capacidade de agir bem. “Não há nada mais belo e mais legítimo do que o homem agir
bem e devidamente”, dizia Montaigne. É a própria virtude.
Isso, que os gregos nos ensinaram, que Montaigne nos ensinou, também pode ser lido
em Spinoza: “Por virtude e poder entendo a mesma coisa, isto é, a virtude, enquanto se
refere ao homem, é a própria essência ou a natureza do homem enquanto ele tem o
poder de fazer certas coisas que se podem conhecer apenas pelas leis de sua natureza”;
ou, eu acrescentaria, de sua história (mas esta, para Spinoza, faz parte daquela).
Virtude, no sentido geral, é poder; no sentido particular, poder humano ou poder de
humanidade. É o que também chamamos as virtudes morais, que fazem um homem
parecer mais humano ou mais excelente, como dizia Montaigne, do que outro, e sem as
quais, como dizia Spinoza, seríamos a justo título qualificados de inumanos. Isso supõe
um desejo de humanidade, desejo evidentemente histórico (não há virtude natural), sem
o qual qualquer moral seria impossível. Trata-se de não ser indigno do que a humanidade
fez de si, e de nós.
A virtude, repete-se desde Aristóteles, é uma disposição adquirida de fazer o bem. É
preciso dizer mais, porém: ela é o próprio bem, em espírito e em verdade. Não o Bem
absoluto, não o Bem em si, que bastaria conhecer ou aplicar. O bem não é para se
contemplar, é para se fazer. Assim é a virtude: é o esforço para se portar bem, que
define o bem nesse próprio esforço. Isso levanta certo número de problemas teóricos,
que tratei em outra parte. Este livro pretende ser, inteiro, de moral prática, isto é, de
moral. A virtude ou, antes, as virtudes (pois há várias, visto que não se poderia reduzir
todas elas a uma só, nem se contentar com uma delas) são nossos valores morais, se
quiserem, mas encarnados, tanto quanto quisermos, mas vividos, mas em ato. Sempre
singulares, como cada um de nós, sempre plurais, como as fraquezas que elas combatem
ou corrigem. São essas virtudes que tomei aqui como objeto. Se bem que minha
intenção não fosse evocar todas elas, nem esgotar qualquer uma delas. Quis apenas
indicar, para as que me pareciam as mais importantes, o que elas são, ou o que
deveriam ser, e o que as torna sempre necessárias e sempre difíceis. Daí esse tratado,
de que o título bem indica a ambição, quanto a seu objeto, e os limites, quanto a seu
conteúdo.
Como procedi? Perguntei-me quais eram as disposições de coração, natureza ou caráter
cuja presença, num indivíduo, aumentava a estima moral que eu tinha por ele e cuja
ausência, ao contrário, a diminuía. Isso proporcionou uma lista de cerca de trinta
virtudes. Eliminei as que poderiam ser redundantes em relação a alguma outra (por
exemplo, bondade e generosidade, ou honestidade e justiça) e, em geral, todas as que
não me pareceu indispensável tratar. Restaram dezoito, isto é, muito mais do que eu
pensara de início, mas não consegui suprimir mais. Tive, por isso, de ser mais breve em
relação a cada uma, e essa necessidade, que fazia parte de meu projeto, não cessou de
governar sua realização. Este livro se dirige ao grande público. Os filósofos profissionais
podem lê-lo, contanto que não busquem nele nem erudição, nem exaustividade.
O fato de este conjunto começar pela polidez, que ainda não é moral, e terminar pelo
amor, que não o é mais, obviamente é deliberado. Quanto ao resto, a ordem escolhida,
sem ser absolutamente contingente, deve mais a uma espécie de intuição ou exigência,
ora pedagógica, ora ética ou estética, do que a alguma vontade dedutiva ou
hierarquizante. Um tratado das virtudes, sobretudo pequeno como este, não é um
sistema da moral, é moral aplicada, mais do que teórica, e viva, na medida do possível,
mais do que especulativa. Mas o que há de mais importante na moral do que a aplicação
e a vida?
Citei muito, como sempre, e demais. É que eu queria fazer uma obra útil, mais do que
elegante. A mesma razão me obrigava a dar todas as referências, ainda que para tanto
tivesse de multiplicar as notas de rodapé. Ninguém é obrigado a lê-las – aliás, a princípio
é melhor mesmo não se preocupar com elas. São feitas não para a leitura, mas para o
estudo, não para os leitores, mas para os estudantes, quaisquer que sejam sua idade e
sua profissão. Quanto ao fundamento, não quis fingir inventar o que a tradição me
oferecia, quando eu não fazia mais que retomá-lo. Não que eu não tenha dito nada de