignificante por várias décadas.
Heideger começou a lecionar na universidade de Freiburg durante o semestre acadêmico do
inverno de 1915 e ganhou sua habilitação com um estudo do filósofo franciscano escocês
falecido na Alemanha John Duns Scotus (1266-1308).
Em "O ser e o tempo", o propósito declarado de Heidegger é trazer à luz o que significaser
para o homem, ou "como éser". Pode se dizer que o aspecto messiânico da sua filosofia está
em levar cada homem a fazer essa pergunta com o máximo envolvimento. Na crise atual da
humanidade, já seria bastante que o homem se detivesse nesta reflexão; e ele eventualmente
chegará ou não a qualquer resposta definitiva, torna-se de importância secundária. Sem esta
reflexão, o homem segue uma maneira não autêntica de ser, em uma alienação que o
desenvolvimento tecnológico agrava cada vez mais.
Na ocasião da publicação de "O ser e o tempo", Heidegger era professor "ordinarius" em
Marburg onde lecionou por diversos anos (desde 1923). Renunciou esse lugar e, em 1928, e
retornou a Freiburg, desta vez como o sucessor de Husserl. Seu discurso de posse na cátedra foi
Was ist Metaphysik?("Que é Metafísica?"-1929) no qual elabora um de seus temas favoritos,
das Nichts; isto é, o nada.
Adesão ao Nazismo. No início dos anos 30ocorreu uma reviravolta no pensamento de
Heidegger, um giro afastando-o do problema do ser e do tempo. Isto foi negado por Heidegger
ele mesmo, que insistiu que ele toda a vida, desde sua juventude, fazendo aquela mesma
pergunta fundamental, mas em seus últimos anos tornou-se claramente mais relutante em voltar
ao assunto e oferecer qualquer resposta ao problema básico do ser e do tempo.
Aproximadamente na época dessa reviravolta ocorreu também sua adesão ao nazismo, curta
devido certamente apenas ao desenlace desfavorável da guerra, mas nem por isso uma
participação menos eloqüente. Sua participação na política cultural do terceiroreich teve início
mesmo antes queAdolf Hitler assumisse o poderem novembro 1933. Com o crescimento do
partido e sua penetração nos meios intelectuais, as universidades alemãs foram expostas a
pesadas pressões. Esperava-se que apoiassem a "revolução nacional" e eliminassem os
intelectuais judeus e suas doutrinas (taiscomo a da relatividade). O reitor em Freiburg, um
cientista anti-nazista, renunciou como protesto, e a equipe de professores elegeu unanimemente
o engajado Heidegger como seu sucessor.
Como Heidegger aprendeu com Husserl, é o método phenomenological e nãoo método
científico que revella os modos de ser do homem. Assim, ao seguir este método, Heidegger cai
em conflito com a dicotomia da relação sujeito-objeto, que implicou tradicionalmente que
homem, como cognescente, é algo (some-thing) dentro de um ambiente que ele confronta. Esta
relação, entretanto, deve ser transposta. O Saber mais profundo, ao contrário, é matéria do

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phainesthai (grego: "mostrar-se" ou "estar na luz"), a palavra da qual phenomenologia, como
um método, é derivada. Algo está exatamente "lá" na luz. Assim, a distinção entre o sujeito e o
objeto não é imediata mas vem somente mais tarde com a conceitualização, como nas ciências.
O discurso de posse de Heidegger na reitoria ("A auto-afirmação da universidade alemã") foi
uma ampla afirmação de Nazismo. Para garantir, ele dividiu as tarefas dos estudantes em
serviço do trabalho, serviço militar, e serviço científico. Porém, para seus admiradores,
ansiosos por livra-lo tanto quanto possível de compromissos com a ideologia nazista,
Heidegger estava apenas copiando a política educacional autoritária de Platão, e afinal, alegam,
o discurso sequer terminou com um "Heil, Hitler!", mas com uma citação da república de
Platão: "todas as grandes coisas se expõem ao perigo".
No entanto, em seu discurso Heidegger não mostra adesão última à filosofia nazista. No texto
ele incita à pergunta "o que é ser?", coloca sua advertência contra perder-se alguém em "coisas"
que o alienam doser autêntico (Seiendes), e opõe-se à especialização científica. Porém, entrou
para o partido nazista e apesar de renunciar à reitoria em 1934, em várias ocasiões pronunciou
sólidos discursos pro-Hitler. "oFührer ele mesmo," disse Heidegger, "e somente ele é a
realidade alemã, presente e futura, e sua lei". Não é de se esperar que o defensor da
autenticidade não fosse ele mesmo autêntico, inclusive enquanto nazista.
A história do National Socialismo depois de 1934, e até o fim da II Guerra Mundial, pode ser
dividida em duas partes com aproximadamente igual duração de seis anos. É importante, para
compreender a adesão de muitas pessoas inteligentes e sensatas ao nazismo, reconhecer que o
primeiro período, foi de promessas que pareciam de realização justa e eminente, e,
aparentemente, apenas o segundo foi marcado por inquestionáveis crimes cometidos pelo
partido até a desilusão e a derrota final. Os anos entre 1934 e 1939, foram gastos pelo Partido
em estabelecer o inteiro controle em todos os níveis da vida na Alemanha. Durante aqueles
anos Hitler e seu movimento ganharam o apoio e mesmoo entusismo da maioria da população
alemã. Muitos alemães haviamn crescido conscientes dos conflitos políticos, da instabilidade
econômica e política, e da desordem geral que caracterizou os últimos anos da República de
Weimar. Eles saudaram com crescenteesperança o forte, decisivo, e aparentemente competente
governo implantado pelos nazistas. Após 1934 a interminável orda de ociosos na Alemanha
rapidamente diminui na medida que os desempregados eram colocados a trabalhar em projetos
de obras públicas e nas fábricas de armamento que se multiplicavam rapidamente. Os alemães
foram arrastados para esse movimento de massas, ordeiro, poderosamente objetivo, destinado a
restaurar a dignidade, o orgulho e a grandeza do seu país, e devolver-lhe o primeiro lugar no
palco europeu. A recuperação econômica dos efeitos da Grande Depressão e o forte
nacionalismo alemão eram, assim, os fatores-chave no apelo do Nacional Socialismo para a
população alemã. Finalmente, os êxitos constantes de Hitler no campo diplomático e suas
conquistas externas a partir de 1934 até os primeiros anos da II Guerra garantiu o apoio
incondicional da maioria dos alemães, inclusive, muitos que que haviam inicialmente se oposto
a ele.
Últimos anos.Em novembro 1944 Heidegger parou de lecionar. A invasão da Alemanha
derrotada pelas potências aliadas tornou difícil a situação dos nazistas mais destacados. Em
1945 ele foi proibido de lecionar oficialmente e suas atividades nazistas foram investigadas.
Não foi incriminado em nenhum dos crimes praticados pelos partidários de Hitler e por isso
não perdeu seus direitos a uma aposentadoria. Deu regularmente influentes conferências nos
anos 1951-58, e continuou um intelectual importante dentro do movimento fenomenológico
internacional até seu falecimento em1976.

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O conhecimento.Tradicionalmente, o conhecimento implicava a dicotomia da relação
sujeito-objeto, em que o homem, como cognoscente, é algo dentro de um ambiente que ele
confronta. Para Heidegger, esta relação deve ser transposta. O Saber mais profundo, ao
contrário, é matéria dophainesthai (grego: "mostrar-se" ou "estar na luz"), a palavra da qual
fenomenologia, como um método, é derivada. Algo está exatamente "lá" na luz. Assim, neste
conhecimento profundo, a distinção entre o sujeito e o objeto não é imediata mas vem somente
depois com a conceitualização, como nas ciências. Então o homem existe segundo certos
fenômenos, que são os modos como eleestá lá, na luz (Dasein, o "o ser" em alemão é,
etimologicamente, a palavrada, que significa "lá" coma palavrasein, que significa "estar")
Terminologia. Heidegger evita termos das ciências sociais ou da psicologia tanto quanto
possível, em favor de uma terminologia ontológica. Viu-se então na necessidade de criar uma
terminologia nova, palavras novas para exprimir seu pensamento. Foi criticado por desenvolver
seu próprio alemão, seu próprio grego, e seu próprio tipo de etimologias. Inventa, por exemplo,
aproximadamente 100 palavras complexas novas que terminam com "- sendo." Ao ler seus
trabalhos se deve, assim, traduzir muitos de seus termos chaves de volta em palavras gregas a
fim de entender suas interpretações e etimologias. Isto faz um risco que, ao "interpretar" a
filosofia de Heidegger, alguém esteja na verdade, criando, pelo menos em parte, "uma filosofia
de Heidegger"
Os existenciais.Heidegger divide a existência em três "estruturas existenciais": afetividade,
fala e entendimento. São três fenômenos existenciais que caracterizam como as coisas do
passado, do presente e do futuro se manifestem para o homem e a unidade desses três
fenômenos constitui a estrutura temporal que faz a existência inteligível, compreensível..
1)a afetividade: as coisas do passado chegam ao homem como valores, afetando-lhe os
sentimentos, que podem ser públicos, compartilhados, e transmissíveis.
2)a fala: no presente, as coisas se traduzem em palavras da linguagem na articulação dos seus
significados
3)o entendimento: as coisas do futuro, onde o projeto que define o homem encontrará a morte,
são as coisas não garantidas, que lhe são devolvidas para gerar nele o sentimento de que não
está em casa neste mundo, mesmo estando entre as coisas que lhe são mais familiares.
Portanto, no homem, o ser está relacionado ao tempo e está dado,- existe-, nestes três
fenômenos, nestestrês "existenciais". Porém...
A alienação. O homem está fora das coisas, diz Heidegger em "O ser e o tempo", nunca sendo
completamente absorvido por elas, mas não obstante não sendo nada, à parte delas. O homem
vive, até o fim, em um mundo no qual ele foijogado. Sendo algo jogado em meio às coisas,
estando-lá (Da-sein), constitui algo à parte (Verfall) mas está no ponto de ser submergido nas
coisas. É continuamente um projeto (ent-wurf); mas ocasionalmente, ou mesmo normalmente,
pode ser submergido nas coisas a tal ponto que é absorvido nelas temporariamente (Aufgehen
in). O homem encobre aqueles condicionantes existenciais,- aquilo que ele de fato é-,
entregando-se a uma rotina de superficialidades "públicas" na vida cotidiana. Não é então
ninguém em particular; e uma estrutura que Heidegger chamadas Man ("o eles ") é revelada,
como uma tendência da alienação de si mesmo que leva o homem à tendência de se conhecer
apenas através da comparação que faz de si mesmo com os outros indivíduos seus pares. A
característica dodas Man é a conversa inócua (Gerede) e curiosidade (Neugier). NoGerede, o
que fala e o ouvinte não estão em nenhuma relação pessoal genuína ou em qualquer relação
intima com aquilo sobre o que falam, o que, portanto, conduz a superficialidade. A curiosidade

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é uma forma de distração, uma necessidade para o "novo," uma necessidade para algo
"diferente," sem interesse ou capacidade de maravilhar.
A angústia. Mas uma coisa pode acontecer que desperta o homem dessa alienação, a angústia
(Angst). Ela resulta da falta de base da existência humana. A "existência" é uma suspensão
temporária entre o nascimento e a morte O projeto de vida do homem tem origem no seu
passado (em suas experiências) e continuam para o futuro, o qual o homem não pode controlar
e onde esse projeto será sempre incompleto, limitado pela morte que não pode evitar.
A angústia funciona para revelar o ser autêntico, e a liberdade (Frei-sein) como uma
potencialidade. Ela enseja o homem a escolher a si mesmo e governar a si mesmo.
Na angústia, a relevância do tempo, da finitude da existência humana, é experimentada então
como uma liberdade para encontrar-se com sua própria morte (das Freisein für den Tod), um
"estar preparado para" e um contínuo "estar relacionado com" sua própria morte (Sein zum
Tode). Na angústia, todas as coisas, todas as entidades (Seiendes) em que o homem estava
mergulhado se afastam, afundando em um "nada e em nenhum lugar," e o homem então em
meio às coisas paira isolado, e em nenhuma parte se acha em casa (Un-heimlichkeit, Un-zu-
hause). Enfrenta o vazio, a "nenhum-coisa-idade" (das Nichts); e toda a "rotinidade" desaparece
-- e isto é bom, uma vez que então encontra a potencialidade de ser de modo autêntico.
Assim, a angustia "sóbria" (nüchtern) e a confrontação implicada com morte são para
Heidegger primeiramente ferramentas, têm importância metodológica: certos fundamentos são
revelados. A ansiedade abre o homem para o ser.
Entre as estruturas reveladas estão as potencialidades do homem para ser alegremente ativo ("..
conhecer a alegria [die wissende Heiterkeit] é uma porta para o eterno"). Isto não quer dizer
que o Ser participa do lado negro do desespero, da angústia; o Ser é associado com a " luz " e
com " a alegria " (das Heitere). Pensar oser é chegar aoverdadeiro lar.
Por isso, dos três existenciais, Heidegger privilegia o futuro, porque é esta projeção para o
advir e o golpe da devolução no embate com a morte que lá está que o leva a pensar e à
autoconscientização.
O homem pode então introduzir esse conhecimento existencial no projeto de sua vida, e assim
se apropriar da existência fazendo-a efetivamente sua, tornando-se autêntico, não mais um ente
sem raízes. Para
Essa visão existencial do homem, em que ele se conscientiza das estruturas existenciaisa que
está condicionado e que o tira da superficialidade em que desenvolve seus conflitos tornou-se
sedutora para a psiquiatria, surgindo ai proeminentes terapeutas existencialistas como
Binswanger, Boss eRonald Laing.
=================================
Início em 16/06/2001
Direitos reservados. Para citar este texto: Cobra, Rubem Q.-Martin Heidegger. Página de
"Filosofia Contemporânea". Site cobra pages.nom, Internet, Brasília, 2001

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Capítulo 7
O Existencialismo Moderno deJEAN-PAUL SARTRE
Vida.Jean-Paul Sartre, novelista francês, teatrólogo, e maior intelectual do
Existencialismo,- filosofiaque proclama a total liberdade do ser humano. Foi
premiado com oNobel de literatura de 1964, que desconsiderou.
Infância e juventude. Sartre nasceu em 21 de junho de 1905 e faleceu em 15 de abril
de 1980, em Paris. Ficou órfão de pai muito cedo. O pai, oficial da marinha, faleceu
ainda jovem, dois anos depois do nascimento do filho. Foi, com sua mãe, Anne-Marie
Schweitzer, viver em casa de seu avô materno, Carl Schweitzer, de origem alsaciana e
protestante, professor de Alemão na Sorbone, em um apartamento no sexto andar de
um edifício em Meudon, nos arredores da capital, nas proximidades do Jardim de
Luxemburgo. O célebre pastorAlbert Schweitzer, prêmio Nobel da Paz de 1952, era
sobrinho de seu avô, primo de sua mãe.
Sartre estudou primeiro no Liceu Henrique IV, em Paris. Mais tarde estudou no liceu
em La Rochelle, localidade onde, tendo sua mãe se casado segunda vez, a pequena
família passou a residir.
Após o liceu completou sua educação ingressando em 1924 naÉcole Normale
Supériure, onde se graduou em 1929. Ainda estudante passou a viver comSimone de
Beauvoir (1908-1986) de quem nunca se separou. NaÉcole Normale foi
contemporâneo de escritores que viriam a ser intelectuais de renome, comoRaymond
Aron,Maurice Merleau-Ponty, Emmanuel Mounier, Jean Hippolyte, Claude Lévi-
Strauss e a filósofa social esquerdista da escritora Simone Weil, (1909-1943) ativista
naResistência à invasão alemã e aonazismo, cujas obras publicadas postumamente
tiveram grande influência no pensamento social na França e na Inglaterra..
Terminado o curso de filosofia, fez serviço militar emTours, como meteorologista.
Nos anos que precederam a grande guerra Sartre lecionou, entre 1931 e 1933, no
Liceu do Havre; em 1933-34 esteve em Berlim, estudandofenomenologia. De 1934 a
1939continuou no Havre passando depois para Neuilly-sur-Seine.
Na Alemanha Sartre iniciou a redação de "Melancolia", romance recusado pelos
editores e mais tarde publicado com o título "A Náusea".
Influências. No período de um ano passado em Berlim, Sartre estudou a
fenomenologia do filosofo alemãoEdmund Husserl (1859-1938), as teorias do
existencialismo deHeidegger e Karl Jasper (1883-1969) e a filosofia de Max Scheller
(1874-1928). A partir desses autores, chegou aSoren Kierkegaard (1813-1855).
Durante os anos que lecionou no Havre, Sartre publicou suas primeiras obras, "A
Imaginação" e "A Transcendência do Ego". Nelas, a começar porL'Imagination
(1936- "A Imaginação"), explora o método fenomenológico de Husserl, que propõe a
descrição dos objetoscomo fenômenos mentais sem qualquer idéia preconcebida ou
preconceituosa. Porém, foi a publicação doLa Nausée (1938- "A Náusea") que lhe
trouxe fama. Esse romance, escrito em forma de um diário, revela os sentimentos de
repugnância do personagem Roquentin, em relação ao mundo material inclusive pela
consciência de seu próprio corpo. O romance contem em suas páginas grande parte
das posições filosóficas que Sartre continuaria depois a desenvolver. Seu herói,
Antoine Roquentin, desocupado, duvidoso de si mesmo, vive sozinho, sem amigos,

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sem amante, nada lhe importando, nem os outros homens, nem ele mesmo, descobre,
na vida monótona de Bouville, o mistério metafísico do Ser: o mundo não tem
nenhuma razão de existir e é absurdo que exista. "Tudo é gratuito, ajardim, esta
cidade, e eu mesmo; quando acontece da gente se dar conta disso, isso atinge o cabeça
e tudo começa a flutuar; eis a náusea". Em A 'Náusea, Sartre parece bastante próximo
deHeidegger.
No ano seguinte, publicou "O Muro" (1939), uma coletânea de contos, e o ensaio
Esquisse d'une théorie des émotions (1939- "Esboço de uma teoria das Emoções"). O
muro tem por personagem Pablo Ibietta, é uma denuncia do regime do ditador Franco,
daEspanha, sob cujo poder o personagem Pablo Ibietta é preso e torturado. No ano
seguinte publicouL'Imaginaire: Psychologie phénoménologique de l'imagination
(1940- "O Imaginário: Psicologia fenomenológica da Imaginação"), um ensaio.
Período da II GrandeGuerra. Na primeira fase da guerra mundial Sartre serviu
como meteorologista na Lorena, 1940. Caiu prisioneiro quandoHitler invadiu a
França, e foi encerrado no campo de concentração de Trier (Treves), na Alemanha
ocidental, cidade junto à fronteira com Luxemburgo que foi berço deKarl Marx. No
período de sua prisão Sartre escreveu uma peça de teatro que depois não quis contar
entre os títulos de suas obras, alegando que fora um trabalho dentro de um contexto
particular, e que a havia escrito apenas para levantar o ânimo de seus companheiros
de infortúnio. É uma peça natalina, representada pelos prisioneiros no Natal de 1940,
e publicada 30 anos mais tarde com o títuloBariona, ou Le fils du tonnerre (
"Bariona, ou O filho do trovão"). O drama, de inspiração religiosa, fala de Jesus e de
Maria, Sua mãe, que "Trouxe-o no ventre durante nove meses, oferecer-Ihe-á o seio e
o seu leite se tornará o sangue de Deus". Foi solto por razões médicas (por um
alegado problema de visão) um ano mais tarde, na primavera de 1941. Em liberdade,
voltou ao Liceu de Neuilly, passando depois a lecionar no Liceu Condorcet e no
Liceu Pasteur, em Paris. Fundou então o grupo Socialismo e Liberdade a fim de atuar
junto àResistência. O grupo produziu panfletos clandestinos contra a ocupação alemã
e contra os colaboracionistas franceses.
Em1943, em plena fase da guerra, fez a primeira publicação de uma peça teatral, "As
Moscas", que envolve veladamente o comando alemão e os colaboracionistas, e
publicou também o famosoL'Être et le néant (1943- "O Ser e o Nada"), obra
fundamental da teoriaexistencialista. O "Ser e o Nada" subintitula-se "Ensaio de
ontologia fenomenológica" e nele Sartre aprofunda seu pensamento com respeito à
consciência humana, como "um nada" em oposição ao Ser. A consciência é "não-
matéria", nada, e por isso mesmo escapaa qualquer determinismo. Sendo um "nada,
ela "nadifica" seus objetos. A consciência é essencialmente negadora das coisas em-si
mesmas, na medida em que se encontra revestida da característica ontológica de ser,
ela própria, o seu próprio nada.
A teoria danegatividade da consciência não é senão uma das perspectivas do
pensamento de Sartre. Outra é a de queo outro é o "mediador indispensável entre
mim e mim mesmo"; precisamos de outrem para conhecer plenamente a nós mesmos.
Mas a relação primordial com outrem é o conflito. Todo tipo de relação humana está
condenado ao fracasso; através delas nunca atinjo o meu objetivo; a indiferença, o
sadismo, o ódio, o masoquismo, o amor, a linguagem, são diversas manifestações da
minha tentativa, sempre fracassada, de conviver com outrem. Essas obras e mais
"Entre 4 paredes" (1944), rapidamente fizeram dele a mais célebre dos escritores
franceses de seu tempo.

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Segunda fase filosófica. Sartre lecionou até 1945. Nesse ano dissolveu o movimento
Socialismo e Liberdade e fundou comSimone de Beauvoir,Merleau-Ponty (1908-
1961),Raymnond Aron (1905-1983) e outros intelectuais, a revista de filosofiaLes
Temps Modernes ("Os Tempos Modernos"), deixando de lecionar para cuidar deste e
de outros empreendimentos literários.
Tendo em uma primeira fase exaltado a liberdade, que em suas obras anteriores
parecia ter valor por si mesma, agora, após as lições da guerra, Sartre voltou sua
atenção para o conceito de responsabilidade social. Nesta nova abordagem da questão
da liberdade ele planejou, em 1945, uma novela em quatro volumes sob o tituloLes
Chemins de la liberté ("Os Caminhos da Liberdade") dos quais publicou três:L'Âge
de raison (1945- "Idade da razão"),Le Sursis (1945- "Sursis"), eLa Mort dans l'âme
(1949- "Com a Morte na Alma").
Em lugar do quarto volume de "Os Caminhos da Liberdade", Sartredecidiu que o
romance poderia não ser o melhor veículo de suas mensagens e intensifica a
produção de peças de teatro. Ele já havia produzido nessa área durante a guerra, e
agora escreve vários:Les Mouches (1943),Huis-clos (1944), "Entre Quatro Paredes"
(1945), "Mortos sem Sepultura" (1946) e "A Prostituta Respeitosa" (1946),Les Mains
sales (1948- "As mãos sujas"), e continua comLe Diable et le bon dieu (1951- "O
Diabo e o Bom Deus"),Nekrassov (1955), eLes Séquestrés d'Altona (1959-
Seqüestrados de Altona"), esta sobre o problema do colonialismo na Algéria
Francesa. Todos essas peças fazem uma abordagem pessimista do relacionamento
humano, enfatizando a hostilidade natural do homem para com seu semelhante,
porém deixam antever uma possibilidade sempre presente de remissão e salvação.
De 1946 são os ensaios "O existencialismo é um Humanismo", escrito para esclarecer
o significado ético doexistencialismo, e "Reflexões sobre a QuestãoJudaica". Outras
publicações da mesma época incluem um livro,Baudelaire (1947), umscript para o
cinema, "Os dadas estão lançados", na critica literária e psicológica "Baudelaire" e
um estudo sobre o escritor e poeta francês Jean Genet, com o títuloSaint Genet,
comédien et martyr (1952), "O Fantasma de Stalin (1956), e inúmeros artigos que
foram publicados em seu jornalLes Temps Modernes. Porém em 1955 se desentende
com Merleau-Ponty, com quem mantinha o jornal, por motivos políticos.
Atividades políticas. Após a II Guerra Mundial, Sartre havia continuado sua atividade
política (nascida ao tempo daResistência aos alemães) com inclinação
manifestamente esquerdista, tornando-se um ativo admirador da União Soviética,
apesar de nunca ter se filiado ao partido comunista. Em 1954 ele viajou pela Rússia,
Escandinavia, África, Estados Unidos, e Cuba. Porém, a entrada de tanques soviéticos
em Budapeste em 1956, deixaram Sartre desapontado com o comunismo. Ele
escreveu no seu jornalLes Temps Modernes o artigoLe Fantôme de Staline, no qual
condenava veementemente a intervenção soviética e a submissão do Partido
Comunista Francês aos ditames de Moscou. Essa atitude crítica ensejou mais um
livro,Critique de la raison dialectique (1960- "Crítica da Razão Dialética") livro
sobre afinidades do existencialismo com o marxismo. É também de 1960 o ensaio
"Questão de Método", e de 1964 éLes Mots ("As Palavras"), uma análise psicológica
e existencial de sua própria infância.
Sartre acusava o marxismo de se ter ossificado e que, em lugar de adaptar-se a
situações particulares, compelindo cegamente o particular a enquadrar-se em um
universal predeterminado. Quaisquer que fossem seus princípios gerais, o Marxismo
precisava reconhecer circunstâncias existenciais concretas que diferem de uma

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comunidade para outra e respeitar a liberdade individual do homem. O projeto de um
segundo volume doCritique foi, no entanto, temporariamente suspenso, e publicado
em seu lugar oLes Mots, que mereceu o prêmioNobel, que recusou.
Últimos anos. Muito se tem conjecturado sobre as verdadeiras razões de haver Sartre
recusado o prêmio Nobel, as quais, aparentemente, não estariam tão claras para ele
mesmo, que acreditava na transparência da consciência. Porém, seria no seu próprio
subconsciente, que ele negava existir, que talvez estivesse a resposta. Foi uma criança
super-estimulada a ser inteligente e vencedora, o que no íntimo ele talvez não
acreditasse ser, sentindo-se um impostor comparado ao célebre pastor, primo de sua
mãe, e ao seu próprio avô, figura solene, vastas barbas brancas, que "assemelhava-se
a Deus Pai", figuras e exemplos em que pivotaram os estímulos de sua educação
infantil. Comparado a esses que seriam para ele os verdadeiros merecedores do
prêmio Nobel,- e um deles de fato recebeu o prêmio,- Sartre confessa um idealismo,
não uma prática da generosidade, e um certo remorso por não ter sofrido, onde diz,
em "As Palavras": "Meu idealismo épico compensará até a minha morte uma afronta
que não sofri, uma vergonha que não padeci..."
De 1960 até 1971 a atenção de Sartre concentrou-se no preparo de um estudo em
quatro volumes sobre o famoso escritorfrancês Gustave Flaubert. Dois volumes, com
um total de 2.130 páginas apareceu no início de 1971, contendo minuciosas análises
freudianas da infância e das relações familiares de Flaubert.
Atividades como conferencias e passeatas como meio de apressar a Revolução
socialista passaram depois a ocupar boa parte do tempo de Sartre. Em 1961 viaja para
Cuba e Brasil, e aqui foi festivamente recebido pelas esquerdas. Pouco escreveu em
1971. Apesar de tudo, em 1972 publicou o terceiro volume do trabalho sobre
Flaubert, com o títuloL'Idiot de la famille ("O idiota da família"), igualmente denso e
de leitura fastidiosa.
Em seus últimos anos Sartre ficou cego e sua saúde declinou até seu falecimento em
Abril de 1980 devido a um tumor pulmonar. Teve um funeral impressionante pela
massa popular que compareceu, estimada em 25.000 pessoas.
Sobre o aspecto meramente literário de sua obra, se diz que poderia ter colocado sua
filosofia de uma forma mais clara e mais breve do que fez em "O Ser e o Nada".
============
FILOSOFIA:
"O Ser e o Nada" tornou-se, como dito, a obra fundamental da teoria existencialista.
Nele está contida praticamente toda a filosofia de Jean-Paul Sartre, cujos principais
tópicos são comentados abaixo. Porém, Sartre apresentou o seu existencialismo de
uma forma muito mais clara e breve em "O Existencialismo é um Humanismo", uma
conferência dada em Paris em 1945. Seus seguidores, no entanto, alegam que, nesse
ensaio, sua abordagem do assunto é popular e superficial, e não se pode confiar nela
como umaexposição do seu pensamento. Mas é importante lembrar que Sartre não é
o fundador do existencialismo. O pensador cristão dinamarquêsKierkegaard (1813-
1855) é geralmente considerado como oprimeiro existencialista moderno.
Existencialismo. Existir no sentido etimológico, é "sair de". "Por exemplo,- diz
Sartre em "A Nausea"-, eu me sinto triste; mas tomar consciência de meu desgosto é

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colocá-lo como um objeto a distancia de mim. Pois o euque diz 'estou triste' não é
mais, de modo algum, o eu que está triste. Assim o homem está por sua consciência,
sempre além de si mesmo. Eis o sentido do 'ex-istencialismo'."
As filosofias existencialistas aparecem sob diversas formas, sendo que a divisão mais
radical é entre o ponto de vista religioso e o ateu. Sartre é o fundador e principal
pensador dessa última corrente.
O nada.A influência do idealistaG. W. F. Hegel em Sartre torna-se aparente quando
o filósofo tenta interpretar tudo pelo método dialético, isto é, através de uma tensão
de opostos. A dialética do "ser-um-com-o-outro" do homem é central: ver e ser visto
corresponde a dominar e a ser dominado. Ser e não ser, como em "O Ser e o Nada" é
outro exemplo dessa influência hegeliana, em que o confronto é entre a consciência e
o seu objeto..
Como de resto todos osfenomenologistas, Sartre tem como ponto de partida o carater
intencional da consciência. Todo modo de consciência representa algo, revela algo,
apresenta algo, está voltado e direcionado para algo fora dela mesma, daí dizer-se que
a consciência éintencional. Ela não existe sem estar voltada, sem estar representando,
criando a presença de um objeto. Os objetos da consciência são reais, ainda que
alguns sejam ideais, eles existem como fenômenos,- como imagens-, e porque
existem Sarte os considera "seres em si", completos,acabados, de fato existentes.
Porém, há também um conhecimento ou consciência de que se é consciente, isto é,
uma consciência da consciência. Então, diz Sartre, a consciência é um ser "para si".
Sem seu objeto, a consciência é um nada, um não-ser, pois que somente existe na
relação de si mesma com o "ser em si". Ela procura o "ser em si" para fundar a si
mesma, o que significa que ela destroi o "ser em si", transformando-o no seu próprio
nada. "O ser e o nada", título de seu livro, refere-se a esses dois tipos de ser: o "ser em
si" (fenômeno) e o "ser para si" (consciência).
Esta concepção do nada como algo que existe, que é a consciência, é importante para
Sartre. É preciso notar aqui que é esta constante separação daquilo que somos, que
Sartre chama o "nada", que obriga a realidade humana a se fazer ao invés de ser. A
realidade humana é nada precisamente no que ela não é, mas está a se fazer
incessantemente: O "nada", em Sartre, não é uma constatação niilista. E, em suma, a
categoria do ideal, dos objetos ideais.. É importante encontrar um lugar para o "nada",
poder dar existência ao "nada", a fim de fazer real a possibilidade da negativa. "A
capacidade de conceber a negativa constitui a liberdade de imaginar outras
possibilidades"... O poder de negar é a possibilidade de escolher, é o princípio da
liberdade do pensamento (de imaginar possibilidades) e da liberdade de ação (o tentar
realizá-las).
Pode-se, no entanto, criticar o postulado de Sartre de que a consciência pode fazer
juízos negativos, como algo sem sentido. Os seus críticos apontam que um juízo
negativo pode ser expresso em uma sentença negativa. "Pedro não está aqui" é tão
verdade quanto "Pedro está fora daqui". O juízo é sempre afirmativo. Mas Sartre
pretende "a existência objetiva de um não-ser", do "Nada".
É claro, porém, que a intencionalidade vem primeiro e, depois que se manifesta,
alguma coisa foi escolhida, sem que nada seja previamente negado. É um paradoxo
que a escolha dependa primeiro de negar determinadas possibilidades. Negar primeiro

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já é colocar a intencionalidade na negação.
O homem.Como seres conscientes estamos sempre querendo preencher o "nada" que
é a essência do nosso ser consciente; queremos nos transformar em coisas em vez de
permanecer perpetuamente num estado em que as possibilidades estão sempre
irrealizadas.
É o principal postulado do existencialismo sartreano que não há afirmações gerais
verdadeiras sobre o que os homens devem ser. Sartre leva esse indeterminismo às
suas mais radicais conseqüências; nega que haja uma natureza humana: não há
nenhuma coisa como uma natureza humana que seja comum a todos os seres
humanos; nenhuma coisa como uma essência específica que defina o que seja ser
humano existe!. Por exemplo, para Aristóteles, e os filósofos gregos, a essência deser
humano era ser racional. Mas para Sartre, a pessoa deve produzir sua própria
essência, porque nenhum Deus criou seres humanos de acordo com um conceito, um
projeto divino definido.- você é o que você faz de você mesmo.
Quando diz "a existência do homem precede sua essência", ou "no homem, a
existência precede a essência", ele quer dizer que o homem se apresentou no mundo
sem qualquer projeto concebido previamente por um Criador. Não havendo tal
essência, todos são iguais e igualmente livres para se fazerem.
"Nojento", como salienta em "A Náusea" é exatamente aquele que esquece isso e se
investe de certa "superioridade essencial". Mas não existe "ladrão ou marginal em
essência", assim como não há "gente honesta em essência". Transformar o outro em
coisa inferior, para se colocar numa essência superior, é negar simultaneamente a sua
liberdade e a própria. Enquanto o olhar de alguém objetiva o outro em coisa
essencialmente inferior, o outro, por sua vez, olha e constitui esse alguém num
carrasco e ele terá vergonha desse seu olhar.
É no universo dos nojentos e dos covardes que vale a dolorosa constatação de "Entre
quatro paredes": "o inferno são os outros". Assim, não há uma natureza humana, visto
que não há Deus para a conceber: o homem não é mais do queaquilo que ele faz de si
mesmo. Tal é o primeiro principio do existencialismo ateu. Mas Sartre salienta que
aquilo que vulgarmente entendemos por querer, é uma decisão consciente que, para a
maior parte de nós, é posterior ao que alguém já fez de si mesmo.
Liberdade. No entender de Sartre, estamos "condenados à liberdade"; não há limite
para nossa liberdade, exceto o de que "não somos livres para deixarmos de sermos
livres." Porque não há nenhum Deus e portanto não há qualquer plano divino que
determine oque deve acontecer, não há nenhum determinismo. O homem é livre.
Nada o força a fazer o que faz. "Nós estamos sozinhos, sem desculpas." O homem
não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido
pela paixão ou determinado dealguma maneira a fazer o que faz.
A angústia. Seguindo aKierkegaard, Sartre usa o termo "angústia" para descrever
essa consciência da própria liberdade. Nós estamos livres porque nós nãopodemos
confiar em um Deus ou na sociedade para justificar nossa ação ou para nos dizer o
que e quem nós somos. Nós estamos condenados porque sem diretrizes absolutas, nós
devemos sofrer a agonia de nossa tomada de decisão e a angustia de suas
conseqüências. A angustia é, então, a consciência da própria liberdade... A angústia é
a consciência dessa liberdade de escolha, a consciência da imprevisibilidade última
do próprio comportamento... Uma pessoa à beira de um penhasco perigoso tem medo

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de cair, e senteangustia ao pensar que nada o impede de se jogar lá embaixo, de se
lançar no abismo.. O pensamento mais angustioso de todos é quando, num dado
momento, nós não sabemos como nós iremos nos comportar no momento seguinte.
Sartre descreve a vida humana como "uma consciência infeliz". O homem está
sempre tentando alcançar um estado em que não restariam possibilidades irrealizadas,
no qual diria: "eu não tinha outra escolha, situação em que seria um objeto em vez de
um ser consciente, com opções e liberdade. Mas, argumenta, "Não podemos chegar a
um estado em que não restem possibilidades irrealizadas", ou aí estaríamos
determinados, sem escolha possível e portanto sem liberdade. Não há fuga possível da
angústia da liberdade; fugir à responsabilidade é em si mesmo uma escolha.
A "má fé". Às vezes nós escapamos da ansiedade fingindo que nós não estamos
livres, como quando nós fingimos que nossos genes ou nosso ambiente são a causa de
como nós agimos. Nós nos permitimos ser auto-enganados ou mentir para nós
mesmos, especialmente quando isto toma a forma de responsabilizar as circunstâncias
por nosso fado e de não lançar mão da liberdade para realizar a nós mesmos na ação.
Quando nós fingimos, nós agimos de má fé.
A má fé é a tentativa de fugir da angústia fingindo que não somos livres. Tentamos
nos convencer que as nossas atitudes e ações são determinadas pela nossa
personalidade, por nossa situação, ou por qualquer outra coisa fora de nós mesmos".
Porém, diz Sartre, o que é aprendido, ou os propósitos, as experiências passadas, não
determinam o comportamento atual.. Segundo ele, "nenhum motivo ou resolução
passada determina o que fazemos agora". "Cada momento requer uma escolha nova
ou renovada".
Negar a liberdade é, a seus olhos, uma tomada de posição covarde, a fim de fugir da
angústia da escolha, e achar o repouso e a segurança na confortável ilusão de ser uma
essência acabada.
Sartre diz que, porque não existe Deus, o homem não foi criado para nenhum
propósito particular, essência alguma. Dizer que estamos obrigados por nossa
natureza, nosso papel na vida, a agir de certo modo constitui "má fé".
A Psicanálise Existencial. Sartre rejeita enfaticamente a idéia de causas
inconscientes dos fatos psíquicos; para ele tudo que está na mente é consciente.
Rompeu com a psicanálise por esta retirar a responsabilidade do indivíduo ao invocar
a ação de uma força subconsciente e estados mentais inconscientes, que, para Sartre,
não existem. Sustenta que a consciência é necessariamente transparente para si
mesma. Todos os aspectos de nossas vidas mentais são intencionais, escolhidos, e de
nossa responsabilidade, o que é incompatível com o total determinismo psíquico
postulado por Freud.
Teríamos de atribuir a repressão inconsciente a alguma instância dentro da mente (a
"censura") que distingue entre o que será reprimido e o que pode ficar consciente, de
forma que essa censura tem de estar a par da idéia reprimida a fim de não estar a par
dela. Portanto, o inconsciente não é verdadeiramente inconsciente. Em algum nível eu
estou consciente, e escolho, o que vou e o que não vou permitir vir claramente à
minha consciência. Por isso não posso usar "o inconsciente" como uma desculpa para
meu comportamento. Mesmo que eu não possa admitir para mim mesmo, eu estou
consciente e escolhendo. Mesmo na decepção que sofro, eu sei que sou eu aquele que
me decepciona, e o assim chamado "Censor" de Freud deve estar consciente para

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saber o que reprimir. Aqueles que usam o inconsciente como desculpa do
comportamento acreditam que nossos instintos, nossas inclinações e nossos
complexos constituem uma realidade que simplesmente é; que não é verdadeira nem
falsa em si mesma mas simplesmente real.
Somos responsáveis por nossas emoções, visto que há maneiras que escolhemos para
reagir frente ao mundo. Somos também responsáveis pelos traços duradouros da
nossa própria personalidade. Não podemos dizer "sou tímido", como se isto fosse um
fato imutável, uma vez que nossa timidez representa a forma como agimos, e que
podemos escolher agir diferentemente.
Nossos atos nos definem. Na vida, o homem se compromete, desenha seu próprio
retrato e não há mais nada senão esse retrato. Nossas ilusões e imaginação a nosso
respeito, sobre o que poderíamos ter sido, são decepções auto-infligidas.
Permanentemente estamos a nos fazer do modo que somos. Uma pessoa "corajosa" é
simplesmente alguém que geralmente age com bravura. Cada ato contribui para nos
definir como somos, e em qualquer momento podemos começar a agir de modo
diferente e desenhar um retrato diferente de nós mesmos.Há sempre uma
possibilidade de mundaça, de começar a fazer um tipo diferente de escolha. Temos o
poder de nos transformar indefinidamente..
O instrumento proposto por Sartre para que possamos conseguir um auto-
conhecimento genuíno é aAnálise Existencial. Ele chama "Psicanálise Existencial" a
"Uma psicanálise que busca não as causas do comportamento de uma pessoa, mas o
seu sentido" (O que o comportamento exprime como escolha). A função desta
psicanálise não é procurar as causas inconscientes do comportamento de uma pessoa,
mas o significado desse comportamento. A realidade humana identifica-se e se define
pelos fins que busca e não por pretensas "causas" no passado.
Nenhuma "essência" determinada de mim mesmo orientaa priori meu
comportamento. Porém, háo que Sartre chama "Projeto Original". Como uma pessoa
é essencialmente uma unidade, e não apenas um amontoado de desejos ou hábitos
sem relação, deve haver para cada uma delas uma escolha fundamental por um papel
ouscriptde vida, o "projeto original", o qual dá o significado de qualquer aspecto
específico de seu comportamento.
A radical oposição de Sartre à psicanálise influiu grandemente na psiquiatria de seu
tempo.Ronald David Laing (1927-1989), um conhecido psiquiatra inglês de origem
escocesa, buscou um novo método de tratamento da loucura seguindo a filosofia
existencialista. Entre suas principais obras estáReason & Violence: A Decade of
Sartre's Philosophy ("Razão e violência: uma década da filosofia de Sartre"), em co-
autoria com D.G. Cooper, de 1971.
Socialismo.Sartre rompeu com o socialismo e a psicanálise considerando o quanto o
Existencialismo se opõe à teoria psicanalítica. A submissão ao inconsciente
significaria cerceamento da liberdade. O mesmo diz do socialismo. Depois de
renunciar ele mesmo ao comunismo, denunciou que o planejamento social implica
restrição ou perda total da liberdade. Os existencialistas acreditam na capacidade de
todo indivíduo de escolher as suas atitudes, objetivos, valores e formas de vida e seu
postulado de liberdade representa obstáculo intransponível ao conformismo requerido
pelo planejamento socialista e sua negação da individualidade em favor do social e
coletivo.

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Posteriormente Sartre adotou uma forma de marxismo que ele considerava como a
"filosofia inescapável do nosso tempo", que só precisava ser refertilizada pelo
existencialismo. Esta mudança de ponto de vista encontra-se na sua "Crítica da Razão
Dialética", volume I, de 1960.
Deus. Sartre é um existencialista ateu. Segundo Sartre, o homem está abandonado;
Deus não existe e, para Sartre, a não-existência de Deus tem implicações extremadas.
Aliás, alguns dos problemas principais que se levantam do abandono parecem
também levantar-se meramente do fato de nós não podermos saber se Deus existe. Se
Deus realmente existe, nós "não estamos abandonados". O problema do abandono
levanta-se meramente do fato de nós não podermos saber se Deus existe. Sua
existência em tais condições equivale, para Sartre, em uma não-existência efetiva, que
tem implicações drásticas. Primeiro, porque não há Deus, não há nenhum criador do
homem e nem tal coisa como um concepção divina do homem de acordo com a qual o
homem foi criado. Segundo, diz ele, louvando-se em Dostoiévski (na fala de Ivan
Karamazov, na famosa novela daquele escritor russo): Se Deus não existe, então tudo
é permitido. Terceiro, "Não há um sentido ou propósito último inerente à vida
humana; a vida é absurda".
Isto significa que o indivíduo, foi jogado de fato na existência sem nenhuma razão
real para ser. "Simplesmente descobrimos que existimos e temos então de decidir o
que fazer de nós mesmos.".
Resta como o único valor para o existencialismo ateu a liberdade. Afirma que não
pode haver uma justificativa objetiva para qualquer outro valor.
Porque não há nenhum Deus, não há nenhum padrão objetivo dos valores. Com o
desaparecimento dele desaparece também toda possibilidade de encontrar valores.
Não pode então haver qualquer bema priori porque se nós não sabemos se Deus
existe, então nós não sabemos se há alguma razão final porque as coisas acontecem da
maneira que acontecem; não há nenhuma razão final porque qualquer coisa tenha
acontecido ou porque as coisas são da maneira que elas são e não de alguma outra
maneira e nós não sabemos se aqueles valores que acreditamos que estão baseados em
Deus têm realmente validade objetiva. Consequentemente, porque um mundo sem
Deus não tem valores objetivos, nós devemos estabelecer ou inventar, a partir da
liberdade, nossospróprios valores particulares. Na verdade, mesmo se nós
soubéssemos que Deus existe e aceitássemos que os valores devessem basear-se em
Deus, nós ainda poderíamos não saber que valores estariam baseados em Deus, nós
poderíamos ainda assim não saber quais seriam os critérios e os padrões absolutos do
certo e do errado. E mesmo se nós sabemos quais são os padrões do certo e do errado
(critérios), exatamente o que significam ainda seria matéria da interpretação subjetiva.
E assim o dilema humano que resultaria poderia ser muitíssimo o mesmo como se não
houvesse Deus.
Ética. Sartre acredita na capacidade de todo indivíduo de escolher as suas atitudes,
objetivos, valores e formas de vida. É uma ilusão a crença de que os valores existem
objetivamente no mundo, emvez de serem criados apenas pela escolha humana.
Recomenda honestidade, ou seja, que façamos nossas escolhas individuais com plena
consciência de que são autenticamente nossas e nada as determina por nós. Parece
assim que Sartre, a partir das próprias premissas, teria que elogiar o homem que
escolhe devotar a vida à exterminação dos judeus, contanto que ele escolha isso com
plena consciência do que está fazendo. Porém, paradoxalmente, a "sinceridade" que
iria contrapor-se à má fé, não é inteiramente possível. O ideal de sinceridade completa

39
parece condenado ao fracasso por dois motivos. Primeiro, uma vez que não podemos
ser simplesmente objetos observados e corretamente descritos, não podemos ser
considerados, nem por nós mesmos, como honestos. Segundo, porque se é sincero no
mal. Assim sendo, o único valor fundamental e universal para o existencialismo é a
liberdade. Diz Sartre "Não pode haver uma justificativa objetiva para qualquer outro
valor". A única recomendação positiva que Sartre pode fazer é que deveríamos evitar
a má fé e procurar fazer escolhas autênticas.
Crítica.Sartre foi, sem dúvida, essencialmente um filósofo moralista e um psicólogo
arguto, e contou com a simpatia de uma vasta imprensa esquerdista em todo o mundo.
Porém, pouco do que disse foi concepção original sua. Ele tomou seu ponto de partida
das filosofias deHusserl eHeidegger. Seu primeiro trabalho,L'Imagination (1936) e
L'Imaginaire: Psychologie phénoménologique de l'imagination (1940), ficam
completamente no contexto da análise da consciência que fez Husserl.O pensamento
de Heidegger aparece com clareza em "A Náusea". A definição do homem como um
ser de possibilidades que encontra ou perde a si mesmo nas escolhas que faz com
respeito a si mesmo corresponde à definição de Heidegger do que chamouDasein
como o ser que tem que se fazer, se materializar. Segundo seus críticos, noL'Être et
le néant (1943), um ensaio de ontologia fenomenológica, está óbvio que Sartre copiou
de Heidegger. Algumas passagens da obra de HeideggerWas ist Metaphysik? (1929-
"Que é a Metafísica?"), na verdade foram literalmente copiadas. O significado do
"Nada", objeto da investigação de Heidegger em suas aulas, foi a questão que guiou o
pensamento de Sartre.
Rubem Queiroz Cobra
Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia
Capítulo VIII
O Existencialismo de SorenKierkegaard
Kierkegaard é um dos raros autores cuja vida exerceu profunda influência no
desenvolvimento da obra. As inquietações e angústias que o acompanharam estão expressas em
seus textos, incluindo a relação de angústia e sofrimento que ele manteve com o cristianismo–
herança de um pai extremamente religioso, que cultuava a maneira exacerbada os rígidos
princípios do protestantismo dinamarquês, religião de Estado.
Sétimo filho de um casamento que já durava muitos anos– nasceu em 1813, quando o pai, rico
comerciante de Copenhague, tinha 56 e a mãe 44–, chamava a si mesmo de "filho da velhice" e
teria seguido a carreira de pastor caso não houvesse se revelado um estudante indisciplinado e
boêmio. Trocou a Universidade de Copenhague, onde entrara em 1830 para estudar filosofia e
teologia, pelos cafés dacidade, os teatros, a vida social.
Foi só em 1837, com a morte do pai e o relacionamento com Regina Oslen (de quem se tornaria
noivo em 1840), que sua vida mudou. O noivado, em particular, exerceria uma influência
decisiva em sua obra. A partir daí seus textos tornaram-se mais profundos e seu pensamento,
mais religioso. Também em 1840 ele conclui o curso de teologia, e um ano depois apresentava
"Sobre o Conceito de Ironia", sua tese de doutorado.
Esse é o momento da segunda grande mudança em sua vida. Em vez de pastor e pai de família,
Kierkegaard escolheu a solidão. Para ele, essa era a única maneira de vivenciar sua fé.
Rompido o noivado, viajou, ainda em 1841, para a Alemanha. A crise vivida por um homem
que, ao optar pelo compromisso radical com a transcendência, descobre a necessidade da
solidão e do distanciamento mundano, está emDiários.

40
Na Alemanha, foi aluno de Schelling e esboça alguns de seus textos mais
importantes. Volta a Copenhague em 1842, e em 1843 publicaA Alternativa,Temor e Tremor e
A Repetição. Em 1844 saemMigalhas Filosóficas eO Conceito de Angústia. Um ano depois, é
editadoAs Etapas no Caminho da Vida e, em 1846, oPost-scriptum a Migalhas Filosóficas. A
maior parte desses textos constitui uma tentativa de explicar a Regina, e a ele mesmo, os
paradoxos da existência religiosa. Kierkegaard elabora seu pensamento a partir do exame
concreto do homem religioso historicamente situado. Assim, a filosofia assume, a um só tempo,
o carátersocrático do autoconhecimento e o esclarecimento reflexivo da posição do indivíduo
diante da verdade cristã.
Polemista por excelência, Kierkegaard criticou a Igreja oficial da Dinamarca, com a qual travou
um debate acirrado, e foi execradopelo semanário satíricoO Corsário, de Copenhague. Em
1849, publicouDoença Mortal e, em 1850,Escola do Cristianismo, em que analisa a
deterioração do sentimento religioso. Morreu em 1855.
Filósofo ou Religioso?
A posição de Kierkegaard leva algumas pessoas a levantar dúvidas a respeito do caráter
filosófico de seu pensamento. Pra elas, tratar-se-ia muito mais de um pensador religioso do que
de um filósofo. Para além das minúcias que essa distinção envolveria, cabe verificar o que ela
pode trazer de esclarecedor acerca do estilo de pensamento de Kierkegaard. Pode-se perguntar,
por exemplo, quais as questões fundamentais que lhe motivam a reflexão, ou, então, qual a
finalidade que ele intencionalmente deu à sua obra.
Estamos habituados a ver, na raiz das tentativas filosóficas que se deram ao longo da história,
razões da ordem da reforma do conhecimento, da política, da moral. Em Kierkegaard não
encontramos, estritamente, nenhuma dessas motivações tradicionais. Isso fica bem evidenciado
quando ele reage às filosofias de sua época– em especial à deHegel. Não se trata de questionar
as incorreções ou as inconsistências do sistema hegeliano. Trata-se muito mais de rebelar-se
contra a própria idéia desistema e aquilo que ela representa.
Para Hegel, o indivíduo é um momento de uma totalidade sistemática que o ultrapassa e na
qual, ao mesmo tempo, ele encontra sua realização. O individual se explica pelo sistema, o
particular pelo geral. Em Kierkegaard há um forte sentimento de irredutibilidade do indivíduo,
de sua especificidade e do caráter insuperável de sua realidade. Não devemos buscar o sentido
do indivíduo numa harmonia racional que anula as singularidades, mas, sim, na afirmação
radical da própria individualidade.
De onde provém, no entanto, essa defesa arraigada daquilo que é único? Não de uma
contraposição teórico-filosófica a Hegel, mas de uma concepção muito profunda da situação do
homem, enquanto ser individual, no mundo e perante aquilo que o ultrapassa, o infinito, a
divindade. A individualidade não deve portanto ser entendida primordialmente como um
conceito lógico, mas como a solidão característica do homem que se coloca como finito perante
o infinito. A individualidade define a existência.
Para Kierkegaard, o homem que se reconhece finito enquanto parte e momento da realização de
uma totalidade infinita se compraz na finitude, porque a vê como uma etapa de algo maior, cujo
sentido é infinito. Ora, comprazer-se na finitude é admitir a necessidade lógica de nossa
condição, é dissolver a singularidade do destino humano num curso histórico guiado por uma
finalidade que, a partir de uma dimensão sobre-humana, dá coerência ao sistema e aplaca as
vicissitudes do tempo.
Mas o homem que se coloca frente a si e a seu destino desnudado do aparato lógico não se vê
diante de um sistema de idéias mas diante de fatos, mais precisamente de um fato fundamental
que nenhuma lógica pode explicar:a fé. Esta não é o sucedâneo afetivo daquilo que não posso
compreender racionalmente; tampouco é um estágio provisório que dure apenas enquanto não
se completam e fortalecem as luzes da razão. É, definitivamente, um modo de existir. E esse
modo me põe imediatamente em relação com o absurdo e o paradoxo. O paradoxo de Deus
feito homem e o absurdo das circunstâncias do advento da Verdade.
Cristo, enquanto Deus tornado homem, é o mediador entre o homem e Deus. É por meio de
Cristo que o homem se situa existencialmente perante Deus. Cristo é portanto o fato primordial

41
para acompreensão que o homem tem de si. Mas o próprio Cristo é incompreensível. Não há
portanto uma mediação conceitual, algum tipo de prova racional que me transporte para a
compreensão da divindade. A mediação é o Cristo vivo, histórico, dotado, e o fato igualmente
incompreensível do sacrifício na cruz. Aqui se situam as circunstâncias que fazem do advento
da Verdade um absurdo: a Verdade não nos foi revelada com as pompas do conceito e do
sistema. Ela foi encarnada por um homem obscuro que morreu na cruz como um criminoso. O
acesso à Verdade suprema depende pois da crença no absurdo, naquilo que São Paulo já havia
chamado de "loucura". No entanto, é o absurdo que possibilita a Verdade. Se permanecesse a
distância infinita que separa Deus e o homem, este jamais teria acesso à Verdade. Foi a
mediação do paradoxo e do absurdo que recolocou o homem em comunicação com Deus. Por
isso devemos dizer:creio porque é absurdo. Somente dessa maneira nos colocamos no
caminho da recuperação de uma certa afinidade com o absoluto.
Não há, portanto, outro caminho para a Verdade a não ser o da interioridade, o aprofundamento
da subjetividade. Isso porque a individualidade autêntica supõe a vivência profunda da culpa:
sem esse sentimento, jamais nos situaremos verdadeiramente perante o fato da redenção e,
conseqüentemente, da mediação do Cristo.
O Sofrimento Necessário
A subjetividade não significa a fuga da generalidade objetiva: ao contrário, somente
aprofundando a subjetividade e a culpa a ela inerente é que nos aproximaremos da
compreensão original de nossa natureza: o pecado original. E a compreensão irradia luz sobre a
redenção e a graça, igualmente fundamentais para nos sentirmos verdadeiramente humanos, ou
seja, de posse da verdade humana do cristianismo. A autêntica subjetividade, insuperável modo
de existir, se realiza na vivência da religiosidade cristã.
A subjetividade de Kierkegaard não é tributária apenas da atmosfera romântica que envolvia
sua época. Seu profundo significado a-histórico tem a ver, mais do que com essacaracterística
do Romantismo, com uma concepção de existência que torna todos os homens contemporâneos
de Cristo. O fato da redenção, embora histórico, possui uma dimensão que o torna referência
intemporal para se vivenciar a fé. O cristão é aquele que sesente continuamente em presença
de Deus pela mediação do Cristo. Por isso a religião só tem sentido se for vivida como
comunhão com o sofrimento da cruz. Por isso é que Kierkegaard critica o cristianismo de sua
época, principalmente o protestantismo dinamarquês, penetrado, segundo ele, de conceituação
filosófica que esconde a brutalidade do fato religioso, minimiza a distância entre Deus e o
homem e sufoca o sentimento de angústia que acompanha a fé.
Essa angústia, no entender de Kierkegaard, estaria ilustrada no episódio do sacrifício de
Abraão. Esse relato bíblico indica a solidão e o abandono do indivíduo voltado unicamente para
a vivência da fé. O que Deus pede a Abraão– que ele sacrifique o único filho para demonstrar
sua fé– é absurdo e desumano segundo a ética dos homens.
Não se trata, nesse caso, de optar entre dois códigos de ética, ou entre dois sistemas de valores.
Abraão é colocado diante do incompreensível e diante do infinito. Ele não possui razões para
medir ou avaliar qual deve ser sua conduta. Tudo está suspenso, exceto a relação com Deus.
O Salto da Fé
Abraão não está na situação do herói trágico que deve escolher entre valores subjetivos
(individuais e familiares) e valores objetivos (a cidade, a comunidade), como no caso da
tragédia grega. Nada está em jogo, a não ser ele mesmo e a sua fé. Deus não está testando a
sabedoria de Abraão, da mesma forma como os deuses testavam a sabedoria deÉdipo ou de
Agamenon. A força de sua fé fez com que Abraão optasse pelo infinito.
Mas, caso o sacrifício se tivesse consumado, Abraão ainda assim não teria como justificá-lo à
luz de uma ética humana. Continuaria sendo o assassino de seu filho. Poderia permanecer
durante toda a vida indagando acerca das razões do sacrifício e não obteria resposta. Do ponto
de vista humano, a dúvida permaneceria para sempre. No entanto Abraão não hesitou: a fé fez
com que ele saltasse imediatamente da razão e da ética para o plano do absoluto, âmbito em
que o entendimento é cego. Abraão ilustra na sua radicalidade a situação de homem religioso.
A fé representa um salto, a ausência de mediação humana, precisamente porque não pode haver

42
transição racional entre o finito e o infinito. A crença é inseparável da angústia, o temor de
Deus é inseparável do tremor.
Por tudo o que a existência envolve de afirmação de fé, ela não pode ser elucidada pelo
conceito. Este jamais daria conta das tensões e contradições que marcam a vida individual.
Existir é existir diante de Deus,e a incompreensibilidade da infinitude divina faz com que a
consciência vacile como diante de um abismo. Não se pode apreender racionalmente a
contemporaneidade do Cristo, que faz com que a existência cristã se consuma num instante e
ao mesmo tempo se estenda pela eternidade. A fé reúne a reflexão e o êxtase, a procura
infindável e a visão instantânea da Verdade; o paradoxo de ser o pecado ao mesmo tempo a
condição de salvação, já que foi por causa do pecado original que Cristo veio ao mundo.
Qualquer filosofia que não leve em conta essas tensões, que afinal são derivadas de estar o
finito e o infinito em presença um do outro, não constituirá fundamento adequado da vida e da
ação. A filosofia deve ser imanente à vida. A especulação desgarrada da realidade concreta não
orientará a ação, muito simplesmente porque as decisões humanas não se ordenam por
conceitos, mas por alternativas e saltos.
Capítulo IX
Gestalt
A Gestalt surgiu nas primeiras décadas deste século como uma espécie de resposta ao
atomismo psicológico, escola que pregava uma busca do todo psicológico através da soma de
suas partes mais elementares; o complexo viria pura e simplesmente da reunião de seus
elementos mais simples, era uma escola de adição. A Escola da Forma dizia o contrário: não
podemos separar as partes de um todo pois dele elas dependem e não fazem sentido, pelo
menos o mesmo, senão enquanto partes formadoras daquele todo.
Em seu início, havia duas correntes na Gestalt, a dos dualistas e a dos monistas: os primeiros
acreditavam existir uma percepção mental que diferiria da sensorial. Sendo assim,
perceberíamos os elementos separadamente e só então eles formariam o todo através de uma
ação do espírito, de uma percepção mental. Um desenho, por exemplo, não é um todo, mas o
que estaria produzindo a forma total que percebemos, o que ligaria seus elementos seria o
espírito. Encontram-se nessa corrente muitos resquícios do atomismo psicológico, enquanto
que os monistas realmente romperam com eles, ao sustentarem que as partes dependemmais
do todo que ele destas, que é ele quem as determina. Para os monistas o esquema da percepção
seria, basicamente: estímulos sensoriais-> forma-> sensação.
Para os monistas, forma e matéria não são separáveis, os elementos de uma forma não existem
em si, singularmente, isso só seria possível através de abstração. Todos os elementos aparecem
ao mesmo tempo, e um observar um ou outro, um tomar um ou outro como figura ou fundo
tornaria a experiência diferente. Cada parte é percebida como elemento formador do todo,
pertencente a ele.
A Gestalt como teoria filosófica
Em um âmbito filosófico (a Gestalt chegou a ser considerada uma 'filosofia da forma'), pode-
se dizer que foi deixado de lado oego cogito cartesiano para, como Husserl (que foi, de fato,
mestre de Koffka, um dos papas desta escola), adotar-se umego cogitocogitatum: não há uma
ruptura entre consciência- ou sensação, no caso da escola da forma- e mundo. O "resíduo" a
que se pode chegar por uma redução, uma dissecação do real- ou de uma forma- não é o "eu
penso", mas a correlação entre o eu penso e o objeto de pensamento (oego cogito cogitatum).

43
Em suma, não existiria consciência enquanto tal, mas toda consciência seria consciência de.
Isso, porém, não se dá de forma separada, como pretendiam os associacionistas (escola da
psicologia que predominou no século XIX), mas concomitante: tomemos como exemplo um
carro na estrada, seguindo em direção contrária a você. Para os associacionistas, há um
intervencionismo do pensamento, ou seja, suas sensações lhe dizem que o carro está
diminuindo à medida em que se afasta, mas, sendo conhecedor das leis da física, ou mesmo já
tendo passado por esta experiência, seu pensamento reagiria, corrigindo o equívoco. O dado
sensorial seria menos real que a percepção, e interpretado de acordo com a experiência.
Já para a Gestalt, isso tudo aconteceria de uma só vez e não através da experiência, mas de
acordo com o que é dado na situação em si. Cada vez seria diferente, se apenas um dos
elementos formadores diferisse; o todo seria o que há de mais importante, o que vale aqui não
é a experiência, todavia o agora e o que é dado nesse agora. Percebe-se de maneira diferente
de acordo com o contexto em que o objeto/excitante está inserido, nossa sensação é global e
variadependendo do evento/forma.
Essa foi a concepção que acabou, por assim dizer, "triunfante" em relação à outra, e seus
defensores, Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, acabaram por se tornar figuras
de maior importância na Escola da Gestalt.
Essateoria da forma não se manteve apenas dentro dos limites da psicologia, mas pretendeu se
estender à Física e à Filosofia, admitindo a existência de formas fisiológicas e de formas
físicas, além das formas psicológicas: as primeiras dizem respeito aos organismos vivos, que
funcionariam do todo para o uno; as células seriam dependentes do organismo e não o
contrário porque este teria a capacidade de se adaptar. As segundas tratam do mundo físico:
este tenderia, também, a um equilíbrio total, uma busca da boaforma, mais homogênea e
simétrica. Finalmente, as formas psicológicas, que são colocadas de uma maneira bem
materialista: os gestaltistas não admitem a existência de um espírito, de alma, mas que tudo se
reduz à matéria bruta, sendo as formas psicológicaso subjetivo das fisiológicas e estas apenas
reduzidas às formas físicas.
Organização Perceptual- Assimilação e Contraste; Figura e fundo
Somos bombardeados por estímulos físicos todo o tempo e, para compreendê-los, formamos
organizações perceptuais (termo que se aplica tanto ao processo de organização quanto ao
resultado em si). Há várias maneiras de se organizar esses estímulos, e, de fato, o fazemos,
mas de tal modo que exista sempre apenas uma: nunca há dois tipos de organização em um só
momento. Esse empreendimento se dá de maneira espontânea, inerente ao indivíduo, porém o
consciente pode exercer um papel nesse processo, pois a organização perceptual ocorre dentro
e fora da consciência: se a pessoa quiser, poderá criá-la conscientemente, mas se nãoo fizer, o
inconsciente agirá.
Um ponto importante no processo de organização perceptual é a diferenciação do campo
perceptual. A maneira com que a forma é apresentada pode, por exemplo, suscitar fenômenos
como a associação e o contraste.
O primeiro destes princípios diz respeito a uma homogeneização das partes da forma a que
somos compelidos quando não há fronteiras entre elas, ou quando não as percebemos. Os
contornos se tornam importantes neste sentido: tendemos a tornar cada parte homogênea em
matériade luz; a assimilação pode acontecer quando há proximidade, especialmente quando
estas áreas próximas não estão delimitadas. Já o contraste consiste em perceber-se uma
diferença maior do que ela realmente é, e ocorre quando há uma separação das partes, quase de
maneira contrária à assimilação.
Porém deve-se sempre lembrar que, tanto assimilação como contraste são "regidos" pela
organização perceptual total, podendo, até mesmo haver a ocorrência dos dois fenômenos em
um mesmo objeto, dependendo de, por exemplo, qual o fundo sob o qual está a figura. Estes
dois conceitos, fundo e figura, são os mais simples da forma de organização perceptual: em

44
qualquer campo diferenciado, uma das partes sempre parece "saltar", se salientar em relação às
outras. A ela damos o nome de figura, sendo o fundo todo o resto.
O que nos permite diferenciá-los, enxergar uma separação entre ambos é o contorno: uma
fronteira física que mais parece pertencente à figura, conferindo forma a ela. Se há uma
inversão, se a figura passa a parecer fundo e vice-versa, então o contorno passará, logicamente,
a parecer pertencer à nova figura. A figura sempre parece possuir o contorno. Se, em uma
forma, não fica muito clara essa separação (sendo que sempre veremos uma parte como figura
e outra comofundo; o que pode não ficar claro é o que qual das partes é definitivamente), há
uma flutuação, percebemos alternadamente os elementos como figura e fundo; porém, sempre
um de cada vez, e sempre um. Bom, nesse caso, ao acontecer essa flutuação, o contornopassa
a nos parecer completamente diferente em cada um dos casos. Pode acontecer, também, de
algo ser definido como figura embora não haja um contorno, uma linha física que o delimite:
esse fenômeno é conhecido como fechamento e é muito comum, posto que certas formas estão
de uma maneira que nos pareça completa, não cabendo ali nenhum tipo de modificação; é
como se elas se bastassem, fossem suficientes, enfim, completas em si.
Na determinação de o que é figura e fundo influem diversos fatores, como tamanho e
localização, ou, caso esses sejam os mesmos, a área que for menor ou mais fechada.
Geralmente, o que pode ser agrupado com mais facilidade, pareça seguir uma "linha", for mais
homogêneo, ou até mesmo o que for mais conhecido para quem observa (e aí entra a questão
da subjetividade na percepção) passará a ser visto como a figura. Há até mesmo a influência
do sistema nervoso e outros processos do tipo nessa determinação.
Figura e fundo são diferenciados não só em formas visuais, vale lembrar; tendemos a separá-
los em todas as experiências de percepção. Na chamada música pop, por exemplo, geralmente
percebemos a voz do cantor como figura e o instrumental como fundo, como
acompanhamento.
Agrupamento Perceptual- Wertheimer
Pode haver, e na maioria das vezeshá, mais de dois elementos na forma: nesse caso, o que
seria figura? E fundo? Por quê? Max Wertheimer, tido como o fundador da teoria da Gestalt,
propõe em seu "Raciocínio Visual" certos princípios, a seguir:
1) Proximidade
Em condições iguais, eventos próximos no tempo e espaço tenderão a permanecer unidos,
formando um só todo:
OO OO OO OO OO OO OO
OO OO OO OO OO OO OO
OO OO OO OO OO OO OO
2) Semelhança
Eventos semelhantes se agruparão entre si:
O X O X O X O X O X O X O
O X O X O X O X O X O X O
O X O X O X O X O X O X O
Essa semelhança se dá por intensidade, cor,odor, peso, tamanho, forma etc. e se dá em
igualdade de condições.
3) Semelhança + Proximidade
É a simples adição dos dois princípios anteriores, se em condições iguais:

45
OO OX XO OO
OO OX XO OO
OO OX XO OO
4) Lei da Boa Continuidade
É o acompanhamento de uns elementos por outros, de modo que uma linha ou uma forma
continuem em uma direção ou maneira já conhecidas.
____|____ = ________ |
5) Pregnância
Há formas que parecem se impor em relação às outras, nos fazendo, por muito tempo, não
conseguir ver outra forma de distribuição:
OO OO OO OO OO OO OO OO OO
OO OO OO OO OO OO OO OO OO
OO OO OO OO OO OO OO OO OO
6) Destino Comum
Há certos elementos que parecem se dirigir a um mesmo lugar, sedestacando de outros que
não o pareçam.
7) Persistência do Agrupamento Original
Em todos as formas, todos os estímulos, os elementos aproximam-se uns dos outros e
tendemos a fazer com que os grupos continuem os mesmos.
8) Experiência Passada ou Aprendizagem
É a subjetividade do percebedor: para cada um a percepção pode ser diferente, de acordo com
a experiência do indivíduo, de acordo com o que ele já viveu ou aprendeu, conheceu.
Tomemos como exemplo um texto qualquer: para um analfabeto ou alguém que não conheça a
língua em questão, parecerá uma confusã completa, mas, para aquele que saiba ler ou conheça
a língua, parecerá inteiramente inteligível.
9) Clausura ou Fechamento
Os elementos de uma forma tendem a se agrupar de modo que formem uma figura maistotal
ou fechada.
Conclusão
Essas tendências ou princípios, dependendo de sua intensidade podem produzir efeitos
diferentes, devemos sempre lembrar que, para a Escola da Forma, o todo não é apenas a soma
das partes, sua essência depende da configuraçãodas partes.
A partir disso, podemos trazer ainda algumas considerações e conceitos finais: a transposição
das formas, por exemplo, é de um valor muito grande dentro do que foi dito no parágrafo
anterior; podemos transpor a mesma forma a partir de elementos diferentes, de modo que a
forma original ainda possa ser reconhecida, como em:
OOXX
OO, XX
ou em uma melodia cujas notas sejam aumentadas todas em um tom, ou seja, o todo é a

46
configuração de seus elementos, mas também difere de acordo com os elementosem si.
Porém, não podemos nos esquecer da parte-todo, isto é, que as partes dependem da natureza
do todo.
Por último, vale falar, mais uma vez, sobre a subjetividade na percepção: deve-se levar em
conta a experiência vivida pelo sujeito, o seu nível de conhecimento ou familiaridade com o
assunto tratadoet sic per omnia.
Enfim, a Escola da Gestalt não se limitou apenas à percepção, mas expandiu suas teorias a
várias áreas de conhecimento, revolucionando a psicologia e influenciando diretamente muitos
pensadores. Pode-se dizer, por exemplo, que o behaviorismo de Skinner bebe basicamente da
fonte da Gestalt.
Esta foi e continua sendo uma escola revolucionária e de um imenso valor histórico.

47
Capítulo X
Gestalterapia de Friederich Perls
A teoria da Gestalt desenvolveu-se como protesto contra a análise atomística vigente no final
do século XIX. A análise atomística tentava compreender a experiência da pessoa de forma
que os elementos dessa experiência eram reduzidos aos seus componentes mais simples,
sendo que cada componente era analisado separadamente dos outros e, a experiência total era
entendida como uma soma destes componentes. A chamada Gestalt-terapia surge no início da
década de 50, a partir das reflexões de Friederich Perls, um psicanalista nascido em Berlim
em 1893, que emigrou durante a década de 40 para a África do Sul e posteriormente para os
Estados Unidos da América, onde juntamente com um grupo de intelectuais norte-americanos
desenvolveu esta nova abordagem.
1. Crescimento Psicológico
Perls definia a saúde e a maturidade psicológicas como sendo a capacidade de emergir do
apoio e da regulação ambientais para um auto-apoio e uma auto-regulação. O processo
terapêutico representa um esforço na direção desta emergência. O elemento crucial no auto-
apoio e na auto-regulação é o equilíbrio. Uma das proposições básicas da teoria da Gestalt é
que todo organismo possui a capacidade de realizar um equilíbrio ótimo consigo e com seu
meio. As condições para realizar este equilíbrio envolvem uma conscientização desobstruída
da hierarquia de necessidades, que descrevemos anteriormente. Uma apreciação plena desta
hierarquia de necessidades só pode ser realizada através da conscientização que envolve todo
organismo, uma vez que necessidades são experienciadas por cada parte do organismo e sua
hierarquia é estabelecida por meio de sua coordenação. Perls considera o ritmo de
contato/fuga com o meio ambiente como componente principal do equilíbrio do organismo. A
imaturidade e a neurose implicam uma percepção impropria do que constitui este ritmo ou
uma incapacidade de regular seu equilíbrio. Indivíduos auto-apoiados e auto-regulados se
caracterizam pelo livre fluir e pelo delineamento claro da formação figura-fundo (definição de
sentido) nas expressões de suas necessidades de contato e retraimento. Tais indivíduos
reconhecem sua própria capacidade de escolher os meios de satisfazer necessidades à medida
que estas emergem. Têm consciência das fronteiras entre e eles mesmos e os outros e estão
particularmente conscientes da distinção entre suas fantasias sobre os outros (ou o ambiente)
e o que experienciam através do contato direto.
2. Psicologia da Gestalt
Embora não haja equivalente preciso em português para a palavra alemã gestalt, o sentido
mais geralque se pode dar ao termo seria uma espécie de disposição ou configuração de uma
organização específica das partes que constituiria um todo particular. O princípio mais
importante da abordagem gestáltica é a afirmação de que a análise das partes nunca pode
proporcionar uma compreensão do todo, uma vez que o todo será definido pelas interações e
interdependências das partes. As partes de uma gestalt não mantêm sua identidade quando
estão separadas de sua função e lugar no todo. Assim sendo, a teoria da Gestalt foi
inicialmente formulada no final do século XIX na Alemanha e Áustria. Em 1912, Max
Wertheimer publicou um trabalho considerado o fundamento da escola gestáltica, onde
descrevia um experimento executado por Wertheimer e seus colegas, planejado para explorar
certos aspectos da percepção do movimento. Numa sala escura, eles faziam reluzir em rápida
sucessão dois pontos de luz próximos um do outro, variando os intervalos de tempo entre os
clarões. Descobriram que quando o intervalo entre os clarões era menor que 3/100 de
segundo, eles pareciam simultâneos. Quando o intervalo era de 6/100 de segundo, o
observador dizia ver o clarão mover-se do primeiro ponto ao segundo. Quando o intervalo era
de 20/100 de segundo ou mais, os pontos de luz foram observados como o eram de fato, ou

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seja, dois clarões de luz separados. A descoberta crucial do experimento refere-se à percepção
de movimento quando os clarões estavam separados por aproximadamente 6/100 de segundo.
O movimento aparente não era função dos estímulos isoladamente, mas dependia das
características relacionadas à organização neural e perceptiva do campo. Os resultados deste
experimento levaram a algumas reformulações fundamentais no estudo da percepção e,
durante as décadas de vinte, trinta e quarenta do nosso século, a teoria da Gestalt foi aplicada
ao estudo da aprendizagem, resolução de problemas, motivação, psicologia social e, até certo
ponto, à teoria da personalidade. A escola gestáltica causou enorme impacto em todo o campo
da Psicologia. Na metadedo século XX, a abordagem desta escola tinha-se tornado tão
intrínseca à corrente central da Psicologia que a noção de um movimento gestáltico por si
próprio e emancipado deixou de existir. Uma contribuição importante dos adeptos da Gestalt
refere-se à exploração da maneira como as partes constituem e estão relacionadas com um
todo. Além disso, a teoria da Gestalt ofereceu algumas sugestões a respeito dos modos pelos
quais os organismos se adaptam para alcançar sua organização e equilíbrio ótimos. Um
aspecto desta adaptação envolve a forma pela qual um organismo torna suas percepções
significativas, a maneira pela qual distingue figura do fundo. A escola gestáltica estendeu o
fenômeno figura-fundo para descrever a maneira pela qual um organismo seleciona o que é
ou não é de seu interesse num dado momento. Para um homem sedento, um copo de água
colocado entre seus pratos favoritos emerge como figura principal contra o fundo menos
importante constituído pela comida. A percepção adapta-se à necessidade, capacitando-nos a
satisfazer nossas necessidades. Uma vez satisfeita a sede do exemplo, sua percepção da
pessoa sobre o que é figura e o que é fundo provavelmente se modificará, de acordo com as
mudanças nos interesses e necessidades dominantes. Embora, por voltade 1940 a teoria da
Gestalt já tivesse sido aplicada em muitas áreas da Psicologia, foi em grande parte ignorada
no exame da dinâmica da estrutura da personalidade e do crescimento pessoal. Além do mais,
ainda não havia nenhuma formulação de princípios daGestalt específicos para psicoterapia.
Assim, a partir desse ponto podemos começar a ver o papel de Fritz Perls, responsável pela
ampliação da teoria da Gestalt na psicoterapia e de uma teoria de mudança psicológica. A
abordagem gestáltica inspirou-se em formulações da Psicologia e da Filosofia, adotando
alguns referenciais, tais como, a percepção gestáltica de que "o todo é diferente da soma das
partes". A percepção gestáltica propõe que todo fenômeno psíquico seja visto como um todo,
em suas relações e dinamismos. Por essa razão a Gestalt não considera o comportamento da
pessoa isoladamente. Ela procura explorar a situação em que se deu, sua importância e
significado naquele momento e situação. Considera o homem como um ser em relação, seu
organismo é umsistema em equilíbrio, ou em constante busca de equilíbrio e auto-regulação
em sua relação com o meio. O terapeuta gestáltico é especialmente atento à forma como se
expressa o cliente, não só em termos de verbalização, mas também em termos de linguagem
gestual, corporal. motora. Perls mostra que a agressividade também desempenha um papel
construtivo na maneira como a pessoa se relaciona com o mundo e consigo mesma.
3. Existencialismo e Fenomenologia
Perls descreveu a Gestalt-terapia como uma terapia existencial, baseada na filosofia
existencial e utilizando-se de princípios considerados existencialistas e fenomenológicos.
Embora a Gestalt-terapia não se tenha desenvolvido diretamente a partir de antecedentes
fenomenológicos e existenciais particulares, vários aspectos do trabalho de Perls equiparam-
se àqueles desenvolvidos em muitas escolas do existencialismo e fenomenologia. A influência
destas escolas foi difusa, porém substancial. Em geral, Perls contestava de forma ferrenha a
idéia de que se poderia abranger o estudo do ser humano através de uma abordagem
científico-natural-mecanicista inteiramente racional, como recomendava o positivismo. A
partir disso, Perls associou-se à maioria dos existencialistas, insistindo que o mundo vivencial
de um indivíduo só pode ser compreendido por meio da descrição direta que o próprio
indivíduo faz de sua situação única. Do mesmo modo, Perls sustentou que o encontro do

49
terapeuta com um paciente, constitui um encontro existencial entre duas pessoas e não uma
variante do clássico relacionamento médico-paciente. O primeiro livro publicado por
Friederich Perls, antes mesmo do nascimento da Gestalt-Terapia, foi "The Ego, Hunger and
Aggression"(1942), onde expressa de forma condensada sua crítica à teoria de Freud. A idéia
de que mente e corpo constituem dois aspectos diferentes da existência diferentes e
completamente separados, era uma noção que Perls, assim como os existencialistas, achavam
intolerável. De acordo com suas objeções, assim como não poderia haver cisão entre mente e
corpo, abandonou também a idéia da cisão entre sujeito e objeto e, mesmo, a da cisão entre
organismo e meio. Ao invés de considerar que cada ser humano encontra um mundo que ele
experiencia como sendo completamente separado de si mesmo, Perls acreditava que as
pessoas criam e constituem seus próprios mundos. Dessa forma o mundo existe para um dado
indivíduo como sua própria descoberta do mundo. O conceito de intencionalidade é básico,
tanto para o existencialismo e fenomenologia quanto para o trabalho de Perls. A mente ou
consciência é entendida como intenção e não pode ser compreendida à parte do que é pensado
ou pretendido. Os sentidos dos atos psíquicos ou intenções devem ser alcançados em seus
próprios termos, fenomenologicamente, e em termos de sua própria intenção particular.
Assim, a crítica existencialista da noção freudiana de instintos é a mesma de Perls, e a libido
constitui um ato psíquico, nem mais básico nem mais universal que qualquer outro. Todo ato
psíquico é intenção, e toda intenção deve ser compreendida em seus próprios termos, e não
em termos de um ato psíquico mais básico. Entre o pensamento existencialista, dois temas
são da maior importância; a experiência do nada e a preocupação com a morte e o medo. Ao
examinar a visão que Perls tem da neurose, veremos que esses mesmos temas também
constituem elementos importantes em sua teoria sobre o funcionamento psicológico. O
método fenomenológico de compreender através da descrição é básico no pensamento de
Perls. Todas as ações implicam escolha, todos os critérios, de escolha são eles próprios
selecionados e explanações causais não são suficientes para justificar as escolhas ou ações de
alguém. Além disso, a confiança fenomenológica na intuição para o conhecimento das
essências assemelha-se à confiança de Perls naquilo que ele chama de inteligência ou
sabedoria natural do organismo. Finalmente, o próprio modo de Perls propor sua abordagem
inclui, como qualquer descrição fenomenológica, as características fenomenológicas e
existenciais descritas acima. Seus livros não são argumentações descrevendo um ponto de
vista particular, uma vez que, na estrutura fenomenológica, a argumentação perde o sentido a
não ser que o leitor, fora do contexto de sua própria experiência, decida aceitar as premissas
de Perls desde o início. O estilo de Perls é imaginativo e pessoal, e sua tentativa é existencial
no sentido em que propõe uma teoria do desenvolvimento psicológico que é inseparável do
envolvimento de Perls com seu próprio desenvolvimento.
4. O Organismo como um Todo
Um conceito fundamental subjacente ao trabalho de Perls tem sua formulação explícita, como
vimos, a partir do trabalho dos psicólogos da Gestalt. Na teoria de Perls, a noção de
organismo como um todo é central, tanto em relação ao funcionamento orgânico quanto à
participação do organismo em seu meio para criar um campo único de atividades. No
contexto do funcionamento intra-orgânico, Perls insistia em que os seres humanos são
organismos unificados e em que não há nenhuma diferença entre o tipo de atividade física e
mental. Perls definia atividade mental como atividade da pessoa toda que se desenvolve num
nível mais baixo de energia que a atividade física. Esta concepção dos níveis de atividades do
comportamento humano levou Perls a sugerir que qualquer aspecto do comportamento de um
indivíduo pode ser considerado como uma manifestação do todo, do ser total da pessoa.
Assim sendo, na terapia, o que o paciente faz ou como ele se movimenta, fala e assim por
diante, fornece tanta informação a seurespeito quanto o que ele pensa ou diz.
Além do holismo ao nível orgânico, Perls acentuou a importância do fato de considerar o
indivíduo como parte perene de um campo mais amplo, o qual inclui o organismo e seu meio.

50
Assim como Perls protestava contra anoção de divisão corpo-mente, protestava também
contra a divisão interno-externo. Ele considerava que a questão das pessoas serem dirigidas
por forças internas ou externas não tinha nenhum sentido em si, uma vez que os efeitos
causais de um são inseparáveis dos efeitos causais do outro. Há, no entanto, um limite de
contato entre o indivíduo e seu meio e é esse limite que define a relação entre eles. Num
indivíduo saudável este limite é fluido, sempre permitindo contato e depois afastamento do
meio. Contatar constitui a formação de uma gestalt e afastar-se representa seu fechamento.
Num indivíduo neurótico as funções de contato e afastamento estão perturbadas, e ele se
encontra frente a um aglomerado de gestalten que estão de alguma forma inacabadas ou nem
plenamente formadas nem plenamente fechadas. Perls sugeriu que as pistas para este ritmo
de contato e afastamento são ditadas por uma hierarquia de necessidades. As necessidades
dominantes emergem como ou figura contra o fundo da personalidade total. A ação efetiva é
dirigida para a satisfação de uma necessidade dominante. Os neuróticos são freqüentemente
incapazes de perceber quais de suas necessidades são dominantes ou de definir sua relação
com o meio, de forma a satisfazer tais necessidades. Assim, a neurose acarreta alterações nos
processos funcionais de contato e afastamento, e acabam causando uma distorção na
existência do indivíduo enquanto organismo unificado.
5. Ênfase no Aqui e Agora
A visão holística levou Perls a dar ênfase particular à importância da auto-percepção presente
e imediata que um indivíduo tem de seu meio. Os neuróticos são incapazes de viver no
presente, pois carregam cronicamente consigo situações inacabadas (gestalten incompletas)
do passado. Sua atenção é, pelo menos em parte, absorvida por essas situações e eles não têm
nem consciência nem energia para lidar plenamente com o presente. Visto que a natureza
destrutiva destas situações inacabadas aparece no presente, os indivíduos neuróticos sentem-
se incapazes de viver com sucesso. Assim, a Gestalt-terapia não investiga o passado com a
finalidade de procurar traumas ou situações inacabadas, mas convida o paciente simplesmente
a se concentrar para tornar-se consciente de sua experiência presente, pressupondo que os
fragmentos de situações inacabadas e problemas não resolvidos do passado emergirão
inevitavelmente como parte desta experiência presente. À medida que estas situações
inacabadas aparecem, pede-se ao paciente que as represente e experimente de novo, a fim de
completá-las e assimilá-las no presente. Perls definiu ansiedade como a lacuna, a "tensão
entre o agora e o depois". A inabilidade das pessoas para tolerar essa tensão, sugeria Perls,
leva-as a preencher a lacuna com planejamentos, ensaios e tentativas de tornar o futuro
seguro. Isto não apenas desvia a energia e a atenção do presente, criando assim situações
inacabadas perpetuamente, mas também impede o tipo de abertura para o futuro, decorrente
do crescimento e da espontaneidade. Além da natureza estritamente terapêutica deste
enfoque ligado à conscientização do presente, uma tendência subjacente ao trabalho de Perls é
a apologia de viver com a atenção voltada para o presente, ao invés do passado ou futuro,
como algo bom que leva ao crescimento psicológico. Aqui vemos mais uma vez como o
trabalho psicológico de Perls está fortemente baseado num contexto filosófico, num tipo de
weltanschauung que pressupõe que a experiência presente de uma pessoa, num dado
momento, é a única experiência presente possível e que a condiçãopara se sentir satisfeito e
realizado a cada momento da vida é a simples aceitação sincera desta experiência presente.
6. A preponderância do Como sobre o Porquê
Uma conseqüência natural da orientação fenomenológica de Perls e de sua abordagem
holística éa ênfase na importância da compreensão da experiência de uma maneira descritiva
e não causal. Estrutura e função são idênticas e se um indivíduo compreende como faz
alguma coisa, esta pessoa está na posição de compreender a ação em si. Segundo Perls, o
determinante causal, ou seja, o porquê da ação, é irrelevante para qualquer compreensão plena
da mesma. Perls considera que toda ação tem causas múltiplas, assim como toda causa tem
causas múltiplas, e as explicações de tais causas nos distanciam mais e mais da compreensão

51
do ato em si. Além disso, uma vez que todo elemento da existência de alguém só pode ser
compreendido como parte de uma das várias gestalten, não há qualquer possibilidade deste
elemento ser compreendido como sendo "causado" separadamente de toda a matriz de causas
da qual participa. Uma relação causal não pode existir entre elementos que formam um todo;
todo elemento causa e é causado por outros. Assim, na prática da Gestalt-terapia, a ênfase está
em ampliar constantemente a consciência da maneira como a pessoa se comporta, e não em
esforçar-se para analisar a razão pela qual a pessoa se comporta de tal forma.
7. Conscientização
Os três principais conceitos da abordagem de Perls examinados até agora, o organismo como
um todo, a ênfase no aqui e agora, e a preponderância do Como sobre o Porquê, constituem os
fundamentos para entender a conscientização, o ponto central de sua abordagem terapêutica.
O processo de crescimento, nos termos de Perls, é um processo de expansão das áreas de
autoconsciência e o fator mais importante que inibe o crescimento psicológico é a fuga da
conscientização. Perls acreditava plenamente no que ele chamava de sabedoria do organismo.
Considerava o indivíduo maduro e saudável um indivíduo auto-apoiado e auto-regulado. Via
o cultivo da autoconscientização como sendo dirigido para o reconhecimento da natureza
auto-reguladora do organismo humano. Segundo a teoria da Gestalt, Perls sugeriu que o
princípio da hierarquia e necessidades está sempre operando na pessoa. Em outras palavras, a
necessidade mais urgente, a situação inacabada mais importante, sempre emerge se a pessoa
estiver simplesmente consciente da experiência de si mesma a todo momento. Perls
desenvolveu a noção de um continuum de consciência como um meio de encorajar esta
autoconscientização. Manter um continuum de consciência parece demasiadamente simples,
apenas estar consciente do que estamos experienciando a cada instante. No entanto, a maioria
das pessoas interrompe o continuum quase de imediato, e esta interrupção em geral é causada
pela conscientização de algo desagradável.
Assim, estabelece-se a fuga em relação a pensamentos, expectativas, recordações e
associações de uma experiência à outra. Nenhuma dessas experiências associadas são de fato
experienciadas, elas são tocadas de leve, em flashes sucessivos, sem que haja assimilação do
material. O sujeito deixa a conscientização desagradável inicial tão fora do contexto quanto o
resto do material. Esta fuga de uma conscientização contínua, esta auto-interrupção, impede o
indivíduo de encarar e trabalhar com a conscientização desagradável. Ele ou ela permanece
empacado numa situação inacabada. Estar consciente é prestar atenção às figuras
perpetuamente emergentes da própria percepção. Evitar a tomada de consciência é enrijecer o
livre fluir natural do delineamento figura e fundo. Perls sugeria que para cada indivíduo
existem três zonas de consciência: consciência de si mesmo, consciência do mundo e
consciência do que está "entre", um tipo de zona intermediária da fantasia. Ele considerava o
exame desta última zona (que impede a conscientização das outras duas) como a grande
contribuição de Freud. Sugeriu, contudo, que Freud concentrou-se tão completamente na
compreensão desta zona intermediária que ignorou a importância de trabalhar para o
desenvolvimento da capacidade de conscientizar-se nas zonas de si mesmo e do mundo. Em
contraste, a maior parte da abordagem de Perls inclui uma tentativa muito deliberada de
ampliar a conscientização e obter contato direto consigo e com o mundo. Ao acentuar a
natureza do auto-apoio e da auto-regulação do bem-estar psicológico, Perls não quer dizer que
o indivíduo pode existir, de algum modo, separado de seu meio ambiente. Na verdade, o
equilíbrio orgânico supõe uma constante interação com o meio. O ponto crucial para Perls é
que podemos escolher a maneira como nos relacionamos com o meio. Somos auto-apoiados e
auto-regulados quanto ao fato de que reconhecemos nossa própria capacidade de determinar
como nos apoiamos e regulamos dentro de um campo que inclui muito mais do que nós
mesmos.
Perls descreve vários modos pelos quais se realiza o crescimento psicológico. O primeiro

52
envolve o completar situações ou resolver gestalten inacabadas. Ele também sugere que a
neurose pode ser vagamente considerada como um tipo de estrutura em cinco camadas, e que
o crescimento psicológico (e eventualmente a libertação da neurose) ocorre na passagem
através destas cinco camadas. Perls denomina a primeira camada de camada dos clichês ou
da existência dos sinais. Ela inclui todos os sinais de contato: "bom dia", "oi", "o tempo está
bom, não é?" A segunda camada é a dos papéis ou jogos. É a camada do "como se" em que as
pessoas fingem que são aquelas que gostariam de ser. Assim, o homem de negócios sempre
competente, a menininha sempre bonitinha, a pessoa muito importante. Depois de termos
reorganizado essas duas camadas, Perls sugere que alcançamos a camada do impasse, também
denominada camada da anti-existência ou do evitar fóbico. Aqui experienciamos o vazio, o
nada, é o ponto em que, geralmente, interrompemos nossa tomada de consciência e
retrocedemos à camada dos papéis para evitarmos o nada. Se, no entanto, formos capazes de
manter nossa autoconsciência neste vazio, alcançaremos a morte ou camadaimplosiva. Esta
camada aparece como morte ou medo da morte, pois consiste numa paralisia de forças
opostas. Experienciando esta camada contraimo-nos e comprimimo-nos, ou seja, implodimos.
No entanto, se pudermos ficar em contato com esta morte, alcançare-mos a última camada, a
camada explosiva. Perls sugere que a tomada de consciência deste nível constitui a
emergência da pessoa autêntica, do verdadeiro self, da pessoa capaz de experienciar e
expressar suas emoções. E Perls adverte: Agora, não se apavorem com a palavra explosão. A
maior parte de vocês sabe dirigir um carro. Existem milhares de explosões por minuto dentro
do cilindro. Isto é diferente da violenta explosão do catatônico: esta seria como a explosão
num tanque de gasolina. Outra coisa, uma única explosão não quer dizer nada. As assim
chamadas quebras de couraça da teoria reichiana tem tão pouca utilidade quanto o insight da
psicanálise. As coisas ainda precisam ser trabalhadas. Existem quatro tipos de explosões que
o indivíduo pode experienciar ao emergir da camada da morte. Existe a explosão em pesar,
que envolve o trabalho com uma perda ou morte que não tinha sido previamente assimilada.
Existe a explosão em orgasmo em pessoas sexualmente bloqueadas. Existe a explosão em
raiva, quando sua expressão foi reprimida e, por fim, existe a explosão de alegria e riso,
alegria de viver. A estrutura de nossos papéis é coesiva, pois destina-se a absorver e controlar
a energia destas explosões. A concepção errônea básica de que essa energia precisa ser
controlada deriva de nosso medo do vazio e do nada (terceira camada). Interpretamos a
experiência de um vazio como sendo um vazio estéril e não um vazio fecundo. Perls sugere
que as filosofias orientais, a filosofia Zen em particular, têm muito a nos ensinar arespeito da
experiência do nada, positiva e geradora de vida, e a respeito da importância de permitirmos a
experiência do nada sem interrompê-la. Em todas suas descrições de como um indivíduo se
desenvolve, Perls mantém a idéia de que a mudança não pode ser forçada e que o crescimento
psicológico é um processo natural e espontâneo.
8. Dinâmica Patológica
Perls considera a fuga da conscientização e a conseqüente rigidez da percepção e do
comportamento como os maiores obstáculos ao crescimento psicológico. Os neuróticos
(aqueles que interrompem seu próprio crescimento) não podem ver claramente suas
necessidades e tampouco podem distinguir de forma apropriada entre eles e o resto do mundo.
Em conseqüência, são incapazes de encontrar e manter um equilíbrio adequado entre eles
próprios e o resto do mundo. A forma que este desequilíbrio geralmente toma é a pessoa
sentir que os limites sociais e ambientais penetram muito fundo dentro dela mesma; a neurose
consiste em manobras defensivas destinadas ao equilíbrio e proteção contra este mundo
invasor. Perls sugere que existem quatro mecanismos neuróticos básicos, ou distúrbios de
limites capazes de impedir o crescimento: introjeção, projeção, confluência e retroflexão. (Na
estrutura em cinco camadas da neurose, estes mecanismos de defesa operam basicamente na
segunda e terceira camadas). Entre as teorias de Freud e de Perls alguns dos correlatos podem
ser facilmente encontrados. Esses pontos de congruência podem ser vistos: na Catexia de
Freud, correspondendo à figura-fundo de Perls; na libido de Freud, correspondendo à

53
excitação básica de Perls; na associação livre de Freud, correspondendo ao continuum de
consciência de Perls; na consciência de Freud, conscientização de Perls, no enfoque de Freud
na resistência e o enfoque de Perls na fuga da conscientização; na compulsão à repetição de
Freud e as situações inacabadas de Perls; na regressão de Freud, correspondendo ao
retraimento do meio ambiente de Perls; no terapeuta que permite e encoraja a transferência
em Freud, e no terapeuta que é um "habilidoso frustrador" em Perls; na configuração
neurótica de defesa contra impulsos de Freud, e na formação rígida da gestalten de Perls; na
projeção transferencial de Freud e na projeção de Perls, e assim por dìante.
9. Introjeção
Introjeção ou "engolir tudo" é o mecanismo pelo qual os indivíduos incorporam padrões,
atitudes e modos de agir e pensar que não são deles próprios e que não assimilam ou digerem
o suficiente para torná-los seus. Um dos efeitos prejudiciais da introjeção éque os indivíduos
introjetivos acham muito difícil distinguir entre o que realmente sentem e o que os outros
querem que eles sintam, ou simplesmente o que os outros sentem. A introjeção também pode
constituir uma força desintegradora da personalidade, umavez que quando os conceitos e as
atitudes engolidos são incompatíveis uns com os outros, os indivíduos introjetivos se tornarão
divididos.
10. Projeção
Outro mecanismo neurótico é a projeção que, num certo sentido, é o oposto da introjeção. A
projeção é a tendência de responsabilizar os outros pelo que se origina no self. Envolve um
repúdio de seus próprios impulsos, desejos e comportamentos, colocando fora o que pertence
ao self. Perls chama a atenção para a distinção entre a projeção como processo patológico e a
suposição baseada na observação, que é normal e saudável. Na doença a pessoa seria
governada pelas projeções, falhando em reconhecê-las como hipóteses, perdendo os próprios
limites e confundindo-se em termos de identidade pessoal. O conceito deprojeção enquanto
uma disfunção de contato do sujeito com o objeto, tem sido motivo de estudos aprofundados
por parte dos teóricos da Gestalt-terapia, desde que Perls a definiu como sendo uma tendência
para se desapropriar dos próprios impulsos, uma inclinação em negar e não aceitar as partes
da nossa personalidade que consideramos difíceis, ofensivas ou sem atrativos. Com a
Projeção esperamos nos livrar de aspectos intoleráveis do self (de nós mesmos) e de nossos
conflitos íntimos. A pessoa que projeta não pode aceitar seus sentimentos e ações e por isso
os atribui a uma outra pessoa e aí, então, pode reconhecê-los e até criticá-los. O trabalho do
terapeuta é ajudar a pessoa a recuperar pedaços de sua própria identidade, pedaços estes que
se encontram projetados muito outros.
11. Confluência
O terceiro mecanismo neurótico é a Confluência. Na confluência, os indivíduos não
experienciam nenhum limite entre eles mesmos e o meio ambiente. A confluência torna
impossível um ritmo saudável de contato e de fuga, visto que tanto o primeiro quanto o
segundo pressupõem um outro. Este mecanismo também impossibilita a tolerância das
diferenças entre as pessoas, uma vez que os indivíduos que experienciam a confluência não
podem aceitar um senso de limites e, portanto, a diferenciação entre si mesmo e as outras
pessoas.
12. Retroflexão
O quarto mecanismo neurótico é a retroflexão, que significa voltar-se de forma ríspida contra.
As pessoa retroflexoras voltam-se contra si mesmas e, ao invés de dirigir suas energias para
mudança e manipulação de seu ambiente, dirigem essas energias para si próprios. Dividem-se
e tornam-se sujeito e objeto de todas suas ações e passam a ser o alvo de seu comportamento.
Perls diz que todos estes quatro mecanismos raramente agem isolados um dooutro, embora as
pessoas tendem a equilibrar suas tendências neuróticas entre esses mecanismos em variadas

54
proporções. A função crucial desses mecanismos é preencher a confusão do neurótico na
discriminação de limites. Dada esta confusão de limites, o bem-estar de um indivíduo, ou
seja, sua capacidade de ser auto-apoiado e auto-regulado, estaria seriamente limitado. A visão
de Perls destes quatro mecanismos é básica na maior parte de sua abordagem
psicoterapêutica. Ele considerava a Introjeção como sendo central na luta entre o dominador e
o dominado. O dominador se manifesta por um pacote de padrões e atitudes introjetados e,
segundo Perls, enquanto o dominador (ou o Superego, de acordo com Freud) permanece
introjetado e não assimilado, as exigências expressas pelo dominador continuarão a ser
irracionais e impostas a partir de fora. Perls sugeria que a Projeção é crucial na formação e
compreensão de sonhos. Sob seu ponto de vista, todas as partes de um sonho são projetadas,
fragmentos desapropriados de nós mesmos. Todo sonho contém pelo menos uma situação
inacabada que envolve estas partes projetadas. Trabalhar com o sonho é recuperar tais partes
e, portanto, completar a Gestalt inacabada.
13. Corpo
Perls considera a cisão mente-corpo da maioria das psicologias como arbitrária e falaciosa. A
atividade mental é simplesmente uma atividade que funciona em nível menos intenso que a
atividade física. Assim, nossos corpos são manifestações diretas de quem somos e pela
simples observação de nossos comportamentos físicos, tipo postura, respiração, movimentos,
etc., podemos aprender muito sobre nós mesmos.
14. Relacionamento Social
Perls considera o indivíduo como participante de um campo do qual ele é, embora
diferenciado, também inseparável. As funções de contato e fuga são cruciais na determinação
da existência de um indivíduo e esse aspecto de contato e fuga do meio ambiente inclui o
relacionamento com outras pessoas. Na verdade, o sentido de pertencer a um grupo, segundo
Perls, é o nosso principal impulso de sobrevivência psicológica. A neurose resulta da rigidez
na definição do limite de contato em relação às outras pessoas e de uma inabilidade em
encontrar e manter o equilíbrio com eles.
15. Vontade
Perls acentua muito a importância da pessoa estar consciente de suas preferências e ser capaz
de agir sobre elas. O conhecimento de suas próprias preferências leva ao conhecimento de
suas necessidades; a emergência da necessidade dominante é experienciada como preferência
pelo que satisfará a necessidade.A discussão de Perls sobre preferência está muito próxima do
que se chama de vontade. Ao usar o termo "preferência", Perls está enfatizando a qualidade
natural e organísmica da vontade saudável. O "querer" é simplesmente uma das várias
atividades mentais; acarreta a limitação de consciência a certas áreas específicas a fim de
completar um conjunto de ações dirigidas para a satisfação de algumas necessidades
determinadas.
16. Emoções
Perls considera a emoção como a força que fornece energia a toda ação. Emoções são a
expressão de nossa excitação básica, as vias e modos de expressar nossas escolhas, assim
como de satisfazer nossas necessidades. A emoção se diferencia de acordo com situações
variadas, como por exemplo, pelas glândulas suprarenais em raiva e medo ou pelas glândulas
sexuais em libido. A excitação emocional mobiliza o sistema muscular. Se a expressão
muscular da emoção for bloqueada, criaremos a ansiedade, que é a contenção da excitação.
Uma vez ansiosos, tentamos dessensibilizar nossos sistemas sensoriais a fim de reduzir a
excitação criada; é nesse ponto que sintomas como frigidez, se desenvolvem. Essa
dessensibilização emocional é a raiz da fuga da conscientização que Perls considera básica na
neurose.

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17. Intelecto
Perls acreditava que o intelecto foi supervalorizado e superutilizado em nossa sociedade, em
particular nas tentativas de compreender a natureza humana. Acreditava profundamente no
que chamava de sabedoria do organismo, porém via esta sabedoria como sendo um tipo de
intuição baseada mais na emoção que no intelecto, e mais em sistemas naturais do que em
conceituais. Perls freqüentemente afirmava que o intelecto foi reduzido a um mecanismo de
computação usado para tomar parte numa série de jogos de encaixe. A preocupação em
perguntar por que as coisas acontecem impede as pessoas de experienciarem como elas
acontecem, assim sendo, a consciência emocional genuína é bloqueada em função do
fornecimento de explicações. Explicar, de acordo com Perls, é propriedade do intelecto e
constitui muito menos que compreender. Perls ridiculariza expressões do intelecto, como a
produção verbal, por exemplo. Achava esses elementos particularmente supervalorizados em
nossa cultura. Ele sugeria existirem três níveis em tal produção: cocô-de-galinha (bate-papo
social), cocô-de-boi (desculpas ou racionalizações) e cocô-de-elefante (teorizar,
especialmente de modo filosófico e psicológico).
18. Self
Perls não tinha nenhum interesse em enaltecer o conceito de self a fim de incluir qualquer
coisa além do cotidiano, manifestaçõesóbvias de quem nós somos. Somos quem somos.
Maturidade e saúde psicológica envolvem o sermos capazes de proclamar isto, ao invés de
sermos tomados pelo sentimento de que somos quem deveríamos ser ou quem gostaríamos de
ser. Nossos limites estão constantemente mudando na interação com nossos ambientes.
Podemos, dado um certo nível de consciência, confiar em nossa sabedoria organísmica para
definir estes limites e dirigir o ritmo de contato e fuga em relação ao meio ambiente. A noção
de "self ou "eu", para Perls, não é estática e objetivável. O "eu" é simplesmente um símbolo
para uma função de identificação. O "eu" identifica-se com qualquer que seja a experiência
emergente da figura em primeiro plano; todos os aspectos do organismo saudável (sensorial,
motor, psicológico e assim por diante) identificam-se temporariamente com a gestalt
emergente, e a experiência do "eu" é essa totalidade de identificações. Função e estrutura,
como já vimos antes, são idênticas.
19. Terapeuta
Perls sugere que o terapeuta é, basicamente, uma tela de projeção na qual o paciente vê seu
próprio potencial ausente; a tarefa da terapia é a recuperação deste potencial do paciente. 0
terapeuta é sobretudo um habilidoso frustrador. Embora dê satisfação ao paciente dando-lhe
atenção e aceitação, o terapeuta frustra-o recusando-se a dar-lhe o apoio de que carece. O
terapeuta age como um catalisador que ajuda o paciente a passar pelos pontos da "fuga" e do
impasse; o principal instrumento catalisador do terapeuta consiste em ajudar o pacientea
perceber como ele ou ela constantemente se interrompe, evita a conscientização, desempenha
papéis e assim por diante. (As projeções que estão envolvidas na relação do paciente com o
terapeuta fornecem um aspecto bastante significativo da fuga daquele, mas, como
mencionamos anteriormente, outros aspectos além dos elementos transferenciais da relação
paciente-terapeuta também são considerados importantes.). Finalmente, o terapeuta é
humano e seu encontro com o paciente envolve o encontro de dois indivíduos, o que inclui
mas também vai além do encontro definido de papéis terapeuta-paciente. Perls acreditava que
a terapia individual era obsoleta, tanto ineficiente quanto via de regra ineficaz. Sugeria que o
trabalho em grupos tinha muito mais a oferecer, quer o trabalho envolva explicitamente o
grupo inteiro, quer assuma a forma de uma interação entre o terapeuta e um indivíduo dentro
do grupo. Sugeria que o grupo pode ser extremamente valioso ao fornecer uma situação de
mundo microcósmica na qual as pessoas podem explorar suas atitudes e comportamentos uns
em relação aos outros. O apoio do grupo na "emergência segura" da situação terapêutica
também pode ser bastante útil ao indivíduo, assim como a identificação com os conflitos de

56
outros membros e sua resolução dos mesmos.
Referência
Ballone GJ-Friederich Perls, in.PsiqWeb, internet, disponível emwww.psiqweb.med.br,
revisto em 2005
*- baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager- Harbra- 1980 para
saber mais: Tipos Psicológicos- C.G.Jung- Zahar Editores- RJ- 1980

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Capítulo XI
Teoria do Campo de Kurt Lewin
Em 1935, Kurt Lewin já se referia em suas pesquisas sobre comportamento social, ao
importante papel da motivação. Para melhor explicar a motivação do comportamento, elaborou
a teoria de campo, que se baseia em duas suposições fundamentais.
a) o comportamento humano é derivado da totalidade de fatos coexistentes;
b) esses fatos coexistentes têm o caráter de um campo dinâmico, no qual cada parte do campo
depende de uma inter-relação com as demais outras partes.
O comportamento humano não depende somente do passado, ou do futuro, mas do
campo dinâmico atual e presente. Esse campo dinâmico é "o espaço de vida que contém a
pessoa e o seu ambiente psicológico”. Lewin propõe a seguinte equação, para explicar o
comportamento humano:
C = f (P,M)
onde o comportamento (C) é função (f) ou resultado dainteração entre a pessoa (P) e o meio
ambiente (M) que a rodeia.
Oambiente psicológico(ou ambiente comportamental) é o ambiente tal como é
percebido e interpretado pela pessoa. Mais do que isso, é o ambiente relacionado com as atuais
necessidades do indivíduo. Alguns objetos, pessoas ou situações podem adquirirvalênciano
ambiente psicológico,determinado umcampo dinâmicode forças psicológicas.
Os objetos, pessoas ou situações adquirem para o indivíduo umavalência positiva
(quando podem ou prometem satisfazer necessidades presentes do individuo) ouvalência
negativa(quando podem ou prometem ocasionar algum prejuízo).
Os objetos, pessoas ou situações devalência positivaatraem o indivíduo e os de
valência negativao repelem. Aatraçãoé a força ouvetordirigido para o objeto, pessoa ou
situação; arepulsaé a forçaouvetorque o leva a se afastar do objeto, pessoa ou situação,
tentando escapar.Um vetor tende sempre a produzirlocomoçãoem uma certa direção.
Quando dois ou mais vetores atuam sobre uma pessoa ao mesmo tempo, alocomoçãoé uma
espécie deresultantede forças. Lewin utilizou uma combinação deanálise topológica(para
mapear o espaço vital) evetorial(para indicar a força dos motivos no comportamento),
desenvolveu uma série de experimentos sobre a motivação, a satisfação e a frustração os feitos
da liderança autocrática e democrática em grupos de trabalho etc.
Lewin foi um profundo inspirador dos autores daEscola das Relações Humanase das
demais outras teorias desenvolvidas a partir desta.
Ciclo Motivacional
A partir da Teoria das Relações Humanas, todo o acervo de teorias psicológicas acerca
da motivação humana passou a ser aplicado dentro da empresa. Verificou-se que todo
comportamento humano é motivado.
Que a motivação, no sentido psicológico, é a tensão persistente que leva o individuo a
alguma forma de comportamento visando à satisfação de uma ou mais determinadas
necessidades. O organismo humano permanece em estado de equilíbrio psicológico (equilíbrio
de forças psicológicas, segundo Lewin), até que um estímulo o rompa e crie uma necessidade.

58
Essa necessidade provoca um estado de tensão em substituição ao anterior estado de
equilíbrio.A tensão conduz a um comportamento ou ação capazes de atingir alguma forma
de satisfação daquela necessidade.
Quando satisfeita a necessidade, o organismo retoma ao seu estado de equilíbrio inicial,
até que outro estímulo sobrevenha.Toda satisfação é basicamente uma liberação de tensão,
uma descarga tensional que permite o retorno ao equilíbrio anterior.
Ciclo Motivacional
Nem sempre a satisfação das necessidades é obtida. Pode existir alguma barreira ou
obstáculo ao alcance da satisfação de alguma necessidade. Toda vez que alguma satisfação é
bloqueada por alguma barreira, ocorre frustração. Havendo frustração a tensão existente não é
liberada através da descarga provocada pela satisfação. Essa tensão acumulada no organismo
mantém o estado de desequilíbrio.
Por outro lado, o ciclo motivacional pode ter outra solução além da satisfação da
necessidade ou da sua frustração: a compensação ou transferência. Ocorre a compensação (ou
transferência) quando o indivíduo tenta satisfazer alguma necessidade impossível de ser
satisfeita, através da satisfação de outra necessidade complementar ou substitutiva.
Equilíbrio
Comportamento
Tensão
Estímulo
ou incentivo
Necessidade
Satisfação

59
Assim, a satisfação de outra necessidade aplaca a necessidade mais importante e
reduz ou evita afrustração. Desta forma toda necessidade humana pode ser satisfeita, frustrada
ou compensada.
Ciclo Motivacional
O homem frustrado pode se tornar agressivo. A liberaçãoda tensão acumulada pode
acontecer a agressividade física, verbal, simbólica, etc
Tensão retida pela não-satisfação da necessidade pode provocar formas de reação, como
ansiedade, aflição, estados de intenso nervosismo ou ainda outras formas de conseqüência,
como insônia, distúrbios circulatórios, digestivos etc;
Estilos de Comportamento Motivacional
Participar:é o organizador do comportamento motivacional das pessoas que se preocupam
especialmente com o próprio desenvolvimento pessoal para poder fazerjus às
responsabilidades que Ihes foram colocadas sobre os ombros.
Elas têm uma atitude de grande cooperação e são reconhecidas como formadoras de
talentos. Facilmente se põem em ação quando ouvem a frase: “Preciso da sua ajuda”.
Agir: este estilo decomportamento motivacional se guia pela importância que dá aos desafios.
Cheias de energia pessoal, essas pessoas agitam-se mais e são mais rápidas que a média das
pessoas com as quais trabalha. No geral, esperam que sejam solicitadas a entrar em ação por
meio da frase que lhe faz mais sentido: “Sei que você é capaz.”
Manter:é o organizador comportamental daqueles que se motivam especialmente por
desempenhar atividades que demandem análise, lógica, organização. Trata-se de alguém que
tem os pés no chão e a cabeça acima dos ombros. Sensibiliza-se quando é solicitado a
desenvolver cuidadosamente um trabalho.
Conciliar:caracteriza aquele que tem grande habilidade de interação pessoal, sendo otimista e
encorajando os demais a verem lados diferentes do problema que estão vivendo, sendo
diplomatas e valorizando, sobretudo a harmonia no convívio, sente-se especialmente motivado
em situação nas quais é solicitado avender uma idéia.
Conclusão
A compreensão mais ampla daquilo que foi definido como motivação não será
conseguida senão dentro da medida em que se esteja atento com relação à dimensão de ordem
interior ou intrínseca, devendo ser, por isso, um fenômeno comportamental qualitativamente
diferente das ações condicionadas por estímulos externos.
Esseentendimento vai influenciar necessariamente o caráter típico da filosofia
administrativa que se assume com relação ao elemento humano dentro das organizações.
A única coisa que se pode fazer para manter pessoas motivadas é conhecer suas
necessidades eoferecer fatores de satisfação de tais necessidades.
O desconhecimento desse aspecto irá fazer com que paradoxalmente se consiga
desmotivar as pessoas.

60
Portanto, a grande preocupação não reside em adotar estratégias que motivem as
pessoas, mas principalmente criar um ambiente de trabalho no qual otrabalhador mantenha o
tônus motivacional que tinha em seu primeiro dia de trabalho.
Referências Bibliográficas
ARCHER, E. R. The myth "of motivation.The Personnel Administrator,EUA, Oec. 1978.
BENNIS,W.A formação do líder.São Paulo: Atlas, 1996. BERGAMINI, C.Motivação no trabalho.São Paulo:
Atlas, 1996.
DRUCKER, P.Fator humano e desempenho.São Paulo: Pioneira, 1977.
FAYOL, H.Administração industrial.São Paulo: Atlas, 1994. FROMM, E.A análise do homem.Rio de Janeiro:
Zahar, 1978.
GOLEMAN, O.A inteligência emocional:a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de
Janeiro: Objetiva, 1995.
Capítulo XII
A Psicologia da Consciência de William James
William James escreveu sobre todos os aspectos da psicologia humana, do funcionamento
cerebral até o êxtase religioso, da percepção espacial até a mediunidade psíquica. Ele
freqüentemente argumentava de ambos os lados de uma questão com igual talento. Ele se
concentrou na compreensão e explicação das unidades básicas do pensamento. Conceitos
fundamentais, tais como as características do pensamento, atenção, hábito e sentimento de
racionalidade, prenderam seu interesse. Ele se intrigava mais com a atenção em si mesma do
que com os objetos aos quais se presta atenção e fascinava-se mais pelo hábito do que por
constelações de hábitos específicos. A personalidade, para James, emerge da interação entre
as facetas instintuais e habituais da consciência e os aspectos pessoais e volitivos. As
patologias, as diferenças pessoais, os estágios de desenvolvimento, a tendência à auto-
realização e todo o resto são redistribuições dos blocos de construção fundamentais
fornecidos pela natureza e refinados pela evolução. Uma leitura cuidadosade James revela
contradições em suas considerações teóricas. Ele estava consciente disso, chamando-o de
"pensamento pluralístico", raciocinando que é válido para alguns casos mas não para outros.
James considerava que a Psicologia não era ainda uma ciência madura; não possuía suficiente
conhecimento para formular leis consistentes sobre a percepção, a sensação ou a natureza da
consciência.
Consciência Pessoal
Todo pensamento tende a ser parte de uma consciência pessoal, portanto, diz James, não
existe tal coisa como uma "consciência" individual independente da pessoa a quem pertence
essa consciência. Há apenas o processo de pensamento, assim como é experienciado ou
percebido por um indivíduo. A consciência implica um tipo de relação externa; não é um tipo
especial de substância ou de modo de ser.
Mudanças de Consciência
Dentro de cada consciência pessoal o pensamento está sempre se transformando. James
achava que não podemos nunca ter exatamente o mesmo pensamento duas vezes. Podemos
ver o mesmo objeto, ouvir o mesmo som, saborear a mesma comida, mas nossa consciência
dessas percepções muda a cada vez. O que parece, numa inspeção apressada, ser um
pensamento repetitivo é, na verdade, uma série em mudança continua, sendo que cada
pensamento é único, parcialmente determinado por modificações prévias do pensamento
original.
Para justificar sua tese sobre a continuada mudança de consciência, James diz que
"freqüentemente nós nos impressionamos com as estranhas diferenças em visões sucessivas
de uma mesma coisa. Perguntamo-nos como pudemos ter opinado da forma que o fizemos no

61
mês passado sobre um certo assunto. Superamos a possibilidade daquele estado de mente,
embora não saibamos como. De um ano para outro vemos as coisas sob uma nova luz. O que
era irreal tornou-se real, o que era excitante é agora insípido.
Os amigos por quem costumávamos virar o mundo são deixados de lado; as mulheres, divinas
em certo momento, as estrelas, as florestas e as águas, quão mundanas e comuns são agora; as
garotas que trouxeram uma aura do infinito são, no presente, existências dificilmente
distinguíveis; os quadros, tão vazios; assim como os livros, o que havia de tão
misteriosamente significativo em Göethe, ou de tão pesado em John Mill?"
Pensamento Contínuo
William James dizia que, dentro de cada consciência pessoal, o pensamento é sensivelmente
contínuo. Enquanto alguns teóricos afastam-se do aparente paradoxo da personalidade como
algo que é contínuo e que ao mesmo tempo passa por uma contínua mudança, James sugeriu
uma resolução, baseada na maneira como o pensamento é experienciado.
De acordo com James, cada onda de consciência momentânea, cada pensamento que passa,
"sabe" de todos os que o precederam na consciência. Cada pulsação de pensamento, à medida
que se extingue, transmite o título de propriedade de seu conteúdo mental ao pensamento
sucessor. O que está presente no momento, seja consciente ou não, é sempre a personalidade.
Cada pensamento emergente toma parte de sua força, foco, conteúdo e direção dos
pensamentos precedentes. A consciência, então, não aparece a si mesma como retalhada em
pedaços. Palavras como "corrente" ou "caravana" não descrevem adequadamente a maneira
pela qual ela se apresenta em primeira instância. Nada é desarticulado, ela flui. Um "rio" ou
um "cursode água" são metáforas através das quais ela é mais naturalmente descrita. Ao falar
dela James a denomina curso de pensamento, consciência ou vida subjetiva.
Este curso é contínuo. William James, assim como Freud, basearam muitas de suas idéias
sobre o funcionamento mental nas suposições de um pensamento contínuo. Mesmo quando se
percebem brechas na consciência, não as acompanha o sentimento de descontinuidade. Por
exemplo, quando acordamos pela manhã, não nos perguntamos quem está acordando, nós não
sentimos necessidade de correr a um espelho para verificar ou ver se somos nós mesmos.
Você não precisa ser convencido de que a consciência com a qual acordamos é contínua
àquela com a qual fomos dormir.
Escolhas de Consciência
A consciência é seletiva, e estásempre mais interessada em uma parte de seu objeto do que
em outra e recebe, rejeita ou escolhe durante todo o tempo que pensa. O que determina uma
opção sobre outra é o tema central da maior parte da Psicologia. James dirige sua atenção
para os principais determinantes do processo seletivo: atenção e hábitos.
Atenção
Escritores anteriores a James assumiam que a mente é passiva e simplesmente experiencia
chuva sobre si. A personalidade, então, desenvolve-se na proporção direta da quantidade e
variedade de experiência recebida. James considerava esta idéia ingênua e as conclusões
patentemente falsas. Antes que a experiência possa sei experienciada, precisa-se dar atenção a
ela. James dizia que minha experiência é aquilo a que eu concordo prestar atenção. Apenas
aqueles itens que eu noto formam minha mente e sem um interesse seletivo, a experiência
seria um caos absoluto.
Somente o interesse dá acento e ênfase, luz e sombra, figura e fundo numa palavra, a
perspectiva inteligível. Uma pessoa incapaz de manter aatenção é atacada pelas experiências,
incapaz de ordená-las e pode ser que aja de uma maneira confusa ou caótica. Embora a
atenção seja comumente predeterminada pelos hábitos mentais, é possível fazer uma opção
real mesmo contra estas correntes de respostas habituais.
Hábitos
Hábitos são ações ou pensamentos que aparecem aparentemente como respostas automáticas
a uma dada experiência. Diferem dos instintos pelo fato da que um hábito pode ser criado,
modificado ou eliminado pela direção consciente. Os hábitos são valiosos e necessários. O

62
hábito simplifica o movimento necessário para obter um dado resultado, tornando-o mais
acurado e diminuindo a fadiga. Neste sentido, os hábitos constituem uma faceta da aquisição
de habilidades.
Por outro lado, James achavaque o hábito diminui a atenção consciente com a qual nossas
ações são realizadas. Se isto é vantajoso ou não, depende da situação. Retirar a atenção de
uma ação toma-a mais fácil de ser executada, mas também a torna resistente à mudança. O
fato é que nossas virtudes são hábitos, tanto quanto nossos vícios. Toda a nossa vida, à
medida que tem forma definida, é nada mais que uma massa de hábitos práticos, emocionais e
intelectuais, sistematicamente organizados, para nossa alegria ou pesar, impelindo-nos de
forma irresistível para o nosso destino, qualquer que ele venha a ser.
O Sentimento de Racionalidade
Por que aceitamos uma idéia racional ou teoria e rejeitamos outra? James sugeriu que isto é,
em parte, uma decisão emocional; aceitamos uma porque nos capacita a entender os fatos de
uma forma emocionalmente mais satisfatória. James descrevia esta satisfação emocional
como um "intenso sentimento de tranqüilidade, paz, descanso. Esta falta total de necessidade
de explicar, de discutir, de justificar é o que chamamos de sentimento de racionalidade".
Antes que uma pessoa aceite uma teoria (por exemplo, qualquer das teorias expostas neste
livro), dois conjuntos diferentes de necessidades devem ser satisfeitos. Em primeiro lugar, a
teoria deve ser intelectualmente agradável, consistente, lógica e assim por diante. Em segundo
lugar, ela deve ser emocionalmente atraente, deve encorajar-nos a pensar ou agir de forma
que nos pareça satisfatória e aceitável ao nível pessoal.
Outro exemplo pode ser visto na maneira como procuramos conselhos. Se, por exemplo,
queremos informações sobre os efeitos de fumar maconha, aonde iríamos para obter tais
informações? Nós podemos predizer o tipo de informação e sugestões que seriam oferecidas
por nossos pais, amigos que não fumam maconha, amigos que o fazem, alguém que vende
maconha, um policial, um psiquiatra, um padre ou ministro ou um estudante que trabalha num
centro de aconselhamento universitário. É possível que possamos predizer antecipadamente
tanto o tipo de informações que recebemos quanto se iríamos aceitá-las como racionais ou
não.
Este aspecto da tomada de decisão é via de regra ignorado. Gostamos de acreditar que
tomamos decisões com bases puramente racionais, mas há sempre uma tendência emocional,
outra variável crítica noprocesso. O sentimento de racionalidade de James é primo-irmão do
conceito de racionalização de Freud. A racionalização envolve o processo de desejo e a
procura da razão para justificar um ato cometido por outras razões, freqüentemente
irracionais. O sentimento de racionalidade é a carga emocional que emerge do relacionamento
com uma idéia antes que nos mobilizemos para aceitá-la ou não.
Crescimento Psicológico
James rejeitava absolutos, tais como "Deus", "verdade" ou "idealismo", em favor da
experiência pessoal e da descoberta do que funciona para o auto-aperfeiçoamento de uma
pessoa. Um tema freqüente em suas obras é que a evolução pessoal é possível e que todos têm
uma capacidade inerente de modificar ou mudar comportamentos e atitudes. Ele conclui que
há um depósito de experiências latentes ou realizadas que subjaz ao impulso em direção ao
crescimento. É esta a fundamentação das idéias práticas e sensíveis que James desenvolveu
para serem usadas.
A maior expressão deste núcleo subjacente é exemplificada,para James, nas experiências
religiosas. Essas expediências não têm uma saída intelectual própria, mas pertencem a uma
região mais profunda, mais vital e prática do que aquela ocupada pelo intelecto. Por isso são
também indestrutíveis a argumentos e críticas intelectuais... Tornamo-nos, portanto,
convincentemente conscientizados da presença de uma esfera de vida maior e mais poderosa
do que nossa consciência habitual... As impressões, impulsos, emoções e excitações que
desde então recebemos ajudam-nos a viver, encontram uma segurança invencível em um
mundo além dos sentidos, derretem nossos corações, transmitem significado e valor a tudo e
fazem-no, felizes.

63
Formação de Hábitos
As instruções de James a professores enfatizavam a importância de ensinar hábitos corretos.
Recomendava para que, na aquisição de novos hábitos ou no abandono de velhos, nunca
enfrentemos uma reprovação até que o novo hábito esteja seguramente enraizado em nossa
vida. Cada lapso é como o deixa cair um rolo de barbante que está sendo cuidadosamente
enrolado, ou seja, um simples deslize desfaz muito mais do que várias voltas enrolarão
novamente. A continuidade do treinamento é o grande meio de fazer o sistema nervoso agir
de forma infalivelmente correta.
Desapego dos Sentimentos
Era um ponto de vista sustentado por James o de que um equilíbrio entre a indiferença aos
sentimentos e a expressão deles serve ao organismo da melhor forma. Para isso William
James cita Hannah Smith: "Deixe que suas emoções venham ou deixe-as ir embora... e não as
leve em conta de qualquer maneira.... Elas, na verdade, nada têm com a questão.... Não são
indicadoras de nosso estado de espírito, mas meras indicadoras de nosso temperamento ou de
nossa condição física presente".
Excitação Emocional
Ao mesmo tempo que o desapego é um estado desejável, há também vantagens em estar
dominado pelos sentimentos. O transtorno emocional é um meio pelo qual hábitos duradouros
podem ser rompidos, liberta as pessoas a tentarem novos comportamentos ou explorarem
novas áreas de percepção. O próprio James experienciou e pesquisou estados psicológicos
emergentes de experiências místicas, hipnose, curas milagrosas, mediunidade, drogas
psicodélicas, álcool e crise pessoal. Ele concluiu que o evento precipitador não era o fator
crítico, e sim a resposta que o indivíduo dava à excitação.
Treinamento da Vontade
Melhorar a atenção voluntária inclui treinar a vontade. Uma vontade desenvolvida permite
que a consciência atenda às idéias, percepções e sensações que não são imediatamente
agradáveis ou convidativas e que de fato podem ser difíceis ou até desagradáveis. Tente, por
exemplo, imaginar-se comendo seu prato favorito. Guarde as imagens e sensações
predominantes em sua memória por vinte segundos. Você provavelmente não achará que isso
é tão difícil.
Agora, por vinte segundos, imagine que está cortando a superfície de seu polegar com uma
navalha. Observe como sua atenção dispara em todas as direções assim que você toma
consciência da sensação subjetiva da dor, da cor e umidade de seu própriosangue, e da
mistura de medo, fascinação e repulsa. Apenas um ato de vontade pode inibir sua tentativa
inicial e instintiva de escapar da experiência.
A não ser que uma pessoa desenvolva a capacidade de aprender, o conteúdo do ensino é de
pouca importância. O importante em toda a educação é fazer de nosso sistema nervoso um
aliado ao invés de nosso inimigo. É financiar e capitalizar nossas aquisições e viver
confortavelmente dos juros do capital. Para isso, precisamos o mais cedo possível tomar
automáticase habituais tantas ações úteis quanto pudermos, e guardamo-nos com cuidado do
desenvolvimento por caminhos provavelmente desvantajosos.
A Psicologia da Consciência
Apesar do trabalho inicial de James, o interesse pela consciência deixou de ser o centro das
buscas da Psicologia. Em anos recentes, o pêndulo balançou de volta e o estudo da
consciência está florescendo. Associações profissionais, incluindo a Sociedade de Pesquisa
em Biofeedback e a Associação de Psicologia Transpessoal, apareceram, publicando jornais e
apoiando as novas linhas de pesquisa. Houve uma onda correspondente de interesse popular e
surgiram artigos e best-sellers sobre a consciência.
Algumas áreas têm implicações particulares para a teoria da personalidade. As pesquisas com
drogas psicodélicas, biofeedback, hipnose, meditação e percepção extra-sensorial forneceram
descobertas que questionam suposições básicas sobre a consciência e a natureza da realidade
tal como nós a experienciamos. São utilizados novos métodos, novos instrumentos e uma

64
renovada vontade de pesquisar fenômenos subjetivos num esforço de dar um fundamento
científico às especulações filosóficas de James.
Estados alterados de consciência podem ser provocados por hipnose, meditação, drogas
psicodélicas, preces profundas, privação sensorial e por um ataque de psicose aguda. Privação
de sono ou jejum podem induzi-los. Epiléticos e pessoas que sofrem de enxaqueca
experienciam uma consciência alterada na aura que precede os ataques. A monotonia
hipnótica, como vôos a elevadas altitudes feitos a sós, pode fazer emergir um estado alterado.
A estimulação eletrônica do cérebro, o treinamento de ondas cerebrais alfa e teta, a
clarividência ou penetrações telepáticas, o treinamento de relaxamento de músculos, o
isolamento (como na Antártica) e a estimulação fótica (a luz piscando a determinadas
velocidades) podem trazer agudas modificações à consciência.
Pesquisa Psicodélica
A maioria das culturas primitivas ou civilizadas tem usado ervas, sementes ou plantas a fim
de alterar a química corporal, perspectivas emocionais e o nível de percepção consciente.
James experimentou-o com óxido nitroso (gás hilariante) e ficou impressionado com suas
experiências.
Embora de tempos em tempos aparecessem outros relatos sobre os efeitos não usuais de
drogas, estudos mais intensivos só começaram a partir da síntese da dietilamida-25 do ácido
lisérgico (LSD-25), em 1943, pelo químico suíço Albert Hoffman. A viabilidade de um
material sintético mensurável deu margem a um amplo esforço de pesquisa internacional.
O difundido uso de drogas pela cultura jovem ocasionou muitos argumentos acadêmicos,
científicos e éticos que em grande parte não foram ainda resolvidos. Os efeitos reais da
ingestão de drogas psicodélicas eram quase ignorados numa onda de interesse a respeito das
vendas, manufatura e distribuição. Os resultados dos estudos iniciais receberam uma ampla
publicidade e despertaram o interesse do público. Um efeito durável foi a introdução
difundida de drogas na vida norte-americana.
Milhões de jovens quepessoalmente experimentaram tais drogas vieram a concordar com
James de que "nossa consciência normal em vigília, nada mais é que um tipo especial de
consciência, enquanto que por toda ela, separada pela mais transparente das cortinas,
repousam formas de consciência inteiramente diferentes.
Implicações da Pesquisa Psicodélica para a Teoria da Personalidade
1. A maioria dos teóricos da personalidade baseia-se na consciência normal em vigília. Uma
característica desta consciência normal é a de se saber quemé, o sentido de identidade e
individualidade é estável e explícito. Estudos sobre a imagem corporal e as fronteiras do ego
concluíram que qualquer desvio de um limite seguro de ego é um sintoma psicopatológico.
No estado de consciência "normal" ou usual, o indivíduo se experiencia como existindo
dentro dos limites de seu corpo físico (a imagem corporal), e sua percepção do meio ambiente
é restringida pela extensão, fisicamente determinada, de seus órgãos de recepção externa;
tanto a percepção interna quanto a percepção do meio ambiente estão confinadas dentro dos
limites do espaço e tempo Em experiências psicodélicas transpessoais, uma ou várias dessas
limitações parecem ser transcendidas. Em alguns casos, o sujeito experiencia um
afrouxamento de seus limites usuais de ego e sua consciência e autopercepção parecem
expandir-se para incluir e abranger outros indivíduos e elementos do mundo externo.
Em outros casos, ele continua experienciando sua própria identidade, mas num tempo
diferente, num lugar diferente, ou num diferente contexto. Ainda em outros casos, o sujeito
experiencia uma completa perda de sua própria identidade egóica e uma total identificação
com a consciência de uma outra identidade. Finalmente, nume categoria bastante ampla
dessas experiênciaspsicodélicas transpessoais (experiências arquetípicas, encontros com
divindades jubilosas e coléricas, união com Deus etc.), a consciência do sujeito parece
abranger elementos que não têm nenhuma continuidade com sua identidade de ego usual e
que não podem ser considerados simples derivativos de suas experiências no mundo
tridimensional.

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É possível que algumas das distinções que mantemos entre nós mesmos e o resto do mundo
sejam arbitrárias? A identidade pode estar mais próxima da noção de James de um campo
constantemente flutuante do que de um conjunto de limites estável e definível. Nossa
percepção usual de nós próprios pode ser apenas um artifício da consciência normal.
2. William James observou que experienciar aquela assim chamada "consciência mística"era
um evento raro e imprevisível. O uso amplo dos psicodélicos configurou tais estados, ou ao
menos a impressão subjetiva de se ter experienciado tais estados, de forma mais acessível.
Vários pesquisadores de drogas psicodélicas relatam que seus sujeitosvivem o que chamam
de experiências religiosas, espirituais e transpessoais. Tornou-se importante determinar o
valor e a validade dessas experiências, agora que parecem ser mais comuns.
Esta questão é de interesse para a comunidade religiosa. A conversão religiosa, as
experiências de oração, as visões e o falar em diferentes línguas, todos ocorrem em estados de
consciência alterados. A validade dessas experiências é o fundamento de muitas das diversas
doutrinas religiosas. A descoberta e o exame de substâncias usadas em rituais religiosos, que
provaram ser ativos agentes psicodélicos, reavivou o interesse dos teólogos a respeito da
origem e do significado da experiência religiosa quimicamente induzida.
3. Qual o relacionamento do tempo e do espaço com a consciência? Físicos modernos e
velhos místicos parecem cada vez mais próximos uns dos outros em suas tentativas de
descrever o universo conhecido. Os resultados das experiências psicodélicas sugerem que a
natureza e a gênese da consciência podem ser mais realisticamente descritas por místicos e
físicos modernos do que pela mais estável concepção utilizada dentro da psicologia
contemporânea.
4. Weil (1972) oferece evidência de que os assim chamados "estados alterados" são não só
naturais como também necessáriospara o bem-estar e a saúde continuada da pessoa. Ele
acredita que a menos que tenhamos oportunidade de mudar nosso estado de consciência,
podem desenvolver-se sintomas emocionais graves. Ele viu o impulso para alterar a
percepção consciente tal como expressa pelo uso exagerado de drogas, bebedeiras públicas,
práticas religiosas, o ligar-se a alguma coisa dos adolescentes e a dança em êxtase, como
reflexo de um impulso fisiológico inato que se origina da estrutura do cérebro. Da mesma
forma que sabemos que há um impulso para a experiência sexual, pode haver um impulso
equivalente para a mudança de níveis de percepção.
Vontade Livre
"Meu primeiro ato de vontade livre será acreditar nela". James retorna sempre à sua própria
experiência precoce. Ele descreve argumentos religiosos, científicos, neurológicos e
filosóficos a favor e contra a existência da vontade livre, contudo, em sua conclusão, a
resolução pragmática ultrapassa a maioria dos argumentos com um apelo ao senso comum.
Parece ser mais útil, mais benéfico e mentalmente mais sadio acreditar na vontade livre do
que não o fazer. Manter tal fé permite à pessoa tratar as decisões morais com seriedade.
"Todo o sentimento de realidade, toda a estimulação e o excitamento de nossa vida voluntária
dependem de nossa impressão de que nela as coisas estão sendo decididas a cada momento e
que a vida não é o monótono ressoar de uma corrente que foi forjada há séculos".
James argumenta que nós temos uma capacidade inata para fazer escolhas reais, apesar das
limitações genéticas, dos hábitos pessoais e de outras circunstâncias externas.
Vontade de Acreditar
Quando deveria a vontade determinar a fé? Quando é que é apropriado acreditar em algo sem
evidência bastante para justificá-lo? James apresenta dois casos em que é benéfico acreditar.
Em primeiro lugar, aquelas vezes em que suspender o julgamento lhe trará uma oportunidade.
Não agir, não tomar nenhuma decisão, não ocupar nenhuma posição, é um tipo de decisão em
si mesma. É uma decisão de deixar que os outros decidam por você.
A segunda classe de situações inclui aquelas em que o efeito da convicção é trazer à tona os
próprios fatos que vão verificá-la... Acreditar, neste caso, é confiar, e a confiança
freqüentemente justifica a si mesma". James dá o seguinte exemplo:

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"Suponha, por exemplo, que você esteja escalando uma montanha e colocou-se numa
posição da qual a única saída é um terrível salto. Tenha fé de que você pode fazê-lo com
sucesso e seus pés serão enervados para esta façanha. Mas desconfie de si mesmo e pense em
todas as doces coisas que você ouviu os cientistas dizerem sobre os talvez e você hesitará por
tanto tempo que, ao final, totalmente nervoso e trêmulo ao se lançar num momento de
desespero, você rolará no abismo. Em tal caso (e ele pertence a uma enormeclasse), a questão
de sabedoria, assim como a de coragem, é acreditar no que está na linha de suas necessidades,
pois só com esta fé a necessidade será preenchida. Recuse-se a acreditar e você poderá de fato
estar certo, pois poderá irrecuperavelmente perecer. Mas acredite, e novamente você talvez
esteja certo, pois poderá salvar-se. Você torna um ou outro dos universos possíveis,
verdadeiro por sua confiança ou desconfiança".
Renúncia à Vontade
Em tais ocasiões, ao invés de lutar para fortalecer a vontade, as pessoas devem estar
preparadas para colocá-la de lado, para renunciar a ela. Na vida religiosa, há ocasiões em que
a vontade da pessoa é desarmada, outras facetas da consciência parecem assumir o controle.
A vontade é necessária pata trazer a "pessoa para perto da completa unificação que é aspirada
para depois; parece que exatamente o último passo deve ser deixado para outras forças e
realizado sem a ajuda de sua atividade". União mística, anulação do ego, transcendência de
limitações, consciência cósmica ou consciência unificadora, são alguns dos termos usados
para descrever esta transformação. De acordo com James, ela pode ir além dos confins da
vontade e, em certo sentido, além das fronteiras da própria personalidade.
Fortalecimento da Vontade
Ser capaz de fazer o que desejamos não é fácil. O desenvolvimento de uma vontade
suficientemente forte era um dos principais interesses de James em seus escritos. Ele sugeria
que um método fácil e acessível era realizar diariamente um exercício sem utilidade. "Seja
sistematicamente heróico em pequenos pontos desnecessários, faça todo dia alguma coisa
tendo como única razão a sua dificuldade, de modo que, quando se aproximar a hora de uma
necessidade terrível, eta não possa encontrá-lo desencorajado ou desarmado para suportar o
teste. . . .
O homem que tenha se disciplinado diariamente em hábitos de atenção concentrada, volição
enérgica e renúncia pessoal em coisas desnecessárias, erguer-se-á como uma torre quando
tudo à sua volta se abater sobre ele; seus companheiros mortais mais fracos voarão como
palha numa rajada de vento". O ato em si mesmo não é importante, mas ser capaz de fazê-lo,
apesar dele não ter importância, é o teste crítico para a vontade.
Self
O Self é aquela continuidade pessoal que cada um de nósreconhece cada vez que acorda.
James descreve várias camadas do self.
Self Material
A camada material do Self inclui aquelas coisas com as quais nos identificamos. O Self
material abrange não apenas nossos corpos mas também nossas casas, posses, amigos e
família. Na medida em que uma pessoa se identifica com uma pessoa ou objeto externos, este
constitui parte de sua identidade.
No mais amplo sentido possível, entretanto, o Self de um homem é a soma total de tudo o que
ele PODE chamar de seu, não apenas seucorpo e suas forças psíquicas, mas suas roupas e sua
casa, sua esposa e filhos, seus ancestrais e amigos, sua reputação e seu trabalho, suas terras e
seus cavalos, os iates e as contas bancárias. Todas essas coisas lhe dão as mesmas emoções.
Se elas crescem e prosperam, ele se sente triunfante; se elas minguam e desaparecem, ele se
sente deprimido, não necessariamente no mesmo grau por cada coisa, mas na maioria das
vezes da mesma forma para todas.
Teste você mesmo esta proposição. Imagine que alguém está ridicularizando uma pessoa,
idéia ou coisa que importa a você. Você permanece objetivo avaliando os méritos do ataque
ou será que você reage como se você mesmo estivesse sendo atacado? Se alguém insulta seus
filhos, seus pais, seu penteado, seu país, seu casaco, seu aparelho de som, será que você pode

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tomar consciência do quanto investe em cada uma dessas coisas? Algumas das confusões
entre a propriedade e a identificação podem ser esclarecidas desde que se entenda este
conceito expandido do Self.
Self Social
O Self Social de um homem é o reconhecimento que ele tem por parte de seus companheiros.
Constitui qualquer e todos os papéis que nós voluntária ou involuntariamente aceitamos. Uma
pessoa pode ter muitos ou poucos Selves Sociais, consistentes ou inconsistentes, mas, o que
quer que eles sejam, ela se identifica com cada um deles na situação apropriada. James sugere
que o curso adequado de ação é escolher um e sobre ele alicerçar a vida. Todos os outros
Selves daí em diante tornam-se irreais, mas o destinodeste Self é real. Seus fracassos são
fracassos reais, seus triunfos, triunfos reais.
Selt Espiritual
O Self Espiritual é o ser interior e subjetivo de uma pessoa. É o elemento ativo de toda
consciência. Ele é a morada do interesse, não o agradável ou o doloroso, nem mesmo o prazer
ou a dor, como tais, mas aquilo dentro de nós para o qual falam o prazer e a dor, o agradável e
o doloroso. É a fonte de esforço e atenção e o lugar do qual parecem emanar as ordens da
vontade. Ao fazer um exame cuidadoso, James descobriu que este Self Espiritual não é um
fenômeno puramente espiritual mas que nosso sentimento total da atividade espiritual, ou
aquilo que comumente recebe esse nome, é na verdade um sentimento das atividades
corporais cuja natureza exata é ignoradapela maioria dos homens.
James permaneceu indeciso sobre a questão da alma pessoal, entretanto, ele realmente sentia
que havia algo além da identidade individual. Ele achava haver um continuum de consciência
cósmica, contra o qual nossa consciência apenasconstrói cercas acidentais e dentro do qual
nossas várias mentes mergulham como se dentro de um mar-mãe ou de um.
Pesquisa em Biofeedback
Biofeedback é uma aplicação do conceito de feedback utilizado em engenharia, é o princípio
mecânico que controla a maioria da maquinaria automática. Uma fornalha e seu termostato,
por exemplo, formam um sistema de feedback autônomo. Biofeedback liga a vontade humana
a esse tipo de sistema. É o processo de monitorar um processo físico que ocorre em seu
próprio corpo. Por exemplo, quando você usa seus dedos para sentir o pulso, você está
recebendo feedback sobre seu batimento cardíaco.
Pesquisadores nessa área desenvolveram novos métodos de fornecer feedback imediato e
preciso. À medida que mais processos fisiológicos erammonitorados, descobria-se que uma
vez que o indivíduo recebesse feedback sobre um processo, tornava-se freqüentemente capaz
de mantê-lo sob controle consciente. É seguro dizer que se uma pessoa tem informação
imediata e precisa sobre qualquer processo fisiológico, tal processo pode ser conscientemente
dirigido em qualquer direção desejada. O batimento cardíaco, a pressão sangüínea, a
temperatura da pele, a freqüência das ondas cerebrais e a excitação sexual, todos podem ser
elevados ou diminuídos de forma voluntária.
Os sujeitos podem não perceber que sistemas musculares ou neurais específicos estão se
retesando e relaxando, mas isso não limita, de forma alguma, a efetividade do controle.
Pessoas e animais podem literalmente "imaginar" sua temperatura baixa ou alta, retardar ou
acelerar seu batimento cardíaco, ou mudar a freqüência de suas ondas cerebrais.
As aplicações comuns incluem o controle voluntário da alta pressão sangüínea, cura de
enxaquecas, intensificação das imagens visuais e o treinamento de pacientes cardíacos para
controle de tais anormalidades como fibrilação atrial e contrações ventriculares prematuras.
Implicações da Pesquisa em Biofeedback para a Teoria da Personalidade
1. As capacidades do sistema nervoso estão sendo redefinidas. Costumávamos acreditar que
existia um sistema nervoso voluntário, sujeito ao controle consciente, e um sistema nervoso
automático ou involuntário que não era passível de controle consciente. Entretanto, esta
distinção extinguiu-se totalmente. Hoje em dia é mais realista falar-se de um sistema nervoso
grosseiro, apto para o controle consciente através de pouco ou nenhum treino e o sistema

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nervoso fino apto para o controle consciente através de treino especializado. Essas
definições modificadas tornaram nossa concepção da fisiologia mais próxima da dos sistemas
orientais, cujas idéias sobre personalidade estão baseadas exatamente nessas e em outras
distinções físicas relacionadas.
Todas as "maravilhas do misterioso Oriente", iogues descansando sobre uma cama de
agulhas, santos sendo enterrados vivos, devotos capazes de caminhar lentamente sobre carvão
quente, eram proezas usadas pelos adeptos para demonstrar algo mais sobre a amplitude das
possibilidades humanas. Visto que hoje em dia somos capazes de replicar tais façanhas em
nossos próprios laboratórios, cabe a nós olhar novamente para as implicações dessas
exibições.
O que significa estar "sob controle"? O controle físico subentende ou conduz ao controle
emocional? Se for assim, quais as vantagens e desvantagens dese ensinar alguns tipos de
biofeedback a crianças ou adultos perturbados ou a outros grupos com necessidades ou
problemas especiais?
2. James definiu a vontade como a combinação de atenção e volição (desejo). Kimble e
Perlmuter (1970) descobriram que o papel da vontade é crítico para a compreensão de como o
treinamento de biofeedback realmente ocorre. Observam que o papel da atenção é crítico no
processo de querer. Apresentam um exemplo trivial do que pode ocorrer se você deseja fazer
algo mas não presta atenção suficiente.
VOCÊ ESTÁ PRESTANDO ATENÇÃO? PERGUNTA: Repita várias vezes a palavra ema.
RESPOSTA: Ema, ema, ema, ema . . .
PERGUNTA: Como se chama a parte branca do ovo? RESPOSTA:.... *
Só se prestar muita atenção é que escapa do padrão estabelecido que tende a eliciar a resposta
incorreta "gema". (Se quiser verificar isto posteriormente, tente propor a brincadeira para um
amigo e pedir-lhe que responda). Podemos desejar a resposta correta, mas é a combinação de
seu desejo (volição) mais sua atenção que torna possível fazer o que quer.
3. A volição passiva é definida como a vontade de deixar que as coisas aconteçam. Refere-se
ao particular estado de consciência que os sujeitos aprendem a usar num treinamento de
biofeedback bem sucedido. É atenção sem esforço. Um exemplo de uma tarefa da pesquisa
em biofeedback poderia ser abaixar a temperatura da sua mão direita. Primeiramente os
sujeitos "tentarão". A temperatura da mão direita vai aumentar. Então muitos sujeitos "não
tentarão mais". Isto costuma resultar num aumento da temperatura. Eventualmente, no curso
do treinamento, o sujeito aprende a parar de tentar e a "permitir" que a temperatura caia. A
volição passiva não é uma parte do treinamento cultural. Nós crescemos para sermos
dogmáticos, bem sucedidos, para resistir às forças que nos impedem de fazer o que
desejamos.
Uma das poucas situações em que desenvolvemos volição passiva é no ato de urinar. Quando
urinamos, relaxamos e permitimos que a urina saia. A distinção de James entre o querer
passivo e ativo tomou-se uma importante variável no treinamento efetivo de biofeedhack.
4. A maioria das teorias da personalidade especifica a gênese e as condições necessárias para
vários tipos de doenças mentais. A pesquisa em biofeedback apresentou formas alternativas
de induzir ou eliminar muitos sintomas "psicológicos" sem considerar as razões psicológicas
para o sintoma. Como sugeriram Green e Green (1971), uma vez que podemos nos tornar
fisicamente doentes em resposta à tensão psicológica, talvez possamos eliminar a doença
aprendendo controlar a resposta fisiológica.
Meditação
A meditação pode ser definida como o ato de dirigir, acalmar, aquietar ou focalizar a
consciência normal de uma maneira sistemática. A meditação pode ser praticada em silêncio
ou com barulho, com os olhos abertos ou fechados, sentado, andando ou quieto. Há centenas
de técnicas, práticas e sistemas de meditação. A pesquisa está apenas começando a descobrir
como a meditação afeta comportamentos psicológicos ou fisiológicos. Embora grande parte
dos estudos detalhados de laboratório tenha sido realizado sobre um sistema de meditação

69
específico, a meditação transcendental, é provável que os estudos desse sistema sejam de
forma geral válidos para outros sistemas de meditação.
Há uma ampla proliferação de grupos e professores que oferecem treinamento em meditação
diária. Grandes cidades e a maioria dos campus universitários abrigam diversas organizações
dedicadas a tal ensino. Há um interesse crescente na aplicação das práticas de meditação à
psicoterapia.
Implicações da Pesquisa sobre Meditação para a Teoria da Personalidade
1. Quais são os conteúdos da consciência? James propos que poderíamos considerar
consciência como um curso de água ou um rio. Relatos de pesquisas indicam que, para uma
descriçãomais completa, seria necessário considerar a consciência como tendo muitos
caminhos ou fluxos, todos correndo simultaneamente. A percepção consciente pode mover-se
de um caminho para outro como um holofote deslocando-se sobre diferentes trilhos numa
estação ferroviária.
O que há na consciência além dos diferentes pensamentos? Relatos de meditadores sugerem
algo mais do que as variadas formas de pensamento que pairam na superfície da mente. À
medida que se explora a consciência, ocorrem mudanças nas formas de pensamento, e não
apenas em seus conteúdos.
Tart, em 1972, incentivou os pesquisadores a considerar o fato de que o treino especializado
pode ser necessário para atingir e observar esses estados específicos. Assim como um dentista
precisa de treino especial para ser capaz de detectar pequenas irregularidades em Raios-X dos
dentes, ou astronautas precisam de um treinamento especial para serem capazes de trabalhar
em situações onde não há força da gravidade. Assim também os cientistas que trabalham
numa ciência de estados específicos deveriam receber treinamento apropriado. A queixa de
James de que o insight acessível sob o efeito de óxido nitroso "desapareceria gradualmente",
pode refletir sua própria falta de treinamento, não apenas um efeito do gás.
2. Que efeitos tem a meditação sobre os valores pessoais, o estilo de vida e a motivação? Ram
Dass (1974) comenta que suas crenças anteriores, desenvolvidas quando ensinava a
psicologia ocidental da motivação, foram seriamente ameaçadas por suas experiências em
meditação. Alguns dos sistemas com os quais trabalhou não assumiam sequer que os assim
chamados impulsos "básicos" para afiliação, poder ou realização, ou mesmo os impulsos
biologicamente estabelecidos para comida, água ou sobrevivência, eram necessáriospara o
bem-estar pessoal. Os escritos de Ram Dass (1974), Sayadaw (1954) a outros tornam evidente
que há modelos de personalidade baseados em considerações diferentes daquelas que temos
considerado até agora.
Hipnose
Embora há cerca de cem anos a hipnose seja uma área de pesquisa, não é um fenômeno bem
definido. Algumas de suas aplicações são a psicoterapia, ajudas no treino atlético, técnicas de
modulação da dor e espetáculos de clubes noturnos. Sujeitos bem treinados demonstraram
capacidades físicas, emocionais, perceptuais e até mesmo psíquicas incomuns quando em
estado hipnoticamente induzido. Visto que as induções hipnóticas conduzem a tantos estados
alterados, podemos considerar que a hipnose é um instrumento de exploração da consciência
e não apenas um meio de induzir um único e específico estado alterado.
A realidade subjetivas as respostas dos sujeitos a estímulos externos são acentuadamente
modificadas na hipnose. Tart (1970) descreve algumas das séries desses efeitos. Um dos
testes padrões que usamos, por exemplo, é contar à pessoa que ela não tem olfato e, então,
segurar uma garrafa de amoníaco sob seu nariz e dizer "respire profundamente". Pode-se
induzir analgesia total para dor em operações cirúrgicas, por exemplo. Pode-se fazer com que
as pessoas tenham alucinação. Se lhes contarmos que há um urso polar na esquina, verão um
urso polar na esquina. Pode-se de alguma forma mexer na memória. Pode-se fazer com que as
pessoas retrocedam no tempo, de forma que se sintam como se fossem crianças de
determinada idade e assim por diante.

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Implicações da Pesquisa em Hipnose para a Teoria da Personalidade
1. Quem tem o controle de nossa consciência? Na hipnose induzida em espetáculos parece
que o hipnotizador tem pleno controle, forçando o sujeito a fazer coisas idiotas e
embaraçosas. A pesquisa de laboratório indica que o relacionamento é mais cooperativo do
que geralmente parece ser. O sujeito confia no hipnotizador e irá, portanto, concordar com
vários tipos de sugestões.
Se a pessoa fizer o que lhe foi ordenado, será responsável por seus atos? A pessoa está
consciente da fonte de sugestões? Até certo ponto, somos todos hipnotizados pelas
propagandas e pela televisão. Como este tipo de condicionamento se compara com a indução
hipnótica?
2. Na hipnose dental, o paciente é ensinado a eliminar a dor do dente ou a "mandá-la
embora". Como isto é feito? Não sabemos, mas a verdade é que há sucesso. Se a dor for
subjetiva, isto é, sujeita a controle voluntário, o que significa dizer que sinto dor ou mesmo
que estoucansado ou com raiva? Todas essas sensações podem ser "ligadas" e "desligadas"
por um hipnotizador. Arnold (1950) pediu a certos indivíduos para enrijecer seus músculos de
várias maneiras. Os sujeitos relataram emoções correlacionadas com os tipos de tensões
musculares requeridas. Para James, o trabalho de Arnold seria uma evidência adicional de que
é a sensação física mais a atenção a ela que determinam o efeito sobre a consciência. A
evidência da hipnose sugere que a consciência pode ser altamente seletiva com relação ao que
admite que seja conscientizado.
Uma abordagem diferente do controle da dor que pode ser tentada, baseia-se na tendência
natural da mente a divagar. Da próxima vez em que sentir dor, de uma queimadura, picada de
inseto ou de um tornozelo torcido, feche os olhos e conscientemente tente intensificar a dor.
Concentre-se por completo apenas na dor e na parte afetada do corpo. Experiencie da forma
mais plena que puder. Tente e mantenha esta absorção total ao menos por trinta segundos.
Quandorelaxar, a dor terá em grande parte diminuído ou desaparecido.
Em que medida nossa aceitação da estimulação externa é um simples resultado da não
compreensão de formas alternativas de lidar com as sensações?
3. Na chamada "hipnose profunda", a personalidade parece passar por uma série de
transformações radicais. Um por um, os aspectos da identidade parecem ser postos de lado. A
sensação da passagem do tempo, a percepção de nosso próprio corpo, a percepção da sala e
da identidade pessoal em si mesma apagam-se gradualmente. Embora ainda haja
comunicação entre sujeito e experimentador, até mesmo esta percepção diminui, até que o
experimentador seja apenas uma voz distante.
4. Que efeito tem a percepção na personalidade? A maioria dos teóricos assume que todos nós
vemos aproximadamente o mesmo mundo, as mesmas cores, temos o mesmo sentido de
tempo e assim por diante.
Para compreender o comportamento atual das pessoas, pode ser tão proveitoso investigar a
maneira como percebem o universo quanto suas experiências infantis. Conhecemos pessoas
que parecem sempre apressadas, que não possam nunca ir mais devagar? Conhecemos
pessoas que parecem melancólicas de forma pouco natural, ou perpetuamente alegres? James
achava possível que algumas dessas diferenças não seriam apenas "variáveis de
personalidade", mas pudessem ser devidas a variáveis perceptuais.
Pesquisa Paranormal
Embora James tenha atraído estudantes que continuaram sua abordagem pragmática com
relação à educação e à filosofia, seus interesses paranormais não foram retomados após sua
morte. A Psicologia, até recentemente, tentou ignorar o trabalho nesta área. A razão para a
repugnância coletiva pode ser devida às dificuldades de muitos cientistas em aceitar a
existência da percepção extrasensorial é que ela nãofaz sentido em termos do que
conhecemos sobre o universo físico. Não temos nenhuma teoria compreensiva, nenhum bom
modelo ou tipo de explicação generalizadamente aceita do fenômeno. James estava mais

71
interessado em investigar os exemplos disponíveis do que em desenvolver modelos
teóricos. Estava também consciente, assim como os parapsicólogos da atualidade, de que
freqüentemente há fraude associada ao fenômeno genuíno.
A onda nascente de pesquisa sobre estados alterados inclui o progresso das investigações
parapsicológicas. A tendência atual dirige-se às mensurações mais acuradas e à identificação
mais concisa de variáveis críticas. A pesquisa inclui o treinamento de habilidades
paranormais em pessoas que não demonstraram tais capacidades antes. James, juntamente
com a maioria dos pesquisadores em Parapsicologia, aceitava a existência dos seguintes
fenômenos paranormais:
1. Telepatia: comunicação de uma mente a outra.
2. Clarividência: obtenção de informações não disponíveis aos sentidos físicos, tal como
informações de um livro fechado em outra sala.
3. Premonição: obtenção de infamações do que ainda não existe; por exemplo, sonhar com
um evento que ocorre dias depois.
4. Psicocinese: influenciar objetos ou processos físicos sem qualquer contato físico. Há outras
capacidades paranormais sendo investigadas, mas essas quatro ilustram o alcance dessa
atividade.
Implicações da Pesquisa Paranormal para a Teoria da Personalidade
1. Em que medida há uma ligação telepática entre a mãe e a criança? 0 ponto de vista
biológico supõe que a ligação entre a mãe e a criança é cortada no nascimento. James
acreditava que a evidência indica que este vínculo, em parte físico e em parte telepático,
permanece ativo depois do nascimento. Isto é especialmente evidente quando a criança ou a
mãe passam por estimulações emocionais intensas.
2. Uma questão mais geral, para James, é o problema de determinar se quaisquer de nossas
capacidades de empatia com outros são devidas a sugestões telepáticas sutis. As ligações
entre parentes ou mesmo entre animais de estimação e seus donos são contínuas e não
limitadas pela percepção consciente de cada um.
3. James questionava que, se era possível obter infirmações da mente de outra pessoa, de um
quarto trancado ou mesmo de um tempo futuro, como podemos definir os limites da
personalidade? A identidade é restrita ao corpo, como costumamos assumir, ou é vagamente
localizada nele com possíveis extensões? Assim como na literatura psicodélica, os resultados
publicados levantam questões sobre espaço e tempo. Se, como disse Einstein, "a distinção
entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão, ainda que seja uma ilusão persistente",
podemos então nos sentir seguros com relação aos nossos modelos presentes de causalidade
psicológica?
4. Os dados sobre reencarnação levantam questões envolventes para todas as teorias da
personalidade. Reencarnação é a crença de que, após a morte, a personalidade não
desaparece, mas pode ser, em certo sentido, restabelecida numa criança recém nascida ou em
outra forma viva.
Pesquisa Psicodélica
A maioria das culturas primitivas ou civilizadas tem usado ervas, sementes ou plantas a fim
de alterar a química corporal, perspectivas emocionais e o nível de percepção consciente.
James experimentou-o com óxido nitroso (gás hilariante) e ficou impressionado com suas
experiências.
Embora de tempos em tempos aparecessem outros relatos sobre os efeitos não usuais de
drogas, estudos mais intensivos só começaram a partir da síntese da dietilamida-25 do ácido
lisérgico (LSD-25), em 1943, pelo químico suíço Albert Hoffman. A viabilidade de um
material sintético mensurável deu margem a um amplo esforço de pesquisa internacional.
O difundido uso de drogas pela cultura jovem ocasionou muitos argumentos acadêmicos,
científicos e éticos que em grande parte não foram ainda resolvidos. Os efeitos reais da
ingestão de drogas psicodélicas eram quase ignorados numa onda de interesse a respeito das
vendas, manufatura e distribuição. Os resultados dos estudos iniciais receberam uma ampla

72
publicidadee despertaram o interesse do público. Um efeito durável foi a introdução
difundida de drogas na vida norte-americana. Milhões de jovens que pessoalmente
experimentaram tais drogas vieram a concordar com James de que "nossa consciência normal
em vigília, nada mais é que um tipo especial de consciência, enquanto que por toda ela,
separada pela mais transparente das cortinas, repousam formas de consciência inteiramente
diferentes.
Implicações da Pesquisa Psicodélica para a Teoria da Personalidade
1. A maioriados teóricos da personalidade baseia-se na consciência normal em vigília. Uma
característica desta consciência normal é a de se saber quem é, o sentido de identidade e
individualidade é estável e explícito. Estudos sobre a imagem corporal e as fronteiras do ego
concluíram que qualquer desvio de um limite seguro de ego é um sintoma psicopatológico.
No estado de consciência "normal" ou usual, o indivíduo se experiencia como existindo
dentro dos limites de seu corpo físico (a imagem corporal), e sua percepçãodo meio ambiente
é restringida pela extensão, fisicamente determinada, de seus órgãos de recepção externa;
tanto a percepção interna quanto a percepção do meio ambiente estão confinadas dentro dos
limites do espaço e tempo Em experiências psicodélicas transpessoais, uma ou várias dessas
limitações parecem ser transcendidas. Em alguns casos, o sujeito experiencia um
afrouxamento de seus limites usuais de ego e sua consciência e autopercepção parecem
expandir-se para incluir e abranger outros indivíduos e elementos do mundo externo.
Em outros casos, ele continua experienciando sua própria identidade, mas num tempo
diferente, num lugar diferente, ou num diferente contexto. Ainda em outros casos, o sujeito
experiencia uma completa perda de sua própria identidade egóica e uma total identificação
com a consciência de uma outra identidade. Finalmente, nume categoria bastante ampla
dessas experiências psicodélicas transpessoais (experiências arquetípicas, encontros com
divindades jubilosas e coléricas, união com Deus etc.), a consciência do sujeito parece
abranger elementos que não têm nenhuma continuidade com sua identidade de ego usual e
que não podem ser considerados simples derivativos de suas experiências no mundo
tridimensional.
É possível que algumas das distinções que mantemos entre nós mesmos e o resto do mundo
sejam arbitrárias? A identidade pode estar mais próxima da noção de James de um campo
constantemente flutuante do que de um conjunto de limites estável e definível. Nossa
percepção usual de nós próprios pode ser apenas um artifício da consciência normal.
2. William James observou que experienciar aquela assim chamada "consciência mística" era
um evento raro e imprevisível. O uso amplo dos psicodélicos configurou tais estados, ou ao
menos a impressão subjetiva de se ter experienciado tais estados, de forma mais acessível.
Vários pesquisadores de drogas psicodélicas relatam que seus sujeitos vivem o que chamam
de experiências religiosas, espirituais e transpessoais. Tornou-se importante determinar o
valor e a validade dessas experiências, agora que parecem ser mais comuns.
Esta questão é de interesse para a comunidade religiosa. A conversão religiosa, as
experiências de oração, as visões e o falar em diferentes línguas, todos ocorrem em estados de
consciência alterados. A validade dessas experiências é o fundamento de muitas das diversas
doutrinas religiosas. A descoberta e o exame de substâncias usadas em rituais religiosos, que
provaram ser ativos agentes psicodélicos, reavivou o interesse dos teólogos a respeito da
origem e do significado da experiência religiosa quimicamente induzida.
3. Qual o relacionamento do tempo e do espaço com a consciência? Físicos modernos e
velhos místicos parecem cada vez mais próximos uns dos outros em suas tentativas de
descrever o universo conhecido. Os resultados das experiências psicodélicas sugerem que a
natureza e a gênese da consciência podem ser mais realisticamente descritas por místicos e
físicos modernos do que pela mais estável concepção utilizada dentro da psicologia
contemporânea.
4. Weil (1972) oferece evidência de que os assim chamados "estados alterados" são não só
naturais como também necessários para o bem-estar e a saúde continuada da pessoa. Ele
acredita que a menos que tenhamos oportunidade de mudar nosso estado de consciência,

73
podem desenvolver-se sintomas emocionais graves. Ele viu o impulso para alterar a
percepção consciente tal como expressa pelo uso exagerado de drogas, bebedeiras públicas,
práticas religiosas, o ligar-se a alguma coisa dos adolescentes e a dança em êxtase, como
reflexo de um impulso fisiológico inato que se origina da estrutura do cérebro. Da mesma
forma que sabemos que há um impulso para a experiência sexual, pode haver um impulso
equivalente para a mudança de níveis de percepção.
Referência
Ballone GJ-William James, in. PsiqWeb, internet, disponível emwww.psiqweb.med.br,
revisto em 2005
*- baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager- Harbra- 1980 para
saber mais: Tipos Psicológicos- C.G.Jung- Zahar Editores- RJ- 1980

74
Capítulo XIII
A Terapia Centrada no Cliente deCarl Rogers
Uma premissa fundamental da teoria de Carl Rogers é o pressuposto de que as pessoas usam sua
experiência para se definir. Em seu principal trabalho teórico de 1959, Rogers define uma série de
conceitos a partir dos quais delineia teorias da personalidade e modelos de terapia, mudança da
personalidade e relações interpessoais. Os construtos básicos aqui apresentados estabelecem uma
estrutura através da qual as pessoas podem construir e modificar suas opiniões a respeito de si
mesmas.
O Conhecimento
O conhecimento objetivo é uma forma de testar hipóteses, especulações e conjecturas em relação a
sistemas de referência externos. Em Psicologia, os pontos de referência podem incluir observações
do comportamento, resultados de testes, questionários ou julgamentos de outros psicólogos. A
utilização dos colegas baseia-se na idéia de que se pode confiar nas pessoas treinadas em uma
determinada disciplina para aplicar os mesmos métodos de julgamento a um dado evento. A
opinião de um especialista pode ser objetiva mas também pode ser uma percepção coletiva errônea.
Qualquer grupo de especialistas pode mostrar-se rígido e defender-se quando se lhes pede para
considerar dados que contradizem aspectos axiomáticos de sua própria formação. Rogers observa
que teólogos comunistas dialéticos e psicanalistas exemplificam esta tendência. Rogers é o único a
questionar a validade do conhecimento objetivo, em especial na tentativa de compreender a
experiência de uma outra pessoa. A terceira forma de conhecimento é o conhecimento inter-pessoal
ou conhecimento fenomenológico, que é a essência da terapia centrada no cliente. É a prática da
compreensão empática. Penetrar no mundo subjetivo particular do outro para ver se nossa
compreensão da opinião dele é correta, não apenas para ver se é objetivamente correta ou se
concorda com o nosso próprio ponto de vista, mas se é correta no sentido de compreender a
experiência do outro como ele a experiência. Esta compreensão empática é testada pela resposta
àquilo que se entendeu, perguntando-se ao outro se foi ouvido corretamente. "Você está se sentindo
deprimido esta manhã?", "Parece-me que você está contando ao grupo que seu choro é um pedido
de ajuda", "Aposto que você está muito cansado para concluir isto agora".
O Campo da Experiência
Há um campo de experiência único para cada indivíduo. Este campo de experiência ou "campo
fenomenal" contém tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e que está
potencialmente disponível à consciência. Inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos
quais a pessoa não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos.
É um mundo privativo e pessoal que pode ou não corresponder à realidade objetiva. De início a
atenção é colocada naquilo que a pessoa experimenta como seu mundo, não na realidade comum. O
campo de experiência é limitado por restrições psicológicas e limitações biológicas. Temos
tendência a dirigir nossa atenção para perigos imediatos, assim como para experiências seguras ou
agradáveis, ao invés de aceitar todos os estímulos que nos rodeiam.
Self
Dentro do campo de experiência está o Self. O Self não é uma entidade estável, imutável,
entretanto, observado num dado momento, parece ser estável. Isto se dá porque congelamos uma
secção da experiência a fim de observá-la. Rogers concluiu que a idéia do eu não representa uma
acumulação de inumeráveis aprendizagens e condicionamentos efetuados na mesma direção....
Essencialmente é uma gestalt cuja significação vivida é suscetível de mudar sensivelmente (e até
mesmo sofrer uma reviravolta) em conseqüência da mudança de qualquer destes elementos. O Self
é uma gestalt organizada e consistente num processo constante de formar-se e reformar-se à medida

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que as situações mudam. Assim como uma fotografia é uma "parada" de algo que está mudando, da
mesma forma o Self não é nenhuma das "fotografias" que tiramos dele, mas oprocesso fluido
subjacente. Outros teóricos usam o termo Self para designar aquela faceta da identidade pessoal que
é imutável, estável ou mesmo eterna. Rogers usa o termo para se referir ao contínuo processo de
reconhecimento. É esta diferença, esta ênfase na mudança e na flexibilidade, que fundamenta sua
teoria e sua crença de que as pessoas são capazes de crescimento, mudança e desenvolvimento
pessoal. O Self ou auto-conceito é a visão que uma pessoa tem de si própria, baseada em
experiências passadas,estimulações presentes e expectativas futuras.
Self Ideal
Self Ideal é o conjunto das características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como
descritivas de si mesmo. Assim como o Self, ele é uma estrutura móvel e variável, que passa por
redefinição constante. A extensão da diferença entre o Self e o Self Ideal é um indicador de
desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas. Aceitar-se como se é na realidade, e não como
se quer ser, é um sinal de saúde mental. Aceitar-se não é resignar-se ou abdicar de si mesmo. É uma
forma de estar mais perto da realidade e de seu estado atual. A imagem do Self Ideal, na medida em
que se diferencia de modo claro do comportamento e dos valores reais de uma pessoa é um
obstáculo ao crescimento pessoal. Umtrecho da história de um caso pode esclarecê-lo. Um
estudante estava planejando desligar-se da faculdade. Havia sido o melhor aluno no ginásio e o
primeiro no colegial e estava indo muito bem na faculdade. Estava desistindo, explicava, porque
havia recebido um "C" num curso. Sua imagem de ter sido sempre o melhor estava em perigo. A
única seqüência de ações que ele vislumbrava era escapar, deixar o mundo acadêmico, rejeitar a
discrepância entre seu desempenho atual e sua visão ideal de si próprio. Disse que iria trabalhar
para ser o "melhor" de alguma outra forma. Para proteger sua auto-imagem ideal ele desejava
cortar pela raiz sua carreira acadêmica. Ele deixou a escola, viajou pelo mundo e, por vários anos,
teve uma grande quantidade de empregos originais. Quando foi visto novamente era capaz de
discutir a possibilidade de que talvez não fosse necessário ser o melhor desde o começo, mas tinha
ainda grandes dificuldades em explorar qualquer atividade na qual pudesse experimentar fracasso.
Congruência e Incongruência
Congruência é definida como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a tomada de
consciência. Ela se relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar consciência. Um alto grau
da congruência significa que a comunicação (o que se está expressando), a experiência (o que está
ocorrendo em nosso campo) e a tomada de consciência (o que se está percebendo) são todas
semelhantes. Nossas observações e as de um observador externo seriam consistentes.
Crianças pequenas exibem alta congruência. Expressam seus sentimentos logo que seja possível
com o seu ser total. Quando uma criança tem fome ela toda está com fome, neste exato momento!
Quando uma criança sente amor ou raiva, ela expressa plenamente essas emoções. Isto pode
justificar a rapidez com que a criança substitui um estado emocional por outro. A expressão total de
seus sentimentos permite que elas liquidem a bagagem emocional que não foi expressa em
experiências anteriores. A congruência é bem descrita por um Zen-budista ao dizer: "Quando tenho
fome, como; quando estou cansado, sento-me; quando estou com sono, durmo". A incongruência
ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a experiência e a comunicação desta.
As pessoas que parecem estar com raiva (punhos cerrados, tom de voz elevado, praguejando) e que
replicam que de forma alguma estão com raiva, se interpeladas, ou as pessoas que dizem estar
passando por um período maravilhoso mas que se mostram entediadas, isoladas ou facilmente
doentes, estão revelando incongruência. É definida não só como inabilidade de perceber com
precisão mas também como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa. Quando a
incongruência está entre a tomada de consciência e a experiência, é chamada repressão. A pessoa
simplesmentenão tem consciência do que está fazendo. A maioria das psicoterapias trabalha sobre
este sintoma de incongruência ajudando as pessoas a se tomarem mais conscientes de suas ações,
pensamentos e atitudes na medida em que estes as afetam e aos outros. Quando a incongruência é

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uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a pessoa não expressa o que está
realmente sentindo, pensando ou experienciando. Este tipo de incongruência é muitas vezes
percebido como mentiroso, inautêntico ou desonesto. Muitas vezes esses comportamentos tomam-
se foco de discussões em terapias de grupo ou em grupos de encontro. Embora tais comportamentos
pareçam ser realizados com malícia, terapeutas e treinadores relatam que a ausência de congruência
social, aparente falta de boa vontade em comunicar-se, é com freqüência, uma falta de autocontrole
e consciência pessoal. A pessoa não é capaz de expressar suas emoções e percepções reais em
virtude do medo e de velhos hábitos de encobrimento que são difíceis de superar. Poroutro lado, é
possível que a pessoa tenha dificuldade em compreender o que os outros esperam dela.
A incongruência pode ser sentida como tensão, ansiedade ou, em circunstâncias mais extremas,
como confusão interna. Um paciente internado em hospital psiquiátrico que declara não saber onde
está, em que hospital, qual a hora do dia, ou mesmo quem ele é, está exibindo alto grau de
incongruência. A discrepância entre a realidade externa e aquilo que ele está subjetivamente
experienciando tomou-se tão grande que ele não é capaz de atuar. A maioria dos sintomas descritos
na Literatura psiquiátrica podem ser vistos como formas de incongruência. Para Rogers, a forma
particular de distúrbio é menos crítica do que o reconhecimento de que há uma incongruência que
exige uma solução. A incongruência é visível em observações como, por exemplo, "não sou capaz
de tomar decisões", "não sei o que quero", "nunca serei capaz de persistir em algo", A confusão
aparece quando você não é capaz de escolher dentre os diferentes estímulos aos quais se acha
exposto. Considere o caso de um cliente que relata: "Minha mãe pede-me que cuide dela, é o
mínimo que posso fazer. Minha namorada recomenda que eu me mantenha firme para não ser
puxado de todo lado. Penso que sou muito bom para minha mãe, mais do que ela merece. Às vezes
a odeio, às vezes a amo. Às vezes é bom estar com ela, às vezes ela me diminui." O cliente está
assediado por estímulos diferentes. Cada um deles é válido e conduz a ações válidas por algum
tempo. É difícil diferenciar, dentre estes estímulos, aqueles que são genuínos daqueles que são
impostos. 0 problema pode estar em reconhecê-los como diferentes e ser capaz de trabalhar sobre
sentimentos diferentes em momentos diferentes. A ambivalência não é Iara ou anormal; não ser
capaz de reconhecê-la ou enfrentá-la pode ser uma causa de ansiedade.
Tendência à Auto-Atualização
Há um aspecto básico da natureza humana que leva uma pessoa em direção a uma maior
congruência e a um funcionamento realista. Além disso, este impulso não é limitado aos seres
humanos; é parte do processo de todas as coisas vivas. É este impulso que é evidente em toda vida
humana e orgânica, expandir-se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer a
tendência a expressar e ativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação
valoriza o organismo ou o Self. Rogers sugere que em cada um de nós há um impulso inerente em
direção a sermos competentes e capazes quanto o que estamos aptos a ser biologicamente. Assim
como uma planta tenta tornar-se saudável, como uma semente contém dentro de si impulso para se
tomar uma árvore, também uma pessoa é impelida a se tomar uma pessoa total, completa e auto-
atualizada. O impulso em direção à saúde não é uma força esmagadora que super., obstáculos ao
longo da vida; pelo contrário, é facilmente embotado, distorcido e reprimido. Rogers o vê como a
força motivadora dominante numa pessoa que está funcionando de modo livre, não paralisada por
eventos passados ou por crenças correntes que mantinham a incongruência. Maslow chegou a
conclusões semelhantes; chamava esta tendência de uma voz interna e fraca que é facilmente
abafada. A suposição de que o crescimento é possível e central para o projeto do organismo é
crucial para o restante do pensamento de Rogers. Para Rogers, a tendência à auto-atualização não é
simplesmente mais um motivo. É importante observar que esta tendência atualizante é o postulado
fundamental da teoria rogeriana.

77
Crescimento Psicológico
As forças positivas em direção à saúdee ao crescimento são naturais e inerentes ao organismo.
Baseado em sua própria experiência clínica, Rogers conclui que os indivíduos têm a capacidade de
experienciar e de se tomarem conscientes de seus desajustamentos. Isto é, você pode experienciar
as incoerências entre seu auto-conceito e suas experiências reais. Esta capacidade que reside em nós
é associada a uma tendência subjacente à modificação do auto-conceito, no sentido de estar
realmente de acordo com a realidade. Rogers postula, portanto, um movimento natural para a
resolução e distante do conflito. Vê o ajustamento não como um estado estático, mas como um
processo no qual novas aprendizagens e novas experiências são cuidadosamente assimiladas.
Rogers está convencido de que estas tendências em direção à saúde são facilitadas por qualquer
relação interpessoal na qual um dos membros esteja livre o bastante da incongruência para estar em
contato com seu próprio centro de auto-correção. A maior tarefa da terapia é estabelecer tal
relacionamento genuíno. Aceitar-se a si mesmo é um pré-requisito para uma aceitação mais fácil e
genuína dos outros. Em compensação, ser aceito por outro conduz a uma vontade cada vez maior de
aceitar-se a si próprio. Este ciclo de auto-correção e auto-incentivo é a forma principal pela qual se
minimiza ns obstáculos ao crescimento psicológico.
Obstáculos ao Crescimento
Rogers sugere que os obstáculos aparecem na infância e são aspectos normais do desenvolvimento.
O que a criança aprende em um estágio como benéfico deve ser reavaliado nos estágios posteriores:
Motivos que predominam na primeira infância mais tarde podem inibir o desenvolvimento da
personalidade. Quando a criança começa a tomar consciência do Self, desenvolve uma necessidade
de amor ou de consideração positiva.Esta necessidade é universal, considerando-se que ela existe
em todo ser humano e que se faz sentir de uma maneira contínua e penetrante. A teoria não se
preocupa em saber se é uma necessidade inata ou adquirida. Uma vez que as crianças não separam
suas ações de seu ser total, reagem à aprovação de uma ação como se fosse aprovação de si
mesmas. Da mesma forma, reagem à punição de um ato como se estivessem sendo desaprovadas
em geral. O amor é tão importante para a criança que ela acaba por ser guiada, nãopelo caráter
agradável ou desagradável de suas experiências e comportamentos, mas pela promessa de afeição
que elas encerram. A criança começa a agir da forma que lhe garante amor ou aprovação, sejam os
comportamentos saudáveis ou não para ela. As crianças podem agir contra seu próprio interesse,
chegando a se perceber em termos destinados, a princípio, a agradar ou apaziguar os outros.
Teoricamente esta situação poderia não se desenvolver se a criança sempre se sentisse aceita e
houvesse aprovação dos sentimentos mesmo que alguns comportamentos fossem inibidos. Em tal
situação ideal a criança nunca seria pressionada a se despojar ou repudiar partes não atraentes mas
autênticas de sua personalidade. Comportamentos ou atitudes que negam algum aspecto do Self
são chamados de condições de valor. Quando uma experiência relativa ao eu é procurada ou evitada
unicamente porque é percebida como mais ou menos digna de consideração de si, diz Rogers que o
indivíduo adquiriu um modo de avaliação condicional. Condiçõesde valor são os obstáculos
básicos à exatidão da percepção e à tomada de consciência realista. Há vendas e filtros seletivos
destinados a assegurar um suprimento interminável de amor da parte dos parentes e dos outros.
Acumulamos certas condições, atitudes ou ações cujo cumprimento sentimos necessário para
permanecermos dignos. Na medida em que essas atitudes e ações são idealizadas, elas constituem
áreas de incongruência pessoal. De forma extrema, as condições de valor são caracterizadas pela
crença de que "preciso ser respeitado ou amado por todos aqueles com quem estabeleço contato".
As condições de valor criam uma discrepância entre o Self e o auto-conceito. Para mantermos uma
condição de valor temos que negar determinados aspectos de nós mesmos. Por exemplo, se falaram
"Você deve amar seu irmãozinho recém-nascido, senão mamãe não gosta mais de você", a
mensagem é a de que você deve negar ou reprimir seus sentimentos negativos genuínos em relação
a ele. Se você conseguir esconder sua vontade maldosa, seu desejo de machucá-lo e seu ciúme
normal, sua mãe continuará a amá-lo. Se a pessoa admitir que tem tais sentimentos, se arriscará a
perder o amor. Uma solução que cria uma condição de valor é rejeitar tais sentimentos sempre que

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ocorram, bloqueando-os de sua consciência. Agora a pessoa pode reagir de formas tais como: "Eu
realmente amo meu irmãozinho, apesar das vezes em que o abraço tanto até ele gritar" ou, "Meu pé
escorregou sob o seu, eis porque ele tropeçou". Posso ainda lembrar-me da enorme alegria
demonstrada por meu irmão mais velho quando lhe foi dada uma oportunidade de bater em mim
por algo que fiz. Minha mãe, meu irmão e eu ficamos todos assustados com sua violência. Ao
recordar o incidente, meu irmão lembrou-se de que ele não estava especialmente bravo comigo,
mas que havia compreendido que aquela era uma rara ocasião e queria descarregar toda a maldade
possível enquanto tinha permissão. Admitir tais sentimentos e permitir-lhes alguma expressão e,
quando ocorrem é mais saudável, segundo Rogers,do que rejeitá-los ou aliená-los. Quando a
criança amadurece, o problema persiste. O crescimento é impedido na medida em que a pessoa
nega impulsos diferentes do auto-conceito artificialmente "bom". Para sustentar a falsa auto-
imagem a pessoa continua a distorcer experiências, quanto maior a distorção maior a probabilidade
de erros e da criação de novos problemas. Os comportamentos, os erros e a confusão que resultam
dão manifestações de distorções iniciais mais fundamentais. E a situação realimenta-se a si mesma.
Cada experiência de incongruência entre o Self e a realidade aumenta a vulnerabilidade, a qual, por
sua vez, ocasiona o aumento de defesas, interceptando experiências e criando novas ocasiões de
incongruência. Por vezes as manobras defensivas não funcionam. A pessoa toma consciência das
discrepâncias óbvias entre os comportamentos e as crenças. Os resultados podem ser pânico,
ansiedade crônica, retraimento ou mesmo uma psicose. Rogers observou que o comportamento
psicótico parece ser muitas vezesa representação externa de um aspecto anteriormente negado da
experiência. Em 1974 Perry corrobora essa idéia, apresentando evidência de que o episódio
psicótico é uma tentativa desesperada da personalidade de se reequilibrar e permitir a realização de
necessidades e experiências internas frustradas. A terapia centrada no cliente esforça-se por
estabelecer uma atmosfera na qual condições de valor prejudiciais possam ser postas de lado,
permitindo, portanto, que as forças saudáveis de uma pessoa retomem sua dominância original.
Uma pessoa recupera a saúde reivindicando suas partes reprimidas ou negadas.
O Corpo
Embora Rogers defina a personalidade e a identidade como uma gestalt contínua, não dá ao papel
do corpo uma atenção especial. Mesmo no seu trabalhocom encontros ele não promove ou facilita
o contato físico nem trabalha diretamente com gestos físicos. Como Rogers mesmo assinala, "a
minha formação não é das que me tornem especialmente liberto a esse respeito". Sua teoria é
baseada na tomada de consciência da experiência. Ela não seleciona a experiência física como
diferente em espécie ou valor das experiências emocionais, cognitivas ou intuitivas.
Relacionamento Social
O valor dos relacionamentos é de interesse central nas obras de Rogers. Os relacionamentos mais
precoces podem ser congruentes ou podem servir como foco de condições de valor. Relações
posteriores são capazes de restaurar a congruência ou retardá-la. Rogers acredita que a interação
com o outro capacita um indivíduo a descobrir, encobrir, experienciar ou encontrar seu Self real de
forma direta. Nossa personalidade torna-se visível a nós através do relacionamento com os outros.
Na terapia, em situações de encontro e em interações cotidianas, o feedback dos outros oferece às
pessoas oportunidade de experienciarem a si mesmas. Se pensamos em pessoas que não têm
relacionamentos, imaginamos dois estereótipos contrastantes. O primeiro é o do ermitão relutante,
inábil para lidar com outros. O segundo é o contemplativo que se retirou do mundo paracumprir
outras tarefas. Nenhuma dessas imagens atrai Rogers. Para ele, os relacionamentos oferecem a
melhor oportunidade para estar "funcionando por inteiro", para estar em harmonia consigo mesmo,
com os outros e com o meio ambiente. Através dos relacionamentos, as necessidades organísmicas
básicas do indivíduo podem ser satisfeitas. A esperança desta satisfação faz com que as pessoas
invistam uma quantidade de energia incrível em relacionamentos, até mesmo naqueles que não
parecem ser saudáveis ou satisfatórios.

79
O Casamento
O casamento é um relacionamento não usual. É potencialmente de longo prazo, intensivo, e carrega
dentro de si a possibilidade de manutenção do crescimento e do desenvolvimento. Rogers acredita
que o casamento siga as mesmas leis geraisque mantém a verdade dos grupos de encontro, da
terapia ou de outros relacionamentos. Os melhores casamentos ocorrem com parceiros que são
congruentes consigo mesmos, que têm poucas condições de valor como empecilho e que são
capazes de genuína aceitação dos outros. Quando o casamento é usado para manter uma
incongruência ou para reforçar tendências defensivas existentes, é menos satisfatório e é menos
provável que se mantenha. As conclusões de Rogers sobre qualquer relação íntima a longo prazo,
tal como o casamento, são focalizadas sobre quatro elementos básicos: compromisso contínuo,
expressão de sentimentos, não-aceitação de papéis específicos e capacidade de compartilhar a vida
íntima. Ele resume cada elemento como uma promessa, um acordo sobre o idealde um
relacionamento contínuo, benéfico e significativo.
1. Dedicação e compromisso.
Cada membro de um casamento deveria ver a união como um processo contínuo e não como um
contrato. O trabalho feito visa tanto a satisfação pessoal como a satisfação mútua. Uma relação é
trabalho; é um trabalho tendo em vista objetivos separados ou comuns. Rogers sugere que este
compromisso seja expresso da seguinte maneira: "Nós dois nos comprometemos a cultivar juntos o
processo mutável de nosso atual relacionamento, porque este relacionamento está enriquecendo
nosso amor e a nossa vida e nós queremos que ele cresça".
2. Comunicação; expressão de sentimentos
Rogers insiste na comunicação total e aberta. "Arriscar-me-ei tentando comunicar qualquer
sentimento persistente, positivo ou negativo, ao meu companheiro, com a mesma profundidade com
que o percebo em mim, como uma parte presente e viva em mim. Em seguida, arriscar-me-ei ainda
mais tentando compreender, com toda a empatia de que eu for capaz, a sua resposta, seja acusativa
e crítica, seja compartilhante e auto-reveladora". A comunicação tem duas fases igualmente
importantes: a primeira é expressar a emoção. A segunda é permanecer aberto e experienciar a
resposta do outro. Rogers não defenda simplesmente o colocar para fora os sentimentos Ele sugere
que devemos nos comprometer tanto com os efeitos que nossos sentimentos causam em nosso
parceiro quanto com a expressão original dos sentimentos em si mesmos.Isto é muito mais difícil
do que simplesmente "desabafar" ou "ser aberto e honesto". É a disposição de aceitar os riscos reais
envolvidos: rejeição, desentendimento, sentimentos feridos e retribuição. A crença de Rogers na
necessidade de instituir e manter este nível de troca contrapõe-se a posições que advogam o ser
polido, diplomático, o contornar questões perturbadoras ou o não mencionar interesses emocionais
que aparecem.
3. Não-aceitação de papéis
Numerosos problemas desenvolvem-se na medida em que tentamos satisfazer as expectativas do
outro, ao invés de determinarmos as nossas próprias. Rogers dizia que "Viveremos de acordo com
as nossas opções, com a sensibilidade orgânica mais profunda de que somos capazes, mas não
seremos afeiçoados pelos desejos, pelas regras e pelos papéis que os outros insistem em impor-
nos". Ele relata que muitos casais sofrem graves tensões na tentativa de fazer sobreviver sua
aceitação parcial e ambivalente das imagens que seus pais e a sociedade impuseram a eles. Um
casamento efetuado com tal quantidade de expectativas e imagens irreaisé inerentemente instável.
e potencialmente pouco : recompensador.
4. Tomar-se um Self separado
Este compromisso é uma profunda tentativa de descobrir e aceitar a natureza total da pessoa. É o
mais desafiador dos compromissos, é dedicar-se à remoção das máscaras tão logo elas se formem.
"Eu talvez possa descobrir mais do que sou realmente em meu íntimo e chegar mais perto disso
sentindo-me, às vezes, encolerizado ou aterrado, às vezes amante e solícito, de vez em quando belo

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e forte ou desordenado e medonho, sem esconder de mim mesmo esses sentimentos. Eu talvez
possa estimar-me como a pessoa ricamente variada que sou. Talvez possa ser espontaneamente
mais essa pessoa. Nesse caso, poderei viver de acordo com os meus próprios valores
experimentados, conquanto tenha consciência de todos os códigos da sociedade. Nesse caso,
poderei ser toda esta complexidade de sentimentos, significados e valores com meu companheiro
suficientemente livre para dar o amor, a raiva e a ternura que existem em mim. É possível, então,
que eu venha a ser um participante real de uma união, porque estou em vias de ser uma pessoa real.
E espero poder incentivar meu companheiro a seguir o seu caminho na direção de uma
personalidade única, que eu gostaria imensamente de partilhar".
Emoções
O indivíduo saudável toma consciência de suas emoções, sejam ou não expressas. Sentimentos
negados à consciência distorcem a percepção e a reação às experiências que os desencadearam.
Um caso específico é sentir ansiedade sem tomar conhecimento da causa. Aansiedade aparece
quando uma experiência que ocorreu, se admitida na consciência, poderia ameaçar a auto-imagem.
A reação inconsciente a estas subcepções alerta o organismo para possíveis perigos e acarreta
mudanças psicofisiológicas. Estas reações defensivas são uma forma do organismo manter crenças
e comportamentos incongruentes. Uma pessoa pode agir com base nestas subcepções sem tomar
consciência do por quê está agindo assim. Por exemplo, um homem pode sentir-se desconfortável
ao ver homossexuais declarados. A informação que tem de si mesmo incluiria o desconforto, mas
não mencionaria sua causa. Ele não poderia admitir seu próprio interesse, sua identidade sexual não
resolvida, ou talvez as expectativas e medos que tem a respeito de sua própria sexualidade.
Distorcendo suas percepções ele pode, em compensação, reagir com hostilidade aberta a
homossexuais, tratando-os como uma eterna ameaça ao invés de admitir seu conflito interno.
Intelecto
Rogers não segrega o intelecto de outras funções. Ele valoriza-ocomo um tipo de instrumento que
pode ser usado de modo efetivo na integração de experiências. Mostra-se cético em relação a
sistemas educacionais que dão ênfase exagerada a desempenhos intelectuais e desvalorizam os
aspectos intuitivos e emocionais do funcionamento total. Em particular, Rogers pensa que cursos
de graduação em campos diversos são exigentes, pouco significativos e desanimadores. A pressão
para a produção de trabalhos limitados e pouco originais, associada aos papéis passivos e
dependentes atribuídos aos estudantes de graduação, na realidade sufocam ou retardam suas
capacidades criativas e produtivas. Cita a queixa de um estudante: "Essa coerção teve sobre mim
um efeito tão desencorajador, que, depois que fiz o exame final, a consideração de qualquer
problema me repugnava, durante um ano inteiro". Se o intelecto, como outras funções, ao operar
de forma livre, tende a dirigir o organismo à tomada de consciência mais congruente, então forçar o
intelecto por vias específicas pode não ser benéfico. O ponto de vista de Rogers é de que as pessoas
estão em melhor situação decidindo o que fazer por si mesmas, com o apoio de outros, do que
fazendo o que os outros decidem por elas.
Self
Autores de manuais de psicologia que dedicaram espaço a Rogers, geralmente classificam-no como
um teórico do Self. De fato, embora Rogers encare o Self como o foco da experiência, ele está mais
interessado na percepção, na tomada de consciência e na experiência do que num construto
hipotético, o Self. Como já descrevemos a definição de Rogers sobre o Self, podemos agora voltar
para a descrição da pessoa de funcionamento integral: a pessoa que está mais plenamente
consciente de seu Self contínuo. A noção de funcionamento ótimo é sinônimo das noções de
adaptação psicológica perfeita, de maturidade ótima, de acordo interno completo, de abertura total à
experiência. Como estas noções têm a desvantagem de sugerir algum estado mais ou menos
estático, final ou acabado, devemos ressaltar que todas as características que acabamos de
enumerar, a propósito do indivíduo hipotético, não têm o caráter de estagnação, mas de um
processo dinâmico. A personalidade que funciona plenamente é uma personalidade em contínuo

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estado de fluxo, uma personalidade constantemente mutável. A pessoa de funcionamento integral
tem diversas características distintas, a primeira das quais é uma abertura à experiência. Há pouco
ou nenhum uso das "subcepções", estes primeiros sinais de alerta que restringem a percepção
consciente. A pessoa está continuamente afastando-se de suas defesas na direção da experiência
direta. A pessoa está mais aberta a seus sentimentos de receio, de desânimo e de desgosto. Fica
igualmente mais aberto aos seus sentimentos de coragem, de ternura e de fervor. Torna-se mais
capaz de vivercompletamente a experiência do seu organismo, em vez de a impedir de atingir a
consciência.
Uma segunda característica é viver no presente, realizar-se completamente cada momento. Este
engajamento contínuo e direto com a realidade permite dizer que o eu (Self) e a personalidade
emergem da experiência, em vez de dizer que a experiência foi traduzida ou deformada para se
ajustar a uma estrutura preconcebida do eu. Uma pessoa é capaz de reestruturar suas respostas à
medida que a experiência permite ou sugerenovas possibilidades. Uma característica final é a
confiança nas exigências internas e no julgamento intuitivo, uma confiança sempre crescente na
capacidade de tomar decisões. Quando uma pessoa está melhor capacitada para coletar e utilizar
dados, é maisprovável que ela valorize sua capacidade de resumir esses dados e de responder. Esta
não é uma atividade apenas intelectual, mas uma função da pessoa inteira. Rogers sugere que na
pessoa de funcionamento integral os erros efetuados serão devidos à informação incorreta e não ao
processamento incorreto. Isto se assemelha ao comportamento de um gato que é jogado ao chão de
uma determinada altura. O gato não considera a velocidade do vento, o momentum angular ou o
tamanho da queda. Ainda assim, tudo isto estásendo levado em conta em sua resposta total. 0 gato
não reflete sobre quem poderia tê-lo empurrado, quais teriam sido seus motivos ou o que pode
acontecer no futuro. O gato lida com a situação imediata, o problema mais gritante. Roda em meio
ao ar e aterriza em pé, ajustando na mesma hora a sua postura pua enfrentar o próximo evento.
pessoa de funcionamento integral é livre para responder e experienciar suas respostas às situações.
Esta é a essência do que Rogers chama de viver uma vida plena. Tal pessoa estará comprometida
num contínuo processo de atualização.
Terapia Centrada no Cliente
Rogers foi um terapeuta praticante durante toda sua carreira profissional. Sua teoria da
personalidade emerge de seus métodos e idéias sobre terapia e é integrada a eles.A teoria
psicoterápica de Rogers passou por diversas fases de desenvolvimento e mudanças de ênfase, e
ainda assim há alguns pontos básicos que se mantiveram inalterados. Rogers faz uma citação de
uma palestra onde, pela primeira vez, descreveu suas novas idéias sobre terapia:
1. Esta nova abordagem coloca um peso maior sobre o impulso individual em direção ao
crescimento, à saúde e ao ajustamento. A terapia é uma questão de libertar o cliente para um
crescimento e desenvolvimento normais.
2. Esta terapia dá muito mais ênfase ao aspecto afetivo de uma situação do que aos aspectos
intelectuais.
3. Esta nova terapia dá muito mais ênfase à situação imediata do que ao passado do indivíduo.
4. Esta abordagem enfatiza o relacionamento terapêutico em si mesmo como uma experiência de
crescimento.
Rogers usa a palavra "cliente" ao invés do termo tradicional "paciente". Um paciente é em geral
alguém que está doente, precisa de ajuda e vai ser ajudado por profissionais formados. Um cliente é
alguém que deseja um serviçoe que pensa não poder realizá-lo sozinho. O cliente, portanto, embora
possa ter muitos problemas, é ainda visto como uma pessoa inerentemente capaz de entender sua
própria situação. Há uma igualdade implícita no modela do cliente, que não está presente no
relacionamento médico-paciente. A terapia atende a uma pessoa ao revelar seu próprio dilema com
um mínimo de intrusão por parte do terapeuta. Rogers define a psicoterapia como a liberação de
capacidades já presentes em estado latente. Isto é, implica queo cliente possua, potencialmente, a

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competência necessária à solução de seus problemas. Tais opiniões se opõem diretamente à
concepção da terapia como uma manipulação, por especialista, de um organismo mais ou menos
passivo. A terapia é apontada como dirigida pelo cliente ou centrada no cliente, uma vez que é
quem assume toda direção que for necessária.
A terapia centrada no cliente e a modificação de comportamento têm algumas semelhanças: ambas
ouvem as idéias do cliente sobre suas dificuldades e ambas aceitam o cliente como capaz de
compreender seus próprios problemas. Entretanto, na terapia centrada no cliente, a pessoa continua
a dirigir e modificar as metas da terapia e iniciar as mudanças comportamentais (ou outras) que
deseja que ocorram. Na modificação de comportamento, os novos comportamentos são escolhidos
pelo terapeuta. Rogers sente de modo intenso que tais "intervenções do especialista", qualquer que
seja a sua natureza, são em última instância prejudiciais ao crescimento da pessoa. Suas opiniões
sobre a natureza do homem e sobre os métodos terapêuticos não somente amadureceram durante
sua vida, passaram por uma inversão quase que total. "Espero ter deixado claro que, no decorrer dos
anos, distanciei-me muito de algumas das coisas em que inicialmente acreditei: de que o homem é
em essência pecador; de que, profissionalmente, ele é melhor tratado enquanto objeto; de que a
ajuda fundamenta-se na perícia; de que o perito pode aconselhar, manipular e moldar o indivíduo a
fim de produzir o resultado desejado".
Terapeuta Centrado no Cliente
O cliente tem a chave de sua recuperação mas o terapeuta deveria ter determinadas qualidades
pessoais que ajudam o cliente a aprender como usar tais chaves. Estes poderes dentro do cliente,
tornar-se-ão efetivos seo terapeuta puder estabelecer com o cliente um relacionamento de aceitação
e compreensão suficientemente caloroso. Antes do terapeuta ser qualquer coisa para o cliente, ele
deve ser autêntico, genuíno, e não estar desempenhando um papel, especialmente o de um
terapeuta, quando está com o cliente. Isto envolve a vontade de ser e expressar com minhas próprias
palavras e meus comportamentos, os diversos sentimentos e atitudes que existem em mim. Isto
significa que se precisa, na medida do possível, perceber os próprios sentimentos, ao invés de
apresentar uma fachada externa de uma atitude enquanto na verdade mantém se outra. Terapeutas
que estão se formando em terapia centrada no cliente por vezes perguntam, "como se comportar se
não gostamos do paciente ou seestamos aborrecidos ou bravos?" Não serão estes sentimentos
genuínos justamente os que ele desperta em todas as pessoas que ofende? A resposta centrada no
cliente a estas questões envolve diversos níveis de compreensão. Em um nível, o terapeuta serve
comomodelo de uma pessoa autêntica. O terapeuta oferece ao cliente um relacionamento através
do qual este pode testar sua própria realidade. Se o cliente confia que vá receber uma resposta
honesta, pode descobrir se suas antecipações ou defesas são justificadas. O cliente pode aprender a
esperar uma reação real, não distorcida ou diluída, à sua busca interior. Este teste de realidade é
crucial se o cliente quer se afastar das distorções e experienciar a si mesmo de modo direto. Num
outro nível, o terapeuta centrado no cliente proporciona uma relação de ajuda enquanto aceita e é
capaz de manter uma consideração positiva incondicional. Rogers a define como uma preocupação
que não é possessiva, que não exige qualquer favor pessoal. É simplesmente uma atmosfera que
demonstra, "eu preocupo-me", e não "eu preocupo-me consigo se se comportar desta ou daquela
maneira". Não é uma avaliação positiva porque toda avaliação é uma forma de julgamento moral. A
avaliação tende a restringir o comportamento respeitando algumas coisas e punindo outras; a
consideração positiva incondicional permite à pessoa ser realmente o que é, não importando o que
possa ser.
Esta atitude aproxima-se daquilo que Maslow denomina amor taoístico, um amor que não faz
julgamento prévio, que não restringe nem define. É a promessa de aceitar alguém simplesmente
como ele revela ser. Para fazer isto, um terapeuta centrado no cliente deve ser sempre capaz de ver
o centro auto-atualizador do cliente e não os comportamentos destrutivos, prejudiciais e ofensivos.
Se puder reter uma consciência da essência positiva do indivíduo poder-se-á ser autêntico com tal

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pessoa, ao invés de ficar aborrecido, irritado ou bravo com expressões particulares de sua
personalidade. Esta atitude é similar à dos mestres espirituais da tradição oriental que, vendo o
divino em todos os homens, podem tratar a todos com igual respeito e compaixão. O terapeuta
centrado no cliente mantém uma certeza de que a personalidade interior, e talvez não desenvolvida
do cliente, é capaz de entender a si mesma. Na prática, isto é extremamente difícil. Terapeutas
rogerianos admitem que são, com freqüência, incapazes de manter esta qualidade de compreensão
quando trabalham. A aceitação pode ser uma mera tolerância, uma postura não julgadora que pode
ou não incluir uma real compreensão. Esta aceitação é inadequada. A consideração positiva
incondicional deve incluir também uma compreensão empática, captar o mundo particular do
cliente como se fosse o seu próprio mundo, mas sem nunca esquecer esse caráter de "como se".
Esta nova dimensão permite ao cliente maior liberdade para explorar sentimentos internos. O
cliente está certo de que o terapeuta fará mais do que aceitá-lo, pois está engajado de maneira ativa
na tentativa de sentir as mesmas situações dentro de si próprio. O critério final para um bom
terapeuta é que ele deve possuir a habilidade para comunicar esta compreensão ao cliente. O cliente
precisa saber que o terapeuta é autêntico, preocupa-se, ouve e compreende de fato. É necessário que
o terapeuta seja claro apesar das distorções seletivas do cliente, das subcepções de ameaça e dos
efeitos danosos de uma auto-consideração mal colocada. Desde que esta ponte entre terapeuta e
cliente seja estabelecida, o cliente pode começar a trabalhar a sério.
Grupos de Encontro
A passagem de Rogers de terapeuta centrado no cliente para líder de encontros e pesquisador foi
quase inevitável. Suas afirmações de que as pessoas, não especialistas, eram terapeutas, foram
correlacionadas com os primeiros dados de encontro. Quando Rogers foi para a Califórnia, foi
capaz de dedicar mais tempo para participar, estabelecer e pesquisar este tipo de trabalho de grupo.
À parte da terapia de grupo, os grupo de encontro têm uma história que prenuncia seu
ressurgimento nas décadas de 1950 e 1960. Dentro da tradição protestante norte-americana e, numa
extensão menor, no Judaísmo, tinha havido experiências de grupo elaboradas para alterar as
atitudes de uma pessoa em relação a si mesma e para modificar seu comportamento para com os
outros. As técnicas incluíam pequenos grupos de colegas, insistência na honestidade e na abertura,
ênfase no aqui e agora e manutenção de uma atmosfera calorosa, de apoio. Mesmo as maratonas
(encontros de grupos durante o dia e a noite) não são invenções recentes. Características comuns a
todos os grupos de encontro incluem um clima de segurança psicológica, o encorajamento à
expressão dos sentimentos imediatos e a resposta subseqüente por parte dos membros do grupo. O
líder, qualquer que seja sua orientação, é responsável por estabelecer e manter o tom e o enfoque de
um grupo. Este pode estender-se desde a atmosfera funcional de negócios, até estimulação
emocional ou à excitação sexual, à promoção de medo, raiva ou mesmo violência. Há relatos de
grupos detodas as descrições. A contribuição de Rogers e seu trabalho contínuo com grupos de
encontro são aplicações de sua teoria. Em Grupos de Encontro ele descreve os principais
fenômenos que ocorrem nos grupos que se prolongam por vários dias. Embora haja muitos períodos
de insatisfação, incerteza e ansiedade na descrição de encontros que se segue, cada um desses
períodos conduz a um clima mais aberto, menos defensivo, mais exposto e mais confiante. A
intensidade emocional e a capacidade de tolerar a intensidade parecem aumentar à medida que o
grupo prossegue.
Processo de Encontro
Um grupo começa andando à volta, esperando que lhe seja dito como se comportar, o que esperar,
como trabalhar com as expectativas sobre o grupo. Há uma crescente frustração à medida que o
grupo percebe que os próprios membros determinarão a forma pela qual o grupo funcionará. Há
uma resistência inicial à expressão ou exploração pessoais. É o eu exterior que os membros têm
tendência para mostrar e só gradual, tímida e ambiguamente vão revelando algo do eu íntimo. Esta
resistência é visível na maioria das situações de grupo, como em coquetéis, bailes ou piqueniques,
onde em geral há alguma atividade, além da auto-exploração, à disposição dos participantes. Um
grupo de encontro desencoraja a busca de qualquer outra atividade. À medida que as pessoas

84
continuam a interagir elas compartilham sentimentos passados associados a pessoas ausentes no
grupo. Ainda que possam ser experiências importantes para o indivíduo, não passam de uma forma
de resistência inicial; as experiências passadas são mais seguras e é pouco provável que sejam
afetadas por críticas ou apoio. As pessoas podem ou não responder ao relato de um evento passado,
mas ainda assim é um evento passado. Quando as pessoas começam a expressar seus sentimentos
presentes, o mais freqüente é serem as primeiras expressões negativas. "Não me sinto bem com
você". "Você tem uma maneira de falar vulgar". "Não acredito que você na realidade queria dizer o
que disse sobre sua esposa". Os sentimentos profundos positivos são muito mais difíceis e
perigosos de exprimir que os negativos. Se digo que te amo fico vulnerável e exposto à mais
terrível rejeição. Mas se digo que te detesto, fico quando muito sujeito a um ataque de que posso
defender-me. A não compreensão deste paradoxo aparente levou a uma série de programas de
encontro cujo fracasso era previsível. Por exemplo, a Força Aérea desenvolveu programas de
relacionamento racial incluindo sessões de encontro entre brancos e negros, conduzidas por líderes
treinados. O resultado final desses encontros, no entanto, sempre parecia ser uma intensificação dos
sentimentos racistas de ambos os lados. Em virtude das dificuldades de planejar horário para as
pessoas inseridas no regime militar, tais encontros não duravam mais do que três horas, tempo
bastante para que as expressões negativas fossem expressas, mas insuficiente para desenvolver o
restante do processo. Quando os sentimentos negativos são expressos e o grupo não se desintegra,
divide-se ou desaparece no fogo do inferno, começa a aparecer um material com significado
pessoal. Sendo ou não aceitável para os membros do grupo, o "clima de confiança" começa a se
formar e as pessoas começam a assumir riscos reais.
Quando o material significativo emerge,as pessoas começam a expressar umas às outras seus
sentimentos imediatos tanto positivos quanto negativos. "Acho bom que você esteja
compartilhando isto com o grupo". "Toda vez que falo algo você me olha como se quisesse me
estrangular." "Gozado, eu pensei que não iria gostar de você. Agora tenho certeza disso." Quanto
mais expressões emocionais vêm à tona e sofrem as reações do grupo, Rogers nota o
desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no mesmo. As pessoas começam a fazer coisas que
parecem ser degrande auxílio, que ajudam os outros a tomar consciência de sua própria experiência
de uma forma não-ameaçadora. O que o terapeuta bem treinado aprendeu a fazer durante anos de
supervisão e prática, começa a emergir de modo espontâneo da própria situação."Esta espécie de
faculdade manifesta-se tão freqüentemente em grupos, que me leva a considerar que a capacidade
de tratamento ou terapêutica é muito mais freqüente do que supomos na vida humana. Muitas
vezes, para se manifestar, apenas necessita da licença concedida, ou da liberdade tornada possível,
pelo clima de uma experiência de grupo em liberdade. Um dos efeitos da disposição do grupo para
a aceitação e feedback é que os pessoas podem aceitar a si mesmas. "Creio que realmente tento
impedir que as pessoas se aproximem de mim." "Sou forte e mesmo cruel às vezes." "Quero tanto
ser amado que chego a fingir ser meia dúzia de coisas." Paradoxalmente, esta aceitação de si
mesmo, incluindo suas falhas, inicia a mudança. Rogers nota que quanto mais perto estivermos da
congruência, mais fácil será de tomarmo-nos sadios. Se uma pessoa for capaz de admitir que é de
uma certa maneira, será então capaz de considerar possíveis alternativas de comportamento. Se
negar parte de si mesma, não fará qualquer esforço para mudar. A aceitação, no domínio das
atitudes psicológicas por vezes ocasiona uma mudança naquilo que foi aceito. É irônico, mas
verdadeiro. À medida que o grupo continua, há uma crescente impaciência para com as defesas. O
grupo parece exigir o direito de ajudar, de curar, de provocar a abertura das pessoas que parecem
constrangidas e defendidas. Por vezes gentilmente, outras de forma quase que selvagem, o grupo
exige que o indivíduo seja ele mesmo, isto é, que não esconda os sentimentos comuns. A expressão
pessoal de alguns membros do grupo tornou evidente que é possível um encontro mais profundo e
essencial, e o grupo parece procurar intuitiva e inconscientemente este objetivo. Em qualquer troca
ou encontro há feedback. O líder está sendo informado a todo instante de sua eficiência ou da falta
dela. Cada membro que reage a outro pode, por sua vez, obter um feedback à sua reação. Este pode
ser difícil de aceitar, mas uma pessoa, num grupo, não pode evitar facilmente o conflito com a
opinião do mesmo. Rogers chama de confrontação às formas extremas de feedback. Conforme diz,

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"há momentos em que o termo feedback é excessivamente moderado para descrever as interações
que se processam, momentos em que é mais correto dizer que um indivíduo se confronta com outro,
diretamente, em pé de igualdade. Tais confrontações podem ser positivas, porém são muitas vezes
nitidamente negativas". A confrontação leva os sentimentos a uma intensidade tal que um tipo de
resolução é exigida. Este é um momento perturbados e difícil para um grupo e, potencialmente,
muito mais perturbador para os indivíduos envolvidos. Parece claro que toda vez que o grupo
demonstra de modo efetivo que pode aceitar e tolerar os sentimentos negativos sem rejeitar a
pessoa que os expressa, os membros do grupo tomam-se mais confiantes e abertos uns com os
outros. Muitas pessoas relatam suas experiências em grupos como as experiências de aceitação
mais positivas e empáticas de suas vidas. A popularidade das experiências de grupo repousa tanto
no calor emocional que geram como em sua capacidade de facilitar o crescimento pessoal.
Referência
Ballone GJ-Carl Rogers, in.PsiqWeb, internet, disponível emhttp://www.psiqweb.med.br/,
revisto em 2005
*- baseado no livro"Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager- Harbra- 1980 para saber
mais: Tipos Psicológicos- C.G.Jung- Zahar Editores- RJ- 1980
Capítulo XIV
A Psicologia da Motivação Humana de Abraham Maslow
Vontade e motivação
Os valores são especificações do bem. Por isso, devo perguntar-me: que considero
valioso? É-o realmente?Somos seres que damos e nos damos, mas também temos
necessidades. É muito conhecida a teoria sobre a motivação desenvolvida por Abraham
Maslow, centrada nas necessidades.O homem é um ser indigente- afirma Maslow.- Mal uma
das suas necessidades é satisfeita, aparece outra no seu lugar. Este processo é interminável.
Dura desde o nascimento até à morte.
Descobre que as necessidades humanas estão organizadas numa série de níveis,
segundo uma hierarquia de importância. De menor a maior importância, existem cinco
níveis de necessidades: fisiológicas, de segurança, sociais, do eu e de auto realização. As
necessidades de cada nível são motivadoras enquanto não estão razoavelmente
satisfeitas. Pelo contrário, uma necessidade satisfeita não é um motivador do
comportamento humano.São necessidades fisiológicas a comida, a bebida, o descanso,
o exercício, o abrigo, a protecção contra os elementos, etc. As necessidadesadquiridas
podem-se incluir neste nível.
As necessidades de segurança são bem conhecidas e diversas; na actualidade
gozam de um apreço muito especial.As necessidades sociais são as de pertencer, estar
associado), ser aceite pelos companheiros, ter amizades, etc.
As necessidades do eu são, por uma parte, as relacionadas com a auto estima
(confiança em si mesmo, autonomia, sucesso, competência, preparação, etc.); por outra,
são as que se relacionam com a própria reputação (gratidão, apreço, respeito, prestígio,
etc.).As necessidades de auto realização (no vértice das necessidades do homem) são as
de dar vida ás nossas potencialidades, de nos desenvolvermos ou aperfeiçoarmo-nos

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continuamente, de sermos criativos, de realizarmos um projecto pessoal de vida, de realizar
aquilo que de melhor há em nós.
Em muitos seres humanos as necessidades de quinto nível permanecem
adormecidas, em grande parte por frustrações experimentadas no que se refere a
necessidades de níveis inferiores ou por ter gasto as energias interiores na luta pela
satisfação dessas necessidades.O esquema de Maslow assinalou uma série de
excepções à hierarquia de necessidades. Por exemplo, em certas pessoas as necessidades
de auto estima parecem ser mais importantes que as necessidades sociais.
Em pessoas altamente criativas, o impulso para criar parece ser mais importante
do que qualquer outra necessidade. É o caso de muitos artistas.Em algumas pessoas o
nível de aspiração parece ficar bloqueado num patamar muito baixo. Isto é frequente nas
pessoas que sofreram grandes privações.
Em certas pessoas parecem não existir as necessidades sociais. Talvez não
tenham encontrado afecto nos primeiros meses da sua vida, e por isso não mostrem
desejos de dar e de receber afecto. Além disso, convém ter em conta que Maslow, apesar
da importância que atribui à satisfação das necessidades como condição para o
desenvolvimento psíquico, reconhece que a satisfação desordenada das necessidades
humanas pode ter consequências patológicas. O desenvolvimento de uma personalidade
sã vai para além da questão da satisfação das necessidades básicas. Por outras palavras, a
permissividade é patogénica. É precisa uma dose de firmeza, disciplina e frustração para
fazer uma pessoa madura (Rodríguez Porras, 1988, p. 19).
Maslow fez uma excelente análise das necessidades humanas. Os primeiros
quatro níveis reterem-se a necessidades de carência. O quinto, ao contrário, inclui
necessidades de realização. Em todo o caso, as necessidades apontam para valores ou
bens, materiais e imateriais.
2 Motivação e valores
Por outro lado, a auto realização não esgota as necessidades- ou melhor, as
aspirações- do ser humano, como se pode ver na teoria da motivação de Victor Frankl.
Este famoso psiquiatra viu com particular clarividência, a partir das sua experiência de
atrozes sofrimentos em campos de concentração alemães, que o homem é um ser que
procura sentido para a vida e que esta mesma vontade de sentido o sustém na existência.
A procura e a consecução de metas têm um efeito motivador na medida em que
são valiosos. (Quando o parecem, mas não são valiosos, podem motivar durante a sua
busca, mas a sua consecução produz desencanto ou frustração). Frankl refere-se á meta
última. A verdadeira meta da existência humananão se pode encontrar no que se
denomina auto realização. Esta não pode ser em si mesma uma meta, pela simples razão
de que quanto mais o homem se esforçar por consegui-la, mais se lhe escapa, pois só na
medida em que o homem se compromete no cumprimento do sentido da sua vida, nessa
mesma medida se auto realiza. Por outras palavras, a auto realização não se pode
alcançar quando se considera um fim em si mesma, mas quando acontece como efeito
secundário da própria transcendência (Frankl, 1986, p. 109).
O esquema da motivação humana de Pérez López tem muitos pontos de contacto
com Frankl. Pérez López distingue três tipos de motivações, que denomina
respectivamente motivação extrínseca, intrínseca e transcendente. Esta diferenciação
apoia-se na observação de que toda a acção humana se realiza num ambiente- por
exemplo, a organização- e que gera consequências em três dimensões diferentes.

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Os motivos movem o ser humano pelas consequências que espera em virtude da
acção executada. Na motivação extrínseca,pelas consequências que espera alcançar
devido às reacções do ambiente; na motivação intrínseca pelo que espera que produza
nele a sua própria acção; na motivação transcendente pelas que espera que a sua acção
produza em outra ou outras pessoas presentes à sua volta.
São três motivações que se encontram em todas as pessoas humanas, embora em
proporções distintas. Se predomina a motivação extrínseca a pessoa está dependente, de
certo modo, das reacções dos outros e actua interesseiramente; se predomina aintrínseca,
a pessoa pode decidir-se pela acção tendo em vista a sua melhoria pessoal; se predomina
a transcendente a pessoa actua pensando ou abrindo-se às necessidades alheias ou à
melhoria pessoal dos destinatários da sua actividade.
Este esquema das intenções das motivações é muito interessante, porque não se
centra tanto_ no que o ser humano sente como no que a pessoa quer. Destaca as
intenções do sujeito, os fins que se propõe. Está muito relacionada, portanto, com
vontade humana.Mediante a acção educativa, os educadores podem ajudar os seus
filhos ou aluno(a)s a elevar o nível dos seus motivos, dando preferência à motivação
intrínseca e à transcendente.
Quando uma pessoa se move por uma motivação transcendente significa que se
abre às necessidades alheias- independentemente da reacção do seu ambiente e da sua
própria satisfação pessoal-, o que implica uma maior liberdade e uma maior qualidade
da motivação. Abre-se não só às necessidades de outros, como também à sua melhoria
como pessoa.
Além disso, podemos avaliar a motivação de uma pessoa para uma ação,
considerando a proporção em que entram cada uma destas motivações. Por sua vez,
ajudanos a descobrir os valores preferentes ou prioritários de cada pessoa.
3 Valores no âmbito da família
Quando os valores prioritários são os valores ou bens materiais, como ocorre em
amplos sectores da sociedade actual, ou quando os valores se confundem com os desejos
ou as apetências de um ser humano, como também acontece, a descoberta de verdadeiros
valores humanos tem uma grande importância para a motivação da vontade humana.
Porquê? Porque a motivação humana remete sempre para valores humanos verdadeiros,
materiais e espirituais- sempre que os primeiros sirvam os segundos e não ao contrário.
Adescoberta de valores corresponde aos imateriais, aos do espírito, aos que
fazem referência à verdade (valores intelectuais), ao bem (valores morais) e à beleza
(valores estéticos). São três tipos de valores estreitamente relacionados entre si, porque
verdade, bem e beleza são os termos inseparáveis de um trinómio. (Se alguém tentasse
separá-los, encontrar-se-ia com uma verdade má e feia, com um bem feio e falso, com
uma beleza falsa e má).
Como descobrir estes valores? Cada qual deve tomar a iniciativade os procurar
porque lhe são muito importantes: são os elementos que aperfeiçoam o próprio ser;
mediante eles, um indivíduo pode acabar por ser, chegar a ser aquilo que é: pessoa ser
mais e melhor pessoa.

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Mas nem sempre que se procuram, se encontram. Também é verdade que às vezes,
emergem de repente no nosso horizonte existencial, inclusivamente apesar da nossa
resistência (...). Um dia qualquer. uma vida rotineira, e talvez sem relevo, pode sentir-se
sacudida- e até invadida- pela descoberta de um novo valor que a transforma (Polaino e
Carreño, l992, p. 75).
Há algum âmbito onde a descoberta de valores seja menos difícil ou mais
provável? Em primeiro lugar, o âmbito vital da família. Se os pais optaram por certos
valores e se comprometeram com eles, cada filho que vem ao mundo não tem de
desenvolver a tarefa hercúlea e problemática de tratar de descobrir por que valores vale a
pena arriscar a vida (ibidem).
Nem sempre acontece assim. Optar por certos valores significa escolher, entre os
melhores, aqueles que mais convenham, numa família concreta com as suas
circunstâncias actuais, para o desenvolvimento pessoal de cada membro e para a
melhoria familiar. Logicamente, serão prioritários os valores humanos mais cultivados
por ambos os cônjuges.
Comprometer-se com uns valores e organizar a vida familiar em função deles
supõe tê-los interiorizado profundamente. Só assim serão capazes de os pôr de moda na
sua família, sendo eles próprios, para os seus filhos, portadores de valores.
Esses valores, vividos pelos pais. com naturalidade e com graça, com bom humor,
sabendo sorrir habitualmente, serão atractivos para os filhos e contagiosos. A família, sob
esta perspectiva, aparece-nos como um museu vivo de valores. E não porque os pais
pendurem os valores nas paredes, como se se tratasse de um quadro que, passivamente,
se deve admirar. Os valores familiares constituem, pelo contrário, um dado irrefutável,
quase com cunho testemunhal, que vai unido ao comportamento diário dos pais (ibidem,
p. 76). E também estarão presentes estes valores na conduta dos filhos, quando os pais,
além de os viverem e de os fomentarem, promovem e mantêm vigentes algumas normas
e costumes familiares que mostram a presença viva destes valores preferenciais.
Os valores familiares- em famílias cristãs não são só valores naturais, mas
também valores sobrenaturais- nenhuma criança inicialmente os questiona. Mais tarde
sim, porque, na medida em que cresce, emerge e amadurece a sua liberdade pessoal, há-
de comprometer-se também nasescolhas que faz e que, obviamente, são sempre muito
pessoais(...). Precisamente, por isso, os pais têm de preparar essa fase de referência-
através do seu comportamento- que lhe sirva de orientação (ibidem).
Isto será tanto menos difícil para os pais quanto mais cedo façam da sua família
um museu vivo de valores, quando os filhos são ainda muito pequenos. Será menos
difícil também a sua adolescência, quando o quadro de referência e um mínimo de
normas e costumes tenham sido parte importante do seu ambiente familiar acolhedor
desde a primeira infância.
Deste modo, quando o filho adolescente ou o filho jovem dá prioridade a alguns
valores como fundamento para apoiar a sua vida, tem já, como em depósito, uns valores
que anteriormente assumiu e integrou, quase sem dar por isso, contagiados ou
emprestados pelos seus pais.
Estes valores familiares descobertos na convivência do lar paterno, nas relações
diárias de pais e filhos, de irmãos de diferentes idades, traduzem-se- como efeito de
descoberta- em motivos. Em consequência, a conduta de cada filho estará motivada

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desde o principio, a sua vontade estará motivada. Penso, por contraste, em tantos filhos
desmotivados antes e durante a sua adolescência, quando os primeiros responsáveis da
família não sepropuseram ou não souberam criar este a ambiente familiar cimentado na
sinceridade, na generosidade, na lealdade, na laboriosidade, no optimismo, na
compreensão exigente, no respeito confiado, na disponibilidade, na gratidão, na amizade
e noutros valoreshumanos.
Capítulo XV
A Fenomenologia Psicanalítica deAlfred Adler
Adler observou que pessoas com fraquezas orgânicas graves tentarão compensá-las e através
dessa compensação órgãos antes fracos poderiam tornar-se fortemente desenvolvido por meio
de treino e exercícios. Isso resultaria em maior habilidade ou força do indivíduo.
Ele achava que em quase todas as pessoas encontramos alguma imperfeição orgânica, ficando
com a impressão de que essas pessoas foram dolorosamente testadas no início de suas vidas,
mas lutaram e superaram as dificuldades.
Inferioridade e Compensação
A idéia de Alfred Adler sobre a inferioridade orgânica apareceu pela primeira vez em 1907, e
tentava explicar por que a doença afeta as pessoas de formas diferentes. Ele sugeriu queem
cada indivíduo certos órgãos são mais fracos que outros de algum modo, e isso tornaria a
pessoa mais suscetível à doenças envolvendo tais órgãos mais frágeis.
Adler ampliou sua investigação sobre inferioridade orgânica para o estudo do sentimento
psicológico de inferioridade. Ele criou o termo "complexo de inferioridade" e afirmava que
todas as crianças são profundamente afetadas por um sentimento de inferioridade, conseqüência
inevitável do tamanho da criança e de sua falta de poder.
Um forte sentimento de inferioridade, ou um complexo de inferioridade, impediria o
crescimento e desenvolvimento positivos. Entretanto, sentimentos de inferioridade mais
moderados podem motivar os indivíduos para realizações construtivas. Desde a mais tenra
idade, a criançapassa a perceber que existem outros seres humanos capazes de satisfazer
completamente suas necessidades mais urgentes, melhor preparados para viver.
A criança aprende então a dar um valor excessivo ao tamanho, atributo que possibilita a pessoa
abrir uma porta, ou à força, a qual habilita a transportar objetos pesados, ou ao direito de dar
ordens e exigir obediência. Esses sentimentos despertam na criança um desejo de crescer, de
ficar tão forte como os outros, ou mesmo mais forte ainda.
A Luta pela Superioridade
Adler ressaltava a grande importância da agressão e da luta pelo poder, e não equiparava
agressão com a hostilidade. Ele se referia à agressão no sentido de um vendedor agressivo, isto
é, a agressão como incentivo para a superação de obstáculos. Sustentava que as tendências
agressivas humanas têm sido cruciais para a sobrevivência individual e das espécies e tal
agressão pode se manifestar como vontade de poder. Salientava que mesmo a sexualidade é

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freqüentemente utilizada para satisfazer a ânsia depoder.
Encarava a agressão e a vontade de poder como manifestações de um motivo geral, um certo
objetivo de superioridade ou perfeição, isto é, seria uma motivação para nos aperfeiçoar, para
desenvolvermos nossas capacidades e potenciais. Para Adler, a luta pela perfeição é inata, faz
parte da vida, é um impulso, um algo sem o qual a vida seria inimaginável.
Esse objetivo de superioridade poderia tomar uma direção tanto positiva quanto negativa.
Quando ele inclui preocupações sociais e interesse pelo bem estar dos outros, desenvolve-se
numa direção construtiva e saudável. Assume a forma de uma luta pelo crescimento, pelo
desenvolvimento das capacidades e habilidades e pela procura de um modo de vida superior.
Entretanto, algumas pessoas lutam pela superioridade pessoal. Elas tentam realizar um
sentimento de superioridade dominando os outros, ao invés de se adequarem a eles. Para Adler,
a luta pela superioridade pessoal seria uma perversão neurótica, resultado de um forte
sentimento de inferioridade e uma falta de interesse social. Geralmente não consegue dar o
reconhecimento e a satisfação pessoal que o indivíduo está buscando.
A meta da superioridade tem suas raízes no processo evolutivo de adaptação contínua ao meio
ambiente. Todas as espécies devem evoluir no sentido de adaptar-se de forma mais efetiva, caso
contrário extinguem-se e, assim, cada indivíduo é levado a lutar por um relacionamento mais
perfeito com o meio ambiente. Se esta luta não fosse inata, nenhuma forma de vida poderia se
preservar.
Objetivos de Vida
Adler considerava o objetivo de dominar o meio ambiente como sendo muito abstrato para
satisfazer a necessidade de uma direção de vida. O objetivo de vida de cada indivíduo é
influenciado por expediências pessoais, valores, atitudes e personalidade. Não é um alvo claro e
conscientemente escolhido. Enquanto adultos, podemos ter razões definidas e lógicas para a
escolha de nossa profissão.
No entanto, os objetivos de vida que nos guiam e motivam formaram-se antes, no início da
infância, e permaneceram um tanto obscuros e em geral inconscientes. Adler menciona, por
exemplo, que muitos médicos escolhem suas profissões na infância, da forma como ele o fez,
como um meio de enfrentar sua insegurança em relação à morte.
A formação de objetivos de vidase inicia na infância como forma de compensação de
sentimentos de inferioridade, insegurança e desamparo num mundo adulto. Os objetivos de
vida, via de regra, funcionam como defesa contra sentimentos de impotência, como ponte de
um presente insatisfatóriopara um futuro brilhante, poderoso e realizador, são sempre um tanto
irreais e podem tornar-se neuroticamente super desenvolvidos se os sentimentos de
inferioridade forem muito fortes. No caso do neurótico há, em geral, uma grande lacuna entre
propósitos conscientes e inconscientes, objetivos de vida auto-destruidores, que giram em torno
de fantasias de superioridade pessoal e auto-estima, às custas de objetivos envolvendo
realizações verdadeiras.
Os objetivos de vida dão direção e finalidade para nossas atividades. Eles permitem que um
observador externo interprete vários aspectos do pensamento e comportamento em termos
desses objetivos. Por exemplo, alguém que luta pela superioridade buscando um poder pessoal
desenvolverá traços de caráter necessários para atingir esse objetivo, traços tais como ambição,
inveja e desconfiança. Adler salienta que esses traços de caráter não são nem inatos nem

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imutáveis, mas foram adotados como facetas essenciais da direção do objetivo do indivíduo.
Estilo de Vida
Adler começa com uma proposta holística enfatizando a necessidade de analisar cada indivíduo
como um todo unificado e achava que o único caminho que um indivíduo escolhe para buscar
seu objetivo era seu estilo de vida. Considerava um estilo integrado de adaptação eintegração
com a vida em geral.
Sua linha, chamada de Psicologia Individual, desenvolveu-se a partir do esforço para
compreender o misterioso poder criador da vida, o qual se expressa no desejo de se
desenvolver, de lutar e realizar. Esse poder seria teleológico e se expressaria na luta por um
objetivo e, nessa luta, todo o movimento corporal e psíquico é feito pata cooperar. É absurdo
estudar movimentos corporais e condições mentais de forma abstrata ou sem relação com um
todo individual.
Hábitos e traçosde comportamento aparentemente isolados adquirem um significado dentro do
contexto pleno da vida e dos objetivos do indivíduo e, dessa forma, os problemas psicológicos e
emocionais não podem ser tratados isoladamente. Todo o estilo de vida está envolvido,uma vez
que um dado sintoma ou traço não é senão uma expressão do estilo de vida integrado do
indivíduo.
O Corpo
O corpo é a maior fonte de sentimentos de inferioridade na criança, rodeada que está por
aqueles maiores e mais fortes ou que fisicamente atuam de forma mais efetiva. Adler também
salientava que o mais importante é nossa atitude em relação ao nosso corpo. Muitos homens e
mulheres atraentes nunca resolveram sentimentos de feiúra e não-aceitação que sentiram na
infância, continuam se comportando como se não tivessem atrativos depois de adultos. Por
outro lado, através da compensação, pode ocorrer que os que têm deficiências físicas lutem
firmemente e desenvolvam seus corpos além da média.
Relacionamento Social
Os relacionamentos sociais são de importância central nas teorias de Adler. Constituem a
expressão direta do interesse social e são essenciais no desenvolvimento de um estilo de vida
construtivo e realizador.
Vontade
A Vontade é para Adler sinônimo de luta pela superioridade e realização de objetivos de vida.
Como tal, é um elemento central em sua teoria.
O Interesse Social
Embora as teorias de Adler tenham sido simplificadas em demasia por muitos críticos, a
maioria enfatizavando apenas a agressão e a luta pelo poder pessoal, os escritos mais recentes
de Adler estão centrados no conceito de interesse social. Por interesse social Adler entendia o
"senso de solidariedade humana, a relação de um homem com outro, a mais ampla conotação de
um senso de fraternidade na comunidade humana.
Em certo sentido, considerava todo comportamento humano social pois, segundo ele, crescemos
num meio social e nossas personalidades são socialmente ali formadas. O interesse social era
mais do que a preocupação com a comunidade ou sociedade imediata de alguém, ele incluia
sentimentos de afinidade para com toda a humanidade e fortes laços com a totalidade da vida.

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Adler definia o interesse social, em seu sentido mais amplo, como uma preocupação com a
comunidade ideal de todo o gênero humano, como o último estágio da evolução de nossa
espécie.
Cooperação
Um aspecto importante do interesse social é o desenvolvimento do comportamento cooperativo.
De um ponto de vista evolutivo, a habilidade para cooperar na colheita de alimentos, na caça e
na defesa contra predadores tem sido um dos fatores mais importantes na sobrevivência da raça
humana e a forma mais efetiva de adaptação ao meio ambiente.
Adler acreditava que somente através da cooperação com outros, e operando como um valioso e
cooperativo membro da sociedade, podemos superar nossas inferioridades reais ou nosso
sentimento de inferioridade. Ele escreveu que aqueles que têm dado as mais valiosas
contribuições para a humanidade são os indivíduos mais colaboradores, e os trabalhos dos
grandes gênios sempre têm uma orientação social. Por outro lado, a falta de cooperação e um
conseqüente sentimento de inadequação e malogro são as raízes de todo estilo de vida neurótico
ou inadaptado.
Crescimento Psicológico
O crescimento psicológico é principalmente uma questão de mover-se a partir de uma atitude
autocentrada e do objetivo de superioridade pessoal para uma atitude de domínio construtivo do
meio ambiente e de desenvolvimento socialmente útil. A luta construtiva pela superioridade e o
forte interesse social e cooperação são os traços básicos do indivíduo saudável.
Tarefas da Vida
Adler discute as três maiores tarefas com que o indivíduo se defronta: trabalho, amizade e
amor. Elas, são determinadas pelas condições básicas da existência humana, e estes três laços
principais são estabelecidos pelo fato de vivermos num lugar específico no universo e devemos
nos desenvolver dentro dos limites e possibilidades em que as circunstâncias nos colocam.
Ressaltava o fato de vivermos entre outros de nossa espécie, outros a quem devemos aprender a
nos adaptar, que existia dois sexos e que o futuro da raça humana depende das relações entre
eles.
O trabalho, para Adler, inclui todas as atividades úteis à comunidade, e não apenas as
ocupações pelas quais recebemos um salário. Para Adler, o trabalho fornece um sentimento de
satisfação e merecimento apenas na medida em que beneficia outros. A importância de nosso
trabalho está essencialmente baseada em nossa dependência do meio físico. Achava que
estamos vivendo neste planeta, unicamente com seusrecursos, com a fertilidade de seu solo,
sua riqueza mineral, seu clima e atmosfera.
Sempre foi tarefa da humanidade encontrar a resposta certa para o problema que essas
condições nos apresentam. Sempre, foi necessário lutar pelo aperfeiçoamento e maiores
realizações.
A amizade expressa nossa pertinência à raça humana e nossa constante necessidade de
adaptação e interação com outros de nossa espécie. Nossas amizades específicas estabelecem
laços essenciais com nossa comunidade, uma vez que nenhum indivíduojamais se relaciona
com a sociedade abstratamente. O empenho amistoso e cooperativo é também um elemento
importante para o trabalho construtivo.

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O amor é discutido por Adler em termos exclusivos de amor heterossexual. Ele envolve uma
íntima união de mentee corpo e a máxima cooperação entre duas pessoas de sexos opostos. O
amor se baseia no fato de que cada ser humano é um membro de um sexo e não de outro e de
que a intimidade entre os sexos é essencial para a continuação de nossa espécie. Adler escreve
que o vínculo íntimo do casamento representa o maior desafio para nossa habilidade de
cooperar com outro ser humano. Um casamento bem sucedido criaria o melhor meio para
promover cooperação e interesse social nas crianças.
Adler acentuava que esses três problemas, trabalho, amizade e amor, estariam sempre inter-
relacionados. Pensava que a solução de um ajuda a solução de outros e, na verdade, podemos
dizer que são todos aspectos da mesma situação e do mesmo problema essa necessidade do ser
humano preservar a vida e favorecê-la no ambiente em que se encontra.
Obstáculos ao Crescimento
Adler especifica três situações na infância que tendem a resultar em isolamento, falta de
interesse social e desenvolvimento de um estilo não-cooperativo, baseado no objetivo irreal de
superioridade pessoal. São eles: inferioridade orgânica, superproteção e rejeição.
Crianças com inferioridade orgânica, ou seja, que sofrem de doenças ou enfermidades tendem
se tornar fortemente auto-centradas. Fogem da interação com outros por um sentimento de
inferioridade ou incapacidade de competir com sucesso com outras crianças. Adler salienta,
contudo, que as crianças que superam suas dificuldades tendem a compensar sua fraqueza
original além da média e desenvolvem suas habilidades num grau incomum.
Crianças superprotegidas e mimadas também têm dificuldades em desenvolver um sentimento
de interesse social e cooperação. Falta-lhes confiança em suas próprias habilidades, uma vez
que os outros sempre fizeram tudo por elas. Ao invés de cooperarem com outros, essas crianças
tendem a fazer exigências unilaterais aos amigos e à família. O interesse social é habitualmente
mínimo e Adler descobriu que crianças mimadas em geral nutrem poucos sentimentos genuínos
em relação aos pais, os quais manipulam muito bem.
A rejeição é a terceira situação que tende a impedir fortemente o desenvolvimento de uma
criança. Uma criança não desejada e rejeitada nunca conheceu o amor e a cooperação em casa
e, portanto, lhe é extremamente difícil desenvolver essas capacidades. Tais crianças não têm
confiança em suas habilidades para serem úteis e obterem afeição e estima dos outros. Quando
adultos. tendem á tornar-se frias e duras.
Os traços de crianças não-amadas, em sua forma mais desenvolvida, podem ser observados no
estudo das biografias de todos os grandes inimigos da humanidade. Neste caso, a única coisa
que se destaca é que, quando crianças, foram maltratados. Desenvolveram, assim, dureza de
caráter, inveja e ódio; não podiam suportar ver os outros felizes.
Luta pela Superioridade Pessoal
Quando predominam sentimentos de inferioridade ou quando o interesse social é
subdesenvolvido, os indivíduos tendem a buscar superioridade pessoal pois lhes falta confiança
em sua habilidade para atuar efetivamente e trabalhar de forma construtiva com outros.
Tais indivíduos não dão contribuições de real valor para a sociedade e tornam-se fixados em
modelos de comportamento autocentrados, levando inevitavelmente a um sentimento de
fracasso. Essas pessoas se desviaram dos problemas reais da vida e estão engajadas na luta com

94
a própria sombra para reassegurarem-se de sua força.
Fortalecimento do Interesse Social.
A terapia é um trabalho cooperativo entre terapeuta e paciente, um relacionamento de apoio que
ajuda este último a desenvolver cooperação e interesse social. Alegava que a tarefa do médico
ou psicólogo é oferecer ao paciente a experiência de contato com um companheiro e então
capacitá-lo, para transferir este interesse social despertado para outras pessoas.
Adler salientava que,freqüentemente, o terapeuta deve prover os cuidados, o apoio e o senso de
cooperação que o paciente nunca recebeu de seus próprios pais. Uma vez que Adler estava
convencido do fato de que o interesse voltado para a própria pessoa ao invés de para os outros é
o núcleo da maioria dos problemas psicológicos, sentia que a maior missão do terapeuta é
afastar gradualmente o paciente do interesse exclusivo em si próprio, fazendo com que se volte
para um trabalho construtivo para os outros, como um membro de valorpara a comunidade.
Referência
Ballone GJ-Alfred Adler, in. PsiqWeb, internet, disponível emwww.psiqweb.med.br, revisto
em 2005
*- baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager- Harbra-1980 para
saber mais: Tipos Psicológicos- C.G.Jung- Zahar Editores- RJ- 1980

95
Capítulo XVI
A Psicologia do Inconsciente Coletivo deCarl Gustav Jung
Dentre todos os conceitos de Carl Gustav Jung, a idéia de introversão e extroversão são as mais
usadas. Jung descobriu que cada indivíduo pode ser caracterizado como sendo primeiramente
orientado para seu interior ou para o exterior, sendo que a energia dos introvertidos se dirige em
direção a seu mundo interno, enquanto a energia do extrovertido é mais focalizada no mundo
externo. Entretanto, ninguém é totalmente introvertido ou extrovertido. Algumas vezes a
introversão é mais apropriada, em outras ocasiões a extroversão é mais adequada mas, as duas
atitudes se excluem mutuamente, de formaque não se pode manter ambas ao mesmo tempo.
Também enfatizava que nenhuma das duas é melhor que a outra, citando que o mundo precisa
dos dois tipos de pessoas. Darwin, por exemplo, era predominantemente extrovertido, enquanto
Kant era introvertido por excelência. O ideal para o ser humano é ser flexível, capaz de adotar
qualquer dessas atitudes quando for apropriado, operar em equilíbrio entre as duas.
As Atitudes: Introversão e Extroversão
Os introvertidos concentram-se prioritariamente em seus própriospensamentos e sentimentos, em
seu mundo interior, tendendo à introspecção. O perigo para tais pessoas é imergir de forma
demasiada em seu mundo interior, perdendo ou tornando tênue o contato com o ambiente externo.
O cientista distraído, estereotipado, é um exemplo claro deste tipo de pessoa absorta em suas
reflexões em notável prejuízo do pragmatismo necessário à adaptação.Os extrovertidos, por sua
vez, se envolvem com o mundo externo das pessoas e das coisas. Eles tendem a ser mais sociais e
mais conscientes do que acontece à sua volta. Necessitam se proteger para não serem dominados
pelas exterioridades e, ao contrário dos introvertidos, se alienarem de seus próprios processos
internos. Algumas vezes esses indivíduos são tão orientados para os outros quepodem acabar se
apoiando quase exclusivamente nas idéias alheias, ao invés de desenvolverem suas próprias
opiniões.
As Funções Psíquicas
Jung identificou quatro funções psicológicas que chamou de fundamentais: pensamento,
sentimento, sensação e intuição.E cada uma dessas funções pode ser experienciada tanto de
maneira introvertida quanto extrovertida.
O Pensamento
Jung via o pensamento e o sentimento como maneiras alternativas de elaborar julgamentos e
tomar decisões. O Pensamento, por sua vez, está relacionado com a verdade, com julgamentos
derivados de critérios impessoais, lógicos e objetivos. As pessoas nas quais predomina a função
do Pensamento são chamadas de Reflexivas. Esses tipos reflexivos são grandes planejadores e
tendem a se agarrar a seus planos e teorias, ainda que sejam confrontados com contraditória
evidência.
O Sentimento
Tipos sentimentais são orientados para o aspecto emocional da experiência. Eles preferem
emoções fortes e intensas ainda que negativas, a experiências apáticas e mornas. A consistência e
princípios abstratos são altamente valorizados pela pessoa sentimental. Para ela, tomar decisões
deve ser de acordo com julgamentos de valores próprios, como por exemplo, valores do bom ou
do mau, do certo ou do errado, agradável ou desagradável, ao invés de julgar em termos de lógica
ou eficiência, como faz o reflexivo.

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A Sensação
Jung classifica a sensação e a intuição juntas, como as formas de apreender informações,
diferentemente das formas de tomar decisões. A Sensação se refere a umenfoque na experiência
direta, na percepção de detalhes, de fatos concretos. A Sensação reporta-se ao que uma pessoa
pode ver, tocar, cheirar. É a experiência concreta e tem sempre prioridade sobre a discussão ou a
análise da experiência. Os tipos sensitivos tendem a responder à situação vivencial imediata, e
lidam eficientemente com todos os tipos de crises e emergências. Em geral eles estão sempre
prontos para o momento atual, adaptam-se facilmente às emergências do cotidiano, trabalham
melhor com instrumentos, aparelhos, veículos e utensílios do que qualquer um dos outros tipos.
A Intuição
A intuição é uma forma de processar informações em termos de experiência passada, objetivos
futuros e processos inconscientes. As implicações da experiência (o que poderia acontecer, o que
é possível) são mais importantes para os intuitivos do que a experiência real por si mesma.
Pessoas fortemente intuitivas dão significado às suas percepções com tamanha rapidez que, via de
regra, não conseguem separar suas interpretações conscientes dos dados sensoriais brutos obtidos.
Os intuitivos processam informação muito depressa e relacionam, de forma automática, a
experiência passada com as informações relevantes da experiência imediata.
Arquétipos
Dentro do Inconsciente Coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou Arquétipos. Tais
Arquétipos são formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou canalizar o material
psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as
características do rio, porém desde que a água começa a fluir por eles. Particularmente comparo
os Arquétipos à porta de uma geladeira nova; existem formas sem conteúdo- em cima formas
arredondadas (você pode colocar ovos, se quiser ou tiver ovos), mais abaixo existe a forma sem
conteúdo para colocar refrigerantes, manteiga, queijo, etc., mas isso só acontecerá se a vida ou o
meio onde você existir lhe oferecer tais produtos. De qualquer maneira as formas existem
antecipadamente ao conteúdo. Arquetipicamente existea forma para colocar Deus, mas isso
depende das circunstâncias existenciais, culturais e pessoais. Jung também chama os Arquétipos
de imagens primordiais, porque eles correspondem freqüentemente a temas mitológicos que
reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas
podem ser encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os
Arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem tanto às
fantasias individuais quanto às mitologias de um povo. A história de Édipo é uma boa ilustração
de um Arquétipo. É um motivo tanto mitológico quanto psicológico, uma situação arquetípica
que lida com o relacionamento do filho com seus pais. Há, obviamente, muitas outras situações
ligadas ao tema, tal como o relacionamento da filha com seus pais, o relacionamento dos pais
com os filhos, relacionamentos entre homem e mulher, irmãos, irmãs e assim por diante. O termo
Arquétipo freqüentemente é mal compreendido, julgando-se que expressa imagens ou motivos
mitológicos definidos. Mas estas imagens ou motivos mitológicos são apenas representações
conscientes do Arquétipo. O Arquétipo é uma tendência a formar tais representações que podem
variar em detalhes, de povo a povo, de pessoa a pessoa, sem perder sua configuração original.
Uma extensa variedade de símbolos pode ser associada a um Arquétipo. Por exemplo, o
Arquétipo materno compreende não somente a mãe real de cada indivíduo, mas também todas as
figuras de mãe, figuras nutridoras. Isto inclui mulheres em geral, imagens míticas de mulheres
(tais como Vênus, Virgem Maria, mãe Natureza) e símbolos de apoio e nutrição, tais como a
Igreja e o Paraíso. O Arquétipo materno inclui aspectos positivos e negativos, como a mãe
ameaçadora, dominadora ou sufocadora. Na Idade Média, por exemplo, este aspecto do Arquétipo
estava cristalizado na imagem da velha bruxa. Jung escreveu que cada uma das principais
estruturas da personalidade seriam Arquétipos, incluindo o Ego, a Persona, a Sombra, a Anima
(nos homens), o Animus (nas mulheres) e o Self.

97
Símbolos
De acordo com Jung, o inconsciente se expressa primariamente através de símbolos. Embora
nenhum símbolo concreto possa representar de forma plena um Arquétipo (que é uma forma sem
conteúdo específico), quanto mais um símbolo se harmonizar com o material inconsciente
organizado ao redor de um Arquétipo, mais ele evocará uma resposta intensa e emocionalmente
carregada. Jung se interessa nos símbolos naturais, que são produções espontâneas da psique
individual, mais do que em imagens ou esquemas deliberada-mente criados por um artista. Além
dos símbolos encontrados em sonhos ou fantasias de um indivíduo, há também símbolos coletivos
importantes, que são geralmente imagens religiosas, tais como a cruz, a estrela de seis pontas de
David e a roda da vida budista. Imagens e termos simbólicos, via de regra, representam conceitos
que nós não podemos definir com clareza ou compreender plenamente. Para Jung, um signo
representa alguma outra coisa; um símbolo é alguma coisa em si mesma, uma coisa dinâmica e
viva. O símbolo representa a situação psíquica do indivíduo e ele é essa situação num dado
momento. Aquilo a que nós chamamos de símbolo pode ser um termo, um nome ou até uma
imagem familiar na vida diária, embora possua conotações específicas além de seu significado
convencional e óbvio. Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma
coisa além de seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto
inconsciente mais amplo que não é nunca precisamente definido ou plenamente explicado.
Os Sonhos
Os sonhos são pontes importantes entre processos conscientes e inconscientes. Comparado à
nossa vida onírica, o pensamento consciente contém menos emoções intensas e imagens
simbólicas. Os símbolos oníricos freqüentemente envolvem tanta energia psíquica, que somos
compelidos a prestar atenção neles.
Para Jung, os sonhos desempenham um importante papel complementar ou compensatório. Os
sonhos ajudam a equilibrar as influências variadas a que estamos expostos em nossa vida
consciente, sendo que tais influências tendem a moldar nosso pensamento de maneiras
freqüentemente inadequadas à nossa personalidade e individualidade. A função geral dos sonhos,
para Jung, é tentar estabelecer a nossa balança psicológica pela produção de um material onírico
que reconstitui equilíbrio psíquico total. Jung abordou os sonhos como realidades vivas que
precisam ser experimentadas e observadas com cuidado para serem compreendidas. Ele tentou
descobrir o significado dos símbolos oníricos prestando atenção à forma e ao conteúdo do sonho
e, com relação à análise dos sonhos, Jung distanciou-se gradualmente da maneira psicanalítica na
livre associação. Pelo fato do sonho lidar com símbolos, Jung achavaque eles teriam mais de um
significado, não podendo haver um sistema simples ou mecânico para sua interpretação. Qualquer
tentativa de análise de um sonho precisa levar em conta as atitudes, a experiência e a formação do
sonhador. É uma aventura comum vivida entre o analista e o analisando. O caráter das
interpretações do analista é apenas experimental, até que elas sejam aceitas e sentidas como
válidas pelo analisando. Mais importante do que a compreensão cognitiva dos sonhos é o ato de
experienciar o material onírico e levá-lo a sério. Para o analista junguiano devemos tratar nossos
sonhos não como eventos isolados, mas como comunicações dos contínuos processos
inconscientes. Para a corrente junguiana é necessário que o inconsciente torne conhecida sua
própria direção, e nós devemos dar-lhe os mesmos direitos do Ego, se é que cada lado deva
adaptar-se ao outro. À medida que o Ego ouve e o inconsciente é encorajado a participar desse
diálogo, a posição do inconsciente é transformada daquela de um adversário para a de um amigo,
com pontos de vista de algum modo diferentes mas complementares.
O Ego
O Ego é o centro da consciência e um dos maiores Arquétipos da perso-nalidade. Ele fornece um
sentido de consistência e direção em nossas vidas conscientes. Ele tende a contrapor-se a
qualquer coisa que possa ameaçar esta frágil consistência da consciência e tenta convencer-nos de
que sempre devemos planejar e analisar conscientemente nossa experiência. Somos levados a crer
que o Ego é o elemento central de toda a psique e chegamos a ignorar sua outra metade, o

98
inconsciente. De acordo com Jung, a princípio a psique é apenas o inconsciente. O Ego emerge
dele e reúne numerosas experiências e memórias, desenvolvendo a divisão entre o inconsciente e
o consciente. Não háelementos inconscientes no Ego, só conteúdos conscientes derivados da
experiência pessoal.
A Persona
Nossa Persona é a forma pela qual nos apresentamos ao mundo. É o caráter que assumimos;
através dela nós nos relacionamos com os outros. A Persona inclui nossos papéis sociais, o tipo
de roupa que escolhemos para usar e nosso estilo de expressão pessoal. O termo Persona é
derivado da palavra latina equivalente a máscara, se refere às máscaras usadas pelos atores no
drama grego para dar significado aos papéis que estavam representando. As palavras "pessoa" e
"personalidade" também estão relacionadas a este termo. A Persona tem aspectos tanto positivos
quanto negativos. Uma Persona dominante pode abafar o indivíduo e aqueles que se identificam
com sua Persona tendem a se ver apenas nos termos superficiais de seus papéis sociais e de sua
fachada. Jung chamou também a Persona de Arquétipo da conformidade. Entretanto, a Persona
não é totalmente negativa. Ela serve para proteger o Ego e a psique das diversas forçase atitudes
sociais que nos invadem. A Persona é também um instrumento precioso para a comunicação. Nos
dramas gregos, as máscaras dos atores, audaciosamente desenhadas, informavam a toda a platéia,
ainda que de forma um pouco estereotipada, sobre o caractere as atitudes do papel que cada ator
estava representando. A Persona pode, com freqüência, desempenhar um papel importante em
nosso desenvolvimento positivo. À medida que começamos a agir de determinada maneira, a
desempenhar um papel, nosso Ego se altera gradualmente nessa direção. Entre os símbolos
comumente usados para a Persona, incluem-se os objetos que usamos para nos cobrir (roupas,
véus), símbolos de um papel ocupacional (instrumentos, pasta de documentos) e símbolos de
status (carro, casa, diploma). Esses símbolos foram todos encontrados em sonhos como
representações da Persona. Por exemplo, em sonhos, uma pessoa com Persona forte pode
aparecer vestida de forma exagerada ou constrangida por um excesso de roupas. Uma pessoa com
Persona fraca poderia aparecer despida e exposta. Uma expressão possível de uma Persona
extremamente inadequada seria o fato de não ter pele.
A Sombra
Para Jung, a Sombra é o centro do Inconsciente Pessoal, o núcleo do material que foi reprimido
da consciência. A Sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias e experiências que são
rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a Persona e contrárias aos padrões e ideais
sociais. Quanto mais forte for nossa Persona, e quanto mais nos identificarmos com ela, mais
repudiaremos outras partes de nós mesmos. A Sombra representa aquilo que consideramos
inferior em nossa personalidade e também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em
nós mesmos. Em sonhos, a Sombra freqüentemente aparece como um animal, um anão, um
vagabundo ou qualquer outra figura de categoria mais baixa. Em seu trabalho sobre repressão e
neurose, Freud concentrou-se, de inicio, naquilo que Jung chama de Sombra. Jung descobriu que
o material reprimido se organiza e se estrutura ao redor da Sombra, que se torna, em certo
sentido, um Self negativo, a Sombra do Ego. A Sombra é, via de regra, vivida em sonhos como
uma figura escura, primitiva, hostil ou repelente, porque seus conteúdos foram violentamente
retirados da consciência e aparecem como antagônicos à perspectiva consciente. Se o material da
Sombra for tra-zido à consciência, ele perde muito de sua natureza de medo, de desconhecido e
de escuridão. A Sombra é mais perigosa quando não é reconhecida pelo seu portador. Neste caso,
o indivíduo tende aprojetar suas qualidades indesejáveis em outros ou a deixar-se dominar pela
Sombra sem o perceber. Quanto mais o material da Sombra tornar-se consciente, menos ele pode
dominar. Entretanto, a Sombra é uma parte integral de nossa natureza e nunca pode ser
simplesmente eliminada. Uma pessoa sem Sombra não é uma pessoa completa, mas uma
caricatura bidimensional que rejeita a mescla do bom e do mal e a ambivalência presentes em
todos nós. Cada porção reprimida da Sombra representa uma parte de nós mesmos. Nósnos
limitamos na mesma proporção que mantemos este material inconsciente. À medida que a

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Sombra se faz mais consciente, recuperamos partes previamente reprimidas de nós mesmos.
Além disso, a Sombra não é apenas uma força negativa na psique. Ela é um depósito de
considerável energia instintiva, espontaneidade e vitalidade, e é a fonte principal de nossa
criatividade. Assim como todos os Arquétipos, a Sombra se origina no Inconsciente Coletivo e
pode permitir acesso individual a grande parte do valioso material inconsciente que é rejeitado
pelo Ego e pela Persona. No momento em que acharmos que a compreendemos, a Sombra
aparecerá de outra forma. Lidar com a Sombra é um processo que dura a vida toda, consiste em
olhar para dentro e refletir honestamente sobreaquilo que vemos lá.
O Self
Jung chamou o Self de Arquétipo central, Arquétipo da ordem e totalidade da personalidade.
Segundo Jung, consciente e inconsciente não estão necessariamente em oposição um ao outro,
mas complementam-se mutuamente para formar uma totalidade: o Self. Jung descobriu o
Arquétipo do Self apenas depois de estarem concluídas suas investigações sobre as outras
estruturas da psique. O Self é com freqüência figurado em sonhos ou imagens de forma
impessoal, como um círculo, mandala, cristal ou pedra, ou de forma pessoal como um casal real,
uma criança divina, ou na forma de outro símbolo de divindade. Todos estes são símbolos da
totalidade, unificação, reconciliação de polaridades, ou equilíbrio dinâmico, os objetivos do
processo de Individuação. O Self é um fator interno de orientação, muito diferente e até mesmo
estranho ao Ego e à consciência. Para Jung, o Self não é apenas o centro, mas também toda a
circunferência que abarca tanto o consciente quanto o inconsciente, ele é o centro desta
totalidade, tal como o Ego é o centro da consciência. Ele pode, de início, aparecer em sonhos
como uma imagem significante, um ponto ou uma sujeira de mosca, pelo fato do Self ser bem
pouco familiar e pouco desenvolvido na maioria das pessoas. O desenvolvimento do Self não
significa que o Ego seja dissolvido. Este último continua sendo o centro da consciência, mas
agora ele é vinculado ao Self como conseqüência de um longo e árduo processo de compreensão
e aceitação de nossos processos inconscientes. O Ego já não parece mais o centro da
personalidade, mas uma das inúmeras estruturas dentro da psique.
Crescimento Psicológico- Individuação
Segundo Jung, todo indivíduo possui uma tendência para a Individuação ou auto
desenvolvimento. Individuação significa tornar-se um ser único, homogêneo. na medida em que
por individualidade entendemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável,
significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Pode-se traduzir Individuação
como tornar-se si mesmo, ou realização do si mesmo. Individuação é um processo de
desenvolvimento da totalidade e, portanto, de movimento em direção a uma maior liberdade. Isto
inclui o desenvolvimento do eixo Ego-Self, além da integração de várias partes da psique: Ego,
Persona,Sombra, Anima ou Animus e outros Arquétipos inconscientes. Quando tornam-se
individuados, esses Arquétipos expressam-se de maneiras mais sutis e complexas. Quanto mais
conscientes nos tornamos de nós mesmos através do auto conhecimento, tanto mais se reduzirá a
camada do inconsciente pessoal que recobre o inconsciente coletivo. Desta forma, sai emergindo
uma consciência livre do mundo mesquinho, suscetível e pessoal do Eu, aberta para a livre
participação de um mundo mais amplo de interesses objetivos. Essa consciência ampliada não é
mais aquele novelo egoísta de desejos, temores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que
sempre deve ser compensado ou corrigido por contra-tendências inconscientes; tornar-se-á uma
função de relação com o mundo de objetos, colocando o indivíduo numa comunhão
incondicional, obrigatória e indissolúvel com o mundo. Do ponto de vista do Ego, crescimento e
desenvolvimento consistem na integração de material novo na consciência, o que inclui a
aquisição de conhecimento a respeito do mundo e da prória pessoa. O crescimento, para o Ego, é
essencialmente a expansão do conhecimento consciente. Entretanto, Individuação é o
desenvolvimento do Self e, do seu ponto de vista, o objetivo é a união da consciência com o
inconsciente. Comoanalista, Jung descobriu que aqueles que vinham a ele na primeira metade da
vida estavam relativamente desligados do processo interior de Individuação; seus interesses

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primários centravam-se em realizações externas, no "emergir" como indivíduos e na consecução
dos objetivos do Ego. Analisandos mais velhos, que haviam alcançado tais objetivos, de forma
razoável, tendiam a desenvolver propósitos diferentes, interesse maior pela integração do que
pelas realizações, busca de harmonia com a totalidade da psique. O primeiro passo no processo
de Individuação é o desnudamento da Persona. Embora esta tenha funções protetoras importantes,
ela é também uma máscara que esconde o Self e o inconsciente. Ao analisarmos a Persona,
dissolvemos a máscara e descobrimos que,aparentando ser individual, ela é de fato coletiva; em
outras palavras, a Persona não passa de uma máscara da psique coletiva. No fundo, nada tem de
real; ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade acerca daquilo que alguém
parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo. De certo modo, tais dados são reais mas, em
relação à individualidade essencial da pessoa, representam algo de secundário, uma vez que
resultam de um compromisso no qual outros podem ter uma quota maior do que a do indivíduo
em questão. O próximo passo é o confronto com a Sombra. Na medida em que nós aceitamos a
realidade da Sombra e dela nos distinguimos, podemos ficar livres de sua influência. Além disso,
nós nos tornamos capazes de assimilar o valioso material do inconsciente pessoal que é
organizado ao redor da Sombra. O terceiro passo é o confronto com a Anima ou Animus. Este
Arquétipo deve ser encarado como uma pessoa real, uma entidade com quem se pode comunicar
e de quem se pode aprender. Jung faria perguntasà sua Anima sobre a interpretação de símbolos
oníricos, tal como um analisando a consultar um analista. O indivíduo também se conscientiza de
que a Anima (ou o Animus) tem uma autonomia considerável e de que há probabilidade dela
influenciar ou até dominar aqueles que a ignoram ou os que aceitam cegamente suas imagens e
projeções como se fossem deles mesmos. O estágio final do processo de Individuação é o
desenvolvimento do Self. Jung dizia que o si mesmo é nossa meta de vida, pois é a mais completa
expressão daquela combinação do destino a que nós damos o nome de indivíduo. O Self torna-se
o novo ponto central da psique, trazendo unidade à psique e integrando o material consciente e o
inconsciente. O Ego é ainda o centro da consciência, mas não é mais visto como o núcleo de toda
a personalidade. Jung escreve que devemos ser aquilo que somos e precisamos descobrir nossa
própria individualidade, aquele centro da personalidade que é eqüidistante do consciente e do
inconsciente. Dizia que precisamos visar este ponto ideal em direção ao qual a natureza parece
estar nos dirigindo. Só a partir deste ponto podemos satisfazer nossas necessidades. É necessário
ter em mente que, embora seja possível descrever a Individuação em termos de estágios, o
processo de Individuação é bem mais complexo do que a simples progressão aqui delineada.
Todos os passos mencionados sobrepõem-se, e as pessoas voltam continuamente a problemas e
temas antigos (espera-se que de uma perspectiva diferente). A Individuação poderia ser
apresentada como uma espiral na qual os indivíduos permanecem se confrontando com as
mesmas questões básicas, de forma cada vez mais refinada. Este conceito está muito relacionado
com a concepção Zen-budista da iluminação, na qual um individuo nunca termina um Koan, ou
problema espiritual, e a procura de si mesmo é vista como idêntica à finalidade.)
Obstáculos ao Crescimento
A Individuação nem sempre é uma tarefa fácil e agradável. O Ego precisa ser forte o suficiente
para suportar mudanças tremendas, para ser virado pelo avesso no processo de Individuação.
Poderíamos dizer que todo o mundo está num processo de Individuação, no entanto, as pessoas
não o sabem, esta é a única diferença. A Individuação não é de modo algum uma coisa rara ou um
luxo de poucos, mas aqueles que sabem que passam pelo processo são considerados afortunados.
Desde que suficientemente conscientes, eles tiram algum proveito de tal processo. A dificuldade
deste processo é peculiar porque constitui um empreendimento totalmente individual, levadoa
cabo face à rejeição ou, na melhor das hipóteses, indiferença dos outros. Jung escreve que a
natureza não se preocupa com nada que diga respeito a um nível mais elevado de consciência,
muito pelo contrário. Logo, a sociedade não valoriza em demasia essas proezas da psique e seus
prêmios são sempre dados a realizações e não à personalidade. Esta última será, na maioria das
vezes, recompensada postumamente. Cada estágio, no processo de Individuação, é acompanhado
de dificuldades. Primeiramente, há o perigo da identificação com a Persona. Aqueles que se

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identificam com a Persona podem tentar tornar-se perfeitos demais, incapazes de aceitar seus
erros ou fraquezas, ou quaisquer desvios de sua auto-imagem idealizada. Aqueles que se
identificam totalmente com a Persona tenderão a reprimir todas as tendências que não se ajustam,
e a projetá-las nos outros, atribuindo a eles a tarefa de representar aspectos de sua identidade
negativa reprimida. A Sombra pode ser também um importante obstáculo para a Individuação.
As pessoas que estão inconscientes de suas sombras, facilmente podem exteriorizar impulsos
prejudiciais sem nunca reconhecê-los como errados. Quando a pessoa não chegou a tomar
conhecimento da presença de tais impulsos nela mesma, os impulsos iniciais para o mal ou para a
ação errada são com freqüência justificados de imediato por racionalizações. Ignorar a Sombra
pode resultar também numa atitude por demais moralista e na projeção da Sombra em outros. Por
exemplo, aqueles que são muito favoráveis à censura da pornografia tendem a ficar fascinados
pelo assunto que pretendem proibir; eles podem até convencer-se da necessidade de estudar
cuidadosamente toda a pornografia disponível, a fim de serem censores eficientes. O confronto
com a Anima ou o Animus traz, em si, todo o problema do relacionamento com o inconsciente e
com a psique coletiva. A Anima pode acarretar súbitas mudanças emocionais ou instabilidade de
humor num homem. Nas mulheres, o Animus freqüentemente se manifesta sob a forma de
opiniões irracionais, mantidas de forma rígida. (Devemos nos lembrar de que a discussão de Jung
sobre Anima e Animus não constitui uma descrição da masculinidade e da feminilidade em geral.
O conteúdo da Anima ou do Animus é o complemento de nossa concepção consciente de nós
mesmos como masculinos ou femininos, a qual, na maioria das pessoas, é fortemente determinada
por valores culturais e papéis sexuais definidos em sociedade.) Quando o indivíduo é exposto ao
material coletivo, há o perigo de ser engolido pelo inconsciente. Segundo Jung, tal ocorrência
pode tomar uma de duas formas. Primeiro, há a possibilidade da inflação do Ego, na qual o
indivíduo reivindica para si todas as virtudes da psique coletiva. A outra reação é a de impotência
do Ego; a pessoa sente que nãotem controle sobre a psique coletiva e adquire uma consciência
aguda de aspectos inaceitáveis do inconsciente-irracionalidade, impulsos negativos e assim por
diante. Assim como em muitos mitos e contos de fadas, os maiores obstáculos estão mais
próximos do final. Quando o indivíduo lida com a Anima e o Animus, uma tremenda energia é
libertada. Esta energia pode ser usada para construir o Ego ao invés de desenvolver o Self. Jung
referiu-se a este fato como identificação com o Arquétipo do Self, ou desenvolvimento da
personalidade-mana (mana é uma palavra malanésica que significa a energia ou o poder que
emana das pessoas, objetos ou seres sobrenaturais, energia esta que tem uma qualidade oculta ou
mágica). O Ego identifica-se com o Arquétipo do homem sábio ou mulher sábia aquele que sabe
tudo. A personalidade-mana é perigosa porque é excessivamente irreal. Indivíduos parados neste
estágio tentam ser ao mesmo tempo mais e menos do que na realidade são. Eles tendem a
acreditar que se tornaram perfeitos, santosou até divinos, mas, na verdade, menos, porque
perderam o contato com sua humanidade essencial e com o fato de que ninguém é plenamente
sábio, infalível e sem defeitos. Jung viu a identificação temporária com o Arquétipo do Self ou
com a personalidade-mana como sendo um estágio quase inevitável no processo e Individuação.
A melhor defesa contra o desenvolvimento da inflação do Ego é lembrarmo-nos de nossa
humanidade essencial, para permanecermos assentados na realidade daquilo que podemos e
precisamos fazer, e não na que deveríamos fazer ou ser.
Referência
Ballone GJ-Carl Gustav Jung, in. PsiqWeb, internet, disponível em
http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2005
baseado no livro "Teorias da Personalidade"- J. Fadiman, R. Frager- Harbra- 1980 para saber
mais: Tipos Psicológicos- C.G.Jung- Zahar Editores- RJ- 1980 .

102
Capítulo XVII
O homem à procura de si mesmo,
segundo Rollo May
Introdução
Rollo May (1909-1994) nasceu em Ohio, cresceu em Michigan, faleceu na Califórnia.
Graduou-se em artes, em 1930. Encantou-se com a arte clássica grega, decidindo ir à
Grécia, logo ao término de seu bacharelado. Trabalhou na Grécia durante três anos. Em
seguida, viajou para Viena e estudou um breve tempo com Alfred Adler, cuja influência
marcou-o consideravelmente.
Desenvolvimento
A visão trágica da Europa, de então, acerca da natureza humana impediu-o de aceitar um
conceito mecânico de pessoa. Retornando aos Estados Unidos, a psicologia local lhe pareceu
"ingênua e simplista". Tanto, que resolveu matricular-se no Seminário Teológico União de
Nova Iorque. Aí realizou investigações aprofundadas sobre o significado da desesperação,
do suicídio e da angústia, questões estas, um tanto, ignoradas pelos psicólogos de lá.
Apostava na possibilidade de com estes estudos pudesse aprender sua contrapartida: o valor,
a alegria e a intensidade da vida (1983). No Seminário tornou-se discípulo e grande amigo
do teólogo protestante Paul Tillich, ligação esta que enriqueceu a vida, a obra e os escritos
de ambos.
Os pais de May se divorciaram durante seu curso no União, fato que o obrigou a interromper
seus estudos e voltar par
a Michigan para cuidar dos assuntos de família. Durante este tempo, foi conselheiro
estudantil em um colégio estatal de Michigan. Mais tarde, pôde regressar a Nova Iorque e
concluir sua licenciatura em teologia, isto em 1938. Durante os seus últimos anos no
Seminário escreveu seu primeiro livro,The Art of Counseling (A arte do aconselhamento
psicológico). May trabalhou como ministro paroquial em Montclair, Nova Jersey, antes de
retornar a Nova Iorque, e começar a dedicar-se aos estudos em psicanálise, no Instituto
William Alanson White de Psiquiatria, Psicanálise e Psicologia. Inscreveu-se na
Universidade Columbia, e recebeu seu primeiro doutorado em Psicologia Clínica.
Sua atividade de estudos e trabalho foi bruscamente interrompida quando adoeceu de
tuberculose, em torno dos trinta anos de idade. Não havia, então, os medicamentos
específicos para esta infecção. May ficou internado por três anos no Sanatório Saranac.
Durante a sua doença, leu, entre outras obras,The problem of Anxiety (O problema da
angústia) de Freud, eThe Concept of Dread (O conceito de angústia) de Sören Kierkegaard.
Ficou admirado com as formulações cuidadosas de Freud, mas convenceu-se que
Kierkegaard "descrevia o que é experimentado de imediato pelos seres humanos em crise"
(1969). A tuberculose em May ajudou-o a apreciar a importância do ponto de vista
existencial. Seu livro, "The meaning of Anxienty" (O significado de ansiedade), de 1977, foi
amplamente reconhecido como o primeiro escrito, nos Estados Unidos, a fomentar a união
genuína entre a psicologia e a filosofia, e em demonstrar a importância dos valores para a

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psicologia.
A vida profissional de May foi muito produtiva. Exerceu a função de conselheiro para
estudantes universitários noCity College de Nova Iorque, desenvolveu a prática particular
em psicanálise e terapia existencial, e tornou-se membro doinstituto White. Lecionou na
Escola Nova para a Investigação Social, nas Universidades de Nova Iorque, Harvard, Yale e
Princeton. Escreveu uma grande quantidade de livros e artigos, e ganhou vários prêmios.
May reconhece com clareza que a ciência deriva de pressupostos filosóficos e que depende
fundamentalmente deles. Crê que a razão pela qual não entendemos a verdade acerca de nós
mesmos, não é por não termos acumulado dados suficientes, realizado experimentos corretos
ou lido muitos livros, mas por "nãotermos o valor necessário". Os fatos científicos e as
provas técnicas raramente nos ajudam a responder as perguntas que realmente importam.
Temos que "arriscar-nos" (1953). Na psicoterapia May irá desempenhar o papel do "amigo
implacável", insiste para que seus pacientes "lutem com as forças incapacitantes dentro deles
para abrir caminho de novo para a vida" (Harris, 1969). Ele não tinha medo de arriscar-se a
reintroduzir conceitos recusados com veemência pela maioria dos psicólogos, como, a
intencionalidade, a vontade etc. Reintroduz estes conceitos porque acredita que são vitais
para entender o que significa ser um ente humano na atualidade. Há uma nota profética em
seus escritos, que lembra Erich Fromm, e seu pensamento, com freqüência, tem uma
tonalidade teológica. Há quem diga que May partiu de onde Paul Tillich parou (Harrys,
1969). May reconhece que os grandes períodos na história não foram aqueles onde
dominavam as preocupações psicológicas, mas nos quais prevaleciam as inquietudes
filosóficas e religiosas (1983).
May não oferece uma série de hipóteses que possam ser comprovadas por procedimentos
empíricos. Em seu lugar, nos dá um panorama filosófico do que significa ser uma pessoa no
mundo atual. Expõem-se razões em apoio às suas afirmações, mas nãoservem como prova;
cooperam como fragmentos de evidência a favor de uma certa descrição da realidade.
Reduzir o entendimento da personalidade a termos científicos, causais e abstratos significa
perder-se algo do conteúdo significativo e não se entender a realidade completa de um ser
humano. May nos convida a examinar os supostos filosóficos do projeto científico de modo
que se possa manter um diálogo criativo entre a ciência e a filosofia.
Grande parte dos psiquiatras, psicólogos e psicanalistas tende a ignorar o pensamento de
May por não poderem tratá-lo como uma hipótese científica. Conceitos, como a
intencionalidade, são quase impossíveis de se definir de maneira operacional e de se
comprovar de forma empírica, contudo, os achados de uma prova empírica não estabelecem
um suposto filosófico; pode ser que nem se relacionem de maneira significativa com este.
Não obstante, a mesma vantagem da teoria de May, o fato de que tem suas raízes em uma
concepção filosófica nova da vida humana, também pode ser seu maior inconveniente. May
corre um grande risco de ser eliminado pelo psicologicamente estabelecido e ter pouco
impacto na teorização da personalidade.
May assinalou, em 1967, que na segunda metade do século XX, o problema central a ser
enfrentado seria um sentimento de impotência, uma "convicção penetrante de que o
indivíduo não pode fazer algo efetivo frente aos enormes problemas culturais, sociais e
econômicos". Os sentimentos de impotência são agravados pela ansiedade e pela perda dos
valores tradicionais.Vejamos seus conceitos mais relevantes:

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(1) Impotência
O problema da impotência é muito mais profundo que o fato de estarmos em uma época de
incerteza e de agitação social. A guerra fria terminou há tempos, mas o mundo não está mais
seguro, lembrem do 11 de setembro. De fato, o "mundo desenvolvido" freqüentemente age
como se não houvesse problemas reais nos menos desenvolvidos apesar de sua pobreza e
sofrimentos massivos. Com o incremento na tecnologia, o poder se tornou impessoal, uma
força autônoma que age em seu próprio nome. Em princípios da década de 1950, May
observou que muitos dos pacientes que o procuravam sofriam de sentimentos intensos de
vacuidade. Notou que o neurótico com freqüência atua aquilo que os outros estão
temporalmente inconscientes. May antecipou que a experiência de vacuidade e impotência
que havia registrado em seus pacientes com o tempo se tornaria epidêmica.
(2) Ansiedade
Tornou-se comum descrever nossa época como uma era de ansiedade. Contudo, antes de
1950, foram escritos somente dois livros que apresentam de maneira específica uma
descrição objetiva da ansiedade, e sugeriam formas construtivas para tratá-la:The problem
of Anxiety de Freud, eThe Concept of Dread de Kierkegaard. Depois de May ter escritoThe
Meaning of Anxiety, publicado em 1950, surgiram centenas de livros sobre o tema. Alguns
psiquiatras preferem usar o termostress em lugar de ansiedade, May acha esta tendência
infeliz e imprecisa. A palavrastress tornou-se popular devido a suas origens na engenharia e
na física, onde pode ser definida com facilidade e medida com precisão. O problema com o
conceito destress é não descrever de forma adequada a apreensão à que se faz referência de
maneira ordinária como ansiedade. May propôs a seguinte definição para ansiedade: "A
ansiedade é a apreensão caracterizada por uma ameaça a algum valor que o indivíduo
considera essencial para sua existência como pessoa" (1977).
(3) A perda dos valores
A origem dos problemas reside na perda do centro de valores na sociedade. Desde o
Renascimento, o valor dominante na sociedade ocidental tem sido o prestígio competitivo
medido em termos de trabalho e êxito financeiro. Tais valores já não são efetivos, no mundo
pós-moderno no qual se tem que aprender a trabalhar com outraspessoas a fim de
sobreviver.
(4) Quatro estados de consciência
May sugere que há quatro etapas na consciência do ego. A primeira é a etapa da inocência,
antes que nasça a consciência do ego. Esta é característica do bebê. A segunda é a etapa da
rebeliãona qual o indivíduo busca estabelecer alguma força interna. A criança que já anda, e
o adolescente ilustram esta etapa, a qual pode implicar desafio e hostilidade. A terceira etapa
é a consciência ordinária do ego. Esta é a etapa a que se refere a maioriadas pessoas quando
falam de uma personalidade saudável. Implica ser capaz de aprender com os próprios erros e
viver de modo responsável. May se refere à última etapa como a consciência criativa do ego.
Implica a capacidade de observar algo fora do ponto de vista limitado usual da pessoa e
vislumbrar a verdade última como existe na realidade. Este nível abre caminho através da

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dicotomia entre a subjetividade e a objetividade. Nem todos conseguem atingir este nível de
consciência.
May concebe o ser humano como consciente do ego, capaz de intencionalidade e com a
necessidade de fazer eleições. Em sua análise existencial da personalidade, May busca
solapar o dualismo tradicional de sujeito e objeto que atormentou o auto-entendimento
ocidental desde Descartes, quem disse que sermos conscientes de nós mesmos, já era como
ser sujeito ou objeto. May considera o ego como uma unidade. Em lugar de abstrair
conceitualizações, necessita reconhecer e enfrentar os paradoxos de nossas próprias vidas.
Em um paradoxo duas coisas opostas são delineadas contra si e parecem negar-se, contudo,
não podem existir, uma sem a outra. Portanto, o bem e o mal, a vida e a morte, a beleza e o
feio parecem estar brigados entre si, mas esta mesma confrontação inspira vida e
significação ao outro.
(5) A possessão absoluta
Neste mundo que se vangloria da racionalidade, May reintroduz o conceito de "possessão
absoluta", e insiste em que podemos chegar até a adaptar-nos a isto. É "qualquer função
natural que tenha o poder de assumir o controle da pessoa inteira". O sexo, a ira, uma ânsia
de poder, tudo isto pode converter-se em mal, quando se apodera do ego sem importar-lhe
sua integração. Pode-se reprimir o demoníaco, mas não evitar suas conseqüências. O
demoníaco é criativo e destrutivo em potência, ao mesmo tempo. Ao tornarmo-nos
conscientes de sua existência, podemos integrá-lo em nós mesmos. Podemos aprender a
querer nossos demônios internos e permitir-lhes a nos dar o sal da vida. A possessão começa
como impessoal; ao trazê-la à nossa consciência, tornamos pessoais os seus impulsos. A
possessão absoluta nos empurra para a estrutura universal da realidade. Isto sucede de uma
dimensão impessoal para uma pessoal da consciência.
(6) Poder
Com efeito, um fator básico, na crise contemporânea, é o sentimento de insignificância e
impotência. A vida humana pode ser percebida como um conflito entre atingir um sentido de
significação do próprio ego por um lado e o sentimento de impotência por outro. Tendemos
a evitar ambos os lados, o primeiro devido às más conotações associadas com o ser
demasiado poderoso e o último porque é demasiado doloroso suportar nossa impotência. A
violência tem seu campo fértil na impotência e na apatia. Conforme as pessoas se tornam
impotentes, cresce sua violência em lugar de controlá-la. Os fatos violentos, tais como, a
violência urbana, são realizados por aqueles que buscam aumentar sua autoestima. As
pessoas impotentes, por vezes, partem para a exploração com o fim de se sentirem
significativas ou buscam vingança em formas passivo-agressivas, tais como no uso de
drogas ilícitas e álcool. Certo é que a cultura tem efeitos poderosos sobre nós. Mas poderia
não chegar a isto se estas tendências não estivessem já presentes conosco, pois somos nós
que constituímos a cultura (1983).
(7) Amor e sexo
O amor poderia ser a grande resposta aos problemas humanos. No entanto, o amor mesmo
converteu-se em problema. A dificuldade real é chegar-se a ser capaz de amar. Nosso mundo
é esquizóide, fora de contato, incapaz de sentir ou de participar de uma relação íntima. A
carência de afeto e a apatia são atitudes predominantes em nossas vidas, são formas de

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proteção contra o estímulo excessivo da sociedade moderna. Nossa liberdade sexual
converteu-se em uma forma nova de puritanismo: a emoção está separada da razão e o corpo
é usado como uma máquina. A comercialização do sexo destrói os sentimentos verdadeiros
de um modo tão grave como em certa época o fizeram os tabus tradicionais. Colocou-se o
sexo contra o Eros, o impulso de relacionar-secom outra pessoa e criar novas formas de
vida. May sugere que somente a experiência e a redescoberta do afeto, o oposto à apatia, nos
permitirá resistir ao cinismo que caracteriza nossos dias. Os mitos do afeto parecem sinalizar
para a necessidade de se desenvolver uma moralidade nova de autenticidade nas relações
humanas.
(8) Intencionalidade
May acredita na necessidade de usar da decisão e regressar ao centro de nossa descrição da
personalidade. Sua intenção não é excluir as influências deterministas, senão incluí-las,
introduzindo o conceito de intencionalidade, a qual subjaz na vontade e na decisão. Por
intencionalidade May quer dizer "a estrutura que dá significado à experiência". Uma
capacidade humana distintiva; a intencionalidade é uma atenção imaginativa que subjaz a
nossas intenções e informa nossas ações. É a atitude de participar no conhecer. A maneira
em que é percebido um pedaço de papel diferirá dependendo do uso que se lhe queira dar. É
o mesmo pedaço de papel que proporciona o estímulo, e a mesma pessoa que responde a ele,
mas o papel e a experiência terão um significado diferente.
(9) Liberdade e Destino
A atitude existencialista por ocasiões é criticada de maneira equivocada por descrever o
indivíduo como livre em absoluto sem restrições de nenhuma classe. May, contudo, nos
lembra que a liberdade somente pode ser considerada juntamente com o destino. Liberdade
significa "abertura, disposição a amadurecimento, tolerância e mudança na busca de valores
humanos mais importantes". Implica nossa capacidade de intervir em nosso próprio
desenvolvimento. A liberdade é básica para o entendimento existencialista da natureza
humana devido a que subjaz à nossa capacidade de eleição e aos valores. Por sua vez, May
define destino como o desenho vital do universo expresso em cada um de nós. Em sua forma
extrema, nosso destino é a morte, mas também se expressa nos talentos individuais próprios,
em nossas histórias pessoais e coletivas, na cultura e na sociedade em que temos nascido. O
destino nos estabelece limites, mas também nos proporciona meios para executar certas
tarefas. Fazer frente a estes limites gera valores construtivos.
(10) Coragem e Criatividade
A coragem é a capacidade para avançar apesar da desesperação. Nos seres humanos, a
coragem é necessária para poder existir e tornar-se possível. A coragem não é uma virtude,
senão uma função que subjaz e dá realidade a todos os demais valores. O paradoxo da
coragem é que devemos estar comprometidos por completo, mas também, estarmos cientes
ao mesmo tempo de que poderíamos estar equivocados. A coragem criativa é a descoberta
de formas novas, símbolos e padrões sobre os quais pode ser construída uma nova
sociedade.
(11) Psicoterapia

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O enfoque existencial da psicoterapia sustenta que o objetivo central da terapia é ajudar a
promover o entendimento do ego e o próprio modo de ser no mundo. Os construtos
psicológicos para entender os seres humanos são colocados, então, em uma base ontológica
e tomam um significado da situação presente. Impulsos, dinamismos ou padrões de conduta
são entendidos somente no contexto da estrutura da existência da pessoa individual. May
assinala que Ser no sentido humano não é dado de uma vez e para sempre. Como humanos
temos que estar conscientes, ser responsáveis por nós mesmos, e tornarmo-nos nós mesmos.
Uma experiência "eu sou" é uma precondição para solucionar problemas específicos. De
outro modo, somente trocamos um conjunto de defesas por outro. Tornar-se consciente do
próprio ser não significa ser explicado em termos sociais. A aceitação do terapeuta pode
facilitar a experiência "eu sou", entretanto, não conduz de maneira autônoma a isto. "A
questão crucial é que o indivíduo mesmo, em sua própria consciência e responsabilidade de
sua existência, dê com o fato de que pode ser aceito" (1983). O surgimento de uma
experiência "eu sou" tampouco é idêntica ao desenvolvimento do ego. Ocorre em um nível
mais básico, ontológico, e é uma precondição para o desenvolvimento do ego subseqüente.
A fim de se compreender o que significa existir, é necessário entender também a opção de
não-ser. A morte é uma forma óbvia de ameaça de não-ser, e o conformismo um modo
alternativo que May encontra com muita freqüência em nossos dias. As pessoas abandonam
sua identidade para ser aceitas pelos demais e evitar serem condenadas ao ostracismo ou à
solidão, mas assim fazendo perdem seu poder e seu caráter único. Enquanto que a repressão
e a inibição foram padrões neuróticos comuns na época de Freud, na atualidade o
conformismo tem sido um padrão prevalente. Esta negação das potencialidades próprias
conduz à experiência da culpa. A culpa ontológica não provém da proibição cultural, mas
surge do fato da consciência de si mesmo e do reconhecimento de que não temos realizado
nossas potencialidades. Enfrentar esta culpa no processo da terapia conduz a efeitos
construtivos.
Portanto a tarefa central do terapeuta é buscar entender o modo de ser e de não-ser no
mundo do paciente. É o contexto que distingue o enfoque existencial mais que qualquer
técnica específica. O ser humano não á um objeto que possa ser manejado e analisado. A
técnica se segue ao entendimento. May entende que a associação livre é particularmente útil
para revelar a intencionalidade. A relação entre terapeuta e paciente é considerada como
relação real. May adverte contra o uso de fármacos na psicoterapia. Em sua maior parte, crê
que têm um efeito negativo devido a que, eliminando a ansiedade do paciente, podem inibir
a motivação para a mudança e, em conseqüência, negar uma oportunidade à aprendizagem e
destruir recursos vitais.
O trabalho de Rollo May une a tradição psicanalítica e o movimento existencialista na
filosofia, pelo que se enfatiza a existência em lugar da essência. Sugere também que não há
verdade nem realidade com exceção daquela na qual participamos. O conhecimento é um ato
de fazer. A descrição filosófica da natureza humana desenvolvida por May é coerente e
relevante, global e irresistível. Evita com êxito os dualismos da filosofia de Descartes. O
marco de referência existencial, que influi sua teoria, é mais compatível com nosso mundo,
que os supostos filosóficos da ciência do século XIX, que influenciaram o trabalho de Freud.
Uma filosofia existencial proporciona um plano útil para discutir o que Freud queria dizer
acerca da natureza do funcionamento psíquico. Ainda que Freud não fosse um
existencialista, esta corrente de pensamento proporciona categorias que esclarecem as idéias
e a intenção freudianas. Portanto, May reconcebe de forma frutífera, muitos conceitos
freudianos o que se constitui em um aporte inegável à psicologia e à sociedade atual.

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A obra de May abre as cadeias que atam os próprios marcos culturais e sociais da época na
qual confluem. A liberdade, a existência, assim como, também os valores inseridos nesta
obra, geram um espaço de reflexão que é necessário quando tratamos de seres humanos. Esta
obra reúne em poderosos enlaces todos os conceitos essenciais das bases epistemológicas
nas quais se apóia. É gratificante encontrar coerência e capacidade em seu pensamento, mais
ainda, extremamente útil achá-las em seu trabalho na prática. O caráter profético de May é
produto da pós-modernidade na qual postula achar-se, mas se valida empiricamente através
do sentido comum. Embora sejam poucas as informações a respeito de seu trabalho privado,
que, provavelmente, deveu-se ao seu rompimento do âmbito das ciências, é clara a
mensagem filosófica e analítica que ele deixou.
* * *
Obras de Rollo May publicadas em português: O homem à procura de si mesmo, 3ª ed.,
1953. Psicologia existencial, 2ª ed., 1960. Psicologia e dilema humano, 3ª ed., 1967. Poder e
inocência, 1972. A coragem de criar, 2ª ed., 1975. Eros e repressão: Amor e vontade, 1978.
O significado de ansiedade, 1980. A arte do aconselhamento psicológico, 4ª ed., 1982.
Liberdade e destino, 1987. A descoberta do Ser, 1988. A procura do mito, 1992. Minha
busca da beleza, 1992. Em espanhol:Existencia,1977 (obra de grande importância).
Capítulo XVIII
AFUNÇÃO DOS VALORES
Rokeach (1973), nos assegura que os valores possuem componentes cognitivos, afetivos e que
atuam diretamente na conduta individual. O mesmo conceito é defendido por Mischel (1973), e nos confirma a
idéia de que os valores são auto-reguladores da conduta e que desempenham múltiplas funções na
personalidade, como veremos:
Função Motivacional
Segundo Jones e Gerard (1967), os valores se constituem uma classe ampla de fenômenos
motivacionais. Segundo os autores, qualquer estímulo que satisfaça os desejos de uma pessoa se constitui num
valor positivo, e todo estímulo que é evitado por uma pessoa, se constitui num valor negativo. Em sua
classificação de valores, Maslow (1954), os relaciona como motivos de suprimentos das necessidades que vão se
hierarquizando desde as necessidades primárias para a sobrevivência do organismo, até as necessidades
superiores-cognitivas para propiciar a auto-estima e a auto-realização.
Murray (1978), em seu esquema Valor-Vetor, assegura que as necessidades motivacionais estão
relacionadas às pressões e a outras necessidades. Assim, as necessidades são motivos intrínsecos da consecução
valorativa. Na classificação das necessidades, Murray considera como mais significativos os Valores que suprem
a personalidade em seus aspectos de desenvolvimento psicossocial, em vista das expectativas de relacionamento
intra-pessoal e inter-social.Kluckhohn (1951), reforça os pressupostos de Maslow e Murray, considerando que os
valores surgem das necessidades motivacionais. Se valoriza aquilo que se necessita, e que também os Valores
podem ser fontes de necessidade e desejos.
Rokeach (1973), confirma a relação entres as necessidades motivacionais e valores,
contribuindo com um pressuposto significativo, de que os Valores são representações cognitivas das necessidades
individuais e das demandas sociais ou institucionais. Através dos valores , as necessidades individuais podem ser
transformadas em modos de conduta socialmente desejáveis. Em seu estudo sobre as funções motivacionais dos
valores ,Rokeach assegura que os Valores Instrumentais são motivantes em função da instrumentalidades que se
dá entre estes valores e os finais. O desenvolvimento dos valores instrumentais se regulam com a realização dos
estados finais desejados. Os valores finais representam metas últimas, ideais que os indivíduos tende a alcançar,
sem nunca poder alcançar totalmente. O indivíduo se sente obrigado a atuar para poder lograr esses modos de

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conduta e esses estados finais da existência também desejáveis. Assim, tal definição se enquadra no
pressuposto fenomenológico de Carl Rogers (1977), em que tornar-se pessoa é o estado de busca e de luta
constante que o ser humano empreende para dar sentido a sua existência.
Kluckhohn (1951), define a diretividade dos Valores em Função de que os mesmos estabelece
metas e objetivos que o indivíduo deve alcançar, como também as representações cognitivas das necessidades
individuais e sociais que obrigam o indivíduo a atuar.Os Valores dão sentidos de direcionalidades e de busca
permanentes da autenticidade. Segundo Rogers (1961), o comportamento valorativo do homem é distintamente
racional, movendo-se com complexidade sutil em direção aos objetivos que seu organismo se empenha em atingir.
Interpretando a função diretiva dos Valores no pensamento existencial de Frankl (1978), se ressalta a
necessidade de tomada de consciência da própria existência, da importância da direcionalidade existencial, da
aceitação da responsabilidade pela própria existência.
Heidegger (1962), afirma que uma das mais expressivas qualidades valorativas do homem é a
sua capacidade de autoconsciência que lhe permite ter acesso aos fenômeno de sua consciência e aos eventos que
os influenciam, e a tomar uma posição face a esse conhecimentos em termos direcionais na perspectiva de tempo
futuro. Segundo o autor, isso torna possível as escolhas autênticas e o assumir a responsabilidade livre e
consciente pela direcionalidade da existência, a definição de Valores que, uma vez estruturados ,transcendem a
sua própria existência.
Função para resolver conflitos
Rokeach (1973), afirma que os Valores se organizam em forma de sistemas hierarquizados e
que alguns possuem mais importância do que outros, e que se ordenam prioritariamente.Segundo Vera
(1995), ante a situações de conflitos e de tomadas de decisões, comparadas a uma dissonância cognitiva
(Festinger, 1967), os valores em seu sistema geral podem atuar como parâmetros comparativos, desde que
devidamente ativados. Na concepção de Vera, o sistema de valores se mostra como uma estrutura aprendida de
princípios e regras que servem de ajuda para decidir-se, eleger e resolver conflitos entre as mais diversas opções
de comportamento ligados a diferentes valores. Isto não significa que osvalores em seu conjunto se mantenham
ativados ante a qualquer circunstancia, normalmente só uma parte deles é que será relevante para atuar como
resposta ante a situações, variando em grupos de valores ativados em função da natureza da situação.
Luengo (1982), apresenta os valores como normas para resolver conflitos e tomar decisões. Nesse
aspecto, segundo a autora, os componentes cognitivos e afetivos, são representações fundamentais dos valores no
estabelecer de normas para a solução de conflitos e detomar decisões.Em experiências dissonantes, a intervenção
desses valores com conotações cognitivas e afetivos, são decisivos para as mudanças de atitudes e para a solução
dos conflitos.
Função Normativa
Williams (1979), assinala que os Valores sãogrupamentos de normas preferenciais que guiam
não somente as ações, mas também o juízo, as atitudes e a racionalização. Segundo o autor, a própria sociedade
se organiza com normas, princípios e regras obrigatórias a serem cumpridas pelos cidadãos, e que se constituem
em valores convencionalmente aceitáveis pelo contexto social.Os valores podem atuar como controle interno
para a aceitação e manutenção dessas normas. Os valores também podem funcionar como normas de
juízo e a avaliação pessoal de juízo e avaliação pessoal, como um sistema de critério em que o indivíduo julga o
que é certo ou errado, o que é justo ou injusto, ou seja, para julgar a conduta de si mesmo ou de outrem.
Williams (1979), apresenta a função dos valores comonorma de racionalização, em que os
mesmos são guia de conduta antecipatória e dirigida a um fim, servindo para se justificar e explicar a conduta
passada.Rokeach (1973), assegura que podemos racionalizar crenças e atitudes de ação pessoal e socialmente
aceitáveis.
Aprofundando os estudos sobre o caráter normativo dos valores, Luengo (1982), os caracteriza
numa perspectiva funcionalista, definindo os valores como normas de ações, como normas de juízo e avaliação,
como normas de racionalização, e como normas para resolver conflitos e tomar decisões.Os valores são altamente
instrumentais na medida em que funcionam como normas de ações, determinando regras como formas de condutas
desejáveis e preferenciais no contexto social, e nesse sentido, as normas modelam o comportamento em
consonância com os valores compartilhados com o grupo social. Ordem social, bons modos, auto-respeito,
reciprocidade de valores, auto-disciplina, amizade verdadeira, preservar o meio ambiente, ser honesto, ser
obediente, ajudar, são exemplos clássicos dos valores citados por Schwartz (1987), em sua escala, que
determinam essas normas de ações que se constituem em regras de condutas preferenciais, desejadas ou não pelo
sujeito, mas que compõem regras e normas de ações padronizadas pelo contexto social.

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Ao dar destaque aos Valores como normas de juízo e avaliação, Luengo (1982), reconhece
a funcionalidade do componente cognitivo dos valores, que capacita o homem a desenvolver o senso de
autocrítica sobre as suaspróprias atitudes. Nessa mesma perspectiva de auto-avaliação, Rokeach (1979), nos
assegura que os valores funcionam como critérios que o eu socializado amplia-se para avaliar a eficácia de si
mesmo, como um ser competente e um eu moral. Rokeach (1973)reconhece que a definição dos chamados
focos de valores de uma forma hierarquizada, pode atuar como um conjunto de regras ou princípios que servem
para definir as tomadas de decisões. Também para Rogers (1965), a direção que toma a pessoa que está carregada
de valores, está na linha de resolver seus próprios conflitos. Segundo ele, quando um ser humano é
interiormente livre para escolher o que valoriza profundamente, tende a valorizar aqueles objetos, experiências e
fins, que estão na linha da sua sobrevivência, crescimento e desenvolvimento e ao mesmo tempo na linha do
crescimento, desenvolvimento e sobrevivência dos outros”.
Função de Ajustamento
Baseado na escala de valores de Maslow (1959), consideramos que a consecução dos valores
apreendidos é caracterizado por um estado de extrema satisfação e com um sentido de auto-realização pessoal.
O ato terapêutico da culminação da consecução dos valores se desenvolve nesse sentido de relacionamento
com essas aquisição das metas queforam alcançados, enriquecendo o Self para satisfação com experiência
culminantes. Nesse contexto foi que, Andrés J. Consoli (1990), elaborou estudos sobre Valores e Psicoterapia,
questionando os novos conceitos de Valores livres, e exigindo um resgate da exploração dos Valores envolvidos
na prática empírica. E foi assim que promoveu uma recente pesquisa na Argentina, investigando diferentes
abordagens teóricas e suas influências sobre os sistemas de Valores na Sociedade, com objetivos de se
relacionar a teoria com a praticidade.
Em seu estudo, Consoli (1990), fundamenta alguns pressupostos básicos sobre a relação entre
valores e Saúde Mental, e mais uma vez questiona as condições de pesquisas , cujas conclusões tem se prendido
muitomais nos pontos de vista teórico, e não no ponto de vista empírico.Também introduzido por Vera (1995),
nesse contexto, certos valores desempenham uma função de ajuste ou utilidade, tais como a cortesia, o
autocontrole, o conforto material, o êxito, o prestígio, a lei e a ordem. Essa função serve para preparar o indivíduo
a viver de conformidade com a pressão e às exigências sociais, dando um sentido de conformidade social.Vera
(1995), argumenta que, em certas situações, os valores podem atuar como mecanismos de defesa, em casos
quando certas necessidades , sentimentos e condutas são socialmente inaceitáveis. Segundo o autor, os valores se
oferecem como conceitos já elaborados para facilitar essa conversão, sem grandes dificuldades.
Nesse aspecto, Vera (1995), dá especial destaque aos valores que desempenham essa função de
conhecimento e de auto-realização, a exemplo de sabedoria, sentido de complemento, consistência, independência,
competência etc. Entendemos que o componente cognitivo é quem determina essa função específica incrementado
por Veras, cujas idéias mais aprofundadas são argumentadas por Maslow (1954), em sua teoria da auto-
atualização.
Referência
TAVARES FILHO, Thomé E.Padrões de Valores e Expectativas de Futuro dos Menores Marginalizados em
Manaus.Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 2002.

111
Escala de Valores
Instruções:
Neste questionário você terá que perguntar-se: “Que valores são importantes para mim, como princípios que guiam minha vida e que valores
são menos importantes para mim?” Nas páginas seguintes, apresentamos duas (2) listas de valores. Estes valores foram obtidos em diferentes
culturas. Nos parenteses que se encontram, a continuação de cada valor há uma explicação que pode ajudar a compreender o significado desse
valor. Sua tarefa consiste em avaliar o quanto é importante cada valor para você, como princípio que guia sua própria vida. Para isso, utilize a
seguinte escala:
0: Significa que o valor não é importante; não é relevante como princípio guia para voçê.
3: Significa que o valor é importante.
6: Significa que o valor é muito importante.
3. Você pode observar que quanto mais alto é numero entre 0 e 6, mais importante é o valor como princípio que guia sua vida. Contudo, para
indicar situações extremas, utilize os números 1 e 7.
1: Significa que o valor é oposto aos princípios que lhe servem de guia.
7: Significa que o valor é de suprema importância como princípio que guia sua vida. Normalmente não há mais de dois valores deste
tipo (-1 e 7).
4. No espaço que antecede à cada valor escreva um dos 9 números (-1, 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7) para indicar a importância que este valor tem
para você pessoalmente. Trate de diferenciar o máximo possível entre os valores usando todos os números. Por hipótese você terá que usar
cada numero mais de uma vez.
COMO PRINCÍPIO QUE GUIA MINHA VIDA, este valor é:
Oposto a
meus
Valores
Nada
Importante
Importante Muito
Importante
Suprema
Importancia
-0 0 1 2 3 4 5 6 7
Antes de começar leia todos os valores da lista número um, escolha o que será mais importante para você, e indique no espaço
correspondente o seu grau de importância. Na continuação escolha o valor que será oposto a seus valores e marque com-1. Se
nenhum valor da lista é oposto em seus próprios valores, escolha o menos importante para você e marque com um 0 ou 1,
segundo sua importância. Logo, avalie o resto dos valores da lista número um até completar todos sem exceção.
Lista de Valores Finais
_____ IGUALDADE (igualdade de oportunidade para todos)
_____HARMONIA INTERIOR (estar em paz comigo mesmo)
_____ PODER SOCIAL (controle sobre os demais, domínios)
_____PRAZER (satisfação de desejos)
_____LIBERDADE (Liberdade de ação e pensamentos)
_____VIDA ESPIRITUAL( ênfase em questões espirituais, não em questões materiais)
_____SENTIDO DE PERTINÊNCIA(sentir que os outros se preucupam por mim)
_____ORDEM SOCIAL(estabilidade na sociedade)
_____UMA VIDA EXCITANTE(viver experiências estimulantes)
_____TER SENTIDO EM MINHA VIDA(possuir uma razão de viver)
_____BONS MODOS (cortesia, boas maneiras)
_____RIQUEZAS (possessão material, dinheiro)
_____SEGURANÇA NACIONAL ( proteção de minha nação contra inimigos)
_____AUTO-RESPEITO(crer nos meus próprios valores)
_____ RECIPROCIDADE DE FAVORES(evitar dever favores a outros)
_____CRIATIVIDADE (originalidade, imaginação)
_____UM MUNDO EM PAZ(livre de guerras e conflitos)
_____RESPEITO PELA TRADIÇÃO (conservar os costumes familiares e sociais ao longo dos tempos)
_____AMOR MADURO(profunda intimidade emocional e espiritual)
_____AUTO-DISCIPLINA(auto controle, resistir tentações)
_____DESAPEGO(de preucupações mundanas)
_____SEGURANÇA FAMILIAR(segurança para as pessoas amadas)
_____RECONHECIMENTO SOCIAL(receber respeito e aprovação dos outros)
_____UNIÃO COM A NATUREZA(integração com a natureza)
_____UMA VIDA VARIÁVEL(cheia de desafios, novidades e mudanças)
_____SABEDORIA(uma compreensão madura da vida)
_____AUTORIDADE(ter direito de dirigir)
_____AMIZADE VERDADEIRA( ter amigos próximos que me apoiem)
_____UM MUNDO DE BELEZA(valorizar a beleza da natureza e das artes)
_____JUSTIÇA SOCIAL(corrigir injustiças, cuidar dos debilitados)

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Lista de Valores Instrumentais
Orientações:
Agora avalie quanto importante é cada um dos valores seguintes como princípios que guiam sua própria vida.
Esses valores são expressados como modo de comportar-se que podem ser mais ou menos importantes para você.
Novamente, trate de diferenciar omáximo possível entre os valores, utilizando todos os números da escala.Antes
de começar, leia todos os valores da lista n.2, escolha os que são mais importante para você e indique o seu grau
de importância. A seguir, escolha o valor que será mais opostoa seus valores, ou se não existe tal valor, escolha o
menos importante e assinale-1 ou 1 segundo sua importância. Depois avalie o resto dos valores da lista no. 2, até
completar todos, sem exceção.
COMO PRINCÍPIO QUE GUIA MINHA VIDA, este valor é:
Oposto a
meus
Valores
Nada
Importante
Importante Muito
Importante
Suprema
Importância
-0 0 1 2 3 4 5 6 7
31._____SER INDEPENDENTE(não depender dos outros, ser auto suficiente)
32_____SER MODERADO(evitar sentimento e ações extremas)
33_____SER LEAL(ser fiel a meus amigos e a meu grupo)
34_____SER AMBICIOSO(ser um trabalhador incansável, com aspirações)
35_____SER TOLERANTE(respeitar diferentes idéias e crenças)
36_____SER HUMILDE(modesto)
37_____SER AUDACIOSO(buscar aventuras)
38_____PRESERVAR O MEIO AMBIENTE(preservar a natureza)
39_____SER INFLUENTE(influenciar nas pessoas e nos acontecimentos)
40_____HONRAR AOS PAIS E AOS MAIORES(mostrar respeito)
41_____ESCOLHER MINHAS PRÓPRIAS METAS(selecionar meus próprios objetivos)
42_____TER SAÚDE(não estar enfermo físico e mentalmente)
43_____SER CAPAZ(competente, efetivo, eficiente)
44_____ACEITAR A VIDA COMO É(aceitar as circunstâncias da vida)
45_____SER HONESTO (genuíno e sincero)
46_____PRESERVAR MINHA IMAGEM PÚBLICA(cuidar de meu prestígio diante dos outros)
47_____SER OBEDIENTE(cumprir com meus deveres e obrigações)
48_____SER INTELIGENTE(lógico, racional)
49_____AJUDAR(trabalhar pelo bem estar dos demais)
50_____GOZAR A VIDA(desfrutar de boa alimentação, sexo, ociosidade, prazer, etc.)
51_____SER DEVOTO(sustentar crenças e fé religiosa)
52_____SER RESPONSÁVEL(confiável)
53_____SER CURIOSO(estar interessado por tudo, explorar e investigar)
54_____NÃO SER RANCOROSO(estar disposto a perdoar aos demais)
55 ____SER OTIMISTA(alcançar metas)
56_____SER LIMPO(organizado, asseado).
Capítulo XIX
Piaget e a Teoria do Desenvolvimento Moral
O conceito de moralidade se relaciona basicamente com o componente
condutual da personalidade, pois para se conviver no contexto social, a exigência da
moralidade individual é fundamental para se manter a ordem, a disciplina, a segurança e a
organização da sociedade em vista do cumprimento de seus padrões convencionais socialmente
aceitáveis. A moralidade é tema que originalmente fora discutida através do pensamento
filosófico, em que a Ética apresenta um conjunto de regras, de normas e princípios de bons
costumes, etiquetados nominalmente por meio dos padrões sociais. A moralidade é uma
conduta qualitativa do caráter e pode se constituir em valor individual, e a sua prática sempre
foi instruída e incentivada por educadores nas mais diversas áreas institucionais. Ao analisar o
desenvolvimento cognitivo, Piaget (1976), classifica alguns estágios e nos quais se inclui
algumas características da conduta moral. A primeira etapa é conhecida como Moralidade
Heterogênea, em que as normas se percebem como realidades concretas advindas do mundo

113
adulto, em que se requer um respeito, uma conformidade e seus conteúdos condutuais
altruísticos. A segunda etapa é conhecida como Moralidade Autônoma e que acontece em torno
dos 11 ou 12 anos. Nessa fase de socialização, as regras e as normas são produtos do meio
social. Nessa fase o sujeito já possui um senso crítico capaz de perceber, de assimilar, de
analisar, de compreender e de julgar o sentido das normas e o papel que elas desempenham
em sua vida, independente de qualquer opinião ou interferência alheia. Na concepção de
Piaget, caso haja um desenvolvimento inadequado na primeira fase, na segunda etapa pode
haver aparição de problemas de adaptação social. Nessa mesma perspectiva Kohlberg
(1963,1964,1976), apresenta um modelo teórico do desenvolvimento moral, que em cada etapa
se apresentam com características qualitativamente diferentes, e evolutivamente mais
complexas e abstratas. Essas etapas estão hierarquicamente organizadas, dando ao sujeito uma
consciência plena de seus direitos, de seus deveres e de sua relação com outras pessoas.
Segundo Kohlberg, cada etapa é pré-requisito para a outra. O aperfeiçoamento
moral se dá de acordo com o nível de maturidade alcançado em cada etapa.Kohlberg estabelece
3 níveis de desenvolvimento moral, e nos quais se pode distinguir as suas etapas, cabendo duas
etapas em cada nível. O primeiro nível é conhecido como Pré-Convencional, em que as normas
são percebidas pelo sujeito no meio externo, quando os valores assimilados serão somente
aqueles que proporcionam o bem-estar, principalmente no estabelecer da interação interpessoal.
Esse nível revela a primeira etapa em que a conduta se caracteriza pela revelação do medo do
castigo. Na segunda etapa desse nível a preferência pelos valores instrumentais se tornam os
preferidos, pela necessidade de se obter uma gratificação imediata. Nesse aspecto, as normas
são aceitas na medida em que elas atendem aos interesses pessoais.
No nível Convencional, os interesses morais são de conformidade com o
contexto social. Nesse plano, a consciência cognitiva manterá o nível dos objetivos morais.
Nesse nível Convencional se manifesta a terceira etapa do desenvolvimento moral, em que a
interpretação dos valores se dá de conformidade com a mensuração de outrem na definição da
aprovação ou da reprovação, quando o sujeito procurará ajustar-se nas expectativas dos outros.
Na quarta etapa desse nível Convencional, os interesses morais se caracterizam pela ordem,
pela defesa institucional, pela organização e a disciplina, que representam os principais valores
dessa etapa maturacional.O nível Pós-Convencional, segundo Kohlberg, é o mais evoluído, e
que somente é alcançado por uma minoria de adultos, por considerar se como um nível
estabelecido e dirigido pôr um crivo de princípios altamente evoluídos. Esse é o nível da
maturidade plena em que se desenvolve o senso crítico de conjuntura social, em função dos
costumes, das regras, dosdireitos humanos, dos preceitos éticos e culturais. Nesse nível Pós-
Convencional se manifesta a quinta etapa do desenvolvimento moral, caracterizado pela ênfase
aos princípios legalistas, aos direitos individuais, a liberdade individual e a justiça social. E por
fim, nesse nível se desenvolve a sexta etapa, em que a moralidade prima pelos princípios éticos
com relação ao respeito, aos princípios éticos, a cidadania, a justiça, a igualdade e ao
ajustamento social. Afim de colocar em prática a sua postulação teórica, Kohlberg (1984),
elaborou um questionário com entrevistas de juízo moral, com um procedimento metodológico
apresentado por dilemas hipotéticos, em que a obediência à autoridade conflitua com as
necessidades ou bem-estar de outras pessoas. Essequestionário serve para mensurar o nível do
desenvolvimento moral, e tem sido muito aplicado na investigação da conduta delinquencial
(Fodor, 1973; Higgins e Albrecht (1977); Jurkovic e Prentice, 1974). No que tange ao
relacionamento da moralidade com aconduta delinquencial, Kohlberg argumenta que, a falta
de aperfeiçoamento moral nos estágios estabelecidos, e a preferencia pelos interesses pessoais
de bem-estar, são fatores que influenciam o desenvolvimento de uma conduta anti-social.As
teorias do desenvolvimento moral, apresentadas por Piaget e Kohlberg , enfatizam aspectos
sócio-cognitivo da natureza pessoal que incidem sobre a conduta anti-social. As investigações
que se sucedem na área da delinqüência juvenil conferem o baixo nível de conduta moraldos
delinqüentes, com justificativas de uma prática de socialização comprometida em termos dos

114
antecedentes familiares, onde o nível educativo é limitadíssimo e comprometido. Nas
postulações de Piaget (1976) e de Kohlberg (1984), se observa que os valores morais se
adquirem em convivência com o meio social em termos de assimilação e apreensão da cultura.
No contexto da marginalização social em que o processo da socialização não possibilita ao
indivíduo a ambientação propícia a aquisição dos valores, deduz-se que o desenvolvimento
moral é limitado, e a falta de aperfeiçoamento nas etapas evolutivas implica em
empobrecimento moral, o que possibilita o desvio social.
Referências
TAVARES FILHO, Thomé E.Padrões de Valores e Expectativas de Futuro dos menores
marginalizados em Manaus. Manaus, EDUA, 2002.
Capítulo XX
Erik Eriksson e o desenvolvimento Psicossocial
Erik Eriksson pertence a uma tradição psicanalítica, mas ele concentra sua atenção sobre o ego,
sobre o eu consciente, e ao invés dos impulsos einstintos inconscientes. Ele sempre esteve
mais interessado nas demandas culturais e sociais sobre a criança do que sobre o instinto
sexual. Eriksson se interessou em como a criança desenvolve seu senso de identidade.
Podemos descrever sua teoria considerando os seguintes pontos:
Durante o ciclo vital, cada individuo passa por uma série de períodos desenvolvimentais
distintos, onde há uma tarefa desenvolvimental específica a enfrentar. A tarefa central
de cada período é o desenvolvimento de uma qualidadedo ego específica, como a
confiança, autonomia ou intimidade.
Os períodos desenvolvimentais são parcialmente definidos pela sociedade na qual a
pessoa cresce. Um estágio pode começar com 6 anos em nossa cultura porque é com
essa idade que a criança vai para a Escola. Numa cultura na qual a escolarização
começa mais tarde, o momento da mudança desenvolvimental muda também.
Qualquer tarefa desenvolvimental que não pe completada com sucesso deixa um
resíduo que interfere na tarefa posterior. Na verdade, Eriksson considera que nenhuma
tarefa é totalmente completada. Há sempre um pedacinho inacabado. Mas o número e o
tamanho desses pedaços pode ser crítico pára a saúde posterior. Um adolescente que
não completa a tarefa de desenvolver sua identidade sexual e ocupacional, por exemplo,
terá dificuldade em encarar umna relação de intimidade aos 20 ou 25 anos. Nesta
proposição, Eriksson é muito semelhante a Freud, que também considerava que o
funcionamento adulto verdadeiramente maduro requeria a resolução bem sucedida de
todos os estágios anteriores.
A seguir, passamos a analisar cada um dos estágios psicossociais, segundo Eriksson,
consideradas como as oito (8) idades do homem:
Confiança básica versus desconfiança básica– do nascimento ao 1
o
ano de vida-
A primeira tarefa (ou crise) como Eriksson diz, ocorre durante o primeiro ano de vida (o
estágio Oral de Freud). O que está em jogo para a criança é o desenvolvimento de um sentido
de confiança básica na presibilidade do mundo e na sua habilidade de afetar os acontecimentos
ao seu redor. Eriksson acredita que o comportamento da pessoa que cuida primordialmente da
criança ( geralmente a mãe)m é crítico para a resolução bem sucedida desta crise pela criança.
As crianças que emergem do primeiro ano com um firme sentido de confiança são aquelas
cujos pais são amorosos e respondem previsível e prontamente à criança. A criança que
desenvolve um sentido de confiança irá para os outros relacionamentos humanos levando esse

115
sentido consigo; mas aqueles bebês que viveram um relacionamento com alguém oscilante
ou áspero, podem desenvolver a desconfiança; e eles também levarão consigo este sentimento
nas suas relações posteriores.
Autonomia versus Vergonha e Dúvida– 2-3 anos–
Eriksson considera que a maior mobilidade da criança é a principal mudança dessa época.
Agora ela pode andar por si própria e isso forma a base do sentido de independência ou
autonomia. Mas se os essforços de independência da criança não forem guiados
cuidadosamente pelos pais e ela experimentar repetidos fracassos ou ridículo, o resultado de
todas essas novas oportunidades de mobilidade e exploração pode ser a vergonha ou ridículo, o
resultado de todas essas novas oportunidades de mobilidade e exploração pode ser a vergonha e
a dúvida, ao invés de um sentido básico de autocontrole e valor próprio. Como o treino à
toalete ocorre durante esse período, ele pode criar dificuldades adicionais para os pais, pois há
nesta área tabus e mais oportunidades para o surgimento do fracasso e ridículo.
Iniciativa versus Culpa: 4-5 anos
Esta fase corresponde ao estágio fálico de Freud e ocorre em torno dos 4 ou 5 anos; Uma vez
mais, Eriksson mostra-se menos preocupado com o tipo de desenvolvimento sexual que
preocupava Freud , embora ele o admitisse, e mais interessadono impacto de novas habilidades
e capacidades da criança. Nesta idade, a criança é capaz de realizar algum planejamento, tomar
a iniciativa no atingimento de objetivos específicos. Tendo alcançado essas novas capacidades
cognitivas, a criança então as explorará e tentará conquistar o mundo ao seu redor. Ela tentará
andar sozinha pela rua; ela pode desmontar um brinquedo, descobrir depois que não consegue
reconstruí-lo e devolve-lo, em todas as suas partes para sua mãe. Esta [e uma época de ações
vigorosase de comportamentos que os pais podem considerar agressivos. O isco aqui é que a
criança pode ir excessivamente longe com sua força. Ela Poe quebrar um brinquedo favorito ou
machucar seu pai ou sua mãe. Quando isso acontece a criança pode ser invadida pela culpa. O
que os pais precisam fazer é ajudar a criança a voltar-se para coisas adequadas, dirigir toda sua
energia e iniciativa para atividades aceitáveis, de modo que a culpa seja minimizada.
Produtividade versus Inferioridade: 6-12 anos.
A escolarização é a maior força neste estágio. A criança enfrenta agora a necessidade de
conseguir aprovação através da produtividade, através da aprendizagem da leitura, escrita,
cálculos aritméticos e outras capacidades específicas. A tarefa desse período é, portanto,
desenvolve o repertório de habilidades sociais. O perigo óbvio é que por alguma razão a
criança possa ser incapaz de desenvolver as capacidades esperadas e desenvolva então um
sentimento de inferioridade.
Identidade versus Confusão de Papéis: 13-18 anos
A puberdade– o estágio genital de Freud, é a tarefa que faz com que o adolescente reexamine
sua identidade e os papéis que deverá ocupar.Eriksson sugere que estão envolvidas duas
identidades– a identidade sexual e a identidade ocupacional. O que deve emergir desse período
é um senso de integridade do eu, do que se deseja ser ou fazer, e um papel sexual adequado. O
risco é o da confusão, proveniente da profusão de papéis à frente do adolescente.
Intimidade versus Isolamento: 19-25 anos.
Este é o primeirodos três (3) estágios adultos. O foco central desse período é a necessidade de
intimidade, de unir a própria identidade com a de outrem. Isso só é possível se você já definiu
um firme sentido de identidade. Se sua identidade básica não for suficientemente forte para
suportar a intimidade real, então pode surgir um sentimento de isolamento.

116
Generatividade versus Estagnação: 26-40 anos
Eriksson considera que nesta idade, a maturidade e intimidade sexual com um parceiro não é
suficiente. Cada adulto também sente uma necessidade de gerar em algum sentido, de ter e criar
crianças, criar algo útil num trabalho, treinar os outros, produzir trabalhos artísticos, ou
qualquer outra coisa. Qualquer adulto que não seja bem sucedido em algum dos aspectos da
generatividade pode viver um sentimento de estagnação. E é exatamente o sentimento de
estagnação– “o que eu fiz com minha vida?”– o que está no núcleo da crise da meia idade nos
40 anos.
Integridade do Ego versus Desesperança: 41 anos em diante...
O último passo é reunir tudo, é aceitar o que você é, o que tem feito e o que pode fazer.
Eriksson considera que para alcançar uma identidade real do ego, você deve ter sido
razoavelmente bem sucedido nas sete crises anteriores. Se você não foi, se deixou muitas coisas
por resolver, você provavelmente experimentará o desespero, rancor e desesperança em seus
últimos anos de vida.
TAVARES FILHO, Thomé E.Fundamentos da Educação Inclusiva.Manaus, EDUA, 2002.
Capítulo XXI
Considerações Finais
As concepções da natureza humana, aqui apresentadas pelos autores que
consideramos como os principais precurssores da Psicologia Fenomenológica, otimizam
a natureza humana, facilitando o entendimento entre o cliente e o terapêutica,
considerando o potencial inato, latente e manifesto dos fenômenos inerentes de cada
pessoa, e que servem como ferramentas para a auto-realizações.
Nessa perspectiva, o terapeuta atua como mediador, facilitador da produção dos
insights, conscientizando aqueles que por determinados momentos passam pela crise,
considerada como um rito de passagem para a superação, e como um continuum, a
tendência natural da pessoa é sempre em direção ao crescimento, à socialização sadia, ao
ajustamento intra e interpessoal, e à autonomia social.
Num mundo em crise, em que as pessoas perderam o senso de sua própria
identidade e self, quando as tensões psicossociais criam um ambiente dessolador, a
Terapia Fenomenológica Existencial, surge como uma ferramenta poderosa para
recrudescer nas pessoas a sua auto-estima, facilita o equilíbrio emocional, e por fim,
promove a saúde mental, levando em conta a possibilidade real das pessoas superarem
seus limites.

117
Capítulo XXII
Referências
Referência Básica
FEIJOO, A. M.A escuta e a fala em psicoterapia:uma proposta fenomenológico-existencial.
São Paulo: Vetor, 2000.
FORGHIERI, Yolanda Cintrão.Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, Métodos e
Pesquisa.São Paulo: Pioneira, 2004.
ANGERAMI-CAMON, V. A.Psicoterapia fenomenológico-existencial.São Paulo: Pioneira,
2002.
Referência Suplementar
FEIJOO, A. M.A escuta e a fala em psicoterapia:uma proposta fenomenológico-existencial.
São Paulo: Vetor, 2000.
FORGHIERI, Yolanda Cintrão.Psicologia Fenomenológica. Fundamentos, Métodos e
Pesquisa.São Paulo: Pioneira, 2004.
ANGERAMI-CAMON, V. A.Psicoterapia fenomenológico-existencial.São Paulo: Pioneira,
2002.