Recanto das letras carol

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About This Presentation

Os Versos que um amiga me deu pra guardar e claro - só os ue el pediu hj el já tem mais.


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CAROL
RECANTO DAS LETRAS

Acrósticos ( 03)
Amigos
Amigos
Multiplicam os sorrisos
Iluminam o caminho
Grandes mestres a ensinar
O valor do carinho e do amor
Sem amigos, a vida é como uma casa sem janelas...
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 11/12/2006
Código do texto: T315138
Doce melodia do mundo
DOce melodia do mundo
REstabelece a alma partida
MIlagre criativo do homem
FAz a pele arrepiar, o corpo estremecer
SOLta as amarras do ser
LÁgrimas rolam pelas cascatas do sonho
SInal divino da transformação, pela
DOce melodia do mundo...
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 03/04/2006
Código do texto: T133015
Poesia
Poesia, sensibilidade e emoção desenhada no papel
Obra-prima do homem, Deus da palavra
Expressando vida, forma mais pura da criação
Suaviza os corações dos homens apaixonados
Inspira paixões...
Abranda a vida

***

Sinônimo de poeta, para mim, é Mario Quintana. Foi este velhinho [na época em que o
conheci era um velhinho lindo, de cabelos brancos] que me fez amar com tanta força esta
arte. Quando era adolescente e me perguntavam quem era meu ídolo, respondia: Mário
Quintana [aposto como imaginaram a cara do meu interlocutor... em que banda ele toca?!

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Hahahaha]. Era, sim, meu ídolo, e ainda é, pois foi ele quem me fez chorar pela primeira
vez ao ler uma poesia. Foi na morte dele que chorei, pela primeira vez, por alguém que não
conhecia pessoalmente, mas que, ao mesmo tempo, tanto conhecia de sua alma.
Por isso hoje, no dia da poesia, desejo homenagear este e todos os poetas que sonham,
amam, vivem e escrevem a vida. Continuem criando emoções e encantando o mundo com
sua arte! Muita sorte!
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 14/03/2006
Código do texto: T123021


CARTAS (02)
Perdão!
Perdão!
Por nunca ter acreditado em nada além da matéria...
Por ter ignorado os diversos avisos que os que me amam tentaram, em vão, me alertar.
Agora, encaro a verdade, da forma mais infeliz e triste possível, pois um sentimento de
impotëncia e destruição invadem meu ser. Tive oportunidade de melhorar tendências e
vícios numa encarnação cercada de afeto e amor, os quais, mesmo após meu desencarne,
presentes ainda se mostram, e as vibrações plasmam força e acalentam o medo e essa
frustração.
Hoje, percebo quão afortunada fui e sou. E peço perdão pela cegueira da alma, agradecendo
tanto amor e pedindo uma nova chance de burilamento da minha alma e coração.
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 17/12/2006
Código do texto: T321175
Carta de um pai
Meu filho,
Não vi te tornares homem!
Não vi teus primeiros passos, tuas primeiras palavras, teus primeiros machucados...
Não pude auxiliar com teus deveres na escola, tampouco pude estender meu ombro quando
a vida foi dura e amarga contigo.
Não pude expressar o meu amor e nem a vergonha de não ter tido coragem de assumir
minhas responsabilidades. Vergonha por não ter sido homem, ser humano, quando chegada
a hora de me posicionar... simplesmente parti.
Vergonha de não ter sido pai para ti. E o arrependimento mostrou-se a mim todos os dias da
minha existência, através de lágrimas e amargura.
Hoje, só o que peço, se é que algo me é permitido pedir, é o perdão.
Perdão! Por todas as vezes que faltei na tua vida, por todos os sentimentos que não pude
demonstrar e também por aqueles que não tive.
E quando, finalmente, puderes me perdoar, serás também melhor pessoa, e melhor pai.
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 09/04/2006
Código do texto: T136098

3
Carta para meu eu do passado
Se você pudesse receber essa carta que lhe escrevo agora, provavelmente ela não existiria...
pois você teria vivido plenamente... deixo claro, porém, que não me arrependo do que fiz,
somente acho que poderia ter feito mais...

Aproveite melhor a sua infância, pois quando crescemos adquirimos, a cada dia, mais e
mais responsabilidades, o tempo parece que passa mais ligeiro, a cada dia você terá menos
lazer e prazer e muito mais trabalho e problemas. As pessoas não farão amizades tão
facilmente quanto as crianças. Será muito mais difícil explicar seus sentimentos e expô-
los... quase impossível... Irão taxá-la de idiota se você simplesmente quiser abraçar alguém.
Se quiser pedir algo emprestado, deverá dar uma explicação completa. E quando quiser dar
sua opinião, não poderá ser espontânea, deverá utilizar máscaras, pois o homem adulto não
está preparado para a verdade. A verdade lhe dói mais do que cortes, machucados. E não
fazer seus deveres implicará em muito mais do que castigos...

Aproveite mais a adolescência, pois rebeldia depois dos 18 não é mais admissível. Namorar
vai ficar mais difícil e trará conseqüências insuportáveis se você for intransigente...
Aproveite agora para gritar os seus direitos, pois quando virar adulta, haverá muita
burocracia, e você acabará tendo que apelar para o tribunal... Aproveite para telefonar para
seus amigos, pois quando eles também estiverem grandes como você, ninguém terá mais
tempo de falar e contar as novidades ao telefone, mal e mal deixarão uma mensagem
enviada por computador.

Saia mais, tenha mais amigos, mais namorados, não seja tão tímida – a timidez faz com que
você perca preciosas oportunidades de fazer amigos e conhecer pessoas que farão diferença
na sua vida. Leia mais livros, pois agora você não tem mais tanto tempo livre para eles, e
muitas vezes, saber sobre algum assunto faz falta pra você.

Não sonhe tanto com o futuro, viva mais o presente, pois um dia você irá lembrar quantas
coisas você poderia ter feito e não fez.

Viaje mais e curta mais os lugares por onde passa... Não fique com vergonha de você
mesma, pois é mais inteligente do que imagina e tem mais capacidade do que desejava ter...
um dia você olhará para trás e verá que sempre conseguiu tudo o que queria.

Pense melhor antes de tomar decisões e utilize mais a razão do que o coração.

Tenha mais voz ativa quando estiver num relacionamento, pois tem tendência a se anular...

É impossível voltar atrás, espero que tenha compreendido meus conselhos, faça mais por
você no presente... viva melhor e faça mais do que ter uma simples e ordinária vida.

Escrevo esta carta, para lembrar, que é sempre tempo de recomeçar...
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 05/04/2006
Código do texto: T134096


Contos ( 05)

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O Cortejo
Sofia acordou feliz... conseguira pular da cama cedo, conforme programado em seu
“relógio mental”. Não era sempre que conseguia cumprir sua meta... sua vida era
definitivamente “toda torta”, como ela costumava definir, pois tinha uma vida com muitas
facetas, era mãe e pai, tinha um emprego em tempo integral em uma repartição pública,
fazia trabalhos extras para “engordar” o orçamento apertado, e ainda possuía uma mente
muito criativa, que não a deixava parada... fazia com que ela se consumisse criando...
escrevendo, principalmente. Por todos esses motivos, quase não dormia, ou dormia muito
pouco.

Mas hoje seu dia renderia muito, pois acordando no horário, conseguiria aproveitar seus
momentos mais preciosos, que eram os passados com sua filha, com seus amigos, ou
mesmo fazendo pequenas tarefas do dia, como tomar um banho ou sentir o vento bater em
seus cabelos. E o dia começou bem humorado, conforme o estado de espírito do primeiro
raio da manhã.

Após levar sua filha na escola, foi para a academia, e mal havia começado a andar na
esteira, viu passar um cortejo. “Alguém muito importante deve ter falecido”, pensou. Eram
carros muito bonitos, com flores e coroas muito caras e coloridas, podia ver que as pessoas
dentro dos carros estavam em trajes muito elegantes também.

A imaginação de Sofia iniciou uma nova exploração em seus sentidos... começando a
ponderar o sentido daquele cortejo... Qual seria o sentido de todas aquelas flores, de toda
aquela gente reunida... só pra dizer Adeus?

Imaginou o valor de cada coroa de flores, o valor também de cada presença ali, pois pelos
carros, poder-se-ia imaginar que eram pessoas muito, muito ocupadas, que provavelmente,
não tinham tempo de se reunir em uma ocasião “normal”.

E o que Sofia gostaria para seu próprio cortejo? Ela tinha ficado tão absorta em suas
elucubrações, que tinha se esquecido de que estava andando na esteira já fazia mais de meia
hora. O suor pingava em seu rosto, mas ela nem se detinha a esses meros “expectadores” de
seus pensamentos.

Nessa orgasmia mental em que se encontrava, perguntas e respostas vieram à sua mente:
“Qual é o objetivo em ter meus amigos velando meu corpo a noite inteira, se o que mais
quero é tê-los comigo durante minha vida, nas minhas horas de aflição, quando mais
preciso de um ombro para chorar, nas minhas horas de vitória, quando preciso de
companhia para celebrar, nos momentos de decepção, quando preciso de uma mão amiga e
de uma palavra de consolação, quando estiver perdida nos labirintos da vida ou
descaminhos, precisando de alguém que me puxe à realidade, quando estiver aflita, alguém
que me dê uma notícia, enfim... preciso de amigos para me velarem a vida!”

“Qual é o objetivo de ter meus amigos comprando coroas de flores com mensagens
bonitas? Quero que meus amigos me mandem mensagens por e-mail, por carta, no Natal,
na Páscoa, no meu Aniversário, ou mesmo um recado, só para dizer olá... para lembrarem-
me de que tenho amigos próximos, distantes, que mesmo que não estejam presentes no meu
dia-a-dia, estão pertos do meu coração. Presentes da minha alma. São relíquias. E ao invés
de comprarem coroas de flores, que se esvairão no cemitério, junto aos corpos mortos de
tantas idas vidas... plantem em seu jardim, ou num vaso bem à vista, uma flor bem colorida,
e todos os dias, ao vê-la ou regá-la, olhe bem pra ela e diga: Essa flor foi plantada pra
minha amiga Sofia... assim, ao mesmo tempo em que lembram de mim, é como se me

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mandassem um beijo, no pensamento de um beija-flor.”

“Qual o objetivo de deixarem seus trabalhos para saírem em seus carros em um cortejo até
o meu enterro? Prefiro, ao invés disso... que ainda em vida, separem um tempo para me ver,
visitar-me, ou mesmo combinarmos uma saída alegre, cheia de bate-papo e bebida, para
rirmos à vontade, contarmos causos de vida, piadas, falarmos de alheia vida... ou mesmo de
nossos problemas, passado e planos para o futuro... o que importa, é estarmos juntos. Pois
de que adianta, em meu funeral, olharem meu inerte corpo, já sem vida? Já não serei mais
eu, será pedaço de carne, osso e fluidos migrantes... minha alma lá já não mais estará,
portanto, meus amigos, aproveitem que cá neste mundo ainda estamos, e vamos nos reunir
em cortejo à vida!”

“E se um dia, eu vier a deixar este mundo, e numa cova qualquer de algum cemitério
estiver meu corpo inerte enterrado, e num dia comum ou especial vocês tiverem a intenção
de deixar-me um agrado... primeiro retornem aqui e leiam este recado: „Vá à livraria mais
próxima e compre um livro ao seu bem amado. Faça uma dedicatória, colocando nela toda
sua alma. Feche-a assim: Um dia, uma poeta escreveu que é preciso amar a vida. Não
escreveu nenhuma novidade. A única novidade é que ela colocou em prática o que dizia.
Poderás colocar um EU TE AMO também, caso o queiras, pois sempre é muito bom dizer
isso a quem amamos...‟”

Sofia sorriu, satisfeita. Estava pronto seu réquiem! Olhou para a esteira, havia andado uma
hora, sem ao menos perceber... uma poça de suor e de alívio em ver que sabia do que é feita
a vida ali resplandecia. Alongou-se, com o corpo em maresia.

Um verdadeiro poeta é aquele que vive sua própria poesia, pensou. E a partir daquele dia,
sempre que sabe da morte de alguém, conhecido ou desconhecido, compra um livro, e o
oferta a alguém que ama. Sempre que sente saudades de alguém que já se foi, telefona para
apaziguar a saudade de alguém que ainda está vivo. Pois, para Sofia, a vida é para ser
vivida no presente, aproveitando cada momento com as pessoas que ainda fazem parte da
nossa existência e dos que se foram, restam as lembranças dos momentos felizes, que os
mantêm eternos na memória.
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 26/04/2007
Código do texto: T464480
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Muitas vidas
Marco ficou na ponta dos pés. Apesar de estar maior do que no mês anterior (sua mãe vive
dizendo que cresce feito batatinha...), não conseguia enxergar através da janelinha da porta.
Olhou pra trás, e, como não via ninguém, adentrou o quarto onde seu avô, já muito pálido
“pela falta de sol”, como explicava. Estava recostado, lendo.

Seu Savassi olhou por cima dos óculos, e foi como se o sol se abrisse num dia nublado...
seu sorriso expressou sua alegria ao ver seu neto tão amado. “Já é quase um homem”,
pensou.

O filho de sua única filha se aproximou e, como sempre fazia desde pequeno, beijou-lhe a
testa.

A conversa entre eles, apesar da tamanha diferença de idade, fluía. Sempre tinham muito a

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dizer e contar um ao outro. Eram bons amigos. E dessa vez não foi diferente: Marco queria
saber como seu avô conhecia tantos lugares e sabia tantas coisas do mundo...

Foi então que seu Savassi contou-lhe que, durante muitos anos, vivera em países distantes,
conhecendo lugares surpreendentes e línguas e culturas maravilhosas...

Sua primeira paixão, a França. Contou-lhe sobre Paris, seu cafés, suas gente. Depois,
discorreu sobre o Egito, com suas pirâmides, seus monumentos e toda a história e os
mistérios contidos lá. Falou sobre a Inglaterra, a Índia, e muitos outros países com riqueza
de detalhes. Mencionou as comidas, os cheiros, as artes, a música, as enebriantes sensações.

Em sua imaginação, Marco fez uma rápida viagem, na qual visualizava cada ponto
turístico, imaginava as pessoas, os costumes, as diferentes línguas...

Estava admirado. Sabia que seu avô tinha muita cultura, mas também sabia da situação
financeira da família. Como seu avô poderia ter ido a tantos lugares? Conhecer tantas
línguas? Ter experimentado tantas comidas diferentes? E por que nunca lhe contara nada?
Nem vovó e mamãe! Por que nunca comentaram nada com ele?

Ele precisaria de muitas vidas para tudo isso, concluiu.

Vendo o questionamento no olhar de seu neto, Savassi pousou um olhar pensativo no
horizonte e, como se estivesse recordando bons momentos, disse-lhe:

- Venha cá, meu filho. Quero dar as passagens para que você possa também conhecer tantos
lugares. Está naquele canto. Vá até lá e pegue.

Marco não pode conter a ansiedade e correu ao local indicado pelo avô, chegando a uma
pilha de livros. Os títulos, os mais variados: “Conheça Paris”, “Viaje à Europa sem sair do
lugar”, “Mistérios do Taj Mahal”,...

Marco compreendeu. Virou-se para seu avô. Queria agradecer-lhe... mas este já havia
partido para sua última viagem...
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 17/05/2006
Código do texto: T157981
Um raio de sol
Nem sempre temos noção do significado das pequenas coisas da vida. Atos, palavras,
pensamentos que transformam o universo. Posturas ante situações que, se pensadas,
refletem mais do que gostaríamos de mostrar de nós mesmos...

A reflexão que se faz ao caminhar pode ser considerada uma das melhores terapias,
verdadeira meditação do dia-a-dia.

Ana passava pelas pessoas, pelos lugares, muitas vezes sem os notar, submersa em
pensamentos. Mas havia uma pessoa, que ela sempre notava. Um velho, mendigo, sentado
no chão, ao lado de sua cadeira de rodas. Tinha um olhar tranqüilo e um meio-riso
constante, os quais tornavam seu semblante um tanto curioso.

Duas vezes por semana atravessava aquela praça e, ao passar pelo velhinho, sorria. Dava
um daqueles seus sorrisos mais bonitos. E ia-se embora.

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Podia chover, que lá estava ele, com a mesma expressão fagueira e amistosa. E, muitas
vezes, Ana sentia-se mal por não ter nada a oferecer ao tão sofrido senhor.

Certa vez, estava muito apressada e, como um temporal se anunciava, decidiu correr até seu
destino... porém, ao passar pela praça, notou a ausência de algo. Parou, olhou ao redor, e
notou que aquele bondoso e necessitado senhor não estava ali.

Deu de ombros, “deve ter ido se esconder da chuva”, continuou sua corrida.

Passou-se uma semana e a ausência dele a inquietava. Após vários dias úmidos e frios, Ana
avista-o de longe.

Desta vez, além do costumeiro sorriso Ana pergunta-lhe a razão do desaparecimento. Este a
responde com outro sorriso e depois completa: “Estava muito adoentado. Pneumonia.
Quase não agüentei desta vez. Mas eu tinha uma razão muito forte para melhorar e voltar
para cá”.

“E qual seria uma razão muito forte para alguém desejar voltar para as ruas, para
mendigar?!”, pensou Ana, atônita. E arriscou perguntar:

“E que razão foi essa?”

“Não poderia morrer sem nunca mais ver o teu sorriso”...

Os olhos de Ana encheram-se de lágrimas, e seu coração parecia que ia pular pela boca...
“Como um estranho poderia dar tanto valor ao seu sorriso? Como um homem,
aparentemente rude e ignorante, poderia ter tamanha sensibilidade?” Às vezes ela se achava
meio boba, pois sorria para todos, inclusive desconhecidos... adorava sorrir para as
crianças, pois estas, com a inclusão de alguns velhinhos, as únicas a rebaterem com outro.

Depois deste dia, Ana nunca mais o viu, mas a memória dele ainda vive em seu coração,
principalmente por ter-lhe mostrado o valor de pequenos gestos, como o sorriso, que pode
ser o único raio de sol na vida de um ser, que só quer ser humano...
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 28/04/2006
Código do texto: T146716
Ciranda da vida
Roberto acordou, sua cabeça doía. Olhou ao redor, buscou o marcador do relógio. Deu um
salto! “Meu Deus! Perdi a hora!” Levantou-se, bufando, e entrou no chuveiro de pijamas
mesmo. Sabia que não podia demorar mais, tinha uma reunião importante.

Cinco minutos, terminou o banho. “Cadê minha toalha?” Chamou sua mulher. Nada. Gritou
pela toalha. O silêncio continuava. “Puta merda!” Foi buscar a toalha, batendo os pés e
esbravejando.

Passou pela cozinha antes de sair, queria tomar um café. Mas... “onde está Marianna? Cadê
o cheirinho gostoso de café que emanava pela casa todos os dias? E o pão quentinho recém
buscado da padaria?”

“Deixa pra lá... estou com pressa”.

8

No caminho pro trabalho, lembrou-se de sua vida quando pequeno. Morava no interior, não
tinha nada, não era nada. Resolveu tentar a vida na cidade grande. Foi quando conheceu
Marianna.

Ela apareceu-lhe primeiramente em sonhos. Depois, em carne e osso. Parecia uma visão
angelical... suave, serena, inteligente. Tudo o que sempre desejara em uma mulher. Perfeita.
Perguntava-se como poderia tê-lo amado à primeira vista... Mas amou. E era sua mulher.

Pensava nas artimanhas que criou para mantê-la junto dele. Lembrou-se de todas as vezes
que quis dizer-lhe que a amava, que ela era a mulher da sua vida, mas não sabia por quê
nunca conseguia. A palavra engasgava. Trancava-lhe a garganta.

Por causa disso, plasmou uma barreira em torno de si. Foi aí que começou a perdê-la... Mas
ele não sabia disso. Não queria saber.

Agora se perguntava por que estaria a pensar nisso. Logo hoje, que estava atrasado.
Precisava se concentrar. Afinal, tinha uma reunião importante.

Marianna não havia lhe deixado bilhete. “O silêncio dirá tudo, pois no silêncio, cabe tudo.
E nada”.

Quando voltou pra casa, transtornado pela reunião que não fora muito bem sucedida,
pensou nos braços de Marianna, naquele abraço que tirava toda sua inquietação, naquela
boca que beijava a sua como se fosse a primeira vez.

Mas Marianna não estava lá. Não havia cheiro de janta. Não havia seu perfume no ar.
Tampouco suas palavras de amor.

O chão continuava manchado da água do banho da manhã. As flores estavam meio
desmaiadas pelo calor e abafamento do apartamento. Marianna não estivera ali, constatou.
“Será que arrumou um amante”?, perguntou-se.

A noite chegava e ele, sem notícias. Telefonou para o celular dela, mas o aparelho estava
desligado. Ligou para amigos, nenhuma notícia. Encontrou o número de uma colega de
trabalho e teve que sentar para conseguir digerir a notícia: “Marianna pediu demissão
ontem pela manhã. Você não sabia?”

Roberto nem se despediu. Desligou o telefone e deixou-se ficar inerte, perdido em seus
pensamentos. Refez os últimos passos da esposa. Lembrou-se do abraço e do silêncio da
noite anterior.

“Marianna foi embora. Perdi seu amor, como ela havia me avisado.”

Por um momento, Roberto sentiu alívio. Não precisaria mais demonstrar força, poder. Não
precisaria mais procurar as fraquezas na mulher para diminuir sua auto-estima. Não
precisaria mais buscar motivos para mostrar-lhe que só ele poderia amá-la na vida.

Mas os dias se passaram, as roupas acumulavam no banheiro, estava definhando.

Porém, do que mais sentia falta era o perfume que Marianna deixava ao passar. Sua
inteligência e habilidade em resolver problemas. A forma como ficava brava, com um leve
tom róseo em suas bochechas. Sua indignação com a injustiça do mundo.

9

Não imaginava quão arrebatador era seu amor por aquela mulher.

Tentou buscar apoio nos amigos. Na boemia. Em outras mulheres. Nada preenchia o vazio
do seu ser.

Já havia perdido vinte quilos. Já havia perdido a noção de tempo. Via Marianna em todas as
mulheres, mas também não a via em nenhuma.

Entrou em desespero. Como continuaria a levar sua vida agora? Que detalhe havia perdido?
Como não havia percebido o que estava a acontecer?

Só Marianna sabia a resposta.

Deitou-se na cama. Aquela mesma cama onde ainda havia resquícios do cheiro de sua
amada. Aquela mesma cama onde dividiram, um dia, um amor incontido, inacabável,
insaciável. Esperaria, ali mesmo, a resposta.

Mas ela não veio...

Em seu enterro, somente o padre e seu cachorro.
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 27/04/2006
Código do texto: T146489
A Desiludida
Entrou correndo e se jogou no sofá. Já não podia mais agüentar tanta inquietação em seu
coração. “O que posso fazer?”, pensou. Sua mente estava um turbilhão. Não conseguia
mais manter a calma... prolongar a decisão não adiantaria mais. Ficou ali, inerte, olhando
para o nada.

Marianna tinha sonhos. Casou-se pensando que havia encontrado o amor de sua vida. Amar
era, para ela, a entrega total e irrestrita da vida, a divisão de sonhos, alimento da alma.

Desde pequena sonhara em construir uma família, ter filhos, envelhecer ao lado do homem
da sua vida... e agora, via todos seus sonhos desmoronarem e ela nada podia fazer para
evitar que acontecesse o inevitável.

Como algo tão bonito poderia ter se desgastado tanto? Em que ponto da vida conjugal
perderam o respeito mútuo?

Esperou que ele chegasse. Deu-lhe um longo abraço. “O último”, pensou. Roberto nem
olhou para ela, queria mesmo era se alimentar e dormir. “Porco nojento”. Havia dias em
que Beto só lhe dava atenção quando queria sexo, fazia rapidamente o que queria, virava
pro lado e dormia. Marianna se irritava. Já não era a mesma. Não se reconhecia como a
pessoa doce e suave que sempre fora.

Esperou Beto dormir. Pegou suas coisas que já estavam arrumadas em dois sacos de lixo,
junto à porta, deu uma última olhada para seu passado. Virou. Respirou fundo.

Quando chegou na portaria, viu que o porteiro dormia. “Que bom”, pensou. Não haverá
testemunhas. Quando pôs o pé para fora, sentiu um alívio tão grande... parecia que renascia.

10
O cheiro da noite adentrou suas narinas, como se fosse o primeiro sopro de vida.

Começou a andar apressada, como quem queria recuperar cada segundo de vida perdido.
Na rua, não havia viv‟alma. Apenas uns gatos passeavam sobre os telhados das velhas casas
desbotadas pelo tempo. Assim se sentia Marianna, desbotada. Descolorida. Sem vida. “Mas
isso vai mudar”, um sorriso apareceu em seus lábios. Apertou o passo.

Chegou na rodoviária. O próximo ônibus sairia em trinta minutos. “Pra quê escolher o
destino? O destino nos escolhe”. Comprou uma passagem, “na janela, para ver a
paisagem”. Entrou no ônibus, sem nem ao menos ler o destino daquele velho ônibus, que
mais parecia uma carroça velha. Na bagagem, roupas, alguns acessórios e muitos sonhos
trancafiados por anos a fio.

Apesar do excitamento, estava tão cansada que não conseguiu esperar que o ônibus pegasse
a estrada, caiu num sono profundo. Acordou com alguém cutucando seu ombro. “Ei, moça,
já chegamos!”

Atordoada, Marianna olha ao redor, esfrega os olhos que teimavam não fixar as imagens...
Nesse momento, um arrepio percorre cada milímetro do seu corpo.

“Mãe!”, grita.

“Como você sabia que eu chegaria? Peguei um ônibus qualquer, e...”

“Filha! Eu sabia que esse dia chegaria...”

“Mas, como?!?”

“Desde que fostes embora, venho todos os dias aqui, na esperança de te reencontrar. Já
ganhei o apelido de „a Desiludida‟, mas nunca perdi a vontade de esperá-la”.

Neste momento, Marianna descobriu que tudo o que precisava, era de um colo de mãe. Que
tudo o que uma pessoa precisa, para ser completa, é ser amada por sua família e ter sempre
pra onde retornar quando tudo dá errado na vida.
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 25/04/2006
Código do texto: T144775

Crônicas (02)
Quando me apaixonei...
Um dia, olhei-me no espelho. Há tempos evitava esta afronta ao meu ego. Da mesma forma
que passava bem distante da balança. Confrontar-se com o já conhecido era, para mim, uma
desnecessidade que só me faria mal. “Para que sofrer além do que já sofro?”, pensava.

Havia passado por tempos muitos turbulentos, um casamento que havia terminado de forma
muito catastrófica, com minha filha ainda de colo, problemas decorrentes da separação,
como falta de dinheiro, desamor e baixa auto-estima, solidão... e como “desgraça pouca é
bobagem”, perdi, ao mesmo tempo, os dois empregos que tinha. Resultado: entrei em
depressão. E para completar o vazio existencial... comi o mundo. Em pouquíssimo tempo,
podia-se comprovar na balança que apesar dos cento e vinte e seis quilogramas, a existência

11
de um ser não pode ser completado pela comida, por doces, massas e guloseimas, pois eu
continuava deprimida.

Foram várias as tentativas para perder peso, todas inúteis. Escondia-me atrás do problema.
Na verdade, era cômodo afogar minhas mágoas numa bacia de pipoca. Ao mesmo tempo,
não conseguia me controlar, era mais forte do que todo e qualquer esforço que fizesse.
Tinha nojo de mim. Sentia vergonha de comer na frente dos outros. Não me sentia feminina
ao devorar uma caixa inteira de bombons. Não sentia prazer em comer, pelo contrário,
comia por comer, até ver o pacote esvaziado, como que para resolver logo aquilo e pronto.
Não sabia comer uma fatia de um bolo, tinha que comê-lo inteiro.

Problemas físicos já começavam a aparecer. O pior deles é que já não conseguia controlar
minha bexiga por muito tempo. E eu tinha apenas 27 anos! Minhas pernas e pés doíam. Não
conseguia dormir, acordava sempre cansada. Ficar sentada era cansativo. Ficar em pé
também o era...

Saber dizer exatamente o dia em que este processo começou, não sei. O que posso relatar, é
que um dia, tomei a decisão de emagrecer e ficar saudável e pronto! Marquei um horário no
médico, fiz todas as avaliações e ele me disse que precisava perder, no mínimo, uns trinta
quilos. “Ah, tá bom...”, pensei. “Esta será apenas minha primeira meta”.

E comecei, a partir daí, como na paixão à primeira vista, a apaixonar-me por mim...
Comecei a valorizar cada pedaço de tempo que tenho para viver. A escutar mais música e
procurar vivenciar a poesia da letra. A observar mais o céu e suas nuvens ou suas estrelas.
A sorrir para crianças e velhos nas ruas, e observar a beleza da diferença entre as pessoas.
A prestar atenção na minha filha e nas lições de vida que diariamente ela me ensina. A
saber que problemas têm soluções, e foram feitos para nos tornar mais fortes. A saber que
as verdades dos outros nem sempre servem para mim, assim como as minhas nem sempre
servem para os outros, e que não adianta ficar brava se não acatarem minha vontade.
Aprendi que nasci para ser feliz, e que momentos de tristeza são importantes para sabermos
valorizar a alegria da vida, do sorriso. E que saudade também é importante, para
valorizarmos a presença, o companheirismo. Aprendi que amigos são a família que
escolhemos para nós e que se soubermos semear, sempre colheremos frutos maravilhosos
do jardim da amizade. Aprendi que existem mais pessoas que torcem por mim do que
imaginava... e também, que existem mais pessoas que esperam minha derrota do que
imaginava... por isso, preciso ser forte sempre, e saber dosar a ingenuidade da menina com
a sabedoria da mulher.

Um amigo disse-me, certa vez, referindo-se a um grande sucesso da atualidade: “você, com
certeza, utilizou „O Segredo‟ para emagrecer...”

“Com certeza foi isso mesmo”, respondi. Pois tudo o que queremos, está ao alcance de
nossas mãos, basta querer, com muita vontade, e o mundo conspirará para que você consiga
o que quer.

Hoje, com 60 kilos a menos, sou quase metade do que era, mas, com certeza, tenho o dobro
da capacidade de ser feliz do que tinha quando me apaixonei por mim...

E você? Já se apaixonou por si mesmo? O que está esperando?...
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 24/05/2007
Código do texto: T499846

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Meu primeiro amor
Amar é uma aventura. E o amor aparece, como bem escreveu Mário Quintana, quando
menos se espera e de onde menos se imagina.
Foi assim que minha aventura começou, aos 13 anos, quando pela primeira vez me
APAIXONEI...
Ele era lindo, inteligente, sagaz. Perfeito.
Sim, perfeito. Porém, tão inexperiente quanto eu. Primeiro amor tem dessas coisas...
principalmente o meu, platônico.
E amor platônico, quem já amou sabe, nunca se concretiza.
E por não se concretizar, vive perfeito para sempre, pois nunca experimenta os limites e
frustrações de uma relação completa.
Quando o inesperado aconteceu [quem ama platonicamente nunca espera ser
correspondido], realizei o meu mais simples desejo, meu primeiro beijo. Estranho, à
primeira vista. Arrebatador e envolvente, como ondas ao alcançar as rochas.
Quando percebi que maravilhosa e surpreendentemente, conseguira conquistar meus
anseios de aprendiz de mulher, entrei em pânico, me descontrolei, e nesse momento, perdi,
deixei ir embora a pessoa que mais queria ao meu lado, meu ídolo, meu herói, meu amado.
E a pena que pago [e é perpétua]
É tê-lo para sempre e a todo momento
No meu coração, no meu pensamento.
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 13/03/2006
Código do texto: T122390
Duetos (10)
Sobre fadas e poetas (Dueto: Carol & Rui)
Sobre Fadas e Poetas
Quando pequena, sonhava ser fada,
Que desnudava o mundo concedendo desejos
Com sua varinha de condão

Hoje, sou poeta
Meu condão é minha pena
Que pelas linhas fabrica
Mundo de utopia e aspiração
Ou apenas traduz minh'alma
Translúcida e peneirada
Pela latitude zero
Entre a ponta da esfera
E a celulose e o jargão

Para muitos, enigmático e inexplicável
Este viver bifurcado entre
As leis e os versos
A razão e a emoção
A necessidade e a distração

No entanto,
Eu só sobrevivo

13
Porque faço do meu poetar
Verdadeiro ofício
A poesia do meu ser
É o que me faz, dia após dia
Renascer

CAROLINE SCHNEIDER

******************

Sim, Poetisa
Tua pena encanta
E nas linhas escritas
A aspiração d'alma trás
Bruta, linda, límpida cantata
E do centro de ti transpõe
Para humanos corações
Alma linda de Fada
Que a poetisa nos manda
Sempre presente, transparente
Compreensiva se bifurca
Entre nós elas atentamente
A todos atende e agrada
E e Seu tempo se sente contente
Renasce
Musa Imortal
E com tua poesias encanta
Do fundo de tua Alma
Todos a quem for dado ler
Sublimes linhas traçadas
Do Âmago de tão encantador
Ser

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 11/02/2008
Código do texto: T854490
Ritual da Marquesa (Dueto: Carol & Rui Ventura)
Venda-me os olhos
Para desvendar
Meus paraísos
Prazeres ocultos
Acobertados a sete véus
Do inculto

Loucura, inexatidão
Palavras não ditas
Malditas...
Sensações

14
Ata-me as mãos
Para suscitar
Desejos cálidos
Fulminantes anseio
De desamarrar-me
E sentir com o tato
O que sei saber com sabor
De desejosos lábios

Tapa-me a boca
Para abafar
Gemidos latentes
Ferventes
Arrepios gerados
Pela sinergia
de nossos corpos
ardentes

Incendeia-me
Inflama meu corpo
E minh'alma
Com o fogo de nossa paixão

Sou tua
Nua marquesa
Vem rematar
Esta parte de mim
Que crua
...
te espera

CAROLINE SCHNEIDER

********************

De Olhos vendados
Ao paraíso te levo
Dos Prazeres ocultos
De Marquesa a Rainha
Pelos véus te prendo
Acontece o indulto.

De sensação em sensação
Sem palavras encontrar
Bendita
É essa Paixão

Inspirada,
Maniatada.
Desejos Aflorados
Solta-te
Sente o contato
E Em devaneios

15
Entrega teus lábios
Experimenta do Amor o sabor

De Tua Boca
Gemidos ferventes
Abafo em torrentes
Arrepios gelados
Ao calor do Amor
Serão transformados
Pela sinergia
De corpos molhados

Incendiei-te
E de corpo ardendo
Tua Alma adentro
E ali o fogo da paixão fomento

Sim, és.
Nua Marquesa
De ti fiz Rainha
Nua Crua ardente

Sou teu, Serpente

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 11/02/2008
Código do texto: T854483
Prenda-me (Dueto: Carol & Rui Ventura)
Prenda-me
Se for capaz
De seduzir
Meu lado lunar
Que em fases
Troca em metades
De negro pra branco
Meu sol que pulsa em
Lençóis e hiatos
Há ecos retumbando
Em faróis de meus eclipses
E em minhas crateras
Há fases nuas
Sem luz ou figuras
Onde me escondo
Entre nuvens escuras
Não me vês
Apenas sentes
O clamor alucinante
De meus olhos ardentes
Por isso,
Não me veneres

16
Pois que sou reles
Lua com sintoma bipolar

CAROLINE SCHNEIDER
******************

Sim.
Soltando-A
Envolvendo-A
Em Teu Querer
Deixando que a Lua
Seja um começo
E as estrelas uma passagem
Para uma meta selvagem
Onde lençóis em desalinho
Te conduzem para o ninho
Onde o universo imenso
Te deixe em desalinho
Senhora de teu Querer
Onde luzes e figuras
Sombras são de teu Ser
E escondida estarás
Para quem não entender
Que a chama desse Olhar
Precisa de respeito, espaço e ar
Assim sim te venero
Pois de reles nada tens
És do universo o ser
Que como átomo tens
Bipolaridade Também.

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 11/02/2008
Código do texto: T854476
Espero-te // Achei-te (Dueto: Caroline & Rui Ventura)
ESPERO-TE

Espero-te
Como se esperam sonhos bons
Na janela
Aspiro a cada virada de esquina
Encontrar na retina
Um calor que um dia
Já acalentou corpo meu
Mas minha espera é infinda
São incontáveis olhadas
Pra uma esquina maldita
Espera vã, esquisita
Se ao menos soubesse razões
Da ausência que silencia

17
Todos os acordes
De nossas músicas
[hoje esquecidas]
Poderia passar, quem sabe
Por ti, como quem passa
Por desconhecido
Mas tenho esse vício
De me entregar
Pra amargura
Não te perdôo
Nem mesmo quando
Não restar nem mesmo
Manchas das feridas
Que hoje inda gritam
Abertas, ardidas
Vertendo sangue
sangrando vida

CAROLINE SCHNEIDER

*********************

ACHEI-TE

Abençoada Janela
Às vezes vitral
Às vezes Virtual
Por onde sem mais nem porque
Uma alma do além ( mar)
Aparece não exatamente na esquina
Mas na melhor das horas na janelinha
Assim a espera infinda
Fica por uma linha
Que nada tenha de maldita
E que da esquisita, espera vã
As razões da ausência
De notas musicais não dedilhadas
Estejam finalmente se transformando
Em maravilhosas baladas.
Sim, poderias passar por mim,
Como se um desconhecido fosse
Não fossem os Curumins,
Seus Anjos e Afins
Fazerem com que as esquinas
Em retas curtas e lindas
Deixassem que nossas vidas
Ao calor e aconchego
Um ao outro envolvessem
Em suas teias Bem ditas
E delas levassem p'ra longe
Manchas, gritos,feridas
E o sangue sagrado da vida.
Deixe para sempre de verter

18
E na sua real função
Demos graças por nos
AQUECER.

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 28/01/2008
Código do texto: T836994
Tramas do Destino (Dueto: Carol & Rui Ventura)
Em tramas que me arrefecem
Compõem minha decomposição
Sorriem, debocham da minha anarquia
Relutam, sossegam e caem, por fim

Vislumbro um fio
Que me leva a outro lado
Uma sombra, um vazio
Que nem sei definir
Entre abismo de luz
E um vôo arriscado
Encontro o caminho
Mas me é sonegado saber
o destino do pouso

Leve-me, vento da madrugada
Brinque com meus cabelos
Deliciando a árdua jornada
Sussurre em minhas orelhas
Propostas que me deixem vermelha
E diga ao maroto destino
Que estou pronta, enfim...

CAROLINE SCHNEIDER

****************************

Tuas tramas que bem teces
Arrefecem, solidificam.
Ajudam-te no sorrir, encantam.
Fortalecem-se e seguem, por fim

Trama tecida
Caminho transposto
Da sombra ao colorido
Agora já bem definido
Faz do abismo a Luz
E do arriscado vôo
Faz do percorrido caminho
Uma nova e bela jornada
Com destino, pouso e morada.

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Teus belos cabelos ao vento
As madrugadas enfeitam
Dando graça ao caminhar
E em teu ouvido sussurro
Propostas há tanto caladas
E por Você esperadas

Pois estás Pronta, enfim.

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 28/01/2008
Código do texto: T836872
Vou aportar aqui (Dueto: Caroline & Rui Ventura)
Vou aportar aqui
Trazer meu coração
Pra esta ilha
Amor não é só desilusão
Bem sabes que te quero
Mais que a lua
Quer o sol
Quero sorrisos
Abraçar teu olhar
E amanhecer
Em sol bemol
Acordo sem tuas mãos
A me enlaçar
Teu sustenido
Faz-me sair em busca
Do teu aconchego
Quero ter tua presença
Todos os dias junto a mim
Mas há um eco
E tua música
Não chega a meus ouvidos

CAROLINE SCHNEIDER


Sim, Aporte,
Traga seu Coração
E com ele os que lhe aprouver
Desilusões, Amor supera.
Especialmente quando o Querer
Ultrapassa grandes dimensões
Nos compara ao Astro Rei
Alegria Meiguices Deslevos
E em teu olhar me envolver
Amanhecer em Sol sustenido
Um tom acima
Em teu corpo cingido

20
Acordo por tuas mãos envolvido
Onde com candura, Te desejo
Bom dia, meu dengo.
A minha presença é tua
Pois esse foi teu querer
E no eco de teus sonhos
Música leve e sem enfadonhos
Nos envolve de mansinho
Pois com jeito, e com carinho
Ao porto chegaste
e não é sonho.

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 27/01/2008
Código do texto: T835201
Anjo sem fronteiras (Dueto: Caroline & Rui Ventura)
És como um sôpro
que de uma lufada em meio a temporais
de meus desencantos
fostes sem o saber
designado por uma Mão
a delicadamente preencher
lacunas do meu viver

não conheço teu olhar,
teu cheiro de mar
toque a acariciar
tampouco senti calor esvoaçante
de ser alado que se faz
presença constante

mas transporta-te
aqui, no além-mar
mesmo que desterrado
raízes são postas
no coração sonhador
que não respeita fronteiras
procurando respostas
na busca de amar

CAROLINE SCHNEIDER

De um sopro cheguei
E tal como um vendaval
Teus desencantos quero encantar
E sabendo ou não por qual Mão designado
Aqui devo encontrar e parar
E com carinho satisfazer
As Lacunas de teu Bel viver

21
Hoje conheço teu olhar
Teu cheiro de leves e variadas fragrâncias
O teu acariciar, meigo e manso como Olhar
E na continuidade conhecerás,
O Calor aconchegante.
E a real presença constante.

Do Além-mar aqui me transportei
Para conhecer Aquela a quem.
Fronteiras, a Vida impôs traiçoeira
E em seu coração sonhador.
Raízes profundas lançar
De um Ser que sim.
Sabe e quer Amar.

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 25/01/2008
Código do texto: T831918
Dialética (Dueto: Caroline & Rui Ventura)
sou pedra que chora
sou vidro que estilhaça
meu sorriso canta,
enxugando lágrimas
nos cantos, poças
covas rasas de intenso pranto
mas inda há brilho no olhar...
mesmo que por vezes se apague
nos percalços do meu caminhar

intenso o frio por falta de afago
calor que arrefeça a alma
escrevo, calando grito
como que alimentando gemido
quero colo, quero afeto
mas faço-me discreto
e, friamente,
saio pela tangente
e se precisar, bato o martelo
...
pois mesmo quando sou fraco
faço-me forte
assim eu sou
nada morno, nada pouco
ou tudo ou nada
sou Tese
sou Antítese
e por fim, Síntese

CAROLINE SCHNEIDER

22

Das pedras o choro seco
Aos Vidros trarei a vida
Ao sorriso farei eco
Às lágrimas a despedida
Às poças água Límpida
Ao Pranto levo o alento
Eterno brilho lhe devolvo
A esse Olhar sempre atento
Ao seu eterno caminhar

Com ternura o frio eu findo
Com Carinho aqueço a Alma
Escrevo, ouvindo o grito
Tirado do fundo d‟alma
Com afeto e colo te brindo
Embora sempre discreto
E Ternamente
Jamais te desencanto,
E Assim ao mundo grito
Quero a Musa deste canto

Da fraqueza a força faço
Forte sou, pois
Sou a pedra, sou o afago
E assim com você lado a lado
Nada morno atento e com cuidado
O calor a cola do “vidro”
Que veio para o seu lado
Tornar a vida colorida
Completa e emoldurada

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 23/01/2008
Código do texto: T829417
Sopro do Mundo (Dueto: Caroline & Rui Ventura)
Um sopro do mundo
Transmutou
Minha tarde vazia
Trouxe folhas de lembranças doces
Que por instantes
Congelaram ciclo
Que torna cinzento
Dantes colorido quadro
De uma vida
Ainda sendo pintado

Agonizo ao ver cores
Perdendo matizes
Vendendo-se

23
Qual meretrizes
Pra uma palheta
De cinza e negritude
Onde sequer tons pastéis
Povoam a arte
Goticamente serenam-se
Pincéis sob a alma
E tecem amargura
Em pesado linho esticado em figura

Oh, Sopro do Mundo
Conceda-me
Nova aquarela

CAROLINE SCHNEIDER

Do Mundo o Sopro
Ao que tudo indica
Leve Tal Brisa
De algures veio morno
Aos poucos,
Ganha Graça e Colorido
E em tardes domingueiras
E entrando por noites quase inteiras
Cria, de alguma forma.
Sua Nova Aquarela
Embora não seja como Aquela
Deixa cores mais vivas
Mais maduras
Mais profundas
E tem como Finalidade
Fixá-las para a
Eternidade

RUI VENTURA
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 22/01/2008
Código do texto: T827840
Sonhos de Lata
Sonhos de lata
Tropeçados
Por sôfregos pés
Procurando caminhos
Que levem a novos
Destinos

Cacos de esperança
Estilhaçados
Por calejadas mãos
Tateando o tempo
Em busca de

24
Recomeços

(Caroline Schneider)

Fantasias estanhadas
Esbarrando-se
Aos sofridos calos
Que trilham caminhos
À procura de novas
Aventuras

São pedaços de incerteza
Que se quebram
Por enrugadas mãos
Que apalpam seu destino
Na tentativa de achar
Uma nova saída

(Edson dos Santos)
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 27/08/2007
Código do texto: T626347

E – Livros ( 05) Pasta

NADA É IMPOSSÍVEL PARA QUEM ACREDITA ( PP S)

BORBOLETRAS 2 ( PPS)
BORBOLETRAS 1 (PPS)


ARBITRAGEM INTERNACIONAL
INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei nº 9.307, de 23.09.1996, o Brasil passou a possuir uma nova
lei sobre arbitragem, a qual alterou consideravelmente o regime jurídico da mesma
no País. Em particular, ao que concerne à arbitragem privada internacional, esta
legislação trouxe significativo impacto.
Estima-se que cerca de 90% dos contratos internacionais de comércio contêm uma
cláusula arbitral.1 Nesse terreno, as lides decorrentes das relações jurídicas são
decididas por atribuição a tribunais arbitrais e não aos estatais. Na arbitragem
privada às partes é autorizado constituírem um tribunal arbitral e indicarem o(s)
árbitro(s) que decidirá(ão) no lugar dos tribunais estatais as suas lides de direito
privado.
Pela arbitragem privada as partes resolvem submeter suas lides, resultantes de determinadas
relações jurídicas de direito privado, a um tribunal arbitral, composto por um árbitro único ou uma
maioria deles, designados, em princípio, pelas partes ou por uma entidade por elas indicada.
Mediante a instituição de um tribunal arbitral exclui-se a competência dos Juízes estatais para julgar
a mesma lide.2
As características inerentes à arbitragem privada são: (a) a ordem jurídica a
reconhece como meio de solução de litígios; (b) a sua base é uma convenção de

25
arbitragem válida, celebrada pelas partes, prestes a se sujeitar a uma procedimento
arbitral, cuja escolha lhes cumpre em primeiro lugar; e os efeitos jurídicos das
decisões arbitrais são similares aqueles dos tribunais estatais. Portanto, são passíveis
dos efeitos jurídicos da coisa julgada, sendo exeqüíveis, equivalendo-se a uma
sentença proferida por tribunal estatal.
1
BERGER, Klaus Peter. Recht der Internationalen Wirtschaft (RIW), p. 12 citado por
RECHSTEINER, Beat Walter. Arbitragem Privada Internacional no Brasil, São Paulo, Revista dos
Tribunais, p.15.
2
RECHSTEINER, Beat Walter. Op cit, p. 16. 2
3
LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia, AB, 1997, p. 50.
A arbitragem traz inúmeras vantagens à solução de controvérsias e litígios,
sobretudo em razão da prevalência da autonomia da vontade das partes, da rapidez,
da maior especialização do árbitro nas questões levadas à sua apreciação, do menor
custo e também da possibilidade do sigilo da questão em debate, preservando-se o
nome das pessoas físicas ou jurídicas que acorram a uma Corte de Conciliação e
Arbitragem, em face da não publicidade dos atos arbitrais. Este aspecto da
confidencialidade é de especial interesse em matéria da órbita comercial, de família
ou mesmo trabalhista.
Tendo em vista que o árbitro ou a corte arbitral deverá ser escolhido livre e responsavelmente pelas
partes, que também modelam a estrutura procedimental a ser utilizada, a arbitragem é um instituto
extremamente democrático e legítimo. A autonomia na arbitragem, por sua vez, não se dá somente
para as partes, mas para toda a sociedade, que não vê mobilizado o aparato judiciário estatal para
solução de controvérsias patrimoniais limitadas a particulares.3
Por outro lado, o árbitro pode ser autorizado pelas partes para proferir a sentença
arbitral com base na equidade, ou seja, fora das formas e regras expressas no direito,
podendo ainda proferir suas sentenças arbitrais com base no direito positivo nacional
ou estrangeiro por equidade, e nos usos e costumes, e também nas práticas
internacionais do comércio.
Os elementos básicos que levam muitos litigantes a optarem pelo juízo arbitral são a
rapidez, a economia e o segredo.
HISTÓRICO
O processo arbitral tem sua gênese na justiça privada, mais especificamente na
vingança, sendo a autodefesa a manifestação natural traduzida como forma primitiva
de resolução dos conflitos de interesses, porém indesejada, na medida em que o
Estado procurava evitá-la, em homenagem à ordem pública e a paz social. 3

26
4
FURTADO, Paulo. Juízo Arbitral. Salvador, Nova Alvorada Edições Ltda, 1995, p. 47.
5
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, p. 344 citado por FURTADO, Paulo. Op.cit., p. 49.
À autodefesa segue-se a autocomposição, com a substituição da atividade instintiva
pela reflexiva, a substituição do egoísmo da autodefesa pela solidariedade social da
solução autocompositiva.
Segundo o criador do termo (Carnelutti), são tipos genuínos de autocomposição, como formas de
resolver o litígio, a desistência, o reconhecimento e a transação. A primeira, como renúncia à
pretensão resistida pela parte contrária (unilateral); a segunda, como reconhecimento, pelo atingido,
da procedência da pretensão manifestada (unilateral); a terceira, finalmente, como acordo entre as
partes (bilateral).4
À autocomposição segue-se o processo, como instrumento apropriado para a solução
dos conflitos jurídicos, manuseado pelo Estado, surgindo como o mais moderno e
eficaz remédio à prevenção ou resolução dos litígios.
Ao buscar-se situar a arbitragem ou o sistema de solução de conflitos através de
árbitros, pode-se encontrar sua origem em proposições religiosas, havendo quem
atribuísse aos deuses a inspiração.
Inicialmente, teria a arbitragem sido empregada não como instrumento de solução
das lides intersociais, mas como índice de integração de uma relação jurídica. Esta
remanesce no direito material. Porém, de forma diversa, há o juízo arbitral, a
atividade judicante do árbitro para dirimir conflitos intersubjetivos.
No Direito Grego, poder-se-ia submeter controvérsias a árbitros privados, e alguns
tribunais tinham a competência para dirimir conflitos entre cidades gregas, como
juízes arbitrais, porém distintos dos chamados árbitros públicos.
Em Roma, por sua vez, a justiça dos árbitros era empregada com a eleição feita
pelas partes de árbitros privados para que lhe solucionassem as pendências.
Pontes de Miranda noticia uma crise no direito privado romano, a braços com a recusa do arbiter
em aceitar suas funções. Criaram-se tribunais arbitrais (judicioum privatum), que reclamavam
negócio jurídico entre as partes litigantes, pelo qual prometiam submeter ao judex a solução da lide.
Uma lista de cidadãos compunha o judicium privatum, e dela se escolhia o arbiter ao qual não se
reconhecia o direito à recusa. Sua decisão, caso não a cumprisse espontaneamente o vencido, era
chancelada pelo Estado, que a impunha coativamente.5 4
6
CRETELLA JÚNIOR, José. Da arbitragem e seu conceito categorial., p. 137 citado por LENZA, Vítor
Barboza, op. cit., p. 52.
Na Idade Média havia apelo constante de países em litígio à mediação do Papado,
razão pela qual foi fortificado o Juízo Arbitral, originando-se a arbitragem
internacional em moldes que se reiteraram na prática, na segunda metade do século
XIX. Para por termo ao dissídio entre nações por meios políticos e sem formal rigor,
havia mediação ou arbitramento exercidos pelo Papa.
Na França, foi a arbitragem estimulada e havia casos em que era obrigatória, logo
após a Revolução Francesa.
No Brasil, o Regulamento nº 737, de 1850, com base no art. 160 da Constituição do
Império, propôs-se a dar forma e desenvolvimento. O Decreto nº 3900, de 1867,
aboliu a obrigatoriedade do Juízo Arbitral. Com o advento do Código Civil e a
regulamentação do compromisso, impôs-se ao legislador processual federal de 1939
a tarefa de tratá-lo formalmente, nos arts. 1031 e 1046.
CONCEITO DE ARBITRAGEM
De forma ampla, a arbitragem é uma técnica para a solução de controvérsias através
de intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes das partes para a
solução de uma controvérsia privada, decidindo com base nesta convenção, sem

27
intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença
judicial.
Para Cretella Júnior, a arbitragem é sistema especial de julgamento, com procedimento técnico e
princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este
subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas, ou jurídicas, de direito privado ou de
direito público, em conflito de interesses escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira
pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em
aceitar a decisão proferida.6 5
7
BIAMONTI, Luigi. Arbitrato – diritto processale civile , p. 904 citado por LENZA, Vítor Barboza, op. cit., p.
53.
São duas as características básicas da arbitragem nacional: a incidência, para todo o
fenômeno, unitariamente percebido, das leis de um único sistema jurídico, e a
inexistência de conflitos de jurisdição interna ou internacional para a obtenção de
exequatur do laudo para eventual obtenção de medidas cautelares.
A arbitragem internacional, por sua vez, envolve fenômeno diferente, o
desaparecimento, segundo o qual cada elemento da arbitragem, (capacidade das
partes, competência dos árbitros, arbitrabilidade do litígio, procedimento arbitral, lei
material aplicável à solução do litígio, etc), seria regido por uma lei diferente.
NATUREZA JURÍDICA
Quanto à natureza jurídica, a arbitragem é um equivalente jurisdicional, equivalendo
e substituindo a jurisdição.
O COMPROMISSO ARBITRAL
O compromisso arbitral pode ser definido como sendo “um contrato de direito
privado estipulado como fim de produzir entre as partes efeitos processuais,
obrigando-as a subtrair à competência da autoridade judiciária ordinária o
conhecimento da controvérsia considerada no compromisso, passando tal
competência à esfera do juízo arbitral.”7
Dispõe o art. 9º da Lei 9.307/96: “O compromisso arbitral é a convenção através da
qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo
ser judicial ou extrajudicial.”
Configura-se o compromisso arbitral, por sua natureza jurídica, negócio jurídico,
enquanto se trata de externar a vontade lícita, voltada para a consecução de 6
8
FURTADO, Paulo. Juízo Arbitral. Salvador: Nova Alvorada Edições, 1995.
um fim, desejado pelas pares e produtos da vontade da lei, a qual tutela a emissão
volitiva.
O compromisso arbitral constitui negócio jurídico plurilateral, assim como o
contrato de sociedade, concluído por não ser antagônica a vontade dos
compromitentes, ao contrário, dirigidas para o mesmo sentido, qual seja, o de
submeter suas contendas à decisão de um ou mais árbitros.
Assinala-se, no compromisso, não apenas uma relação jurídica entre as partes, ou
seja, não apenas um negócio jurídico entre as partes, mas igualmente um negócio
jurídico arbitral, isto é, uma relação jurídica entre os compromitentes e o árbitro,
relação à qual se vincula este com a aceitação.8
O ÁRBITRO
O árbitro é pessoa natural, tecnicamente preparada e qualificada que, sem estar
investida na magistratura estatal, é juiz de direito e de fato e é escolhido por duas ou

28
mais pessoas, quer físicas ou jurídicas, sempre em número ímpar, para dirimir
controvérsias entre elas, proferindo sentença arbitral de mérito com força de título
executivo. São equiparados, no exercício de suas funções ou em decorrência delas,
aos funcionários públicos, para os efeitos penais, e aos magistrados, para as
exceções de impedimentos e suspeição dos artigos 134 e 135 do CPC.
São os árbitros judices compromissarii ou compromisarius, visto que pelo
compromisso recebem eles o arbítrio. Julgam como se fossem juízes togados e sua
decisão, chancelada pelo juiz togado, tem força executória.
Tem o árbitro ampla liberdade para determinar as provas que reputar necessárias ao
esclarecimento da verdade, para apreciá-las e dar especial valor às regras de
experiência comum ou técnica.
O árbitro poderá adotar em cada caso a decisão que julgar mais justa e prudente,
com o fim de atender ao fim social que a Lei quer, bem como as 7

29
exigências do bem comum. Além disso, poderá ele decidir por equidade, ou seja,
mesmo não havendo preceito que o autorize a decidir determinada pendência,
poderá agir como se fora legislador, desde que atenda às exigências do bem comum.
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
A convenção de arbitragem juridicamente válida, é o elemento indispensável para a
instituição de um tribunal arbitral e sua competência no julgamento de uma lide.
Ao se referir à lide futura, decorrente de determinada relação jurídica entre duas
partes, mormente de natureza contratual, a convenção de arbitragem é denominada
cláusula compromissória, ou cláusula arbitral. Em contrapartida, se estiver
relacionada à lide já existente, costuma-se falar em compromisso arbitral.
A convenção é juridicamente autônoma perante o acordo principal estabelecido
pelas partes. Sua validade é reconhecida pelo tribunal arbitral, bem como a
competência para julgar a lide sujeita à sua apreciação jurídica.
Deve a convenção de arbitragem preencher requisitos formais e materiais
predeterminados, para que o tribunal arbitral firme sua competência quanto as lides
suscetíveis de arbitragem.
A questão de determinar quais são as lides suscetíveis à arbitragem internacional é
de fundamental importância na prática, pois, se tal não for o caso, de acordo com a
legislação na sede do tribunal arbitral, a convenção de arbitragem será nula.
Conforme a Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre o Reconhecimento e a
Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, nenhum pais signatário é obrigado a
reconhecer e executar um laudo arbitral estrangeiro quando a lide não for suscetível
à arbitragem, conforme a legislação do país onde o laudo deva ser executado. 8

30
Se porém a lide em que se fundamenta o laudo estrangeiro for de fato suscetível à
arbitragem, esta deverá ser examinada de ofício pelo juiz ou tribunal que decidirá
sobre seu reconhecimento.
COMPETÊNCIA
Atualmente, na prática da arbitragem internacional, é quase pacífico cumprir ao
próprio tribunal arbitral decidir quanto à sua competência perante a lide submetida à
sua apreciação.
No mesmo sentido o artigo 8º, §1°, da Lei 9.307/96, onde dispõe: “Caberá ao árbitro
decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência,
validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a
cláusula compromissória.” Por outro lado, a mesma lei ordena à parte que pretender
argüir questões relativas à competência, bem como a nulidade, invalidade ou
ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que
tiver para se manifestar, após a instituição da arbitragem.
A competência do tribunal arbitral estará fixada se a lide a ser decidida for suscetível
à arbitragem, se a convenção de arbitragem for juridicamente válida, levando em
consideração todos seus aspectos formais e materiais; sendo as partes capazes para
celebrar uma convenção de arbitragem, se ambas as partes possuírem a capacidade
para ser parte em relação à lide submetida a arbitragem ou efetivamente ali são
partes e se a lide não se situar fora dos limites da convenção de arbitragem.
Na doutrina internacional parece estar assentado que a questão quanto a determinar
quando uma lide é suscetível à arbitragem, deverá ser examinada sempre de ofício
pelo tribunal arbitral.
Caso o próprio tribunal arbitral decida quanto a sua incompetência, prevê a Lei
9.307/96, que as partes sejam remetidas ao órgão do poder judiciário competente
para julgar a causa (art. 20, §1°). 9

31
O juiz estatal possui plena cognição quando do exame da validade da convenção de
arbitragem, independentemente de onde está localizada a sede do tribunal arbitral,
independentemente de onde está localizada a sede do tribunal arbitral já ou ainda a
ser constituída, caso o réu, preliminarmente, alegue a incompetência do juiz estatal
pela razão da existência de uma convenção de arbitragem entre as partes.
PROCEDIMENTO ARBITRAL
O principal objetivo é a solução de conflitos de direito patrimoniais ou pessoas
disponíveis. O juízo arbitral é aplicável a esses direitos.
O procedimento a ser adotado pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral é fixado pelos
próprios compromitentes, que estabelecem as regras arbitrais, dentro da flexibilidade
procedimental facultada pela Lei de Arbitragem, ou adotam o regulamento de algum
órgão arbitral institucional.
O juízo arbitral tem início com a assinatura, pelas partes, da cláusula
compromissória ou do compromisso arbitral. É considerada instituída a arbitragem
quando é aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos eles, se forem
vários (tribunal arbitral).
VANTAGENS DA ARBITRAGEM
A arbitragem traz inúmeras vantagens à solução de controvérsias e litígios em
comparação com a justiça estatal, sobretudo em razão da prevalência da autonomia
de vontade das partes, da rapidez, da maior especialização do árbitro nas questões
levadas à sua apreciação, do menor custo e também da possibilidade do sigilo da
questão em debate, preservando-se o nome das pessoas físicas ou jurídicas que
acorram a uma Corte de Conciliação e Arbitragem, em face da não publicidade 10

32
dos atos arbitrais. Este aspecto é de especial interesse em matéria de órbita
comercial, de família e trabalhista.
Tendo em vista que o árbitro ou a corte arbitral deverá ser escolhido livre e
responsavelmente pelas partes, que também modelam a estrutura procedimental a
ser utilizada, a arbitragem é um instituto extremamente democrático e legítimo. A
autonomia na arbitragem não se dá somente pelas partes, mas para toda a sociedade,
que não vê mobilizado o aparato judiciário estatal para solução de controvérsias
patrimoniais limitadas a particulares.
CONCLUSÃO
Arbitragem é, portanto, um sistema especial de julgamento, com procedimento,
técnica e princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo
direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas
ou jurídicas de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses,
escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem
confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a
decisão proferida.

UNIÃO HOMOAFETIVA

INTRODUÇÃO
A humanidade neste início de milênio vive momentos de profundas transformações
científicas, tecnológicas, sociais e de costumes; guerras, atos de terrorismo, atentados,
crimes hediondos, violência contra seres humanos: velhos, crianças e mulheres indefesos,
torturas, seqüestros e ausência total de solidariedade transformam esse mundo em
verdadeiro caos.
Nesse contexto fascinante e paradoxal, as questões sociais e o relacionamento das pessoas
tornam a sociedade mais vulnerável, exigindo dela soluções imediatas e solicitando do
legislador mais que mero expediente legislativo na elaboração jurídica, porque o direito é a
amostra de comportamento que traduz a consciência social de um povo e de uma era,
devendo andar de mãos dadas com a justiça social, em harmonia com as novas realidades
que despontam, para não se apartar de vez do ser humano e fenecer solitário.
O direito, ao longo da história, sempre esteve, e ainda está, em constante evolução,
deparando-se em diversas ocasiões com temas que causam controvérsia, mas que exigem
sempre a atenção do legislador, por dizer respeito a uma maioria da sociedade, ou por
grupos minoritários.
Necessita-se, para tanto, que haja evolução legislativa no sentido de normatizar o direito
daqueles que necessitam proteção de sua vida privada e intimidade, para que se resguarde o
direito a opções de esfera privada, no que tange à escolha da pessoa com a qual se deseja
compartilhar afetos e sentimentos, bem como se o que se deseja é estar só.
Decisões estas, porém, enfraquecidas e ameaçadas pelo modo de vida contemporâneo, onde
aquele que deseja ser autônomo, ter pensamento livre e original, sente-se isolado na
multidão e incapaz de relacionar-se com as pessoas.
O tema ora desenvolvido, qual seja, a união homossexual, possui proposta regulamentadora
através do Projeto de Lei nº 1.151, de 1995, de autoria da Deputada Marta Suplicy, o qual
vem ao encontro de uma realidade fenomenológica que não é 2

33
despercebida pelos operadores do direito, estabelecendo parâmetros para uma situação de
fato já existente não apenas na sociedade brasileira como no mundo inteiro.
A criação desse novo instituto legal é plenamente compatível com o nosso ordenamento
jurídico, tanto no que se refere a seus aspectos formais quanto de conteúdo.
O rol de direitos humanos inseridos em nossa Constituição revela implicações evidentes
entre a livre expressão da sexualidade por parte dos homossexuais e o princípio da
dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos e base da República Federativa do
Brasil, devendo-se inclusive mencionar o direito à intimidade e à vida privada, da liberdade
de expressão, do direito de livre associação, da liberdade de opinião, de manifestação e de
seus corolários de liberdade de informação e de imprensa; todos sob o manto cardeal do
princípio da igualdade, presentes não só nos direitos fundamentais do artigo 5º da Carta
Maior, como enunciados nos princípios fundamentais, quando elencam como objetivos
fundamentais da República, constitucionalmente garantidos “de construir uma sociedade
livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inciso IV, CF).
O Poder Judiciário tem mostrado crescente compromisso e convicção de que as leis devem
assegurar direitos e possibilitar uma vida digna para todos os cidadãos. Devido a isso, a
parceria civil tem sido acolhida pela doutrina e jurisprudência como sociedade de fato, com
repercussões jurídicas que alcançam conseqüências de natureza previdenciária e
patrimonial, estando a exigir, por isso, uma moldura jurídica precisa e consistente.
O que a comunidade homossexual reivindica não são privilégios; a equiparação de suas
relações com a dos casais heterossexuais é um direito devido àqueles que são taxados
exatamente da mesma forma. Heterossexuais e homossexuais possuem as mesmas
obrigações, mas não vêm usufruindo os mesmos benefícios. Em vista disso, fica
demonstrado que o Projeto da Parceria Civil Registrada não busca ferir a moral ou os bons
costumes, e sim, clama a direitos constitucionais, que com a evolução da 3

34
sociedade fazem-se necessários que se adaptem e se consolidem, para que não haja
ninguém excluído da proteção jurídica. 4

35
I – HOMOSSEXUALID ADE
1 PANORAMA HISTÓRICO
Na história da humanidade, as relações homossexuais eram praticadas entre diversos povos
selvagens, bem como em antigas civilizações, conhecida e praticada por romanos, egípcios,
gregos e assírios, sendo, pois, “uma realidade que sempre existiu, e em toda parte, desde as
origens da história humana é diversamente interpretada e explicada, mas, apesar de não a
admitir, nenhuma sociedade jamais a ignorou.”1
A prática homossexual era aceita na Antigüidade Clássica, porém com certas restrições à
sua externalidade.
Na Grécia antiga, o exercício livre da sexualidade fazia parte da rotina de reis, deuses e
heróis, e era tida como "verdadeiro privilégio dos bem nascidos"2, sendo que “Os gregos
atribuíam à homossexualidade características como a intelectualidade, estética corporal e
ética comportamental, sendo que muitos a consideravam mais nobre que o relacionamento
heterossexual.”3
A dupla sexualidade estava inserta no contexto social, e a heterossexualidade considerada
de certa forma, como uma preferência inferior apenas com o objetivo de procriação.
O homossexualismo, então, não era tido como "degradação moral, acidente ou vício",4
retratado pelo fato de que “em suas olimpíadas, os atletas competiam nus, exibindo sua
beleza física, e vedada era a presença das mulheres na arena por não terem capacidade para
apreciar o belo. Também nas representações teatrais, os papéis
1 DIAS, Maria Berenice. Uniões Homossexuais – O Preconceito e a Justiça, p.27
2 SOUZA, Ivone Coelho de. Homossexualismo: discussões jurídicas e psicológicas, apud
DIAS, M.B. Op. cit., 2001, p. 28.
3 CORREIA, Jadson Dias. União Civil entre pessoas do mesmo sexo (Projeto de Lei
1151/95). Disponível em http:www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=554, acesso em 04
de janeiro de 2002
4 BLEICHMAR, Silvia. Pontualizações para uma teoria psicanalítica da
homossexualidade, apud DIAS, M.B., Op. cit, p. 28. 5

36
femininos eram desempenhados por homens travestidos ou mediante o uso de máscaras.
Por certo, manifestações homossexuais.”5
5 DIAS, M.B. Op. cit., p. 28.
6 SOUZA, I.C. Op. cit., apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 29.
7 MORICI, Silvia. Homossexualidade, apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 30.

37
8 Ibid., p.30.
A prática homossexual constituía um rito sexual iniciatório aos adolescentes (efebos) e era
obrigação do preceptado "servir de mulher" ao seu preceptor, pois, para eles, heroísmo e
nobreza eram transmitidos através do esperma.
Em Roma, "o homossexualismo era visto como de procedência natural, ou seja, no mesmo
nível das relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo.”6
Ocorria um tipo de preconceito, porém relacionado da "associação popular entre
passividade sexual e impotência política. A censura recaía somente no caráter passivo da
relação, na medida em que implicava debilidade de caráter."7 Clara se fazia a relação entre
“masculinidade – poder político” e “feminilidade – carência de poder”, em vista que
desempenhavam o papel passivo rapazes, mulheres e escravos, ou seja, aqueles excluídos
da estrutura de poder.8
O preconceito maior em relação ao homossexualismo provém das religiões.
Na concepção filosófica natural de São Tomás de Aquino, o sexo justificava-se como
instrumento de procriação, com o escopo de preservação do grupo étnico, ocupação dos
vazios geográficos e reposição da humanidade, cuja expectativa de vida era de 30 anos
aproximadamente.
A Igreja Católica tem o homossexualismo como transgressão à ordem natural, aberração da
natureza, uma verdadeira perversão. Em sua historia, na Santa Inquisição, asseverou-se a
penalização pela prática homossexual, pois a sodomia era tida como o maior dos crimes.
Em 1179, o III Concílio de Latrão, tornou crime a pratica homossexual.
Legislações dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia, tendo o primeiro código
ocidental prescrito pena de morte à sua prática.
Segundo historiadores, a homossexualidade floresceu nos mosteiros e acampamentos
militares da Idade Média, quando paralelamente, a união heterossexual foi sacramentada.
“O Papa João Paulo II recentemente, na Encíclica Fides et Ratio, 6

38
9 DIAS, M.B. Op. cit., p. 32.
10 Ibid., p. 33.
11 Id.
12 CZAJKOWSKI, Rainer. União Livre: à luz das Leis 8971/94 e 9278/96, 1997, p. 170
13 Idéia não tão nova, pois em Roma, no dia 25 de abril, celebrava-se o dia do mancebo
prostituto, cf. SOUZA, I.C. Op. cit., Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 34.
14 DIAS, M.B. Op. cit., p. 34
reiterou que a Igreja só aprova as relações heterossexuais dentro do matrimônio,
classificando a contracepção, o amor livre e a homossexualidade como condutas
moralmente inaceitáveis, que distorcem o profundo significado da sexualidade.”9
Após a metade do século XX, mudanças sociais levaram ao surgimento de uma sociedade
menos homofóbica."10 Isto ocorreu, pois houve um distanciamento entre Igreja e Estado,
este obtendo mais liberdade e menos influência daquela, pois ao romper os laços que o
ligavam àquela, cessou o "condicionamento a uma estrita obediência às normas ditadas pela
religião, em que a apenação pelo descumprimento dos dogmas de fé estava sujeita à ira
divina, eterna e implacável.”11
O reflexo do declínio influencial da Igreja foi a dessacralização do casamento, com o
surgimento de novas estruturas de convívio, passando a haver maior valorização do afeto, e
a "orientação sexual começou a se caracterizar como uma opção e não como um ilícito ou
uma culpa."12
Desde fins dos anos 60, tem havido um aumento da visibilidade das opções sexuais dos
indivíduos, por ter diminuído o sentimento de culpa que pesa sobre eles.
Os chamados movimentos gays têm aumentado seus adeptos, com o objetivo de dar
transparência ao fenômeno. “Em 28 de junho de 1969, em Nova Iorque, eclodiu uma
rebelião de travestis denominada "Motim de Stonewall" em Grenwich Village. Ocorreram
protestos e brigas entre homossexuais e a polícia durante uma semana, ensejando a
institucionalização dessa data como o Dia do Orgulho Gay.”13
O movimento gay brasileiro "passou a considerar como seu insight mais importante a
constatação de que muito mais prejudicial do que a homossexualidade em si é o avassalador
estigma social de que são alvo gays, lésbicas e travestis."14
Trata-se de indivíduos que, "se experimentaram alguma forma de sofrimento, é originado
pela intolerância e injustificado preconceito social."15 7

39
15 MESQUITA, Rogério. Questionamentos Sobre o Projeto de Lei da Parceria Civil
Registrada. Tese de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Centro
Universitário La Salle, 1997. Apud. DIAS, M.B. Op. cit., p. 34.
16 Reflexões em torno da história da homossexualidade In: MORICI, S. Op. cit., apud
DIAS, M.B. Op. cit., p. 35.
17 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 2001, p.400.
18 SILVA, D.P.. Op. cit., p. 400
19 GOMES, Hélio. Medicina Legal. 1997, p. 714.
Atualmente, para Philippe Ariès, “os homossexuais formam um grupo coerente, ainda
marginal, mas que tomou consciência de sua própria identidade, um grupo que reivindica
seus direitos contra uma sociedade dominante que ainda não o aceita.”16
2 CONCEITO E ESPÉCIES DE HOMOSSEXUALISMO
O vocábulo "homossexualidade" foi criado e introduzido na literatura técnica em 1869, pela
médica húngara Karoly Benkert.
Etimologicamente, a palavra homossexual é formada pela junção de dois vocábulos,
"homo" e "sexu". Homo, provém do grego "homos", o qual significa semelhante, e o
vocábulo sexual vem do latim "sexu", que é o relativo ou pertencente ao sexo. A junção dos
dois vocábulos significa "sexualidade semelhante", ou seja, a prática sexual entre pessoas
do mesmo sexo.
Segundo a definição encontrada no Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, "entende-se
homossexual toda pessoa que procura prazeres carnais com pessoas do mesmo sexo".17
Tem-se também, na mesma obra, a homossexualidade como "comércio carnal ou prática de
atos sexuais entre indivíduos do mesmo sexo. É a inversão sexual, em que o homem serve
de mulher para satisfazer a lascívia de outro homem, ou a mulher maneja como homem
para provocar o orgasmo em outra mulher e em si própria. Inversão sexual."18
A Medicina Legal define o homossexualismo como "indicativo de anormalidade do instinto
sexual do indivíduo em virtude do que somente tem inclinação sexual ou amorosa para
indivíduos de seu próprio sexo, muitas vezes com repugnância ou aversão aos seres do sexo
oposto."19
Há ainda a divisão entre homossexualismo feminino e masculino. 8
20 CORREIA, J.D. Op. cit., p. 4.
O homossexualismo masculino, isto é, a satisfação carnal de homem com homem, pode ser
chamada de pederastia, sodomia ou uranismo.
Há pederastia quando o prazer sexual se realiza pelo coito anal de um homem com uma
criança ou menino.
Sodomia é a prática sexual entre homens, já adultos.
Já o uranismo, segundo Ulrichs, é a prática sexual entre homens, por falta de mulher.
Com relação à homossexualidade feminina, o coito se realiza por meio de várias práticas
que possam provocar o orgasmo, utilizam-se os vocábulos safismo, tribadismo ou
lesbianismo:
A palavra lesbianismo deriva de Lesbos, ilha onde antigamente vivia um grupo de mulheres
homossexuais chefiadas pela poetisa Safo.
As tribadistas atritam os órgãos sexuais em práticas reciprocas.
Já as safistas ou lésbicas, praticam a sucção do clitóris, alternativamente, ou se
masturbavam reciprocamente.20
3 ASPECTOS
3.1 NA MEDICINA

40
Na Idade Média, a homossexualidade foi considerada uma doença que acarretava
diminuição das faculdades mentais, uma enfermidade decorrente de contagioso e genético
defeito.
A Medicina pesquisou por longo tempo os hormônios, o aparelho genital, o sistema
nervoso central, não encontrando, porém, nada que diferenciasse hetero e homossexuais.
A partir de 1985, o Conselho Federal de Medicina, tornou sem efeito o código 302 da
“Classificação Internacional de Doenças” (CID), não mais considerando o
homossexualismo como um desvio ou transtorno sexual. Em decorrência do abandono da
idéia de ver a homossexualidade como doença, dispõe Maria Berenice Dias que 9

41
21 DIAS, M.B. Op. cit., p. 43.
22 DIAS, M.B. Op. cit., p. 43.
23 Id.
24 Ibid., p. 44.
“passou ela a ser encarada como uma forma de ser diferente da maioria, diferenciando-se
apenas no relacionamento amoroso e sexual.”21
Em 1993, a Organização Mundial de Saúde inseriu-a no capítulo “Dos Sintomas
Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais”. Na 10ª revisão do CID-10, em 1995, foi
nominada de “Transtornos da Preferência Sexual” (F65). O sufixo ismo, que designa
doença, foi substituído pelo sufixo dade, que significa modo de ser.
3.2 NA GENÉTICA
Recentes pesquisas científicas realizadas nos Estados Unidos, buscam origem genética das
manifestações patológicas e comportamentais. Têm elas escopo de demonstrar a existência
de genéticas causas, com hereditárias características biológicas, não sendo, no entanto,
fruto do ambiente social e afetivo.
Feita uma pesquisa entre gêmeos, bem como entre irmãos adotivos – sendo um deles
homossexual – , foi constatado que, entre os gêmeos univitelinos (os que tem características
genéticas idênticas), 52% dos irmãos também eram homossexuais. Entre os gêmeos
bivitelinicos (geneticamente distintos), a identidade caiu para 22%. Já com irmãos adotivos,
o número foi para 11%, a evidenciar que a coincidência de comportamentos decorre
também da influência do ambiente familiar.22
Afirma Michael Baily, professor de psicologia da Universidade de Evanston, em
reportagem publicada na revista VEJA (25.12.91), que em 30 a 70% dos casos de
homossexualidade, esta decorre não apenas do meio no qual as pessoas são criadas, mas
principalmente de fatores genéticos23.
Simon Le-Vay, neurocientista, identificou que o hipotálamo das pessoas com tendências
homossexuais possui metade do tamanho do hipotálamo dos heterossexuais, similar em
dimensão ao das mulheres24.
Sandra Witelson, psiquiatra canadense, analisou o cérebro de 10 heterossexuais e 11
homossexuais utilizando técnicas de ressonância magnética. Concluiu a 10

42
25 Id.
26 Id.
27 GRAÑA, Roberto B. Além do desvio sexual. Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 47.
28 GRAÑA, R.B. Op.cit., Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 47.
29 Apud DIAS, M.B. Op.cit., p. 47.
30 Resolução 1/99, do Conselho Federal de Psicologia
pesquisadora que a região cerebral ligada à habilidade verbal e motora (corpo caloso) é
maior nos homossexuais25.
Um estudo da Universidade de Ontário no Canadá, revelou que homossexuais possuem
impressões digitais com características mais aproximadas do padrão microestriado
feminino, integrando, por dedução, a estrutura biológica da pessoa.26
3.3 NA PSICOLOGIA
Na área da Psicologia, elucida Roberto Graña27:
Todos os desvios sexuais são, em qualquer idade e essencialmente, desvios sexuais infantis.
A identidade sexual e as anomalias evolutivas são fruto de determinismo psíquico
primitivo, que tem origem nas relações parentais desde a concepção até os três ou quatro
anos de idade. Nessa época, constitui-se o núcleo da identidade sexual na personalidade do
indivíduo, ou seja, firma-se o entendimento interior de ser masculino ou feminino que irá
determinar sua orientação sexual.
Aduz o psicólogo que a força psicológica formativa vem de modelo que decorre da
interação da criança preferencialmente com a figura dos genitores.
O psicólogo norte-americano Money, afirma que, independentemente do sexo
cromossômico ou da aparência dos órgãos genitais, é o estabelecimento de identidade de
gênero primeiramente feito pelo ambiente.28
Já Henry Ey trata o homossexualismo como desvio do impulso sexual, obtido através de
fracasso do aparecimento edipiano, podendo advir de fatores acidentais, constitucionais ou
características das personalidades dos pais29.
Para se evitar o preconceito por meio de práticas terapêuticas para curar homossexuais, o
Conselho Federal de Psicologia, baixou a R1/99, em 23.03.1999, orientando os
profissionais desta área em como proceder.30 11
31 COLOGNESE Jr, Armando. Reflexões Psicanalíticas sobre o Homossexualismo.
Disponível em
http//www.boasaude.com/lib/ShowDoc.cfm?LibDocID=3757&ReturnCatID=1781 em 04
de janeiro de 2002.
3.4 NA PSICANÁLISE
O estudo da sexualidade, para a psicanálise, tem sentido apenas quando envolve a
compreensão do psiquismo de uma pessoa, suas identificações, a formação da pessoa como
sujeito de uma cultura, o comportamento de um modo geral.
Não existe a sexualidade dissociada da pessoa como um todo, não é algo instintivo,
herdado, rígido ou fixo dentro de uma mesma espécie.
É ela um componente de nossas vidas. A identidade sexual é desenvolvida pelo ser
humano, assim como a identidade profissional, de adulto, da maturidade, de filho, pai, e
mãe. Já a sexualidade é algo inerente ao prazer, e tudo o que é ligado ao prazer é de caráter
sexual para a psicanálise.
Quando existe especificamente uma homossexualidade, deve-se compreender como sendo
uma forma que a pessoa encontra para se expressar, relacionar-se e expor-se como tal.

43
Na teoria psicanalítica, uma pessoa que apresente um psiquismo homossexual, está
buscando esquivar-se das diferenças; são pessoas extremamente sensíveis a choques de
opinião e comumente tiveram que lidar com questões radicais, posições incoerentes e
contraditórias constantemente durante a infância, principalmente de seus educadores.
Buscam através da igualdade se livrar de se sentir pressionados diante das diferenças e do
diferente. Não precisam necessariamente estar ligados a parceiros do mesmo sexo. É o que
a psicanálise chama de componente narcísico da personalidade, portanto, podem procurar
parceiros para relacionamentos íntimos, tanto quanto comerciais, sociais e pessoais.
A homossexualidade, segundo o Dr. Armando Colognese Júnior, docente do Curso de
Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, é uma opção tanto quanto o é a
heterossexualidade, uma vez que “a identidade forma-se ao longo da vida e sua base mais
forte está calcada nos primeiros seis anos de vida.”31 12
32 ASSIS, Reinaldo Mendes de. União entre homossexuais: aspectos gerais e
patrimoniais. Disponível em http:www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3432, em 04 de
janeiro de 2002.
II – REFLEXÕES JURÍDICAS
4 O CASAMENTO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS
4.1 ORIGENS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Desde os tempos mais remotos, busca o ser humano encontrar companhia para com esta se
unir, objetivando a procriação.
Originariamente, a primeira forma de união entre um homem e uma mulher ocorreu através
da força, com o macho simplesmente pegando a fêmea pela qual sentia desejo. Tratava-se
de uma união forçada, não se configurando casamento.
O casamento ingressa na história da humanidade como processo de socialização.
Falar casamento é dizer história ou cultura. Diante disso, cada sociedade esculpiu seus
modelos institucionais para ações relativas à família e à conjugalidade.
Historicamente, tem-se tentado tornar o casamento algo natural, mas é ele essencialmente
uma instituição social.
Em sua evolução história32, o casamento, dentro do sistema ocidental, encontrou quatro
etapas distintas, sendo elas:
Matrimônio consensual: praticado pelos povos antigos, não sendo condição à validade do
casamento qualquer formalidade, bastando a vontade recíproca de se unirem, o mútuo
consentimento.
Matrimônio exclusivamente religioso: a partir do século X, a Igreja passou a afirmar ser o
casamento entre os cristãos um sacramento sujeito às normas eclesiásticas. 13

44
É importante ressaltar que, quando da realização do Concílio Tridentino, estabeleceu este a
doutrina do sacramento matrimonial, o qual ainda se encontra em vigor, doutrina esta que
influenciou em muito o atual sistema, pois tratou dos impedimentos, da indissolubilidade.
Matrimônio legal e eclesiástico: regime que passou a vigorar desde 1836 em diversos
países, dentre eles o Brasil. Facultou-se aos interessados contrair o casamento segundo as
normas da legislação vigente no país, ou sob as prescrições da Igreja, subordinando o
casamento na Igreja ao que dispõe a lei canônica.
Matrimônio civil obrigatório: abandonando a idéia do casamento religioso, a maioria das
legislações passaram a dar validade tão somente ao matrimônio civil, podendo ser o
religioso realizado a critério dos interessados, embora não possua validade qualquer.
O instituto do casamento, em seu aspecto jurídico, desperta interesse como objeto de estudo
a partir do período de dominação do Império Romano, onde se observa a existência de
normas que regulavam a existência do instituto, o qual era dividido em três espécies
distintas: a "confarretio", a "coemptio" e o "usus".
A "confarretio" era o casamento dos patrícios (cidadãos romanos), que correspondia ao
matrimônio religioso, caracterizado pela oferenda de um pão de trigo aos deuses. Todavia,
no Império Romano, esta forma caiu em desuso.
A "coemptio" era o matrimônio dos plebeus (aqueles que não eram cidadãos romanos).
O "usus" era equivalente a um usucapião, já que a mulher era adquirida pela posse.
Posteriormente, o instituto evolui até o casamento livre, no qual era exigido apenas a
capacidade dos nubentes, o seu consentimento e a inexistência de impedimentos.
Com o passar do tempo, a Igreja se apodera dos direitos sobre a regulamentação e
celebração do matrimônio, excluindo o Estado de qualquer participação.
Devido à influência judaico-cristã, não se pode afastar a citação de Modestino, ao se
perscrutar pela trilha da decodificação do sentido de casamento para as sociedades
ocidentais. Diz ele que o casamento é a "conjugação do homem e da mulher; que se
associam para toda a vida, a comunhão do direito divino e do direito humano". O que se
vê aqui são as matrizes do casamento 14

45
33 DIAS, M.B., Op. cit., p. 105.
34 MONTEIRO, WB. Curso de Direito Civil – Direito de Família., 1990, p. 9.
35 Código de Direito Canônico, Codex Iuris Canonici, p. 465.
36 BEVILAQUA, Clóvis. Direito de Família, 1943, p. 34.
sexista, indissolúvel e portal entre o divino e o profano. Durante muitos séculos esse foi o
único modelo vislumbrável pelas sociedades ditas civilizadas.33
Em outro momento histórico, os Estados começaram a rever esta situação, sendo a
iniciativa tomada pelos ingleses, que passaram a regulamentar o instituto sem a
interferência da Igreja.
No Brasil, esta situação perdurou até 1861, quando o Estado regulamentou o casamento dos
não-católicos, formados em sua grande maioria por imigrantes. Mais tarde, com o advento
da Proclamação da República, houve a separação entre o poder temporal e espiritual,
conforme explica o Professor Washington de Barros Monteiro,34 sendo que, desde então,
tem-se o casamento civil, apesar de a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226,
parágrafo segundo, equiparar o casamento religioso ao casamento civil.
4.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A Igreja teve um papel importante na definição do casamento, a qual pode-se encontrar no
Código de Direito Canônico, cânon 1055, em seu parágrafo primeiro:
"Cân. 1055 - § 1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o
consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à
geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de
sacramento.”35
São inúmeras as definições que encontramos para este importante instituto na doutrina.
Porém, conceituar o casamento tem sido um grande desafio para os doutrinadores.
Clóvis Beviláqua36 define o casamento na ótica de legitimação estatal das relações carnais
e implicitamente estabelecendo suas conseqüências na órbita patrimonial: "Casamento é um
contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente,
legitimando por ele suas relações sexuais; 15
37 MONTEIRO, W B. Op. cit., p. 09.
estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar
e educar a prole que de ambos nascer".
Essa visão de Clóvis, estribada no pensamento dominante no mundo de então, presidiu a
leitura normativa nacional durante décadas. Daí advieram as compreensões acerca da
legitimidade da prole oriunda do casamento em detrimento das demais, e até mesmo do
papel do Estado como regulador e legitimador dessas relações.
Washington de Barros37 conceitua o matrimônio como "a união permanente entre o
homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de reproduzirem, de se ajudarem
mutuamente e de criarem os seus filhos".
Em nome da defesa do casamento e, implicitamente de um conceito limitado de
familiaridade, vigoraram no Brasil até pouco tempo o art. 175, caput, da Emenda
Constitucional no 1, em relação à Constituição de 1967, que dizia: "A família é constituída
pelo casamento e terá proteção dos Poderes do Estado", e, os arts. 242 e seguintes e 380
do Código Civil de 1916, que até 1988 impunham à mulher a necessidade de outorga
marital para realização de diversos negócios e a colocavam na condição de colaboradora do
marido na fruição e exercício do pátrio poder. Logo, a comunhão não era tão equânime
como poderia parecer em princípio.
A maioria da sociedade brasileira, já em 1967, era favorável ao divórcio, mas este somente
foi efetivado dez anos depois. Logo, a moral presidiu por mais tempo o casamento do que a
própria lógica que emanava da história e do mundo vivido na sociedade.
Quanto à natureza jurídica do casamento, a doutrina também não chegou a um ponto
pacífico, uma vez que existem duas correntes distintas no direito pátrio. A primeira corrente
afirma que o casamento é de natureza contratual, tendo entre os seus adeptos o Professor

46
Silvio Rodrigues, que o conceitua como sendo um contrato de direito de família, seguindo
o mesmo raciocínio do ilustre jurista baiano Orlando Gomes.
A segunda corrente afirma que o casamento é uma instituição, tendo entre os seus adeptos a
Professora Maria Helena Diniz e o ilustre jurista paulista Washington de Barros. 16

47
38 DINIZ, MH. Curso de Direito Civil – Direito de Família, p. 65.
39 GOMES, Orlando. Apud DIAS, M.B. Op.cit., p. 60.
A corrente contratualista tem se apoiado no direito canônico, segundo a qual o
consentimento dos nubentes é o fator preponderante na formação do vínculo matrimonial.
Por este motivo, a Igreja entende que o casamento é um contrato. Da mesma forma a escola
jusnaturalista acolheu esta concepção, a qual inspirou várias legislações, inclusive o Código
de Napoleão.
Há doutrinadores que modernamente atribuem ao matrimônio a qualidade de um ato
complexo, de natureza institucional, uma vez que depende da manifestação livre da vontade
dos nubentes, mas que se completa pela celebração, a qual é ato privativo de representante
do Estado.
Para a corrente institucionalista, existem diversos fatores que diferenciam o contrato da
instituição. Nesse passo, a Profª. Maria Helena Diniz38 cita o jurista argentino Guilhermo
Borda, que destacou tais diferenças de forma bastante elucidativa:
a) o contrato é uma especulação (o vendedor procurando o preço mais alto e o comprador o
mais baixo); a instituição é um ´consortium´, onde os interesses são coincidentes; b) o
contrato rege-se pela igualdade; a instituição pela disciplina; c) o contrato é uma relação
que só produz efeitos entre as partes; a instituição impõe deveres tanto para as partes
quanto para terceiros; d) o contrato é uma relação exterior aos contratantes, é um laço
obrigacional; a instituição, uma interiorização; e) o contrato representa uma trégua na
batalha dos direitos individuais, sendo produto da concorrência; a instituição, um corpo
cujo destino é ser compartilhado por seus membros, portanto produto da comunicação; f) o
contrato é precário, desata-se como foi formado, extinguindo-se com o pagamento; a
instituição é feita para durar; g) o contrato é uma relação subjetiva de pessoa a pessoa; as
relações institucionais são objetivas e estatutárias.
Hodiernamente, a doutrina continua tentando determinar a natureza jurídica do matrimônio.
Nesse passo, o Professor Orlando Gomes39, destacou três formas, com as quais se tentou
explicar a natureza jurídica do casamento. A primeira delas, afirma que o casamento teria a
natureza jurídica de um negócio complexo, pois o simples consentimento dos nubentes não
seria suficiente para sua formação, uma vez que também é necessário a intervenção da
autoridade para que o ato se complete.
A segunda forma entende que o casamento é um acordo, pois haveria uma soma de
vontades por parte dos nubentes. Todavia, a grande maioria da doutrina ainda não chegou a
um consenso a respeito do acordo, mas a grande maioria entende que o acordo sempre se
reduz a um contrato. 17

48
Finalmente, a terceira corrente entende que o casamento é um ato-condição, porque as
partes ao consentirem, necessariamente aderem ao estatuto matrimonial, ingressando na
mesma situação jurídica das pessoas casadas, o qual tem que ser aceito sem qualquer
alteração.
Dentre todas as correntes citadas, a corrente contratualista, pela origem do casamento no
direito canônico, que o considerava um contrato e por entender que o casamento forma-se
pelo acordo de vontades, é a mais aceita.
Ao nível internacional, o casamento, na ótica da ONU (art. 16, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos), funda-se na perspectiva da distinção de sexos entre os nubentes, na
ausência de limitações raciais, religiosas ou afetas à nacionalidade – sendo garantida a sua
possibilidade de dissolução. Assevera ainda o referido postulado que a validade do
casamento está adstrita à existência de liberdade aos nubentes na sua assunção.
O casamento encontra sua estrutura na união entre homem e mulher, deixando claro, ser o
casamento um instituto incompatível com a união de pessoas do mesmo sexo.
No Brasil de hoje, a conceituação de casamento ainda congrega querelas acerca da
contratualidade ou não do instituto – consideradas relevantes do ponto de vista teórico, mas
na prática, totalmente inócuas – mas não comporta mais a indissolubilidade e não atribui
possibilidade de diferenciação entre os cônjuges e entre as formas de filiação. Sem dúvida
avanços na conceituação da instituição matrimonial.
4.3 CONSEQÜÊNCIAS ORIUNDAS DO CASAMENTO
Uma vez celebrado o casamento, várias conseqüências serão projetadas na vida social dos
nubentes, nas suas relações econômicas, nos deveres a serem cumpridos por ambos, bem
como nas suas relações com seus filhos.
Deste modo, a doutrina divide os efeitos do casamento em três categorias, quais sejam: os
efeitos sociais, os efeitos pessoais e os efeitos patrimoniais. 18

49
Os efeitos sociais seriam a criação da família, conforme preceitua o art. 226, da
Constituição Federal de 1988; o estabelecimento do vínculo de afinidade entre cada
cônjuge e os parentes do outro; emancipação do cônjuge de menor idade, conforme
determina o art. 9º, parágrafo primeiro, inciso II do Código Civil/1916 (artigo 5º, parágrafo
único, inc. I do CC/2002) e a constituição do estado de casado.
Quanto aos efeitos pessoais do casamento, destacamos os direitos e deveres de ambos os
consortes que seriam o de fidelidade mútua, coabitação e mútua assistência, todos
regulados no Código Civil, em seu art. 231. Além destes, existem os direitos e obrigações
do marido, regulados no art. 233 ao 239 do Código Civil, bem como os direitos e deveres
da mulher, regulados no art. 240 ao art. 255 do mesmo diploma legal.
Finalmente, quanto aos efeitos patrimoniais do casamento, estes variam de acordo com o
regime de bens, que pode ser o da comunhão parcial de bens, no qual os bens adquiridos a
partir da celebração do casamento serão de ambos os cônjuges, conforme estabelece o art.
269 e seguintes do CC. Caso o regime seja o da comunhão universal, todos os bens
pertencentes aos cônjuges serão integrantes do patrimônio do casal, conforme determina o
art. 262 e seguintes do Código Civil. Por fim, caso o regime seja o da separação de bens, os
bens de cada cônjuge permanecerá sob a sua exclusiva administração, conforme os arts.
276 e 277 do CC.
5 A FAMÍLIA
O ser humano é um ser social que está sempre em busca da felicidade, a qual é buscada nas
relações afetivas, decorrendo ser a família uma entidade histórica, e ligada a ela confunde-
se a história da própria humanidade.
O Estado tem por finalidade promover o bem de todos, princípio este consagrado pelo
artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, sucedendo daí o nítido interesse da mesma em
consignar a família como base da sociedade, unidade política básica da organização estatal,
com especial proteção do Estado. 19

50
40 HIRONAKAI, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e Casamento em Evolução.
Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 60.
41 SUANNES, Adauto. As Uniões Homossexuais e a Lei 9278/96. Apud DIAS, M.B. Op.
cit., p. 60.
42 DIAS, M.B. Op. cit., p. 61.
É a família o “lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores, sendo o
caminho para a realização do projeto de felicidade pessoal.”40
E, na identificação da família como „celula mater’ e sede da plenitude do bem-estar do ser
humano, define com brilhantismo Adauto Suannes41:
“Família é uma expressão que deve abranger pelo menos aquelas duas pessoas que se unem
com o propósito de manutenção desse vínculo afetivo, independente de serem de sexo
diverso, tenham ou não prole.”
O casamento é tido como uma das mais antigas instituições da civilização, com o social
interesse na procriação, e devido a este fato, é intuitiva a relação que se faz entre as noções
de família e casamento entre um homem e uma mulher. “O legislador pátrio, na feitura do
Código Civil de 1916, além de se omitir em regular as relações extramatrimoniais,
expungiu a possibilidade de extrair conseqüências jurídicas de qualquer outro vínculo
afetivo. Proibiu doações, seguros, bem como a possibilidade de herdar aos partícipes de
ligações tidas como espúrias.”42
A família possuía perfil patriarcal e hierarquizado. Pelo casamento, tornava-se a mulher
relativamente capaz, sendo obrigada a adotar o sobrenome do marido. Bem definidos eram
os papéis dos partícipes do clã: o homem como provedor, responsável pelo sustento da
família; a mulher como mera reprodutora, restrita ao ambiente doméstico, à administração
da casa e à criação dos filhos. A finalidade essencial da família era sua continuidade. Para
haver a certeza biológica da filiação, valorizava-se a fidelidade da mulher, sendo a
virgindade um sinal externo de respeitabilidade.
Com o advento da Revolução Industrial, a mulher ingressou no mercado de trabalho,
tornando a família nuclear, com o homem deixando de ser a fonte única de subsistência da
família.
Diversas outras mudanças se deram com as lutas emancipatórias, com os movimentos
feministas e popularização dos métodos anticoncepcionais, buscando as mulheres cada vez
mais a conquista de seus direitos de cidadania. 20

51
43 DIAS, M.B. Op. cit., p. 63.
44 DIAS, M.B. Op. cit., p. 64.
45 Idem., p. 65.
A mulher passou a questionar a discriminação a que foi submetida, descobrindo o direito à
liberdade, e buscando oportunidades iguais de trabalho e respeito social.
A união passou, então, a perder seu caráter reprodutivo, e a família passou a ser constituída
por entes com maior igualdade.
Foram os laços entre Estado e Igreja afrouxados, „eliminando preconceitos e apagando
formalismos sociais‟ e as famílias “impregnaram-se de maior autenticidade, com base no
amor e na compreensão, deixando de lado a falsidade institucionalizada e a submissão à
legalidade estrita.”43
Com o surgimento decorrente das mudanças sociais ocorridas desde então, muitas uniões
fora do casamento surgiram, instituindo novas estruturas de convívio. Por não estarem
chanceladas pelo Estado, ao serem seus direitos reivindicados na justiça, forçou-se a
criação de alternativas para que se evitasse o cometimento de injustiças.
Foi então criado o termo “companheirismo, como forma de contornar as proibições ao
reconhecimento dos direitos banidos pela legislação.”44
Primeiramente, recorreu a jurisprudência ao Direito do Trabalho, entendendo haver relação
laboral digna de indenização por serviços domésticos prestados.
Fez-se, secundariamente, analogia com o Direito Comercial, por haver semelhança à
sociedade de fato, evitando enriquecimento sem causa de um dos companheiros e permitir a
partição patrimonial.
Não se cogitou reconhecer ou conceder alimentos, herança, ou outros direitos concedidos
aos cônjuges na constância do casamento.
“A Carta Magna de 1988 produziu uma profunda revolução nas estruturas sociais, ao
emprestar juridicidade aos relacionamentos existentes fora do casamento e não sacralizadas
pelo matrimônio.”45
No conceito de entidade familiar foram inseridos a união estável (vínculo entre um homem
e uma mulher) e o vínculo monoparental (vínculo de um dos pais com seus filhos), não
havendo hierarquização de valores pela Constituição. 21

52
46 DIAS, M.B. Op. cit., p. 67.
47 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. RJ: Nova
Fronteira, 1985. verbete: eudemonismo, p. 746
48 Constituição Federal, art. 5º, inc. X: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação.
49 DIAS, M.B. Op. cit., p. 137.
Inexige-se, para a configuração do elemento constitutivo de uma entidade familiar, a
existência de casal heterossexual com capacidade reprodutiva, o que se deduz pela família
denominada monoparental.
Partindo-se do princípio de que tudo o que foge ao modo convencional é rechaçado pela
sociedade e condenado à clandestinidade, tem havido uma evolução comportamental das
pessoas, que se reflete na família, e conseqüentemente, vêm se tornando explícitas e
conhecidas, muitas das relações até então condenadas no meio social.
“Se a prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que o relacionamento de
duas pessoas mereça a proteção legal”, diz Maria Berenice Dias, “não se justifica deixar ao
desabrigo do conceito de família a convivência entre pessoas do mesmo sexo. O centro de
gravidade das relações de família situa-se modernamente na mútua assistência afetiva
(affectio maritalis).”46
Hoje, surge uma nova família, a “eudemonista”, direcionada como “doutrina que admite ser
a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral”,47 pois o
afeto, elemento essencial da relações entre pessoas, é um aspecto do exercício do direito à
intimidade garantido pelo inciso X do art. 5º da Constituição Federal48, além do que,
mister se faz ressaltar que a CF, no inciso III do art. 1º, consagra, em norma pétrea, o
respeito à dignidade
6 PARCERIA CIVIL
Há grande resistência do Estado em proteger entidades familiares que não possuam origem
no casamento, dentre elas a união estável.
Esta dificuldade, conforme refere-se Maria Berenice Dias,49 “não pode obstaculizar a
criação de instrumentos jurídicos que outorguem proteção a 22

53
50 Justificativa do Projeto de Lei n.º 1151/95 – Cópia no anexo 2.2
51 Cópia do Projeto no anexo 2.2
52 DIAS, M.B. Op. cit., p. 139.
relacionamentos outros que, mesmo sendo liames de convivência distintos, surgem de
idênticos sentimentos.”
Pelo fato de serem as uniões homossexuais repudiadas pela sociedade, inibiu-se o
legislador de as inserir no conceito de entidade familiar; bem como a majoritária
jurisprudência, tendo os juízes a desculpa da ausência de normas legais para se esquivarem
do dever de solucionar lides originárias destes relacionamentos.
Em 1995, apresentou a ex-Deputada Marta Suplicy o Projeto de Lei n.º 1.151, com o
objetivo de regular relações entre pessoas do mesmo sexo, sob o slogan “Um legítimo
direito de cidadania”, pois visa regulamentar situação de fato existente.50
Recebeu parecer favorável o substitutivo apresentado então pelo Relator Deputado Roberto
Jefferson, em 10.12.96, pela Comissão Especial do Congresso.51
Poderosa se revelou a força de entidades conservadoras, como as igrejas de todas as
religiões e credos, as Forças Armadas, tendo a matéria entrado por seis vezes em pauta, sem
nunca ter ido a plenário.
O projeto foi arquivado, quando do afastamento da proponente da Câmara dos Deputados, e
sequer foi votado ao ser reapresentado pelo Deputado Marcos Rolim.
Está dito explicitamente, em sua justificativa, que o projeto, denominado “união civil”, não
tem intenção de dar status de casamento às parcerias homossexuais. O termo, porém,
aprovado no substitutivo, foi “parceria civil registrada”, focalizando concessão do direito
jurídico, e não do casamento. “Tem a proposta legislativa a intenção de “chancelar a
vontade manifestada por duas pessoas do mesmo sexo, independentemente da existência de
vínculo afetivo ou homossexual entre elas.”52
Pela proposta, é autorizada a realização de um contrato escrito a ser registrado em Cartório
de Registro Civil das Pessoas Naturais (arts. 2º e 8º), podendo ser estipulados deveres,
impedimentos e estabelecidas mútuas obrigações (art. 3º).
Pela proposta, autoriza-se: a) a elaboração de contrato escrito, passível de ser registrado em
livro próprio no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (arts. 2º e 8º); b) pactuar
deveres, criar impedimentos e estabelecer obrigações mútuas (art. 3º); c) dispor, nas
disposições de caráter patrimonial, eficácia perante terceiros (art. 8º §1º); d) 23
53 MALHEIROS, Fernando. A Parceria Civil Registrada. Jornal do Comércio. Porto
Alegre, 27/03/97 citado por DIAS, M.B. Op. cit., p. 140.
proteção ao direito de propriedade com garantia ao direito à sucessão (art. 13); e) assegurar
ao parceiro a totalidade da herança, não havendo herdeiros necessários (art. 13, inc. III),
porém, havendo descendentes ou ascendentes, só se concederá a metade do patrimônio que
resultar da atividade em que haja a colaboração do parceiro (art. 13, inc. IV); f) conceder
usufruto da metade enquanto não registrado outro contrato (art. 13, inc. I), dependendo da
existência ou não de filhos do „de cujus‟; g) garantir direitos previdenciários, quando
reconhecida a condição de dependente do segurado (art. 10) e na órbita da administração
pública (art. 12); h) direitos relacionados aos planos de saúde e seguro de vida em grupo
(art. 16); i) se identificado o bem imóvel comum como sendo bem de família, fica este
garantido pela impenhorabilidade (art. 9º); j) direito de exercer a curatela (art. 14) e
garantida a nacionalidade ao parceiro estrangeiro (art. 15); k) composição conjunta da
renda para fins de aquisição da casa própria, compra ou aluguel de imóvel; e, finalmente, l)
declaração de dependência para fins de imposto de renda (art. 17).
As vedações do projeto são poucas: é vedada a mudança do estado civil durante a vigência
do contrato (art. 2º §3º); não é permitida a mudança do nome; e proibidas quaisquer
disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes, mesmo que sejam
filhos de um dos parceiros (art. 3º, §2º).

54
Estabelecendo-se um paralelo entre casamento, união estável e parceria civil, pode-se
constatar que, apesar de estar aparentemente inserido no âmbito do Direito Obrigacional,
possui semelhança com o casamento, ao que concerne a “união, aliança, combinação.”53
Questiona-se que o Projeto, apesar de trazer entendimento contratual da parceria, quanto a
seus efeitos e formalidades, apresenta restrições quanto ao sexo e o estado civil, somente
podendo contratar pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas, configurando-se nitidamente a
tentativa de proteção às relações homoafetivas, e seus efeitos patrimoniais e pessoais.
O contrato deverá ser averbado nos assentos de nascimento ou casamento, com a proibição
de alteração do estado civil dos parceiros durante sua vigência, nascendo 24

55
54 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uniões de pessoas do mesmo sexo. Palestra cit.,
02/10/97. Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 142.
55 DIAS, M.B. Op. cit., p. 142.
56 LARNIE, Patrick. Sexualidade e Direitos de Cidadania In: Sexualidade, Gênero e
Sociedade, n.º 11, julho de 1999. Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 142.
57 Justificativa no anexo 2.2
daí novo impedimento ao casamento, além dos especificados no art. 183 do Código Civil
Brasileiro (art. 1.521, Novo Código Civil).
Há disposições que evidenciam o familiar caráter do instituto, como a inclusão do parceiro
na ordem de vocação hereditária, direito ao usufruto legal prevalecendo sobre o direito à
posse dos herdeiros necessários, preferência do parceiro aos familiares para o exercício da
curatela.
Na parceria, ampla é a liberdade de estabelecer obrigações e gerar impedimentos de ordem
pessoal, o que traz benefícios maiores em relação ao casamento e o pacto antenupcial.
Ademais, a infração aos deveres elencados no contrato ensejam o rompimento do vínculo,
possibilidade não havida no casamento.
Necessário se faz, pois, emprestar juridicidade às situações que não recebem proteção legal.
O projeto “marca o início da saída da marginalidade”54 excluindo os homossexuais na
esfera social para a obtenção do reconhecimento estatal, onde o amparo à cidadania de
grupos minoritários implica o reconhecimento do papel da sexualidade na esfera pública.55
O impacto que a lei poderá trazer, se aprovada, será ao que tange à modificação
institucional legal da família; grande será, porém, a reconfiguração do cidadão como sujeito
sexual, passando a sexualidade a permear as esferas pública e política, passando os
homossexuais a ter um amparo legislativo que questiona o papel da sexualidade na
ordenação dos direitos de cidadania.56
Como bem explicitou Marta Suplicy: “Se todos têm direito à felicidade, não há porque
negar ou desconhecer que muitas pessoas só serão felizes relacionando-se afetiva e
sexualmente com pessoas do mesmo sexo. Valores e normas sociais são modificados,
reconstruídos e alterados de acordo com as transformações da própria sociedade.”57 25

56
58 DIAS, M.B. Op. cit., p. 89.
59 Id.
60 SILVA, ALM. Op. cit., Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 90.
61 GOMES, Orlando. Direito de Família. 1999, p. 118.
6.1 A OMISSÃO LEGAL
“O silêncio da Lei Maior, esbarrando na falta de previsão legislativa e no conservadorismo
judicial”,58 além de aspectos dogmáticos e culturais, são enfrentados pela tentativa de
discutir a homossexualidade e os problemas enfrentados por seus adeptos. Sobre esta
problemática, esclarece Maria Berenice Dias:
A chamada Constituição cidadã, pretendendo integrar no laço social todos os cidadãos, foi
enfática e até repetitiva em vetar discriminações de qualquer ordem. Ainda que festejada
por seus ares de modernidade, acabou restringindo a proteção estatal à entidade familiar
formada por um homem e uma mulher, olvidando que a heterossexualidade não é a única
opção de vida que existe. Assim, não assegurar garantias nem outorgar direitos às uniões
homoafetivas infringe o princípio da igualdade e revela discriminação ao livre exercício da
sexualidade. A omissão revela violação aos direitos humanos, pois afronta a liberdade
sexual, direito fundamental do ser humano que não admite restrições de qualquer ordem.59
Ainda, para Américo Luís Martins da Silva, “o não reconhecimento legal de sua condição e
a falta de atribuição de direitos constituem certamente cerceamento de liberdade e uma das
formas em que a opressão pode se revelar.”60
Para se atribuir efeitos jurídicos aos relacionamentos em tela, mister reformar a visão
institucional e tradicional da família enquanto instrumento de organização social,
principalmente ao que tange a diversidade de sexos. A postura tradicional é limpidamente
definida por Orlando Gomes: “O casamento entre pessoas do mesmo sexo é inconcebível.
A exigência da diversidade de sexo constitui, entretanto, uma condição natural, tendo-se em
vista a conformação física de certas pessoas, dado que repugna cogitar na hipótese de
casamento entre dois homem ou entre duas mulheres, fato que pertence aos domínios da
insânia.”61
Importante salientar que o Código Civil Brasileiro deixa de definir família ou conceituar
casamento, não estando entre o rol dos impedimentos à sua celebração, referência à
diversidade sexual. 26

57
62 DIAS, M.B. Op. cit., p. 94.
63 DIAS, M.B. Op. cit., p. 94.
Na tentativa de coibir injustiças, limitara-se a jurisprudência a deferir alguns efeitos
patrimoniais, mas sem ver no concubinato relacionamento familiar análogo ao casamento.
Concedia-se à mulher, primeiramente, indenização por serviços prestados, e, no máximo,
chegou-se ao reconhecimento de sociedade de fato, para se evitar que o patrimônio gerado
na constância da união entre os sócios gerasse enriquecimento injustificado, se ficasse com
apenas um dos sócios.
A resistência da Justiça é similar com relação às uniões homossexuais, sendo difícil
identificá-las como entidade familiar e com escassa jurisprudência reconhecendo a
existência de sociedade de fato, fulcrando-se no art. 1363 do CCB, fato este que leva ao
apoio no âmbito do Direito Obrigacional.
As soluções encontradas são delineadas por Maria Berenice Dias, quando ocorre o fim de
um afetivo relacionamento, com a busca do Judiciário para conflitos de ordem pessoal ou
de cunho patrimonial:
A depender da identidade sexual dos parceiros, diferenciada a tutela jurisdicional que será
outorgada. Mesmo sendo idênticas tanto a postura dos conviventes como a natureza do
vínculo afetivo que entretêm, receberão tratamento desigualitário. Se forem parceiros
heterossexuais, a demanda tramitará perante a Vara de Família. Reconhecida a existência
de uma convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de
constituição de família, deferem-se alimentos, partilham-se bens, entrega-se herança,
concede-se direito real de habitação e usufruto sobre a metade dos bens disponíveis, isso
tudo partindo da presunção „juris et de jure‟ de colaboração comum na formação do acervo
patrimonial.62
E remata expondo que, mesmo “quando comprovada uma convivência duradoura, pública e
contínua, é reconhecida somente a existência de uma sociedade de fato. Ao parceiro, no
máximo, é deferida a metade do patrimônio adquirido durante a vida em comum, e, ainda
assim, mediante prova de mútua colaboração.”63
Essa solução parece justa, porém o mesmo não ocorre quando do relacionamento decorre a
morte de um dos parceiros, pois na hipótese de falecimento, persiste o enriquecimento sem
causa ao outorgar-se somente a meação dos bens ao sobrevivente, não se podendo negar
“ocorrência de injustificado proveito dos familiares – que normalmente hostilizavam a
opção sexual do de cujus – em detrimento de quem 27

58
64 Ibid., p. 95.
65 DIAS, M.B. Op. cit., p. 99.
66 REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil, Apud DIAS, M.B. Op. cit., p.
106.
dedicou a vida a um companheiro, ajudou a amealhar um patrimônio e se vê sozinho,
abandonado e sem nada”.64
Ainda que não se aceite a existência de uma família homossexual, não querendo aplicar
legislação referente à entidade familiar, deve-se ao menos reconhecer ser o interesse
merecedor de proteção, por conseguinte, não deve servir a omissão legislativa de óbice à
outorga de direitos e imposição de obrigações a estas relações. À vista disso, não deve o
juiz inibir-se em resolver lides trazidas a seu julgamento, precisa ele buscar respostas em
relações jurídicas similares às postas em julgamento.
Por conseguinte, necessário se faz relembrar que o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil traz que o aplicador do direito deve subsidiar-se dos referenciais nele elencados, quais
sejam, a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
“O óbice constitucional, estabelecendo a distinção de sexos ao definir a união estável, não
impede o uso de tal forma integrativa de um fato ao sistema jurídico. A identidade sexual
não serve de justificativa para se buscar qualquer outro ramo do direito que não o Direito de
Família.”65
6.1.2. O Silêncio do Novo Código Civil
O Código Civil não trata da união das pessoas do mesmo sexo no campo do Direito
Obrigacional, tampouco na esfera do Direito de Família.
Ao ser criticado pela omissão, Miguel Reale66, Relator do Projeto, assim justificou-se
dizendo que “essa matéria não é de Direito Civil, mas, sim, de Direito Constitucional,
porque a Constituição criou a união estável entre um homem e uma mulher”. Sustentou
ainda que, para se cunhar a união estável dos homossexuais, é preciso modificar a
Constituição, não sendo, por conclusão, tarefa dele ou do Senado Federal. 28

59
67 FIUZA, Ricardo. Relatório final apresentado à Comissão Especial da Reforma do
Código Civil, apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 107.
68 FIUZA, Ricardo. Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 107.
69 Id.
70 DIAS, M.B. Op. cit., p. 71.
O Relator Deputado Ricardo Fiuzza, em 18.08.2001, teve parecer aprovado, contendo, no
relatório final, um item referindo a questão da união civil, justificando a ausência por
alegação de impossibilidade técnica. Refere no parecer:
É notório que as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo provocam conflitos
religiosos, diante de usos e costumes longamente sedimentados, muitas vezes apenas para
efeitos públicos, certamente ainda com grande influência da escolástica, onde é vedado que
as pessoas sejam felizes se o preço dessa felicidade significar o mínimo arranhão aos seus
cânones.67
E acrescenta ser “preciso, todavia, que se afastem as posturas farisaicas ou simplesmente
ortodoxas e que se atente que em todo o Capítulo da Família o novo Código dá especial
ênfase às relações afetivas. Nesse caso, deveríamos reconhecer que a busca da felicidade
entre duas pessoas extrapolou a rigidez e o engessamento do direito positivo.”68
Após declarar que o Projeto de Lei n.º 1151, de 1995, “no mínimo, vem ao encontro de
uma realidade fenomenológica que não é despercebida pelos operadores do Direito”69,
afirmou o Relator que ao menos a questão patrimonial entre parceiros civis deveria ter sido
disciplinada no Direito das Sucessões.
7 PERFIL CONSTITUCIONAL
“Um estado democrático de direito não pode desrespeitar seus princípios, servindo sua lei
maior para assegurar a realização dos direitos e liberdades fundamentais.”70
7.1 AS GERAÇÕES DE DIREITOS 29

60
O processo da crescente socialização do estado contemporâneo resultou da evolução do
estado liberal para o estado social, cuja plenitude jurídica é o estado democrático de direito,
no rumo a um estado de direito pleno.
A conversão de todos os direitos fundamentais em direitos humanos difusos e integrais,
cuja titularidade sujeite todos os indivíduos e cujo objeto aprenda os valores da dignidade
humana, produz os valores fundantes da espécie humana.
Através da Declaração Francesa de 1789, foram consagrados os direitos de primeira
geração, tendo como escopo a preservação da liberdade individual, impondo limites ao
Estado.
Os direitos de segunda geração são os direitos econômicos, sociais e culturais positivados
nos textos constitucionais a partir da Constituição de Weimar, de 1919. Cobram atitudes do
Estado com a finalidade de promover a igualdade material de oportunidades, ações e
resultados entre partes ou categorias sociais desiguais, protegendo e favorecendo
juridicamente os hipossuficientes em relações sociais específicas.
Sobrevindos à Segunda Guerra Mundial, os direitos de terceira geração asseguram a
dignidade humana pelo implemento das condições gerais e básicas que lhe sejam
necessárias, postas como direitos difusos de toda a humanidade.
Surgiu como reação aos extermínios em massa praticados na mesma metade do século XX
por regimes totalitários (stalinismo, nazismo) e democráticos (destruição de cidades
indefesas, inclusive por bombas atômicas).
São direitos que compõem a dignidade pessoal e constituem a condição humana, cuja
valoração resulta nos valores fundantes da humanidade.
A evolução dos direitos humanos atinge o seu ápice, a sua plenitude subjetiva e objetiva.
São direitos humanos plenos, de todos os sujeitos contra todos os sujeitos para proteger
tudo que condiciona a vida humana, segundo padrões de avaliação que garantam a
existência com a dignidade que lhe é própria. Essa categoria Resende de Barros prefere
chamar de direitos da humanidade, estendendo-a às gerações precedentes. São os direitos
humanos por excelência, integrais, por promover a integração de todos os sujeitos e objetos
da humanidade. “Traduzem o humanismo 30

61
71 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Apud DIAS, M.B. Op.
cit., p. 74.
72 Inc. IV do art. 3º da Constituição Federal: promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
íntegro: a humanidade, em toda a sua plenitude, subjetiva e objetiva, individual e social”.
7.2 DIREITO À SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS
A garantia do livre exercício da sexualidade integra as três gerações de direitos, porque está
relacionada com os postulados fundamentais da liberdade individual, da igualdade social e
da solidariedade humana. Além de estarem amparadas pelo princípio fundamental da
isonomia, cujo corolário é a proibição de discriminações injustas, impositiva a inclusão das
relações homossexuais no rol dos direitos humanos fundamentais, como expressão de um
direito subjetivo ao mesmo tempo individual, categorial e difuso.
Protegem-se estas sob o teto da liberdade de expressão, como garantia do exercício da
liberdade individual, cabendo incluí-las entre os direitos de personalidade, precipuamente
no que diz com a identidade pessoal e a integridade física e psíquica.
Visa a segurança da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, “que é a base jurídica
para a construção do direito a orientação sexual, como direito personalíssimo, atributo
inerente e inegável da pessoa humana.”71
A exigência de respeito às características individuais homossexuais pode-se socorrer do
princípio jurídico do respeito à dignidade humana.
Os grandes pilares que outorgam efetividade aos direitos humanos, verdadeira viga-mestra
assentada de forma saliente na Carta Constitucional Brasileira, são os princípios da
liberdade e da igualdade, postos no inciso III do seu art. 1º. De outro lado, o inciso I do art.
5º declara que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, sendo estabelecida
como objetivo fundamental do Estado a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV do art.
3º).72 31

62
73 DIAS, M.B. Op. cit., p. 76.
74 RIOS, Roger Raupp. Direitos fundamentais e orientação sexual. Apud DIAS, M.B. Op.
cit., p. 76.
75 Id.
76 RIOS, RR. Op. cit., apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 77.
Conclui, pois, a ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias que, “se direito a identidade
sexual é direito humano fundamental, necessariamente também o é o direito a identidade
homossexual, melhor dizendo: o direito a homoafetividade.”73
Conforme Roger Raupp Rios, “orientação sexual é a afirmação de uma identidade pessoal
cuja atração e/ou conduta sexual direciona-se para alguém do mesmo sexo
(homossexualismo), sexo oposto (heterossexualismo), ambos os sexos (bissexualismo) ou a
ninguém (abstinência sexual).”74
Não pode ser alvo da discriminação o fato de direcionar-se a atenção a alguém do mesmo
ou de outro sexo, pois baseia-se no próprio sexo da pessoa que faz a escolha. Sobreveio do
fato histórico que o relacionamento onde duas vidas de pessoas homossexuais estejam
entrelaçadas seja alvo de preconceito social, pois é difícil para a sociedade aceitar a
“separação psíquica da física entre o ato sexual prazeroso e a função procriativa.”75
Desta separação decorre a liberdade de orientação sexual, inerente a espécie humana, não
afrontando, pois, os conceitos das sociedades historicamente desenvolvidas.
Deve-se concordar com Roger Raupp Rios,76 “que o tratamento diferenciado, pela
inclinação a um ou outro sexo, evidencia uma clara discriminação à própria pessoa, em
função de sua identidade sexual”, pois todos dispõem de igualdade de escolha,
independente do sexo do escolhido.
Com fulcro no princípio constitucional de igualdade está especificamente outorgada a
proteção e a liberdade de escolha, sendo que os arts. 3º, IV; 5º, I; e 7º, XXX, todos da
Constituição Federal, vedam desigualdade em razão do sexo, portanto, deduz-se que esta
vedação estende-se também a conduta afetiva do indivíduo com relação a sua orientação
sexual. 32

63
77 Ibid., p. 78.
78 DIAS, M.B. Op. cit., p. 79.
Não bastasse isso, tem a ONU entendido como “ilegítima qualquer interferência na vida
privada de homossexuais adultos, seja com base no princípio de respeito à dignidade
humana, seja pelo princípio da igualdade.”77
Em esfera privada, não há que haver restrição de direitos pela orientação nela imprimida,
havido já posicionamentos a este respeito nas Cortes Supremas do Canadá, Estados Unidos
e Havaí, afirmando eles que qualquer hipótese de discriminação na esfera de sexual
orientação configura discriminação sexual.
7.3 FAMÍLIA E ENTIDADE FAMILIAR
O Direito de Família sofreu profundas transformações ao receber o influxo do Direito
Constitucional, com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, pois que o princípio
da igualdade revolucionou as relações familiares ao que diz respeito à discriminação em
seu seio, derrogando toda a legislação que hierarquizasse homens e mulheres, bem como a
que estabelecesse diferenciação entre filhos devido ao vínculo existente entre os pais.
Assevera Maria Berenice Dias: “Outorgando a Constituição Federal proteção à família,
independentemente da celebração do casamento, houve a inserção de um novo conceito, o
de entidade familiar, albergando vínculos afetivos outros. Tanto a união estável entre um
homem e uma mulher como as relações de um dos ascendentes com sua prole passaram a
configurar uma família.”78
Através dessas modificações, não se distingue a família pela existência ou não do
matrimônio, deixando a solenidade em tela de ser o único traço diferencial para sua
conceituação, pois o art. 226, §3º, da Constituição Federal reconhece como entidade
familiar a união estável entre um homem e uma mulher, impondo-se esta diferenciação e
ignorando-se a existência de entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo, o
que em muito contraria o princípio da igualdade, norteador da Constituição, onde veda
diferenciar pessoas em razão de seu sexo. 33

64
79 Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 80.
80 DIAS, M.B. Op. cit., p. 81.
81 Id.
Diante desse impasse, Carl Schmitt brilhantemente distinguiu constituição e lei
constitucional: “Constituição é o princípio que exprime a decisão política intangível. As
leis constitucionais devem seguir esse princípios, mas não são intocáveis e, em certos casos,
mesmo quando inseridas no texto da Constituição, podem até ser mudadas pelo processo
legislativo ordinário.”79
O princípio constitucional, que deve prevalecer é o da igualdade cumulado com o da
liberdade individual, oriundos do princípio maior da isonomia.
Não se pode justificar a necessidade de diferença de sexos para a formação da união
estável, por ser arbitrária e aleatória, com nítida exigência discriminatória. Defende Maria
Berenice Dias a entidade familiar presente na união estável entre homossexuais:
Passando, duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo, a manter uma relação duradoura,
pública e contínua, como se casados fossem, formam um núcleo familiar à semelhança do
casamento, independentemente do sexo a que pertencem. A única diferença que essa
convivência guarda com a união estável entre um homem e uma mulher é a inexistência da
possibilidade de gerar filhos. Tal circunstância, por óbvio, não serve de fundamento para a
diferenciação legada a efeito. Como a capacidade procriativa ou a vontade de ter prole não
são elementos essenciais para que se empreste proteção legal a um par, é de reconhecer-se a
incompatibilidade da regra com o preceito igualitário, que dispõe de maior espectro.80
7.4 A QUESTÃO CONSTITUCIONAL
A sociedade não é estática, e em decorrência desse fator, “as normas constitucionais devem
adequar-se aos princípios e garantias que identificam o modelo consagrado pela
comunidade a que a Carta Política deve servir.”81 A razão de ser do Estado, suportada pelo
núcleo do sistema jurídico, tem o poder-dever de garantir liberdades, limitando-se a não
promover invasões na esfera pessoal de seus cidadãos.
Justifica-se recorrer aos princípios gerais do direito em sede de interpretação, pois que
enquanto normas, são expressão de um valor, pois a Constituição, antes de 34

65
82 DIAS, M.B. Op. cit., p. 81.
83 Ibid., p. 82.
84 Ibid., p. 85.
85 DIAS, M.B. Op. cit., p. 86.
ser um conjunto de normas, é um conjunto de princípios, os quais devem ser considerados
como sendo as próprias normas constitucionais.
A diretriz maior da Constituição Pátria é o respeito à dignidade da pessoa, fundamento
direcionador de todo o sistema jurídico nacional. “Esse valor implica dotar os princípios da
igualdade e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as
relações jurídicas.”82
O fato da exigência da diversidade de sexo para o reconhecimento de união estável,
encobre dissimulada discriminação à orientação sexual, agredindo a igualdade por não
haver “pertinência lógica com a inclusão ou a exclusão do beneficio deferido ou com a
inserção do gravame imposto.”83
No mesmo feixe normativo, não há como reconhecer a possibilidade de conviverem normas
que elejam a diferenciação do sexo como elemento discriminante para merecer a proteção
estatal. Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí está
incluída a opção sexual que se tenha.
Negar juridicidade a um fato social, significa “deixar o indivíduo à margem da própria
cidadania, o que não se comporta no âmbito do Estado Democrático de Direito.”84 O
silêncio constitucional e a omissão não podem subtrair efeitos jurídicos dos vínculos em
tela, tendo o juiz o dever de utilizar-se da analogia, conforme aduz o artigo 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil. A lacuna há de ser preenchida através da legislação que regula
relacionamentos interpessoais com características semelhantes – institutos que regulam as
relações familiares – sem que se acuse afronta à norma constitucional que tutela relações de
pessoas heterossexuais.
Qualquer discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo configura claro
desrespeito à dignidade humana, a infringir o princípio maior imposto pela Constituição
Federal. Infundados preconceitos não podem legitimar restrições a direitos, o que acaba por
fortalecer estigmas sociais e causar sentimento de rejeição, sendo fonte de sofrimentos a
quem não teve a liberdade de escolher nem mesmo o destino de sua vida.85
8 UNIÕES HOMOSSEXUAIS NO MUNDO 35

66
Pode-se classificar os países segundo o grau de liberdade deferido e o respeito que é
imposto à orientação sexual, ao observar-se os modelos adotados por seus ordenamentos
jurídicos.
Há um grupo considerado de “extrema repressão”, que é constituído pelos países islâmicos
e muçulmanos, onde há a pena de morte às manifestações homossexuais.
Os países que integram o “modelo intermediário”, são aqueles que discriminalizam a
homossexualidade, deferindo prerrogativas como garantia aos direitos humanos, no entanto
não adotam iniciativas positivas. Como exemplos, Bélgica, Austrália, Alemanha e alguns
estados norte-americanos como Nova Iorque e Nova Jérsei.
Há ainda o “modelo expandido”, formado pelos países que além de adotarem condutas
descriminalizantes, instituem ações afirmativas que apoiam as organizações homossexuais.
Foi aprovada lei em defesa do casamento nos Estados Unidos, em 1996, e dos 50 Estados
norte-americanos, Vermont foi o primeiro a aprová-la dando status legal de casamento aos
pares do mesmo sexo, concedendo-lhes iguais responsabilidades e direitos, recebendo seus
integrantes a denominação de cônjuges.
No Havaí, foi reconhecido pela Suprema Corte o direito de casar, com o fundamento de que
a negativa viola a emenda constitucional que consagra a isonomia e garante direitos iguais
para todos.
No Canadá, existem cidades que concedem igualidade de direitos aos casais hetero e
homossexuais, sendo a distinção sexual ao que concerne o direito à pensão considerada
discriminatória.
Em 11 de junho de 2000, a Assembléia Nacional de Quebec aprovou por unanimidade uma
lei regulamentando a união dos cônjuges de fato do mesmo sexo, visto que a Carta dos
Direitos e Liberdades do Estado incluíra, em 1978, a orientação sexual como fator de não-
discriminação. 36
86 DIAS, M.B. Op. cit., p. 104.
Não é impedimento para servir ao exército o fato de ser homossexual na Austrália, Bélgica,
Canadá, Dinamarca, Estônia, Finlândia, Israel, Nova Zelândia, Noruega e Suécia.
O Parlamento Europeu empenha-se intensamente para a criação de lei possibilitando o
casamento homossexual na União Européia.
Através do Tratado de Amsterdã, concluído em 1997, o Conselho da União Européia pode
tomar medidas sancionatórias contra a discriminação sexual, após prévia consulta ao
Parlamento Europeu.
O primeiro país a reconhecer a união homossexual foi a Dinamarca, em 1989, concedendo,
inclusive, o direito da troca de nome pelos companheiros.
Na Noruega, foi aprovada a lei regulamentando as relações homoafetivas em 1993.
Na Suécia, a legalização se deu em 1995, sendo facultada a inclusão do nome do cônjuge.
Possuem leis semelhantes, os Estados da Catalunha, Groelândia e Islândia, não autorizada,
porém, a adoção.
A lei está sendo discutida pelo Congresso na Bélgica, Eslovênia, Finlândia e República
Tcheca.
Na Hungria, há lei atribuindo direito à herança e pensão aos casais homossexuais.
Espanha, Barcelona, Córdoba, Granada, Ibiza e Toledo registram a união civil.
Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, Holanda,
Irlanda, Noruega e Suécia deferem asilo político em razão de orientação sexual.

67
Concedem direito à nacionalidade por motivo de homossexual união, Austrália, Dinamarca,
Holanda, Noruega, Nova Zelândia e Suécia.
Na França, foi autorizado firmar contrato mediante declaração conjunta em cartório, com
livre deliberação de caráter patrimonial, sendo que ao haver omissão, comuns se presumem
os bens adquiridos durante sua vigência, sendo inclusive oponível a terceiros.86 37

68
87 Id.
88 DIAS, M.B. Op. cit., p. 56.
89 Texto do Projeto no anexo 2.1
O parlamento português aprovou o Decreto 56/VIII, em 2001, adotando medidas protetivas
às uniões de fato.
A lei regula as situações jurídicas de duas pessoas, independente do sexo, que vivem em
união de fato há mais de dois anos. São assegurados direitos previdenciários e sucessórios,
bem como direito real de habitação ao membro sobrevivente pelo prazo de 5 anos.
Dissolve-se pela morte, pela vontade de qualquer de seus membros ou pelo casamento de
um deles. No entanto, o direito à adoção só é conferido às pessoas de sexos diferentes que
vivam em união de fato.87
A Holanda, em 1º de abril de 2001, foi quem primeiro autorizou o casamento entre pessoas
do mesmo sexo. A lei permite “casar com iguais direitos e deveres, possuindo idênticas
conseqüências jurídicas às do casamento heterossexual.”88 Pode, inclusive, haver adoção
de crianças holandesas, facultando a lei converter uniões já existentes em casamento, bem
como o casamento ser transformado em uma parceria.
Entrou em vigor na Alemanha, em 1º de agosto de 2001, a lei reconhecendo que as uniões
poderão ser reguladas através de contrato.
Finalmente, a Bélgica aprovou um projeto de lei, o qual entrou em vigor em 2002,
prevendo iguais direitos aos casais homo e heterossexuais, configurando-se o segundo país
europeu a autorizar casamentos homossexuais.
8.1 UNIÕES HOMOSSEXUAIS NO BRASIL
O ordenamento jurídico brasileiro impede a criminalização, sem no entanto articular
qualquer medida que proteja os direitos fundamentais das pessoas homossexuais.
A proposta de Emenda Constitucional da ex-Deputada Marta Suplicy, para alterar os
artigos 3º e 7º da Constituição Federal, “busca incluir entre os objetivos fundantes do
Estado a promoção do bem de todos, sem preconceitos de orientação sexual, bem como
entre os direitos sociais a proibição da diferença por motivo de orientação sexual.”89 38

69
90 Texto do projeto no anexo 2.2
91 Lei Municipal n.º 9.789, de 12/05/00.
Por ter sido o projeto arquivado em 1999, foi reapresentado pelo Deputado Federal Marcos
Rolim, mantendo a mesma justificativa, apenas incluindo a vedação quanto a discriminação
por crença religiosa.
Buscando regular a união civil entre pessoas do mesmo sexo, o Projeto de Lei n.º 1151/95
não goza de melhor sorte,90 tendo o Deputado Roberto Jefferson, Relator do Projeto,
apresentado substitutivo, o qual recebeu parecer favorável da Comissão Especial do
Congresso em 10.12.96. O Deputado Marcos Rolim o reapresentou em 2001, porém não
obteve ainda aprovação através do plenário.
Mesmo não constando da ordem constitucional federal, algumas constituições estaduais e
leis orgânicas municipais estão inserindo disposições que, de forma explícita, vedam a
discriminação por orientação sexual, sendo que o Município de Juiz de Fora, no Estado de
Minas Gerais, aprovou lei prevendo severas multas à prática de atos discriminatórios ou
atentatórios aos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.91
9 A VISÃO JURISPRUDENCIAL
Os desvios sexuais são alvo de profunda rejeição social pois são considerados afronta a
moral e aos bons costumes.
Este conservadorismo inibe o legislador em normatizar situações que fogem dos padrões
considerados moralmente normais pela sociedade e a lei em se omitindo, fomenta ainda
mais a discriminação, deixando de realizar, portanto, a sua função de transmutar a
realidade, que se mantém problemática.
Apesar de estarem à margem da lei, aqueles que possuem postura considerada “anormal”
buscam o seu direito, invocando a tutela jurisdicional, pois possuem direito à proteção
legal, bem como tem o juiz dever de cumprir a função de assegurar esses fundamentais
direitos, afastando o preconceito.
Todavia, o fato de inexistir legislação contemplando direitos emergentes das relações entre
pessoas de mesmo sexo, não impede que algumas questões sejam 39

70
92 DIAS, M.B. Op. cit., p. 145.
93 STJ – RESp 4.987. Data do julgamento: 04/06/91.
94 TJRJ – Apelação Cível 7355/98 – 14ª Câmara Cível. Relator: Des. Ademir Paulo
Pimentel. Data do julgamento: 29/09/98.
levadas ao Judiciário. “A dificuldade de se reconhecer a existência de um vínculo afetivo
como fundamento das pretensões deduzidas em juízo tem levado à concessão de restritos
direitos e ao deferimento de bem poucos benefícios, e com isso, um espectro muito
limitado.”92
O que se observa é um atrito entre as normas legais e a evolução social e científica.
Dicotomia esta que, segundo o nobre Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Sálvio de
Figueiredo Teixeira:
Resulta que o direito é destinado a um fim social, de que deve o juiz participar ao
interpretar as leis, sem se aferrar ao texto, às palavras, mas tendo em conta não só as
necessidades sociais que elas visam disciplinar, como ainda, as exigências da justiça e da
equidade, que constituem o seu fim... A interpretação das leis não deve ser formal, mas,
sim, antes de tudo real, humana, socialmente útil.93
É de suma importância que se conheça a posição jurisprudencial brasileira sobre questões
desta natureza, através de decisões que cumprem a função renovadora do Poder Judiciário,
agindo assim o juiz como agente transformador da sociedade.
9.1 COMPETÊNCIA
Por haver profunda resistência em se considerar entidade familiar os vínculos entre pessoas
do mesmo sexo, não se permite serem as demandas do gênero distribuídas às varas
especializadas de família.
Neste diapasão, remeteu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reconhecimento de direito
à meação ao campo do direito das obrigações,94 bem como o Tribunal de Justiça de São
Paulo determinou que ação decorrente de relação homossexual fosse 40

71
95 TJSP – Apelação Cível 139316 – 4ª Câmara Cível. Relator: Des. Ney Almada. Data do
julgamento: 11/10/90.
96 DIAS, M.B. Op. cit., p. 147.
97 Processo 01196089682 – Data do julgamento: 24/02/99.
distribuída ao juízo cível,95 ambas decisões consideraram como sociedade patrimonial de
fato, restringido-se à esfera obrigacional.
A primeira decisão que fixou competência na Vara de Família é da Justiça Gaúcha, em ação
decorrente de relacionamento homossexual. A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
“invocou a vedação constitucional de discriminação em decorrência da orientação sexual,
esclarecendo que a restrição do §3º do art. 226 da CF não impede que se reconheça como
união estável uma ligação homoafetiva.”96 A partir de então, todos os processos do gênero
tramitando nas Varas Cíveis foram transferidas às Varas de Família.
9.2 UNIÃO ESTÁVEL
É quase unânime o reconhecimento pelos julgados de uma sociedade de fato,
exclusivamente de ordem obrigacional, e não união estável no âmbito do Direito de
Família.
A magistrada gaúcha Dra. Judith dos Santos Mottecy inovou definindo como união estável
o relacionamento de parceiros do mesmo sexo. Afirmou ela que o princípio constitucional
da igualdade não tolera a desigual regulamentação de fatos iguais, portanto diz na sentença:
“o autor viveu em união, sim; estável, sim; em uma „affectio societatis‟, sim”. Ineditamente
integrou o parceiro na vocação hereditária, deferindo totalidade da herança ao companheiro
por não ter o „de cujus‟ deixado descendentes.97
Da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a decisão que determinou
a divisão em partes iguais do patrimônio amealhado durante o período de convívio,
concedendo meação ao parceiro sobrevivente, que concorria com a filha adotada do „de
cujus‟, por haver invocado o relator, por analogia, a legislação 41

72
98 Sumula n.º 380 do STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre
concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo
esforço comum.
99 Apelação Cível 70001388982 –íntegra do acórdão no anexo 1.2.1
regulamentadora das uniões extramatrimoniais e presumindo-se a mútua colaboração, tendo
dividido em iguais partes o acervo adquirido no período de convívio.
9.3 PARTILHA DE BENS
Ao findar a relação, com o rompimento do vínculo afetivo, o pedido mais freqüente é o de
partilha do patrimônio amealhado durante a convivência. Porém, não emprestando qualquer
significado à natureza do relacionamento entre as partes, invoca-se o art. 1363 do Código
Civil, que regula a sociedade de fato, como repulsa à possibilidade de enriquecimento
injustificado.
É exigida a prova inconteste da mútua colaboração na formação do patrimônio, invocando-
se a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal.98
Pioneira a decisão gaúcha deferindo meação dos bens amealhados durante o período de
convívio, com o estado condominial presumido por analogia à Lei 9278/96, art. 5º.99
9.4 DIREITO SUCESSÓRIO
Ao falecer um dos parceiros, é buscada a via judicial para obtenção da partilha do acervo
patrimonial, e não da integralidade da herança, não sendo, assim, invocado o direito
sucessório, tampouco alegada a qualidade de herdeiro, mesmo inexistindo sucessores
necessários.
Sistematicamente, rejeita-se a condição de herdeiro ao parceiro, excluindo-o da ordem de
vocação hereditária, negando direitos decorrentes da abertura da sucessão.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, tendo como
Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, decidiu ter o parceiro direito a receber
metade dos bens adquiridos pelo comum esforço, reconhecida a 42

73
100 RESp 148897/MG- íntegra do acórdão no anexo 1.4.3
101 Processos n. 96.0002030-2 e 96.0002364-6
102 Apelação Cível 96.04.55333-0/RS
inexistência de sociedade de fato com os requisitos do art. 1363 do Código Civil.100 Esta
decisão não emprestou relevo à convivência „more uxorio‟ decorrente de duradouro vínculo
de afeto, não atribuindo direito à herança e autorizando a participação face à prova de
ambos terem contribuído na formação patrimonial comum, pois eram sócio
As primeiras decisões que integraram o parceiro na ordem de vocação hereditária, por
entender que as soluções contrárias, inúmeras vezes geram beneficiamento de familiares, os
quais muitas vezes rejeitavam, rechaçavam ou ridicularizavam a orientação sexual do „de
cujus‟, ou o que é pior, na falta de parentes, o reconhecimento ao Estado pela declaração de
vacância.
9.5 CONDIÇÃO DE DEPENDÊNCIA
Infreqüentes decisões asseguravam inclusão em planos previdenciários e assistenciais por
reconhecer condição de dependência aos parceiros do mesmo sexo.
Determinou a sentença proferida pelo Juiz Federal Roger Raupp Rios a inscrição do
companheiro como dependente em plano de saúde, considerando que a recusa do órgão
empregador foi motivada pela orientação sexual das partes, sob o fundamento que viola o
dogma constitucional de respeito à dignidade humana e afronta o princípio da igualdade.
Constitui verdadeiro guia para julgamentos que envolvem as questões da
homossexualidade.101 Foi a sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região.102
De enorme significado a ação civil pública intentada pelo Ministério Público Federal contra
o Instituto Nacional do Seguro Social, buscando estender os benefícios previdenciários aos
casais homossexuais, sob o fundamento de violação ao dogma constitucional de respeito à
dignidade humana e afronta ao princípio da igualdade, que proíbe discriminação sexual. 43

74
103 Instrução Normativa n.º 25/2000
104 DIAS, M.B. Op. cit., p. 157.
Ao ser confirmada a liminar em todas as instâncias recursais, editou o INSS a Instrução
Normativa no. 25/2000,103 estabelecendo procedimentos a serem adotados para concessão
de benefícios previdenciários aos companheiros homossexuais, tornando-se a primeira
regra a normatizar vínculos homossexuais.
9.6 DIREITO DE POSSE
Há límpida tendência em não se visualizar exercer o companheiro posse própria e de boa fé,
o que “lhe confere tanto o direito de seqüela quanto o de percepção dos frutos”
Se o bem, por outro lado, foi adquirido após o início da união, “gera estado condominial,
com razão o direito à posse, tratando-se de direito próprio que a composse confere, havendo
a possibilidade do uso dos interditos.”104
Na Justiça, vem se notabilizando a postura de deferimento de liminar ao pedido de
reintegração de posse, reconhecendo legitimidade ao autor através do relacionamento
homossexual existente quando da morte do companheiro.
9.7 ALIMENTOS
A resistência da jurisprudência inibe a busca de alimentos por via judicial, principalmente
pelo fato de serem consideradas estas relações fora do âmbito do Direito de Família.
A única decisão a que se tem notícia é do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que
nos autos de ação de alimentos, foi “rejeitado o pedido liminar de fixação de alimentos
provisórios em favor da parceira de uma relação que perdurou 8 anos. A maioria dos
julgadores entendeu que o relacionamento homossexual não está 44

75
105 Agravo de Instrumento 70000535542 – ementa no anexo 1.2
106 FACHIN, L.E. Op. cit., apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 104.
107 GUIMARAES, Marilene Silveira. Reflexões acerca de questões patrimoniais nas
uniões formalizadas, informais e marginais. Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 104.
108 Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 104.
amparado pelas leis que regulam as relações extramatrimoniais e que prevêem a obrigação
alimentária.”105
10 POSIÇÃO DOUTRINÁRIA
Há enorme dificuldade da jurisprudência em superar o óbice constitucional para albergar o
relacionamento homossexual no direito de família. Para a doutrina não se configura
diferente, visto que inclusive os doutrinadores de vanguarda, não reconhecem a
possibilidade de aplicar, ainda que por analogia, a legislação referente à entidade familiar.
Luiz Edson Facchin considera possível “afastar da regra constitucional a diferenciação do
sexo para o reconhecimento de uma união estável.”106 Visualiza, no horizonte da Lei
8.971/94, a possibilidade de a estender às relações de “companheirismo”, admitindo como
factível, no entanto, somente a concessão da metade dos bens adquiridos durante a
comunhão de vida, e isso mediante prova da mútua colaboração.
Marilene Silveira Guimarães faz a seguinte distinção: “a sociedade de fato é fundamentada
em um vínculo obrigacional, enquanto o fundamento da união homossexual é afetivo,
psicológico.”107 Reconhece, no entanto, que “as dificuldades técnicas estão sendo
velozmente superadas pela jurisprudência que se alicerça em outros dispositivos
constitucionais, como a igualdade de tratamento para situações semelhantes, ou seja, uniões
de afeto”.
Para Marco Antonio Bandeira Scarpini, o importante é reivindicar a existência de sociedade
de fato passível de dissolução, sugerindo o deferimento de indenização por serviços
prestados, respeitando os requisitos impostos outrora à concubina.108
Segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “mostra-se realidade concreta a existência
de autênticas uniões entre pessoas do mesmo sexo, nos moldes das 45
109 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo: uma espécie de família.
Apud DIAS, M.B. Op. cit., p. 105.
relações matrimoniais ou companheiros, dotadas de praticamente todos os requisitos, salvo
a diversidade de sexo”. Sustenta, porém, que estas uniões jamais serão denominadas
companheirismo.109 46

76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É notório o fato de estarmos passando por uma transformação dos padrões culturais acerca
da postura e da posição de homens e mulheres na sociedade, processo cultural muito
profundo, cujas repercussões são imprevisíveis e dissonantes dos então referidos
referenciais masculinos e femininos da outrora intocada e inabalável visão de mundo
heterossexual.
Em vista do que foi exposto, pode-se observar que tanto o projeto como o substitutivo
deixaram transparecer que não objetivam dar status de casamento às relações entre pessoas
do mesmo sexo, porém, ao se fazer leitura mais acurada do projeto, constata-se que de uma
forma indireta, acaba por diversas razões, equiparando esse tipo de união ao casamento, que
nas palavras da autora do projeto, são institutos divergentes.
Todavia, ao analisar-se o Projeto, verifica-se que ele poderá ser adotado por heterossexuais,
pois a homossexualidade não é requisito essencial para a validade do contrato. Em vista
disso, avista-se a possibilidade de algumas pessoas de má-fé, quererem utilizar-se desta
possibilidade para fraudar o imposto de renda, o seguro-saúde ou a própria previdência
social.
Inclusive, há a possibilidade de criminosos tentarem assegurar a nacionalidade brasileira
para um estrangeiro que desejasse fugir das garras da lei de seu país.
Outro fato verificado, diz respeito aos impedimentos. Através do Projeto, apenas não
seriam impedidos de celebrar contrato as pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas, não
impedindo a celebração entre parentes consangüíneos, entre tutor e curador e seus
ascendentes, descendentes, irmãos, cunhados, ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou
curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas respectivas
contas. Estes são alguns impedimentos para o casamento, previstos no Código Civil em seu
artigo 183 e incisos. 47

77
Além disso, o Projeto de Lei não estabelece o foro competente para julgar os processos
oriundos de uma união civil entre pessoas do mesmo sexo, não explicitando se a
competência seria da Vara de Contratos ou da Vara de Família.
Como se observa, o projeto possui falhas, deixando brechas que podem ser utilizadas para
burlar a lei, causando prejuízos irreparáveis ao Estado e à sociedade, bem como denegrindo
ainda mais a imagem dos homossexuais, os quais fatalmente levariam a culpa caso algo
dessa natureza viesse a ocorrer.
A causa afigura-se muito justa, porém o projeto de lei que regule estas uniões deverá
observar e analisar estes detalhes, para que não seja aproveitada por pessoas inescrupulosas,
prejudicando aqueles que possuem justo interesse, sendo que a solução que se vislumbra,
seria dar realmente status de casado às uniões entre pessoas de mesmo sexo, modificando-
se inclusive o estado civil dos concubinos, para que não seja deveras facilitado o prejuízo à
esta instituição que se afigura. 48

78
REFERÊNCIAS
CORREIA, Jason Dias. União Civil entre pessoas do mesmo sexo. (Projeto de Lei
1.151/95). In: Jus Navigandi, n. 10. [Internet]
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=554 [capturado a 04.janeiro.2002].
DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva (Simpósio “Direito Moderno e Estado
Contemporâneo”). In: Faculdade de Direito de Campos. [Internet]
http://www.fdc.br/dmec/simposio.htm [capturado a 04.janeiro.2002].
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual – Aspectos sociais e jurídicos. In: Âmbito
Jurídico. [Internet] http://www.ambito-juridico.com.br/aj/dfam0003.htm [capturado a
04.janeiro.2002].
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual – Aspectos sociais e jurídicos. In: Doctrina
[Internet] http://www.bioetica.org/doctrina17.htm [capturado a 04.janeiro.2002].
DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família, v. 5, ed.
12., São Paulo: Saraiva, 1997.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral, v. 1, ed. 33, São
Paulo: Saraiva, 1995.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito de Família, v. 5, ed.
33, São Paulo: Saraiva, 1995.
SZKLAROWSKY, Leon Fredja. União entre pessoas do mesmo sexo. In: Jus Navigandi, n.
10. [Internet] http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=555 [capturado a
04.janeiro.2002].
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001. 49

79
ANEXOS I 50

80
JURISPRUDÊNCIA

1.1 COMPETÊNCIA

1.1.1 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Agravo de Instrumento n.º 599 075 496
Oitava Câmara Cível
Relator: Des. Bueno Moreira Mussi
Agravante: E.C.E.
Agravada: E.S.C.
Data do julgamento: 17/06/1999
Ementa: RELACOES HOMOSSEXUAIS. COMPETENCIA PARA JULGAMENTO DE
SEPARACAO DE SOCIEDADE DE FATO DOS CASAIS FORMADOS POR PESSOAS
DO MESMO SEXO.
Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o
julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre
casais heterossexuais. Agravo provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
A Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade, acorda em dar
provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os Excelentíssimos Senhores
Desembargadores Antônio Carlos Stangler Pereira, Presidente, e José S. Trindade.
Porto Alegre, 17 de junho de 1999.
Des. Breno Moreira Mussi, Relator.
RELATÓRIO
DES. BRENO MOREIRA MUSSI (RELATOR) –
Decisão. Trata-se de declaração de incompetência do magistrado da 5ª Vara de Família e
Sucessões da Comarca de Porto Alegre, encaminhando os autos para redistribuição a uma
das Varas Cíveis. 51

81
O motivo está no fato de que a relação em causa (litígio patrimonial decorrente da
separação de sociedade de fato entre duas mulheres) não é uma relação familiar, resultante
de união entre homem e mulher, excluída, assim, da regência dos incisos III e IV do art. 73
do COJE, e art.9º da Lei n.º 9.278, de 10.05.96.
Agravo. Tempestivo e preparado.
Fundamentos: a) não é possível, nós dias de hoje, desconhecer as uniões homossexuais; b)
no caso, existiu um relacionamento de “concubinato”, pois as partes dividiam “cama, mesa,
proventos, amor, solidariedade, companheirismo e mais outros sentimentos inerentes aos
casais heterossexuais”.
Requer seja liminarmente deferido efeito suspensivo ao cumprimento da decisão atacada e,
ao final, julgado procedente o agravo.
Adiantamento. Ao receber o recurso, mantive o feito na Vara de Família, nos seguintes
termos (fl. 65):
“Processar o agravo, com efeito suspensivo, na medida em que a matéria de fundo envolve
gama de interesses inseridos no Juízo de Família. O componente discrepante – identidade
de sexos – comporta visualização similar, quanto ao mais. Sendo assim, em princípio,
razoável processar o feito no juízo especializado”.
Informações. Noticiam que a agravante entregou cópia do recurso no cartório, cumprindo o
disposto no art. 526 do CPC (fl.68).
Ministério Público. Opina pelo improvimento (fls. 70/72).
É o relatório.
VOTO
DES. BRENO MOREIRA MUSSI (RELATOR) –
1. A definição da competência, no caso concreto, parte de três pontos. O primeiro diz
respeito à especialização das Varas.
O sistema do judiciário gaúcho optou por uma das vertentes possíveis, em matéria de
prestação jurisdicional, na medida em que especializou determinados Juízes para receber
certos tipos de demanda.
Há quem contrarie a tese, porque o fato de especializar diminuiria o horizonte dos juízes,
deixando-os bitolados, fazendo com que percam a noção sistemática.
Em princípio, todos os Juízes da Capital teriam, teoricamente, competência territorial para
conhecer de todas as demandas ocorrentes em Porto Alegre. Há vários Estados da
Federação em que é assim.
Porém, ao optar por especializar determinados Juízes para certos temas, o Rio Grande do
Sul previu a preparação profissional específica, fazendo com que o juiz cada vez mais se
aprofundasse é tivesse melhores condições para enfrentar a matéria.
Isso não ocorre só no mundo do Direito, mas também na Medicina, Odontologia e em
outros ramos. No Direito, sabemos que determinados advogados trabalham somente
matéria tributaria, em 52

82
matéria penal tem outros especializados, é assim por diante. O que não apaga, também, a
circunstância de termos advogados generalistas, que atuam com excelente proficiência, em
diversas áreas.
É de longa data que o Judiciário gaúcho chegou ao ponto da especialização. Ao mesmo
tempo, há Estados que deixaram as Varas de Família inseridas nas varas cíveis comuns.
Em nosso Estado, acredita-se que os Juízes, certamente por trabalharem diuturnamente os
temas, adquiririam a experiência, sensibilidade, e profundidade naquelas matérias próprias
ao assunto, que lhe são submetidas ao conhecimento, o que levaria à maior justiça das
decisões mais justas.
A especialização também foi levada à segunda instância, com as Câmaras de Família. Por
estarmos tratando toda a semana somente questões de Família, estaríamos mais habilitados
para entrar no detalhamento, na sutileza e na sensibilidade destas relações.
A especialização existe em função desse detalhamento.
2. O segundo ponto, também muito importante, é a questão da discriminação.
A nossa Constituição está na esteira das legislações modernas, democráticas, em que
sempre aparece uma proibição absoluta de discriminar em razão do sexo.
Seu art. 3º, inciso IV assim dispo, verbis:
“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
... IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (grifei).
Mas nós sabemos que não é assim. A discriminação existe em vários setores da nossa
sociedade, e não apenas em relação à questão da homossexualidade.
Falo na discriminação contra a mulher, por exemplo. Salvo nas carreiras públicas, a
tendência é a de a mulher receber menos pelo mesmo trabalho que o homem faz.
Os casos do negro, do pobre, do deficiente físico, todos eles abertamente discriminados.
Quando entramos em temas de homossexualidade, tudo se põe mais flagrante. Apesar de a
Constituição dizer que não se pode discriminar, nós o fazemos, com freqüência.
Desconheço, por exemplo, que no quadro da Magistratura gaúcha haja algum homossexual
declarado. E tenho certeza que, apresentando-se alguém, em tais condições, querendo ser
Juiz, terá a sua inscrição repelida, mesmo sendo pessoa com as melhores qualificações.
A orientação sexual é direito da pessoa, atributo da dignidade. O fato de alguém se ligar a
outro do mesmo sexo, para uma proposta de vida em comum, e desenvolver os seus afetos,
está dentro das prerrogativas da pessoa. A identidade dos sexos não torna diferente, ou
impede, o intenso conteúdo afetivo de uma relação emocional, espiritual, enfim, de amor,
descaracterizando-a como tal.
Esta circunstância é por demais relevante. O fato de serem as litigantes do mesmo sexo não
impediu a concretização de um relacionamento afetivo entre ambas, com conseqüências
idênticas aos entretidos pelos casais de sexos diversos. 53

83
A longa e sofrida jurisprudência em favor da companheira, hoje transformada em
legislação, terminou sendo inserida, dentro da Constituição, como se vê do art. 226, §3º.
Dito dispositivo fala em homem é mulher, trazendo para o ventre da Carta Magna o
casamento de fato.
Eu diria que o Constituinte retirou debaixo do tapete a união estável, e a trouxe para o sofá
da sala.
Não teve, porém, o mesmo cuidado com as relações homossexuais. Mas isto não impede o
reconhecimento que uma ligação homossexual, em termos de afetividade, tem exatamente
os mesmos componentes da heterossexual.
Como diz a parte agravante, numa síntese muito bem feita, as pessoas envolvidas nesta
relação “dividiam cama, mesa, proventos, amor, solidariedade, companheirismo é mais
outros sentimentos inerentes aos casais heterossexuais”. A única diferença, no caso
concreto, é que, legalmente, não podem casar, uma com a outra.
Mas toda união estável tem que resultar ou possibilitar um casamento? Não consigo ver no
ditame da Constituição – “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” – também,
este componente.
Vejo a união estável como a relação em que as pessoas não estão preocupadas com o
casamento. Pode ocorrer, inclusive, que justamente não querem é o matrimonio, sem que a
relação deixe de ser uma união estável.
O único elemento discrepante, dentro deste conceito, está na homossexualidade. Este é o
caso concreto.
Não me impressiona o argumento de que se trata de simples questão patrimonial. Isto
porque as demandas nas quais se discute patrimônio, numa união heterossexual –
casamento com ou sem papel – vão para a Vara de Família.
Os autos trazem rigorosamente a mesmo questão. Então, isola-se perfeitamente, no presente
caso, a definição do sexo das pessoas envolvidas, que passa a ser o fator determinante.
A matéria não recebe o andamento que merece, pelo seu conteúdo, pela discriminação.
Aberta ou veladamente, a identidade de sexo transforma o afetivo numa relação civil ou
comercial comum, como se fosse aluguel, compra e venda, participação societária, ou algo
da mesma natureza.
Em que pese opiniões diversas, não me parece razoável, nos tempos atuais, desconhecer a
realidade que se demonstra, a todo momento, a existência de relações do tipo das que aqui
se discute e que, com certeza, hão de merecer especial e adequada solução.
3. Agora o terceiro ponto.
Consigo ir mais longe do que a letra fria da lei, ao vislumbrar uma situação analógica, no
caso concreto.
Ao que me consta, a matéria ainda não foi regulamentada, pelo Congresso Nacional. Não
há artigo de lei que proíba uma relação afetiva entre duas pessoas do mesmo sexo. Aliás,
nem poderia, ante as garantias constitucionais. 54
110 Introduccion al Derecho, n. 1º, 27, p. 233, Buenos Aires, 1975.
Porém, o fato de uma hipótese, rigorosamente, não existir na lei, jamais levará ao ponto de
fazer desaparecer o fenômeno social, como se a omissão legislativa fosse capaz de suprimir
a homossexualidade.
Quando não está na lei, o operador deve socorrer-se da analogia, para preencher a lacuna.
Assim o dizem os arts. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e 126 do Código de
Processo Civil.
Na verdade, é impróprio falar em lacuna. O ordenamento jurídico, visto como um todo,
encarrega determinados órgãos – no caso os juízes – para atribuírem soluções aos casos
concretos, mesmo naquelas situações em que não existem regras legais específicas.
Como asseveram Aftalión, Garcia y Vilanova110, verbis:
“Contra la opinion de algunos autores, que han sostenido que en el ordenamiento jurídico
existen lagunas – o sea, casos o situaciones no previstas – que seria necesario llenar o
colmar a medida que las circunstancias mostrasen la conveniencia de hacerlo, debemos

84
hacer notar que el ordenamiento jurídico es pleno: todos los casos que puedan presentarse
se encuentran previstos en él (...)
(...) No hay lagunas, porque hay jueces”.
Na situação dos autos, a analogia me leva, por todos os detalhes, a entender que, salvo o
elemento discrepante, que é a identidade do sexo, a matéria tem os mesmos componentes
das digladiadas entre os casais heterossexuais.
Não me assusto, também, com o medo da possibilidade de ação de alimentos, ou demandas
paralelas. Há tantos temas em aberto, deferindo-se, por exemplo, inscrição como
beneficiário em plano de saúde, para as pessoas do mesmo sexo. Se for ajuizada alguma
ação de alimentos, cumpre examina-la, ver se estão presentes os elementos valorativos
indispensáveis ao conhecimento da questão, ao invés de indeferir, pura é simplesmente,
discriminando a homossexualidade.
O mesmo se pode dizer quanto ao direito de concorrer à herança, e outras situações que a
vida, no seu trabalho multifacetado e incomparável para criar acontecimentos, for capaz de
apresentar.
Quando surgem estas demandas, é bom lembrar as injustiças que foram cometidas contra os
partícipes das uniões estáveis, antes de receberem os avais legislativos. Normalmente as
mulheres eram afetadas, pois ficavam em casa, enquanto os varões saíam para a batalha do
ganha-pão, e traziam o dinheiro. Os bens ficavam em seus nomes. A muito custo, se
evoluiu para “remuneração dos serviços prestados”, sociedades de fato (nas quais a mulher
deveria comprovar os aportes financeiros – tarefa impossível – , para ter direito a partilhar
os bens), e outros modos de se fazer justiça, até chegar no sistema atual, que valoriza o
trabalho doméstico.
Muitos testamentos e doações foram anulados, com base em falsos moralismos, quando tais
atos apenas tentavam garantir as companheiras de toda uma vida, na mais plena
observância dos padrões éticos.
Também é importante dizer que as demandas relativas a uniões estáveis (homem e mulher),
até pouco tempo, não corriam no juízo especializado das Varas de Família. 55

85
A questão das minorias exige, nós sistemas constitucionais modernos, ações positivas de
proteção. Na parte do Judiciário, que não faz leis, e as aplica, as ações positivas podem ter
curso através de uma interpretação integradora, é sem dar guarida a qualquer forma de
discriminação, velada ou aberta.
4. Conclusão.
Creio que na entrada do terceiro milênio, não cabe mais fazer de conta que a
homossexualidade não existe, nem deixar constar na Constituição uma quota vazia, de
cunho meramente formal, dizendo que é proibida a discriminação por sexo, mas, ao mesmo
tempo, acatar que se continue discriminando, em tal matéria.
É função do Direito acompanhar a evolução dos tempos e, na ausência de leis que venham
a dirimir as questões homossexuais apresentadas, sejam elas entre homem ou entre
mulheres, formar, através da jurisprudência, uma regulamentação da matéria, de acordo
com as normas gerais do ordenamento jurídico.
Com certeza, no caso em discussão, não estamos frente a um negocio jurídico, a ser solvido
pelas varas cíveis generalistas.
O relacionamento entre as partes foi bem mais além, pois teve curso, do início ao fim, nos
sentimentos que estimulam emocionalmente as pessoas, cujas sutilezas correspondem ao
que levou o legislador gaúcho especializar as varas de família.
Como a Constituição Federal proíbe a discriminação pelo sexo, sou pelo exame da causa
junto ao juízo especializado. Com o que, estou tornando definitivo o adiantamento.
Isto posto, dou provimento.
DES. JOSÉ S. TRINDADE – Revisados os autos, concordo integralmente com o eminente
relator para estabelecer que a competência para apreciar é julgar a ação de dissolução de
sociedade de fato com divisão de patrimônio movida pela agravante contra a agravada, é da
Vara de Família.
Examinando-se a inicial da ação acostada às fls. 10/14, verifica-se que o pedido da ora
agravante baseia-se, efetivamente, em relação de afeto mantido com a agravada, conforme
muito bem salienta o nobre relator. Consubstanciada ficou a competência das Varas e
Câmaras de Família, para apreciar a ações referentes ao concubinato – atualmente união
estável – mantida entre o homem e a mulher.
Discriminação, à toda evidência, não pode ser feita quando se tratar de união entre pessoas
do mesmo sexo, por afronta à Carta Magna que proíbe qualquer discriminação, segundo
bem destacado no voto do Desembargador Breno Moreira Mussi.
Serve como paradigma precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao retratar o
descabimento de preconceitos contra os homossexuais, e, por isso, sua ementa merece
transcrição:
“Resp – PROCESSO PENAL – TESTEMUNHA – HOMOSSEXUAL – A história das
provas orais evidencia evolução, no sentido de superar preconceito com algumas pessoas.
Durante muito tempo, recusou-se credibilidade ao escravo, estrangeiro, preso, prostituta.
Projeção, sem dúvida, de distinção social. Os romanos distinguiam – patrícios e plebeus. A
economia rural, entre o senhor do engenho é o 56

86
cortador de cana, o proprietário da fazenda de café é quem se encarregasse da colheita.
Os Direitos Humanos buscam afastar distinção. O Poder Judiciário precisa ficar atento
para não transformar essas distinções em coisa julgada. O requisito moderno para uma
pessoa ser testemunha é não evidenciar interesse no desfecho do processo. Isenção, pois. O
homossexual, nessa linha, não pode receber restrições. Tem o direito-dever de ser
testemunha. É mais: sua palavra merece o mesmo crédito do heterossexual. Assim se
concretiza o princípio da igualdade, registrado na Constituição da República e no Pacto
de San Jose de Costa Rica” (Resp n.º 154.857/DF, Rel. Ministro LUIZ VICENTE
CERNICCHIARO, Sexta Turma, julgado em 26/05/1998).
Ainda, também o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu o direito a partilha de bens
entre homossexuais, em inovador julgamento, merecendo transcrever a ementa do
precedente:
“SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. PARTILHA DO BEM COMUM. O
parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum,
reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos no art. 1363 do CCB”.
(Resumo) (Resp n.º 148.897/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta
Turma, julgado em 10/02/1998).
Assim, já tendo sido a matéria enfrentada inclusive pelo STJ em Turma especializada em
Direito de Família, mais uma razão para se entender que, efetivamente, assiste razão à
agravante ao pretender o exame da ação intentada, na Vara de Família.
Acompanho o relator, provendo o recurso.
DES. ANTONIO CARLOS STANGLES PEREIRA – Hoje, o relacionamento de pessoas
do mesmo sexo é uma realidade evidente. Não se escondem mais esses relacionamentos
como antigamente acontecia. O patrimônio adquirido origina-se do esforço comum, tal
como acontece em relações de companheiros heterossexuais. Os sentimentos que motivam
duas pessoas do mesmo sexo a viverem juntas são os mesmos que motivam os
heterossexuais. A preferência sexual é pessoal de cada homem ou mulher. No mais das
vezes, há mais fidelidade, amor e respeito entre os homossexuais do que entre os
heterossexuais. Se para os heterossexuais os homossexuais são diferentes, estes, em seus
direitos, não podem ser diferenciados só porque a nossa sociedade judaico-cristã tem como
padrão de comportamento sexual a heterossexualidade. O patrimônio, se resultante de união
heterossexual ou homossexual, é o mesmo, portanto, a competência é da Vara de Família.
Acrescento o que diz Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
“Há precedentes jurisprudenciais em matéria de união homossexual no sentido do
reconhecimento da existência de sociedade de fato, é, certamente, a tendência será
justamente que tal reconhecimento se estenda também para hipóteses de concubinato é de
convivência entre parentes e amigos. Há, nesta matéria, campo aberto para a perfeita
aplicação da doutrina da sociedade de fato, tal como aventada na oportunidade da edição da
Súmula n.º 380 do Supremo Tribunal Federal, com perfeita adequação à nova realidade,
inclusive quanto à exigência de ser demonstrada a contribuição direta dos partícipes na
aquisição ou incremento patrimonial.” (O companheirismo. Uma das espécies de família”.
Editora Revista dos Tribunais, p. 494).
Este o registro que faço para também acolher a competência da Vara de Família e
Sucessões. 57

87
AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 599075496 DE PORTO ALEGRE – “DERAM
PROVIMENTO. UNÂNIME.”
Decisor de 1º Grau: Dr. Nelson José Gonzaga.

1.2 UNIÃO ESTÁVEL

1.2.1 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Apelação Cível n.º 70001388982
Sétima Câmara Cível
Relator: Des. José Carlos Teixeira Giorgis
Agravante: Espólio de H.O., representado por sua inventariante, E.O.
Agravada: N.G.
Data do julgamento: 14/03/2001
Ementa: UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO
PATRIMÔNIO. MEAÇÃO. PARADIGMA.
Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do
mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas.
Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar,
mesmo em sua natural atividade retardatária.
Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto,
buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direitos, relevados
sempre os princípios da dignidade humana e da igualdade.
Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado
como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica.
Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os
parceiros.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Estado, por maioria, prover, em parte, o apelo, vencido o eminente Des. Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, que lhe nega provimento.
Custas na forma da lei.
Participou do julgamento, além dos signatários, a eminente Senhora Desembargadora Maria
Berenice Dias, Presidenta.
Porto Alegre, 14 de março de 2001. 58

88
DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS,
RELATOR.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
REVISOR – VOTO VENCIDO.
RELATÓRIO
DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (RELATOR) –
Cuida-se de apelação cível interposta pelo Espólio de H.O., representado pela inventariante
E.O., contra sentença de fls. 156/164 que, nos autos da Ação de Reconhecimento de
Sociedade de Fato que lhe move N.G., julgou procedente o pedido para reconhecer a
sociedade de fato entre requerente e requerido, determinar a partilha proporcional do
patrimônio em nome do titular do espólio listado na inicial e com documentos de
propriedade a partir das fls. 141, no percentual de setenta e cinco por cento ao autor e o
restante à sucessora do parceiro falecido.
Em suas razoes, o apelante alega que o apelado não fez pedido expresso de partilha no
percentual de 75%. Aduz que, pelo fato do recorrido ter requerido o benefício da AJG, há a
demonstração de que quem recebia dinheiro era o de cujus e, sendo assim, o patrimônio foi
construído exclusivamente com as economias deste. Refere que o direito da mulher, nós
casos de sociedade heterossexual, é de 50% do patrimônio comum. Afirma ser a decisão
ilegal e desproporcional, eis que não se demonstrou a sociedade, apenas a coabitação.
Postula a reforma total da sentença com a conseqüente improcedência da ação.
O apelado ofertou contra-razões, aduzindo que o relacionamento entre ele e o falecido não
é negado. Diz que o salário que recebia, comprovado nos autos, impossibilitá-lo-ia de
construir o vasto patrimônio deixado por ocasião da morte do companheiro. Postula o
improvimento do recurso para ver mantida a sentença de 1º grau.
O Ministério Público exarou parecer, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento
da apelação.
Vieram-me os autos.
É o relatório.
VOTO
DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS (RELATOR) –
Cuida-se de pedido de partilha de patrimônio construído durante uma relação homossexual,
que perdurou por mais de trinta anos.
O autor almeja proporção maior do acervo.
Era o parceiro que tinha melhor atividade remunerada, enquanto o companheiro só auferia
provento previdenciário, mas, por analfabeto, consentiu que tudo fosse registrado no nome
deste, motivo por que deseja ser beneficiado na partilha. 59

89
A relação se encontra adequadamente provada, tendo se iniciado em 1967, quando o
apelado tinha 22 anos, e se estendeu até a morte de H.O., inclusive com a adoção de uma
filha, ora representante do espólio, conforme deriva do depoimento pessoal (fls. 102/114).
As testemunhas Gustavo (fl. 115), Alda (fl. 123/131) e Anita, mãe da inventariante (fl.
132/134), corroboram a união, informando que N. é médium, possui casa de muita
freqüência e consulta, e que as partes mantinham uma relação afetiva, pública e notória.
Para todos, H. não desempenhava qualquer atividade lucrativa, apenas auxiliando na casa
de religião e administrando o patrimônio conjunto.
Não há qualquer respingo na afirmação exordial, tanto no que toca à união existente, como
sobre a existência de bens em nome do demandado, embora não desfrutasse de rendas,
salvo pequena pensão que recolheu por acidente.
A questão posta não mais causa frêmito nos tribunais, sendo já freqüentes as inserções de
casos semelhantes nos repertórios da jurisprudência e causa de debates em seminários.
É verdade que ainda resta o empecilho de considerar tais relações como união estável, em
vista da prescrição constitucional e das Leis n.º 8.971/94 e 9.278/96, que exigem a
diversidade de sexos.
Leciona Rainer Czajkowski que a relação sexual entre duas pessoas capazes do mesmo
sexo é um irrelevante jurídico, pois a relação homossexual voluntária, em si, não interessa
ao Direito, em linha de princípio, já que a opção e a prática são aspectos do exercício do
direito à intimidade, garantia constitucional de todo o indivíduo (art. 5º, X, CF).
Nessa medida, a escolha por essa conduta sexual não poderá acarretar, para os envolvidos,
qualquer tipo de discriminação, o que decorre do princípio da isonomia.
Todavia, por mais estável que seja, a união sexual entre pessoas do mesmo sexo, que
morem juntas ou não, jamais se caracteriza como uma entidade familiar, o que resulta, não
de uma realização afetiva e psicológica dos parceiros, mas da constatação de que duas
pessoas do mesmo sexo não formam um núcleo de procriação humana e de educação de
futuros cidadãos.
A união entre um homem e uma mulher pode ser, pelo menos potencialmente, uma família,
porque o homem assume o papel de pai e a mulher de mãe, em face dos filhos.
Parceiros do mesmo sexo, dois homens ou duas mulheres, jamais oferecem esta conjugação
de pai e mãe, em toda a complexidade psicológica que tais papeis distintos envolvem.
Como argumento secundário, arremata o festejado mestre paranaense, a união de duas
pessoas do mesmo sexo não forma uma família porque, primeiramente, é da essência do
casamento, modo tradicional e jurídico de constituir família, a dualidade de sexos.
Em segundo lugar porque mesmo as uniões libres estáveis, consagradas pela Constituição
como entidades familiares, são formadas necessariamente por um homem e uma mulher
(art. 226, par. 3º).
Menos por força da Constituição expressamente dize-lo, mais por que a concepção
antropológica de familiar supõe as figuras de pai e de mãe, o que as uniões homossexuais
não conseguem imitar.
Ainda, se numa família monoparental, o ascendente que está na companhia do filho resolve
Ter uma relação com terceiro do mesmo sexo, ainda que de forma continuada, isto não
implica, 60

90
juridicamente, trazer este terceiro para dentro da noção de família, mesmo que haja moradia
comum, pois família continua sendo, aí, o ascendente e seu filho, excluído o parceiro do
mesmo sexo daquele.
Não vinga, aqui, o argumento de que nessas famílias monoparentais não exista a figura de
pai e mãe, pois falta a figura de outro ascendente; mas a substituição só é admissível
juridicamente, para o parceiro integrar o ente familiar, se houver respeito à dualidade de
sexos que originariamente se apresentava, o que só acontece com nova esposa ou
companheira do pai, que substitui a mãe.
Portanto, é admissível o reconhecimento judicial de uma sociedade de fato entre os
parceiros homossexuais, se o patrimônio adquirido em nome de um deles resultou da
cooperação comprovada de ambos, sendo a questão de direito obrigacional, nada tendo a
ver com a família (Reflexos jurídicos da uniões homossexuais, Jurisprudência Brasileira,
Editora Juruá, Curitiba, 1995, p. 97/107).
Não é a posição que se adotará, como adiante se justifica.
É que o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o
problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da
hodiernidade, e mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável
padronizada, não se abdica de atribuir à união homossexual os mesmos efeitos dela.
É de Rodrigo da Cunha Pereira a afirmação de que nas culturas ocidentais contemporâneas,
a homossexualidade tem sido, até então, a marca de um estigma, pois se relega à
marginalidade aqueles que não têm suas preferências sexuais de acordo com determinados
padrões de moralidade.
Essa estigmatização não é só em relação à homo ou heterossexualidade, mas para qualquer
comportamento sexual anormal, como se isto pudesse ser controlado e colocado dentro de
um padrão normal (Direito de Família, Uma abordagem psicanalítica, Editora Del Rey,
Belo Horizonte, 1997, p. 43).
É que o sistema jurídico pode ser um sistema de exclusão, já que a atribuição de uma
posição jurídica depende do ingresso da pessoa no universo de titularidades que o sistema
define, operando-se a exclusão quanto a pessoas ou situações às quais as portas de entrada
da moldura das titularidades de direitos e deveres é negada.
Tal negativa, emergente de força preconceituosa e estigmatizante dos valores culturais
dominantes em cada época, alicerçam-se em juízo de valor depreciativo, historicamente
atrasado e equivocado, mas esse medievo jurídico deve sucumbir à visão mais abrangente
da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos que emanam das parcerias de
convívio e afeto (Luiz Edson Fachin, Aspectos Jurídicos da união de pessoas do mesmo
sexo, em A nova família: problemas e perspectivas, Editora Renovar, Rio, 1997, p. 114,
passim).
É irrefutável que a homossexualidade sempre existiu, podendo ser encontrada nos povos
primitivos, selvagens e nas civilizações mais antigas, como a romana, egípcia e assíria,
tanto que chegou a relacionar-se com a religião e a carreira militar, sendo a pederastia uma
virtude castrense entre os dórios, citas e os normandos.
Sua maior feição foi entre os gregos, que lhe atribuíam predicados como a intelectualidade,
a estética corporal e a ética comportamental, sendo considerada mais nobre que a relação
heterossexual, e prática recomendável por sua utilidade. 61

91
Com o cristianismo, a homossexualidade passou a ser tida como uma anomalia psicológica,
um vício baixo, repugnante, já condenado em passagens bíblicas (... com o homem não te
deitarás, como se fosse mulher: é abominação, Levítico 18:22) e na destruição de Sodoma e
Gomorra.
Alguns teólogos modernos associam a concepção bíblica de homossexualidade aos
conceitos judaicos que procuravam preservar o grupo étnico e, nesta linha, toda a prática
sexual entre os hebreus só se poderia admitir com a finalidade de procriação, condenando-
se qualquer ato sexual que desperdiçasse o sêmen; já entre as mulheres, por não haver perda
seminal, a homossexualidade era reputada como mera lascívia.
Estava, todavia, freqüente na vida dos cananeus, dos gregos, dos gentios, mas repelida, até
hoje, entre os povos islâmicos, que têm a homossexualidade como um delito contrario aos
costumes religiosos.
A Idade Média registra o florescimento da homossexualidade em mosteiros e
acampamentos militares, sabendo-se que na Renascença, artistas como Miguel Ângelo e
Francis Bacon cultivavam a homossexualidade.
Do ponto de vista psicológico e médico, a homossexualidade configura a atração erótica
por indivíduos do mesmo sexo, uma perversão sexual que atinge os dois sexos, sendo
considerado homossexual quem pratica atos libidinosos com indivíduos do mesmo sexo ou
exibe fantasias eróticas a respeito (Delton Croce e Delton Croce Júnior), ou inversão sexual
que se caracteriza pela atração por pessoas do mesmo sexo (Guilherme Oswaldo Arbenz),
ou, ainda, por perversão sexual que leva os indivíduos a sentirem-se atraídos por outro do
mesmo sexo (Hélio Gomes), com repulsa absoluta ou relativa para os do sexo oposto
(Fernanda Almeida Brito, União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos,
Editora LTr, São Paulo, 2000, p. 46/48).
Teorias de cunho psicanalítico, social e biológico explicam as causas da homossexualidade
sob diferentes pontos de vista, havendo se alterado o conceito, eis que a homossexualidade
deixou de ser tida como uma patologia, tanto que, em 1985, o Código Internacional de
Doenças (CID) foi revisado, mudando-se o homossexualismo, então entre os distúrbios
mentais, para o capítulo dos sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais, ou seja,
um desajustamento social decorrente da discriminação religiosa ou sexual.
Em 1995, na última revisão, o sufixo ismo, que significa doença, foi substituído pelo sufixo
dade, que designa um modo de ser, concluindo os cientistas que a atividade não podia mais
ser sustentada enquanto diagnóstico médico, porque os transtornos derivam mais da
discriminação e da repressão social, oriundos de um preconceito do seu desvio sexual.
A proibição da homossexualidade é considerada como violação aos direitos humanos pela
Anistia Internacional, desde 1991 (Fernanda de Almeida Brito, Op.cit., p. 43/46).
Ensina o lusitano Asdrubal de Aguiar que, genericamente, os sexos de nomes contrários se
atraem e os de sexo do mesmo nome repelem-se, daí chamar-se o homossexualismo de
inversão sexual, cumprindo, desde logo, distinguir entre os indivíduos capazes de
relacionar-se com outros do sexo homônimo, os que assim procedem por um pendor
independente de sua vontade (verdadeiros homossexuais, invertidos) e os que se
comportam por imitação, por vício, por curiosidade ou até por 62

92
divertimento (pseudo-homossexuais ou perversos), criando-se duas grandes categorias de
homossexualidade, a inversão e a perversão (Américo Luís Martins da Silva, A evolução do
Direito e a realidade das uniões sexuais, Editora Lumen Juris, Rio, 1996, p. 300).
Lembra Edward Wilson que a historia genética da humanidade propugna uma moral sexual
mais liberal, na qual as práticas sexuais devem ser consideradas primeiro como mecanismo
de união e apenas secundariamente como meios de procriação e que o comportamento
homossexual tem sido censurado pelas sentinelas da moral ocidental judaico-cristã e tratado
como doença na maioria dos países (A natureza humana, Editora da USP, 1981, p. 141).
Para Desmond Morris, todavia, a função primária do comportamento sexual é a reprodução
da espécie, a qual é manifestamente posta de lado no acasalamento homossexual,
ressaltando ele que nada existe biologicamente anormal num ato de pseudocópula
homossexual, o que muitas espécies fazem, em variadíssimas circunstancias, sendo a
constituição de casais homossexuais apenas despropositada sob o aspecto reprodutivo, visto
que não produz descendência e que desperdiça adultos potencialmente reprodutores
(Américo Luís Martins da Silva, cit. p. 305).
Não é negando direitos à união homossexual que se fará desaparecer o homossexualismo,
como acentua Marilene Silveira Guimarães, pois os fundamentos dessas uniões se
assemelham ao casamento e à união estável, sendo o afeto o vínculo que une os parceiros, à
semelhança dos demais casais, e que gera efeitos jurídicos.
A homossexualidade é considerada um distúrbio de identidade e não mais uma doença, não
sendo hereditária nem uma opção consciente, eis que, como ensina o psicólogo Roberto
Graňa, a homossexualidade é fruto de um pré-determinismo psíquico primitivo, também
estudado a partir das contribuições da etiologia sob a denominação de imprinting, originado
das relações parentais das crianças desde a concepção até os três ou quatro anos de idade.
Já aí, nessa tenra idade, constitui-se o núcleo da identidade sexual na personalidade do
indivíduo, que será mais ou menos corroborado de acordo com o ambiente em que ele se
desenvolva, o que posteriormente determinará sua orientação sexual definitiva. Portanto, a
homossexualidade não é opção livre, é determinismo psicológico inconsciente (Reflexões
acerca de questões patrimoniais nas uniões formalizadas, In Direito de família, aspectos
constitucionais, processuais e civis, Ed. RT, v. 2, p. 201/202).
Esclarece Oswaldo Pataro que, na etiologia do homossexualismo em seres humanos,
apontam-se quatro possibilidades explicativas: anomalia genética, perturbação endócrina,
condição psicológica ou mistura de duas ou mais dessas possibilidades.
Freud, um dos primeiros a idealiza-la, aceitava que a orientação era uma anormalidade do
desenvolvimento emocional, sendo fator essencial a fixação do jovem à sua mãe e
hostilidade ao pai, o que acabaria por leva-lo a uma tendência de comportamento feminino;
ou seja, as formas de homossexualismo masculino e feminino representam uma espécie de
imaturidade emocional decorrente da falta de identificação com o papel adulto em seu
próprio sexo.
Após várias teorias, lembra Pataro que a psicanálise propôs que o homossexualismo é um
desvio adquirido do impulso sexual, que expressa um fracasso do aparecimento edipiano e
uma regressão a 63

93
impulsos e fantasmas pré-genitais, derivado de diversos fatores, uns constitucionais, outros
acidentais e ainda outros pertencentes à estrutura familiar e às personalidades dos pais
(Américo Luís Martins da Silva, cit. p. 304/305).
Anote-se que a tese de que o homossexualismo provêm do estado de natureza com origens
biológicas e não culturais ganha corpo atualmente, em vista de descobertas por cientistas
canadenses de que a região do cérebro ligada às funções de aprendizagem é 13% maior nos
homossexuais, restando sugerido que há um componente biológico na orientação sexual;
sublinhe-se, também, que o corpo caloso do cérebro, ligado à habilidade verbal e motora, é
também maior naquele núcleo (Witelson, 1994), que gêmeas idênticas têm três vezes mais
probabilidade de serem lésbicas que gêmeas fraternas (Pillard e Bailey, 1993), que os
homossexuais têm mais microestrias em suas impressões digitais (Kimura, 1994), e que o
hipotálamo , parte do cérebro que regula o apetite, a temperatura do corpo e o
comportamento sexual, é menor nos homossexuais (Levay, 1994).
Afirma Luis Munhoz Sabaté que “la homosexualidad es tal vez una de las desviaciones
sexuales que mas dificilmente podria ser atacada o reprobada com base solamente a
argumentos derivados de una sexologia comparada. Tanto si nos remontamos a las
costumbres de las sociedades paralelas a la nuestra, o incluso si acudimos a las conductas
de otras especies animales habremos de rendirnos a la evidencia de que se trata de um
fenômeno corriente sobre el cual se han anadido diversas consideraciones de orden cultural
y alguno que outro prejuicio.
Nuestra sociedad ocidental mantiene una actitud totalmente prohibitiva de la
homosexualidad. Esta proihbicion se refleja no solamente em una serie de pautas morales y
religiosas, calificando de vergonzoza, ridicula, denigrante o pecaminosa algunas epocas o
paises han llegado incluso a la castracion y la pena de muerte” (Sexualidad y derecho.
Elementos de sexologia jurídica, Editorial Hispano-Europea, Barcelona, 1976, p. 199/201).
Helmut Thielick, ex-Reitor das Universidades de Tubingen e Hamburgo, alude que
dificilmente se pode esperar uma atitude unânime sobre a homossexualidade na ética
teologia do protestantismo alemão, pois “el desconcierto frente a un fenômeno considerado
um tabu religioso se pone de manifesto también em que casi siempre se encuadra la
homosexualidad dentro de la competencia del médico. Mas que discutibles, desde un punto
de vista objetivo, son afirmaciones como las de que la “homosexualidad congenita en
sentido estricto es extraordinariamente rara (en cualquer caso los homosexuales por
herencia tienen que extinguirse pronto... ya que no se reproducen)”. O la afirmacion de que,
como es posible acabar com la homosexualidad adquirida mediante un tratamento médico,
lo que hay que hacer en la mayoria de los casos es exigir del afectado que se someta a
cuidados médicos. Se afirma tambien que, por “parte médica se han hecho ya experimentos
com hormonas sexuales, registrandose buenos resultados curativos”. Continuamente
encontramos análogas muestras de esta desorientacion o media-orientacion” (Sexualidad y
crimen, 3ª edição, Instituto Editorial Reus, Madrid, 1990, p. 49/50).
Com extrema precisão, Jurandir Freire Costa informa que toda a época produz crenças
sobre a natureza do bem e do mal, do sujeito e do mundo que, aos olhos dos
contemporâneos, sempre aparecem como obvias e indubitáveis. 64

94
Os séculos XIV, XV, XVI e XVII criaram a feitiçaria. E, porque a crença na bruxaria
existia, existiam bruxas. As bruxas eram um efeito da crença em bruxaria, e sem esta crença
não haveria mulheres que sentissem, agissem, reconhecessem-se e fossem reconhecidas
como bruxas.
Tampouco haveria moralistas, religiosos, médicos, etc., que se debatessem em infindáveis
querelas sobre as causas e as manifestações do diabolismo ou sobre a competência dos que
estavam autorizados a distinguir as falsas das verdadeiras feiticeiras, mas com o advento do
imaginário racionalista e cientificista dos séculos XVIII e XIX pereceram as crenças na
feitiçaria e, com elas, as feiticeiras.
Outros tempos, outras crenças, outros sujeitos.
Acrescenta o renomado psicanalista que, nas crenças a respeito da sexualidade, como as
crenças da feitiçaria, também são apresentadas como fundadas em fatos evidentes por si
mesmos.
Assim, desde o século XIX passou-se a crer na existência de uma divisão natural dos
sujeitos em heterossexuais, bissexuais e homossexuais, crença que se impõe como um dado
imediato da consciência, como algo intuitivo e, portanto, universalmente válido para todos
os sujeitos em qualquer circunstância espaço-temporal.
No entanto, com um pouco de imaginação, pode-se conjeturar um futuro em que essa
classificação fosse flexibilizada e enriquecida, com outros tipos sexuais, como os
multissexuais, assexuais e alien-sexuais, estes últimos homens e mulheres que se sentiriam
atraídos por seres extraterrestres; neste universo remoto, ideologicamente copiado da
cultura mora, as novas gerações aprenderiam como é que sente, sabendo que sente, uma
atração multissexual ou alien-sexual, daí surgindo livros, vides, programas, com
informações sobre o assunto, encontros e conferências seriam realizados para apurar as
causas, as origens genéticas, psicológicas ou históricas daquelas características sexuais,
aparecendo movimentos em defesa dos direitos civis dos alien-sexuais, outros os acusando
de ter uma tendência sexual antinatural, posto que, se todos fossem atraídos por
extraterrestres, a reprodução da espécie terráquea estaria ameaçada...
Fora desse enfoque, toda a discussão sobre a chamada homossexualidade corre o risco de
tornar-se um exercício fútil para mentes acadêmicas, e, na linha de Wittgenstein, Focault ou
Richard Rorty, pensa-se que todos são seres de linguagem, pois nada, nem a subjetividade
ou sexualidade, escapa ao modo como se aprende a perceber, sentir, descrever, definir ou
avaliar moralmente o que se é.
Nossa subjetividade e nossa sexualidade são realidades lingüísticas, não existindo uma
coisa sexual objetiva que preexista à forma como se conhece linguisticamente, a palavra
não é aquilo que se diz, falsa ou verdadeiramente, o que a suposta coisa sexual é em si, mas
aquilo que a palavra diz que ela é.
Acredita-se que se é heterossexual, bissexual ou homossexual porque o vocabulário sexual
coage a identificar desta maneira; vocabulário, no entanto, que não surge do nada, nem
representa, para a razão, a verdade sobre a homossexualidade, ignorada pelo obscurantismo
dos que vieram antes. 65

95
Uma vez criados, os dispositivos lingüísticos de crenças ou os hábitos morais e intelectuais,
tornam-se quase absolutos na demarcação do limite de possibilidades das identificações
sexuais de cada indivíduo, sem chance de se escolher as preferencias sexuais, assim como
não se opta pela língua materna.
As inclinações sexuais, como disse Freud, são contingentes, arbitrárias e casuais, o que não
significa que sejam gratuitas, pois se está preso ao repertório sexual da cultura, até que
outras práticas lingüísticas produzam novos modos de identificação moral dos indivíduos.
Entretanto, ninguém é senhor da morada sexual, pode tornar-se livre para reescrever
moralmente a versão imposta à forma de amar e desejar sexualmente, eis que ninguém pode
escolher que tipo de desejo ou atração sexual será a sua, mas qualquer um pode aprender a
definir o que sente conforme seus padrões éticos.
Assim, discutir-se homossexualidade, partindo da premissa que todos são heterossexuais,
bissexuais ou homossexuais, significa acumpliciar-se com um jogo de linguagem que se
mostrou violento, discriminador, preconceituoso e intolerante, e que já levou a acreditar
que certas pessoas humanas são moralmente inferiores, só pelo fato de sentirem atração por
outras do mesmo sexo biológico.
É possível abandonar o vocabulário onde consta a idéia de homossexualidade, assim como
já se recusa a discutir sobre bruxas e bruxarias com o glossário da Inquisição.
E nessa cidade ideal da ética humanitária e democrática, as pessoas serão livres para amar
sexualmente de tantas formas quantas possam inventar, e onde o único limite para a
imaginação amorosa será o respeito pela integridade física e moral do semelhante.
Heterossexuais, bissexuais e homossexuais serão, para Freire Costa, figuras curiosas, nos
museus de mentalidades antigas e na vida terão desaparecido, como rostos de areia no
limite do mar (A ética e o espelho da cultura, 3ª edição, Editora Rocco, Rio de Janeiro,
2000, p. 118/122).
Propõe o autor, então, o termo homoerotismo para aludir ao que hoje se chama
homossexualidade, procurando evitar que o homem moderno, preso aos hábitos, desse tal
sentido a quaisquer práticas eróticas entre indivíduos do mesmo sexo biológico, já que
trocando o vocabulário também se mudam as perguntas, encontrando-se respostas que não
podem ser achadas quando se utiliza a terminologia hetero ou homossexual.
Como diz Rorty, trocando-se o vocabulário trocam-se os problemas e, com isso, algumas
realidades que pareciam absolutamente importantes passam a não ter qualquer importância
(Jurandir Freire Costa, Op.cit., p. 113/116).
Para Caio Fernando Abreu, a homossexualidade não existe, nunca existiu, e sim a
sexualidade, voltada para um objeto qualquer de desejo, que pode ou não ter genitália igual,
e isso é detalhe, mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade
(Pequenas epifanias, Editora Sulina, Porto Alegre, 1996, p. 49).
A questão dos direitos dos casais do mesmo sexo tem sido debatida no mundo, e o
argumento básico, em favor do tratamento igualitário, é no sentido de que as uniões
homoeróticas devem ter os 66

96
mesmos direitos que outros casais, ao demonstrar um compromisso público um para com o
outro, em desfrutar uma vida de família, a qual pode ou não incluir crianças, o que exige
isonomia legal.
Como noticia Andrew Bainham, a Convenção Européia é, até o presente, um
desapontamento para os casais do mesmo sexo e para os transexuais, tendo o Tribunal
Europeu adotado uma visão restritiva em relação ao direito ao casamento, o qual limita aos
heterossexuais, não aceitando que os homossexuais possam ter uma vida familiar.
Todavia, alguns países, incluindo a Grã-Bretanha, foram mais longe do que o preconizado
pela Convenção e começaram a conceder direitos a casais do mesmo sexo.
Assim, na Inglaterra, em 1999, ocorreu o caso de Martin FitzPatrick e John Thompson, que
viveram juntos até a morte prematura do último, então inquilino de um imóvel, para
indagar-se se o primeiro podia continuar o contrato de locação ou tinha que devolver o
bem.
Ou seja, se FitzPatrick podia ser considerado como esposo de Mr. Thompson ou como um
membro de sua família.
A Câmara de lordes disse não para a primeira questão, mas afirmou a segunda, que o
parceiro remanescente poderia ser tido como integrante da família, por que a relação
homossexual comprometida tinha as características de amor, afeto, apoio e
companheirismo, normalmente presentes nas relações familiares.
No Canadá, o Supremo Tribunal foi mais longe e defendeu que a expressão cônjuge,
quando utilizada em determinadas partes da legislação, não deveria restringir-se aos
formalmente casados, mas estendida a casais do mesmo sexo.
Desenvolvimentos mais radicais ocorreram em alguns paises da Europa Setentrional.
As nações nórdicas (Dinamarca, Suécia, Noruega e Islândia) têm a concepção de parceria
registrada, permitindo que casais homossexuais comprometidos registrem seus
relacionamentos, sendo tratados como se consorciados fossem, não sê-lhes aceitando adotar
crianças, o que foi já superado pelo parlamento holandês, com a possibilidade de que tais
pessoas casem e adotem, cânone que passou a viger em 1º de abril deste ano.
Assevera Baiham que os movimentos europeus estão lastreados na noção de igualdade e
neutralidade como entre diferentes tipos de relações familiares, podendo tais reformas
progressistas ser vistas como reflexo de uma visão do compromisso com os direitos
humanos.
No Canadá, a discriminação, com base na orientação sexual, viola a garantia constitucional
da igualdade.
Mas há também uma dimensão adicional para os debates que dizem com o sexo e com os
gêneros masculino e feminino, indagando-se o cabimento, no mundo moderno, de agarrar-
se à visão tradicional de que o casamento deve envolver um homem e uma mulher ou que a
parentalidade envolva necessariamente duas pessoas, um pai e uma mãe.
Argumenta-se que o compromisso entre duas pessoas ou em relação à criança, não depende
do sexo ou gênero destas pessoas, o que aceito, implicaria emergir o casamento ou a
parentalidade, no 67

97
futuro, como conceitos neutros quanto ao gênero, ao invés de específicos (Direitos
humanos, crianças e divórcio na Inglaterra, UFP/IBDFAM, Editora Juruá, Curitiba, 2001,
p. 12/15).
Acrescendo que, na Hungria, a Corte Constitucional considerou que existindo o instituto do
common-law marriage, semelhante à união estável brasileira, que reconhece aos casais
heterossexuais os direitos econômicos do casamento, tal regra estende-se aos
homossexuais, revisando, para tanto, a Lei de Coabitação de 1996, excetuando-se, contudo,
o direito à adoção.
No Canadá, os benefícios de saúde foram estendidos aos parceiros do mesmo sexo, também
admitindo que pudessem ser tratados como membros de uma união estável; o governo
oferece benefício médico, dentário e oftalmológico aos parceiros dos empregados
homossexuais.
Ali, uma província reconheceu, em 1997, a possibilidade de tutela e adoção por
homossexuais.
Nos Estados Unidos, embora o Congresso tenha aprovado a Lei de Defesa do Casamento
(Defense of marriage Act, 1997), pela qual os Estados não precisam reconhecer o registro
de casamentos homossexuais de outros Estados, lei cuja constitucionalidade ainda se
debate, o Estado de Havaí aceitou benefícios recíprocos aos casais homossexuais do quadro
de seus servidores públicos, incluindo direito à pensão, saúde e indenização em caso de
morte (1997), no que foi secundado pelo Estado de Oregon (1998).
Embora o campo ainda não se tenha dilatado, os Estados Unidos concedem asilo político a
homossexuais, desde que comprovada a perseguição, além de atribuir indenização por
abuso sexual entre pessoas de mesmo sexo. Algumas empresas, como a Disney, Microsoft,
IBM e Kodak, por exemplo, reconhecem a parceria doméstica entre pessoas do mesmo
sexo, a fim de perceber benefícios médicos e pensão.
A França foi a primeira nação católica a reconhecer legalmente a união homossexual, ao
aprovar um Pacto Civil de Solidariedade entre pessoas de mesmo sexo, garantindo direito à
imigração, à sucessão e declaração de renda conjunta, excetuada a adoção (1998).
Em Israel, a lei de Igual Oportunidade de Emprego (1992), proíbe a discriminação contra
empregados baseada em sua orientação sexual, o que também acontece no Exército, tendo
já acontecido decisão judicial em favor de um homossexual quanto aos benefícios
previdenciários relativos ao seu parceiro enfermo.
Em Mendoza, província argentina, foi atribuído ao parceiro os benefícios da saúde; na
Espanha, foi rejeitada a lei de parceria registrada, mas na Catalúnia foi aprovada a parceria
doméstica para homossexuais e heterossexuais, com garantia de direitos trabalhistas e
pensão; na Alemanha, Portugal e Finlândia estuda-se legislação sobre casamento entre
pessoas do mesmo sexo, reconhecimento de uniões homoeróticas e parceria registrada
(Napoleão Dagnese, Cidadania no armário, Uma abordagem sócio-jurídica acerca da
homossexualidade, LTr Editora, São Paulo, 2000, p. 71775).
Em magistério paradigmático, Maria Berenice Dias lembra que os temas da ordem e da
sexualidade são envoltos em uma aura de silêncio, despertando sempre enorme curiosidade
e profundas inquietações, tendo lenta maturação por gravitarem na esfera comportamental,
existindo tendência a 68

98
conduzir e controlar seu exercício, acabando por emitir-se um juízo moral voltado
exclusivamente à conduta sexual.
Por ser fato diferente dos estereótipos, o que não se encaixa nos padrões, é tido como
imoral ou amoral, sem buscar-se a identificação de suas origens orgânicas, sociais ou
comportamentais.
O conceito de normal X anormal decorre, para a ilustrada doutrinadora e magistrada, de
uma sacralização do conceito de família, que é historicamente associada a casamento e
filhos, supondo sempre uma relação heterossexual.
Entretanto, as uniões homoafetivas são uma realidade que se impõe e não podem ser
negadas, estando a reclamar tutela jurídica, cabendo ao Judiciário solver os conflitos
trazidos, sendo incabível que as convicções subjetivas impeçam seu enfrentamento e vedem
a atribuição de efeitos, relegando à margem determinadas relações sociais, pois a mais cruel
conseqüência do agir omissivo é a perpetração de grandes injustiças.
Subtrair direitos de alguns e gerar o enriquecimento injustificado de outros afronta o mais
sagrado princípio constitucional, o da dignidade, e se a palavra de ordem é a cidadania e a
inclusão dos excluídos, uma sociedade que se deseja aberta, justa, pluralista, solidária,
fraterna e democrática não pode conviver com tal discriminação (União homossexual, o
preconceito, a justiça, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000, p. 17/21).
A partida para a confirmação dos direitos dos casais homoeróticos está, precipuamente, no
texto constitucional brasileiro, que aponta como valor fundante do Estado Democrático de
Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), a liberdade e a
igualdade sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5º), a inviolabilidade da intimidade e
da vida privada (CF, art. 5º, X), que, como assevera Luiz Edson Fachin, formam a base
jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito personalíssimo,
atributo inerente e inegável da pessoa e que, assim, como direito fundamental, é um
prolongamento de direitos de personalidade imprescindíveis para a construção de uma
sociedade que se quer livre, justa e solidária (Aspectos jurídicos da união de pessoas do
mesmo sexo, em A nova família: problemas e perspectivas, Editora Renovar, Rio, 1997, p.
114).
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é prólogo de várias cartas constitucionais
modernas (Lei Fundamental da República Federal Alemã, art. 1º; Constituição de Portugal,
art. 1º; Constituição da Espanha, art. 1º; Constituição Russa, art. 21; Constituição do Brasil,
art. 1º, III, etc.).
Alicerça-se na afirmação kantiana de que o homem existe como um fim em si mesmo e não
como mero meio (imperativo categórico), diversamente dos seres desprovidos de razão que
têm valor relativo e condicionado e se chamam coisas; os seres humanos são pessoas, pois
sua natureza já os designa com um fim, com valor absoluto.
Reputa-se que o princípio da dignidade não é um conceito constitucional, mas um dado
apriorístico, preexistente à toda experiência, verdadeiro fundamento da República
brasileira, atraindo o conteúdo de todos os direitos fundamentais.
Assim, não é só um princípio da ordem jurídica, mas também da ordem econômica,
política, cultural, com densificação constitucional. 69

99
É um valor supremo, e acompanha o homem até sua morte, por ser da essência humana: a
dignidade não admite discriminação alguma e não estará assegurada se o indivíduo é
humilhado, perseguido ou depreciado, sendo norma que subjaz à concepção de pessoa
como um ser ético-espiritual que aspira determinar-se e desenvolver-se em liberdade.
Não basta a liberdade formalmente reconhecida, pois a dignidade da pessoa humana, como
fundamento do Estado Democrático de Direito, reclama condições mínimas de existência
digna conforme os ditames da justiça social como fim da ordem econômica (José Afonso
Silva, A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, Revista de
Direito Administrativo, n.º 212, p. 91/93).
Assim, a idéia de dignidade humana não é algo puramente apriorístico, mas que deve
concretizar-se no plano histórico-cultural, e para que não se desvaneça como mero apelo
ético, impõe-se que seu conteúdo seja determinado no contexto da situação concreta da
conduta estatal e do comportamento de cada pessoa.
Ingo Sarlet, em obra proeminente, menciona que nesse sentido assume particular relevância
a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos
poderes estatais e da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice que
também aponta para uma simultânea dimensão defensiva e protecional da dignidade.
Como limite da atividade dos poderes públicos, a dignidade é algo que pertence
necessariamente a cada um e que não pode ser perdida e alienada, pois se não existisse, não
haveria fronteira a ser respeitada; e como tarefa (prestação) imposta ao Estado, a dignidade
existente, quanto objetivando à promoção da dignidade, especialmente criando condições
que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, que é dependente da ordem
comunitária, já que é de perquirir até que ponto é possível o indivíduo realizar, ele próprio,
parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita para tanto do
concurso do Estado ou da comunidade.
Sinaliza o douto constitucionalista gaúcho que uma dimensão dúplice da dignidade
manifesta-se enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa humana,
vinculada à idéia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da
própria existência, bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da
comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada ou até mesmo quando ausente a
capacidade de autodeterminação (A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais,
Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2001, p. 46/49).
A contribuição da Igreja na afirmação da dignidade da pessoa humana como princípio
elementar sobre os fundamentos do ordenamento constitucional brasileiro, antes da
Assembléia Constituinte, efetivou-se em declaração denominada por uma nova ordem
constitucional, onde os cristãos foram instalados a acompanhar e posicionar-se, quando se
tentasse introduzir na nova carta elementos incompatíveis com a dignidade e a liberdade da
pessoa.
Ali constou que todo o ser humano, qualquer que seja sua idade, sexo, raça, cor, língua,
condição de saúde, confissão religiosa, posição social, econômica, política, cultural, é
portador de uma dignidade inviolável e sujeito de direitos e deveres que o dignificam em
sua relação com Deus, como filho, com os outros como irmão e com a natureza como
Senhor. 70

100
Por isso, todos os seres humanos são fundamentais iguais em direitos e dignidade, livres
para pensar e decidir de acordo com sua consciência; para expressar-se, organizar-se em
associações e buscar sua plena realização, mas em profundo respeito à liberdade e à
dignidade dos outros seres humanos, tendo sempre em vista o bem comum. Mas não é
suficiente o reconhecimento formal dessa dignidade e igualdade fundamentais. É preciso
que este reconhecimento seja traduzido na promoção de condições concretas para realizar e
reivindicar os direitos fundamentais de todos os homens e de todas as mulheres, tais como:
direito à vida e a um padrão digno de existência, direito à saúde e ao lazer; direito à
educação, inclusive religiosa, e a escolher o tipo de educação desejada para os filhos;
direito à liberdade religiosa; direito ao trabalho e à remuneração suficiente para o sustento
pessoal e da própria família; direito de todos à propriedade, submetida à sua função social,
direito de ir e vir; direito de entrar no país e dele sair; direito à segurança, à preservação da
própria imagem e participação na vida política (Cleber Francisco Alves, O princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da Doutrina Social da Igreja,
Editora Renovar, Rio, 2001, p. 157/159).
Dessa forma, a consagração do princípio da dignidade humana implica em considerar-se o
homem como centro do universo jurídico, reconhecimento que abrange todos os seres e que
não se dirige a determinados indivíduos, mas a cada um individualmente considerado, de
sorte que os efeitos irradiados pela ordem jurídica não hão de manifestar-se, em principio,
de modo diverso ante duas pessoas.
Daí se segue de que a igualdade entre os homens representa obrigação imposta aos poderes
públicos, tanto na elaboração de regra de Direito quanto em relação à sua aplicação, já que
a consideração da pessoa humana é um conceito dotado de universalidade, que não admite
distinções (Edilson Pereira Nobre Júnior, O direito brasileiro e o princípio da dignidade
humana, Revista dos Tribunais, n.º 777, p. 475).
Em magistério original, Roger Raupp Rios estabelece as estremas entre o princípio da
dignidade humana e a orientação sexual, assim compreendida esta como a identidade
atribuída a alguém em função da direção de seu desejo e/ou condutas sexuais, seja para
outra pessoa do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade) ou
de ambos os sexos (bissexualidade).
Ou, especificamente as discriminações em face da homossexualidade, uma vez que a
diferenciação é gerada em vista desta direção de desejo ou conduta sexual.
A sexualidade consubstancia uma dimensão fundamental da constituição da subjetividade,
alicerce indispensável para a possibilidade de livre desenvolvimento da personalidade.
O respeito aos traços constitutivos fundamentais da individualidade de cada um, sem
depender de orientação sexual, é ordenado juridicamente em virtude do artigo 1º, inciso III,
da Constituição de 1988, sendo o reconhecimento da dignidade da pessoa humana o
elemento central do Estado de Direito, que promete aos indivíduos muito mais que
abstenções de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais: a promoção positiva de suas
liberdades. 71

101
A afirmação da dignidade humana, no direito brasileiro, repele quaisquer providências,
diretas ou indiretas, que esvaziem a força normativa dessa noção fundamental, tanto pelo
seu enfraquecimento na motivação das atividades estatais, quanto por sua pura e simples
desconsideração.
De fato, ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a alguém em função de sua
orientação sexual é dispensar tratamento indigno ao ser humano, não se podendo ignorar a
condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal, como
se tal aspecto não se relacionasse com a dignidade humana.
Diante destes elementos, conclui-se que o respeito à orientação sexual é aspecto
fundamental para afirmação da dignidade humana, não sendo aceitável, juridicamente, que
preconceitos legitimem restrições de direitos, fortalecendo estigmas sociais e espezinhando
um dos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito (Dignidade da
pessoa humana, homossexualidade e família: reflexões sobre as uniões de pessoas do
mesmo sexo, trabalho inédito).
Ainda a atentar-se para o princípio da igualdade.
Celso Antonio Bandeira de Mello dita que o alcance do princípio da igualdade não se
restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode
ser editada em desconformidade com a isonomia.
Ou seja, a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas o instrumento
regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente a todos, sendo esse o conteúdo
político ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos
constitucionais em geral.
Em suma, dúvida não padece que, ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela hão
de receber tratamento parificado, sendo certo, ainda, que o próprio ditame legal é interdito
deferir disciplinas diversas para situações equivalentes (Conteúdo jurídico do princípio da
igualdade, 3ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 1999, p. 9/10).
A concretização da igualdade em matéria de sexo, diz Roger Raupp Rios, exponencializada
pela proibição de discriminação, se examinada com cuidado, alcança o âmbito da
orientação sexual homossexual.
De fato, quando alguém atenta para a direção do envolvimento, por mera atração, ou pela
conduta sexual de outrem, valoriza a direção do desejo, isto é, o sexo da pessoa com que o
sujeito deseja se relacionar ou efetivamente se relaciona, mas esta definição (da direção
desejada, de qual seja a orientação sexual do sujeito, isto é pessoa do mesmo sexo ou de
sexo oposto) resulta tão só da combinação dos sexos de duas pessoas).
Ora, se um for tratado de maneira diferente de uma terceira pessoa, que tenha sua
sexualidade direcionada para o sexo oposto, em razão do sexo da pessoa escolhida, conclui-
se que a escolha que o primeiro fez suporta um tratamento discriminatório unicamente em
função de seu sexo.
Fica claro, assim, que a discriminação fundada na orientação sexual do sujeito esconde, na
verdade, uma discriminação em virtude de seu próprio sexo.
O sexo da pessoa escolhida, se homem ou mulher, em relação ao sexo do sujeito, vai
continuar qualificando a orientação sexual como causa de tratamento diferenciado ou não,
em relação àquele. 72

102
Não se diga, outrossim, que inexiste discriminação sexual porque prevalece tratamento
igualitário para homens e mulheres diante de idêntica orientação sexual, pois o argumento
peca duplamente, ao buscar justificar uma hipótese da discriminação (homossexualismo
masculino) invocando outra hipótese de discriminação (homossexualismo feminino).
O raciocínio desenvolvido acerca da relação entre o princípio da igualdade e a orientação
sexual, aduz ainda o culto magistrado, é uma espécie de discriminação por motivo de sexo,
isso significando que, em linha de princípio , são vedados no ordenamento jurídico pátrio
os tratamentos discriminatórios fundados na orientação sexual.
Tem-se de investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de
outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à
vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em
função da desigualdade proclamada.
Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente
existente é afinado, em concreto, com os valores prestigiados no sistema normativo
constitucional, se guarda harmonia com eles (Direitos Fundamentais e orientação sexual: o
direito brasileiro e a homossexualidade, Revista do Centro de Estudos Judiciários
Brasileiros, Conselho da Justiça Federal, 1998, v. 6, p. 29/30).
A idéia da igualdade interessa particularmente ao Direito, pois ela se liga à idéia de justiça,
que é a regra das regras de uma sociedade e que dá o sentido ético de respeito a todas as
outras regras.
Na esteira da igualdade dos gêneros e com a evolução dos costumes, principalmente a partir
da década de 60, desmontam-se privilégios e a suposta superioridade do masculino sobre o
feminino, e a sexualidade legítima autorizada pelo Estado começa a deixar de existir
unicamente por meio do casamento, eis que, com a evolução do conhecimento científico,
torna-se possível a reprodução mesmo sem ato sexual (Rodrigo da Cunha Pereira, A
sexualidade vista pelos tribunais, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2000, p. 61/62).
Muito raras têm sido as decisões judiciais que acabam por extrair conseqüências jurídicas
das relações entre as pessoas do mesmo sexo, mostrando-se ainda um tema permeado de
preconceitos, mas a convivência homossexual em nada se diferencia da união estável, não
podendo ser vista como tal apenas pela restrição contida na Carta Maior.
Entretanto, é imperioso que, através de uma interpretação analógica, passe-se a aplicar o
mesmo regramento legal, pois inquestionável que se trata de um relacionamento que tem
base no amor (Maria Berenice Dias, Efeitos patrimoniais das relações de afeto, in
Repensando o direito de família, IBDFam, Belo Horizonte, 1999, p. 57).
Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama, sob o prisma jurídico, não há efeitos distintos
das uniões concubinárias e das uniões homossexuais, já que ambas, fora do Direito de
Família, somente podem ser cuidadas como sociedade de fato, desde que evidentemente
sejam preenchidos os requisitos para a configuração de tais entidades, possibilitando o
reconhecimento do direito de partícipe da relação – que for prejudicado em decorrência da
aquisição patrimonial em nome tão somente do outro – ao partilhamento dos bens
adquiridos na constância da sociedade de fato, na medida da sua efetiva 73

103
contribuição para a formação ou incremento patrimonial (O companheirismo, uma espécie
de família, Editora RT, São Paulo, 1998, p. 491).
Observa Euclides de Oliveira que, muito antes das leis de união estável, o Supremo
Tribunal Federal vinha mandando partilhar bens decorrentes de sociedade de fato entre
concubinos, desde que comprovado o esforço comum; o mesmo raciocínio serve às uniões
entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que, por mutua colaboração, formem uma sociedade
de fato, que, desfeita, exige repartição igualitária dos bens, sob pena de estar um dos
parceiros se enriquecendo injustamente à custa do outro (União homossexual gera direitos
patrimoniais limitados, in Nova realidade do direito de família, COAD, 1998, P. 39).
Buscando uma hermenêutica construtiva, baseada numa interpretação atualizada e dialética,
Luiz Edson Fachin afirma que a partilha da metade dos bens havidos durante a comunhão
de vida mediante colaboração mutua, é um exemplo de via que pode ser trilhada, expondo
perante o próprio sistema jurídico suas lacunas, daí por que equívoca a base da formulação
doutrinária e jurisprudencial acerca da diversidade dos sexos como pressuposto do
casamento.
O grande mestre paranaense lembra que a técnica engessada das fórmulas acabadas não
transforma o tema em algo perdido no ar quando ensinar é percorrer a geografia do
construir, exigindo o estudo, em seu mapa cartográfico do saber, o construído e não a
indução ao dado.
Não se deve, então, conviver com uma atitude de indiferença ou de renúncia a uma posição
avançada na inovação e mesmo na revisão e superação dos conceitos, atribuindo,
abertamente, para fomentar questionamentos e fazer brotar inquietude que estimule o
estudo e a pesquisa comprometidos com seu tempo e seus dilemas (Elementos críticos de
direito de família, Editora Renovar, Rio, 1999, p. 2, passim).
Como conclui Maria Berenice Dias, comprovada a existência de um relacionamento em
que haja vida em comum, coabitação e laços afetivos, está-se à frente de uma entidade
familiar, forma de convívio que goza da proteção constitucional, nada justificando que se
desqualifique o reconhecimento dela, pois o só fato dos conviventes serem do mesmo sexo
não permite que lhes sejam negados os direitos assegurados aos heterossexuais (ob. cit., p.
88).
Além disso, como apregoam José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira
Muniz, as uniões estáveis de natureza homossexual podem ter relevância jurídica em outros
planos e sob outras formas, não como modalidade de casamento (Direito de Família,
Direito Matrimonial, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1990, p. 215).
Embora ainda tímido em qualificar a relação como entidade familiar, não me divorcio da
possibilidade do uso analógico dos institutos jurídicos existentes e dos princípios do
Direito, para admitir efeitos patrimoniais na união homossexual, tal como se faz no
casamento ou na união estável, como uma comunidade familiar.
A família não suporta mais a estreita concepção de núcleo formado por pais e filhos, já que
os laços biológicos, a heterossexualidade, a existência de, pelo menos, duas gerações,
cederam lugar aos 74

104
compromissos dos vínculos afetivos, sendo um espaço privilegiado para que os opostos
possam vir a se tornar complementares.
Atualmente a família, além da sua função de reprodução biológica, produz também sua
própria reprodução social, através da função ideológica que exerce ao vincular a introjeção,
por seus membros, de valores, papeeis, padrões de comportamento que serão repetidos
pelas sucessivas gerações, deixando a família nuclear de se constituir em modelo
prevalente.
A progressão do número de divórcios, filhos criados pelo pai ou pela mãe, filhos criados
em famílias reconstruídas por novos casamentos, aconchegam os novos arranjos cada vez
mais freqüentes na sociedade, não comportando mais a simples reprodução dos antigos
modelos para o exercício dos papéis de mães e pais, experiência que vai além do fato
biológico natural, mas adquire o estatuto de uma experiência psicológica, social, que pode
ou não acontecer, independentemente a fecundação, gestação e do dar à luz e amamentar.
Ressignificar a família na função balizadora do périplo existencial é um imperativo de
nossos dias, revitalizá-la com o aporte de novas e mais satisfatórias modalidades de
relacionamento entre os seus membros é indispensável para se aperfeiçoar a convivência
humana, repensá-la é tarefa a ser por todos compartida por sua transcendência com a
condição humana (Cristina de Oliveira Zamberlan, Os novos paradigmas da família
contemporânea. Uma perspectiva interdisciplinar, Editora Renovar, Rio, 2001, p. 13/14 e
149/151).
Segundo Rosana Amara Girardi Fachin, a família contemporânea não corresponde àquela
formatada pelo Código Civil, constituída por pai e mãe, unidos por um casamento regulado
pelo Estado, a quem se conferia filhos legítimos, eis que o grande número de famílias não
matrimonializadas, oriundas de uniões estáveis, ao lado de famílias monoparentais, denota
a abertura de possibilidade às pessoas, para além de um único modelo.
Hoje, a nova família busca construir uma história em comum, não mais a união formal,
eventualmente sequer se cogita do casal, o que existe é uma comunhão afetiva, cuja
ausência implica a falência do projeto de vida, já não se identifica o pai como marido, eis
que papéis e funções são diversas, e a procura de um outro desenho jurídico familiar passa
pela superação da herança colonial e do tradicional modo de ver os sujeitos das relações
familiares como entes abstratos (Em busca da família do novo milênio. Uma reflexão
crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do Direito de Família brasileiro
contemporâneo, Editora Renovar, Rio, 2001, p. 7, passim).
É ainda Guilherme Calmon Nogueira da Gama que flagra o descompasso entre o avanço
constitucional do direito de família e a existência de algumas famílias sociológicas, que
ainda se mantém à margem da família jurídica, diante dos valores e princípios
constitucionais que norteiam o ordenamento brasileiro, tais como as uniões sexuais entre
parentes, pai e filha, e as famílias de fato resultantes da união de pessoas do mesmo sexo.
Embora aceitando que alguns valores e princípios tradicionais ainda prevalecem em matéria
de conjugalidade, o que obsta relações entre pessoas de mesmo sexo, pois a sexualidade se
vincula ainda à procriação, impedindo outros modelos, reconhece o mestre carioca que a
realidade fática de ditas 75

105
uniões, tal como ocorreu com a união libre, deve percorrer caminho também difícil e
tortuoso, mas vai atingir o status de família em tempos não muito distantes (Família não-
fundada no casamento, RT n.º 771, p. 62 e 68).
Como foi observado no inicio, afastada a possibilidade de emoldurar a união homoerótica
como forma de casamento, o que não acha respaldo na doutrina e nos repertórios dos
tribunais, toca examiná-la como uma forma de comunidade familiar, aparentada com a
união estável, esta também vedada pela prescrição constitucional vigorante (CF, art. 226,
par. 3º).
Não desconheço a tese que sustenta a inconstitucionalidade da regra constitucional
invocada, por violar os princípios da dignidade humana e da igualdade ao discriminar o
conceito de homossexualidade, mas que cede ante a afirmação do Supremo Tribunal
Federal de que a existência de hierarquia entre as normas constitucionais originárias, dando
azo de uma em relação a outras, é incompossível com o sistema de Constituição rígida
(ADIn n.º 815/DF, rel. Min. Moreira Alves, DJU 10.05.96), além de afrontar o princípio da
unidade constitucional.
Aparenta-me adequado, pois, filiar-me ao uso razoável da analogia e uma interpretação
extensiva dos direitos fundamentais, principalmente o direito de igualdade.
Como explica Roger Raupp Rios, a equiparação das uniões homossexuais à união estável,
pela via analógica, implica a atribuição de um regime normativo destinado originariamente
à situação diversa, ou seja, comunidade formada por um homem e uma mulher, mas onde a
semelhança autorizadora seria a ausência de laços formais e a presença substancial de uma
comunidade de vida afetiva e sexual duradoura e permanente entre os companheiros do
mesmo sexo, assim como ocorre entre sexos opostos.
O argumento avança no sentido da concretização da Constituição, pois conferindo uma
unidade diante da realidade histórica, fazendo concorrer os princípios constitucionais,
dentre os quais se destaca o isonômico e a decorrente proibição por motivo de sexo e de
orientação sexual.
Todavia, embora a analogia tenha o mérito de reconhecer o caráter familiar das uniões
homossexuais, segundo Rios, o reconhecimento destas uniões ao direito de família
prescinde da união estável como paradigma, pois se uma emenda constitucional retirasse da
carta a previsão da união estável, sem mais nada, o procedimento não impediria que a
legislação e a jurisprudência continuassem a desenvolver e atualizá-lo, reconhecendo a
pertinência tanto da união estável quanto das uniões homossexuais; e, portanto, a
qualificação jurídica familiar às uniões homossexuais não depende da existência da união
estável, cuidando-se, pois, mais que uma analogia, de comunhão de características típicas
do conceito de família às duas situações (Dignidade da pessoa humana, cit. p. 31/34).
Aliás, a jurisprudência local já havia dito que “é possível o processamento e o
reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante os princípios fundamentais
insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao
sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora,
quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso
país, destruindo preconceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade
científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser 76

106
marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as
individualidades e as coletividades possam andar seguras na tão almejada busca da
felicidade, direito fundamental de todos” (TJRS, Oitava Câmara Cível, APC 598 362 655,
rel. Des. José Siqueira Trindade, j. 01.03.2000).
Dir-se-á, talvez, que a utilização da analogia apenas socorre para preencher alguma lacuna
(LICC, art. 4 e CPC, art. 126), mas na verdade o ordenamento jurídico, visto como um
todo, encarrega determinados órgãos, no caso os juízes, para atribuírem soluções aos casos
concretos, mesmo naquelas situações em que não existem regras legais específicas, eis que
como assevera Aftalion, Garcia y Vilanova, contra la opinión de algunos autores que ham
sostenido que em el ordenamiento jurídico existen lagunas – o sea, casos o situaciones no
previstas – que serian necesario llenar o colmar a medida que las circunstancias mostrasen
la conveniencia de hacerlo, debemos hacer notar que el ordenamiento jurídico es pleno:
todos os casos em que puedan presentarse se encuentran previstos em él (...) No hay
lagunas, porque hay jueces (voto do Des. Breno Moreira Mussi, no AGI 599 075 496,
julgado pela Oitava Câmara Cível do TJRS, em 17.06.99, quando definiu que as demandas
que envolvem relações de afeto são da competência das Varas de Família).
Se o juiz não pode, sob alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se
harmoniza com seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para
formular ele próprio a regra de direito aplicável (STF, RBDP 50/159), não é menos verdade
que a hermenêutica não deve ser formal, mas antes de tudo real, humana e socialmente útil;
e se ele não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, decidindo contra ela, alude o
Ministro Salvio de Figueiredo, pode e deve, por outro lado, optar interpretação que mais
atenda às aspirações da Justiça e do bem comum (RSTJ 26/378), já que a proibição de
decidir pela equidade não há de ser entendida como vedando se busque alcançar a justiça
no caso concreto, com atenção ao disposto no artigo 5º da Lei de Introdução (RSTJ
83/168).
Assim encorajado aplico ao caso concreto os mesmos efeitos patrimoniais que deslumbro
da união estável, repartindo o acervo angariado pelos parceiros em sua vida comum,
destoando do fundamento e do percentual ditados na erudita sentença do Dr. Tasso Caubi
Soares Delabary, que encaminhou ao autor 75% do patrimônio existente.
Embora comprovada a coabitação e a comunhão de afetos, resta solidária no processo a
afirmação do apelado de que somente seus recursos geraram o cabedal sob exame, não
havendo prova que afaste a presunção derivada da vida conjunta, onde, de muito, os
tribunais vinham alertando para a contribuição indireta na construção do cabedal.
É razoável, pois, atribuir-lhe somente a meação do patrimônio existente, como numa
comunidade familiar, conclusão que mais se fortalece com a existência de uma filha
adotiva, tal como na união estável que adoto como paradigma para o caso concreto, que,
obviamente, não se trata de uma sociedade de fato.
Assim, dou provimento parcial ao apelo, repartindo a sucumbência estatuída no decisório.
Desejo consignar, ainda, um voto de louvor ao eminente juiz, Dr. Tasso Caubi Soares
Delabary, pela erudita decisão.
É como voto. 77

107
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES – REVISOR
Penso também que a questão da homossexualidade deve ser vista hoje com desassombro e
trago, aqui, a mesma linha de argumentação que expendi ao apreciar outro processo (agravo
de instrumento n.º 70000535542, da 8ª Câmara Cível), em que litigavam duas mulheres que
mantinham relacionamento homossexual.
A homossexualidade sempre existiu desde os primórdios e, depois de um longo período de
perseguição e brutal restrição, e até de ataques à prática. homossexual, sendo tal conduta
até mesmo tipificada criminalmente em algumas sociedades, ao longo da história da
humanidade, tendo sido repudiada também até o terceiro quarto do tormentoso século XX,
de tantas mudanças sociais e redefinição de valores. Mas hoje a sociedade já convive bem
com este fato social que não é novo, sendo sua aceitação progressiva. Vivemos novos
tempos, e o preconceito vai ficando para trás. A sociedade vai olhando os fatos com o
colorido e o contorno que eles efetivamente apresentam, sem a máscara hipócrita que
transformava o fato real em invisível, e alvo de prévia, imposta e artificial censura.
É o momento de se perceber que a dignidade de uma pessoa não está atrelada à sua
orientação sexual, e que cada qual pode livremente exercitar a sua sexualidade, externando
comportamento compatível com a sua própria maneira de ser, respeitados obviamente os
limites da privacidade de cada um.
Não se pode mais ficar adstrito aos antigos paradigmas que ditavam as condutas sociais,
como se a sexualidade humana fosse linear e coubesse nos estreitos limites de gênero
homem ou mulher. Ao lado dessa dualidade, é preciso considerar que existem outros
critérios respeitáveis para identificar a sexualidade de uma pessoa.
A orientação sexual não é uma aberração senão uma definição individual vinculada a
apelos próprios, físicos ou emocionais. Há que se respeitar o sentimento de cada um, a
busca de realização de cada pessoa, que deve encontrar espaço para integração ao grupo
social a que pertence, sem discriminações.
É preciso, pois, que as pessoas reconheçam, como direito individual, a identidade de
gênero, expressão cunhada pelo pesquisador norte-americano ROBERT STOLLER, que há
mais de quatro décadas estuda a questão da intersexualidade e transexualidade, que diz,
pois, com a forma de o indivíduo se relacionar com o grupo social que está inserido.
Não existe opção sexual. Cada qual exercita a sexualidade da forma como a natureza lhe
oferece. A orientação a ser seguida decorre de um impulso natural.
ROBERTO FARINA, na sua obra sobre transexualismo, e que leva este título, diz que a
homossexualidade tem origem psicogênica e é essencialmente multifatorial, isto é, decorre
de causas orgânicas (ou endócrinas), psíquicas, ambientais e sociais.
Portanto, trata-se de uma forma de comportamento rigorosamente natural, isto é, decorre de
causas biológicas ou psíquicas e de circunstâncias pessoais ou sociais. 78

108
Dada a freqüência com que se verifica hoje, já bastante reduzida a carga de preconceito,
não se pode dizer que se trata de um fato raro. Pelo contrário, cada vez mais vem sendo
alvo de uma afirmação social, existindo até um dia internacional do “orgulho gay”.
Não obstante isso, o comportamento tido como normal na nossa sociedade é o do homem
que se relaciona com mulher e da mulher que se relaciona com o homem. Mas nunca se
perquiriu se tais relacionamentos são ou não satisfatórios para todas as mulheres e para
todos os homens.
O modelo tradicional apontava para as pessoas que tinham apenas insatisfações ou
frustrações nos relacionamentos afetivos heterossexuais, como a única saída socialmente
aceita o celibato. E a solidão era a penitência imposta para quem não teve culpa de ser
diferente, por não se adequar ao modelo imposto pela sociedade e que, talvez, soube
responder aos apelos que a natureza lhe impôs.
Hoje, porém, afigura-se intolerável obscurantismo persistir em qualquer prática.
discriminatória. Aproximando-se os influxos da nova era, que se iniciou neste século XXI,
é preciso reconhecer como um fato social a homossexualidade e que, portanto, não merece
e não pode ser alvo de discriminação.
Com essa visão, tenho que as questões acerca da dissolução de sociedades de fato
envolvendo relações homossexuais devem, efetivamente, ser tratadas no âmbito das Varas
especializadas em Direito de Família. Mas, convém deixar bem claro, não vejo como
deferir um tratamento paralelo ao casamento ou à união estável. O exame de tais questões,
dentro do Direito de Família, situa-se no âmbito do direito assistencial. Ou seja, localiza-se
fora do direito matrimonial ou do direito parental, não sendo possível erigir tal
relacionamento ao patamar de uma entidade familiar, tendo conteúdo meramente
obrigacional. Situa-se tal questão dentro do direito assistencial pois não se trata de uma
mera questão patrimonial, já que a relação tem o componente da intimidade e da
afetividade, o que reclama a aplicação de princípios peculiares ao Direito de Família, tal
como ocorre, também, com a tutela, a curatela e a ausência.
E tal entendimento, afastando qualquer paralelo com o casamento ou a união estável, não
decorre de qualquer preconceito, senão pela compreensão que tenho do que seja família, a
partir da própria história da humanidade.
O que é família? Como se compreende o grupo familiar?
A família é um fenômeno natural e que prescinde de toda e qualquer convenção formal ou
social, embora não se possa ignorar que foram as exigências da própria natureza e da
própria sociedade, acatando os apelos naturais, que se encarregaram de delinear e formatar
esse ente social que é a base da estrutura de toda e qualquer sociedade organizada. CLOVIS
BEVILAQUA, aliás, dizia, com propriedade, que a família é uma instituição natural, que a
sociedade molda e aperfeiçoa.
Toda e qualquer noção de família passa, necessariamente, pela idéia de uma prole, e a partir
dessa noção é que foi sendo estruturado esse grupamento social em todos os povos e em
todas as épocas da historia da humanidade.
Na linha de entendimento de BACHOFEN, e que foi desenvolvida por MORGAN e
MC‟LENNAN, partindo-se de um estado de promiscuidade absoluta, lá nos primórdios,
encontrou-se o primeiro resquício de civilização quando a humanidade passou a perceber a
necessidade de se definir a filiação, até pela higidez da prole. Então, a partir daí é que
começou a primeira noção de família, com repúdio ao 79

109
relacionamento incestuoso. E foi isso, precisamente, que fez com que a sociedade
encontrasse a sua primeira forma, que foi o matriarcado, e que se manifestava ainda na
poligamia, na modalidade de poliandria, que foi a primeira forma de família e tinha a
mulher como o principal referencial familiar. E, daí, o matriarcado.
A evolução fez com que, também e pelos mesmos problemas relacionados com a prole, se
fizesse necessário definir a paternidade. Foi a necessidade de se buscar a paternidade certa
que fez com que o homem passasse a ser o centro da família. E aí, ainda com a poligamia,
encontrou-se a poligenia, passando a ser abominado o relacionamento poliândrico. Na
medida em que o homem subjugava a mulher, sendo ele o pai dos filhos das suas mulheres,
passou a sociedade a ter, não apenas a maternidade certa, mas também a certeza da
paternidade. Ou, talvez, uma suposta certeza, já que durante muito tempo sempre se disse
que a maternidade era uma certeza e a paternidade uma hipótese...
E a sociedade evoluiu mais, até chegar à monogamia como ocorre no mundo moderno e,
particularmente, no mundo ocidental. Mas, como se infere, sempre focalizando a estrutura
de família: homem, mulher e prole.
Essa forma de estruturação familiar não decorreu, portanto de uma mera invenção ou
convenção, nem surgiu do dia para a noite. As regras sociais relativamente à família foram,
são e certamente continuarão sendo alvo de constante elaboração e burilamento,
acompanhando o próprio desenvolvimento social, cultural e econômico de cada povo.
As regras jurídicas que disciplinam as relações de família como tal estabelecidas no direito
positivo, foram, outrora, meras normas de conduta social. E a razão de ser desse
regramento, cada vez mais minucioso e abrangente, foi decorrência necessária da
importância social do grupamento familiar.
A própria Igreja, que inspirou as relações de família no mundo ocidental, a partir de normas
do Direito Canônico, estabeleceu até punições severas, sempre buscando a monogamia, a
fim de manter a ordem e a estabilidade dos organismos familiares, com vistas à definição
de uma sociedade organizada. É que a família era, também para a Igreja, a célula básica.
Como se infere, as disposições religiosas, sociais e jurídicas acerca das relações de família
tinham por finalidade tutelar esse grupamento social de tamanha significação para a própria
vida em sociedade, constituindo um tecido capaz de estabelecer uma convivência cada vez
melhor, mais civilizada e harmônica.
Então, vê-se que a idéia da família sempre esteve voltada para caracterização de um
ambiente ético por excelência, onde a função procriativa pudesse se exercitar e a prole
encontrasse espaço para se desenvolver de forma natural e segura.
Essa, pois, é a noção do que é família, construída e reconstruída muitas vezes, em processos
sociais lentos, durante a longa, tormentosa, conflitada e surpreendente caminhada do
homem sobre a Terra, sempre em função de se estabelecer e manter a vida social, com
vistas à edificação de um mundo melhor. 80

110
Hoje, pois, temos o império da família monogâmica, mas vista agora no limiar desse novo
século até com certo desprezo, tantos são os apelos para a retomada da promiscuidade
sexual.
Como já disse, a sociedade vive novos tempos, há uma maior abertura, há uma maior
aceitação de comportamentos menos ortodoxos.
Os meios de comunicação transformam o mundo numa aldeia global – pena que a
expressão aldeia global não signifique um intercâmbio cultural, uma aproximação entre
povos baseada em valores espirituais e morais mais saudáveis, na medida em que o homem
parece retornar àquele estágio inicial de promiscuidade, mais impelido pelos impulsos
carnais do que afetivos. E a expressão aldeia parece que se amolda, pois os homens, por
vezes, estabelecem comportamentos primitivos...
Isso permite que tenhamos uma visão mais ampla do que efetivamente está acontecendo no
mundo, das crises de valor, de expectativas, de perspectivas e correspondentes frustrações
pelas quais passa o homem nesse mundo competitivo onde o ter supera o ser, os bens
materiais superam os espirituais, e o Direito não pode fechar os olhos para essa realidade
circunstancial.
Fiz essas colocações para dizer que tenho a família como sendo um grupo afetivo de
cooperação social acima de tudo, mas não consigo desvincular, ainda, a idéia de família da
idéia de prole, não consigo desvincular a idéia de família como sendo àquele ambiente
próprio para receber uma prole, natural ou adotiva e onde, em verdade, deve ser formado o
novo cidadão. A família é isso, e, portanto, é muito mais do que uma mera relação de afeto.
Tenho que o legislador constituinte, quando cuidou de dar à união estável a feição de
identidade familiar, ele não procurou proteger o amor nem os amantes, mas a família, vista
como sendo a base do grupo social.
A familiar é muito mais do que a mera união de duas pessoas, ou, por absurdo que possa
parecer, de três pessoas que pudessem se amar, porque não estamos falando apenas em
pacto ou de relação amorosa. Nada tenho contra que duas, três, ou, quem sabe, quatro
pessoas optem por desenvolver vida em comum, com ou sem o componente erótico-afetivo,
e dessa forma somar esforços e dividir a solidão, morando juntas e liberando a sexualidade,
numa explosão de emoções. Não pretendo fazer censura alguma, enquanto operador do
direito. Mas não me parece que, a priori, seja este o ambiente ideal onde uma criança deve
se desenvolver.
Não pode a família se apartar da estrutura formal concebida pelo legislador, como sendo o
ambiente natural e próprio para a procriação e desenvolvimento da prole, admitida como tal
no ordenamento jurídico pátrio como sendo decorrente do casamento ou da união estável,
ou na modalidade monoparental, de um homem ou uma mulher com a sua prole, natural ou
adotiva.
E usei, propositalmente, a expressão estrutura formal, pois a forma concebida não partiu de
uma idéia ou de uma convenção, mas da construção social consolidada através dos séculos:
a família diz com a estrutura afetiva construída por um homem e uma mulher em função de
uma prole, natural ou adotiva, podendo manter-se como tal, caso tenhamos o homem ou a
mulher separados de sua prole.
Fiz estas longas considerações para enfatizar que se está aqui a tratar de relações humanas,
que o direito não pode desconhecer e urge, portanto, proceder sem discriminação, mas
também sem violentar 81

111
a própria estrutura do Direito de Família e sem modificar a natureza da relação havida, que
não perde sua natureza obrigacional.
Cuida-se, pois, de uma relação de dois homens, um dos quais – o de cujus – teve uma filha
adotiva e que, vale gizar, jamais reconheceu o autor como mãe... Não houve, a toda
evidência, a constituição de uma família.
Evidente que o reconhecimento do fato natural do afeto ou até da tendência gregária própria
do ser humano não pode ser ignorada, mas isso não agasalha o reconhecimento de tal
relação como sendo uma relação tipicamente de família.
O direito pátrio concebe, por princípio, a família monogâmica, formada a partir da união de
um homem e uma mulher, que sejam casados ou vivam como se casados fossem, ou, ainda,
as famílias monoparentais, isto é o homem ou a mulher e a prole.
Tenho reservas com a apologia do novo e penso que o entusiasmo pela possibilidade de
mudar estruturas pode conduzir a uma incontornável situação de insegurança jurídica. É
perigoso romper com os liames que secularmente definiram a própria ordem jurídica no
mundo civilizado.
Então, quero frisar, não se trata de uma posição preconceituosa dizer que a união de dois
homens ou de duas mulheres não constitui o núcleo familiar, como também não constitui
núcleo familiar uma mera união (não estável, isto é, que não seja decorrente da convivência
more uxorio) de um homem e uma mulher, pelo só fato de existir afeto.
É que a lei diz que a família inicia com o casamento, e quando o legislador constituinte
disse que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável (...)” e
“entende-se, também, (...) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes”, está excepcionando a regra geral de que a família começa com o casamento.
E não se pode, por princípio elementar de hermenêutica, interpretar ampliativamente a
exceção.
A família começa a partir do casamento, porque assim está estruturado o ordenamento
jurídico, mas o legislador constituinte deu um passo fabuloso, terminando com aquela
postura hipócrita que grassava antes, em que tínhamos famílias constituídas de maneira
igual à do casamento e que eram discriminadas. O legislador constituinte reparou esse erro
na Carta de 1988, em que trouxe para a proteção do Estado essas outras famílias, que
apenas não haviam sido constituídas com a chancela estatal, bem como aquelas compostas
por um genitor e a prole.
Não consigo vislumbrar, porém, um núcleo familiar na união de dois homens ou duas
mulheres apenas pelo fato de existir afeto. Não é o afeto o fato jurígeno, o fato jurígeno é a
constituição de uma família.
Afeto também existe entre amigos, com ou sem relacionamento sexual entre eles, e nem por
isso vamos dizer que os amigos podem pedir alimentos uns para os outros, sendo que há
amizades de 30, 40, 50 e até de 70 anos... Existem amigos que dividem apartamentos e que
mantêm verdadeira sociedade de fato, sem que um ou outro sejam homossexuais. Ou,
mesmo que mantenham vínculo sexual entre si, será que a homossexualidade por si deve
gerar direitos? E, se for assim, não estarão sendo discriminados os não homossexuais? 82

112
Cuida-se aqui neste processo da dissolução da sociedade de fato decorrente de uma união
homossexual da qual resultou aquisição de um patrimônio significativo. E a partilha justa e
equilibrada dos bens, em tal hipótese se impõe, não por ser uma entidade familiar, mas
porque repugna ao direito a idéia do enriquecimento sem causa, isto é, o enriquecimento de
um em detrimento do direito do outro.
E, mais ainda, cumpre considerar que, no caso sub judice, era o autor quem trabalhava, pelo
que se colhe com segurança da prova coligida, e foi ele quem produziu o capital necessário
para a aquisição dos bens, cuja partilha está a reclamar.
Como a capacidade intelectual do autor é bastante reduzida, sendo analfabeto, dedicando-se
apenas às atividades de religião, da qual obtinha significativo proveito econômico, o seu
parceiro, ora falecido, que não desenvolvia atividade remunerada alguma e, por ter maior
cultura, administrava todos os seus ganhos, adquirindo bens e colocando-os no seu próprio
nome, já que era absoluta a relação de confiança entre o par.
Com a morte, ficou o autor privado de todo o seu patrimônio, ensejando uma situação de
flagrante injustiça, sendo inequívoca a necessidade de ser estabelecida a partilha dos bens.
A prova coligida ao longo da instrução revela, com clareza, que todo o patrimônio foi
adquirido com o produto do trabalho exclusivo do autor, limitando-se o de cujus a
administrar os recursos econômicos do par. Tenho que, dessa forma, promovendo aquisição
dos bens e auxiliando o autor a mantê-los, o de cujus concorreu para a constituição de uma
sociedade de fato.
De qualquer sorte, não vejo como estabelecer uma partilha igualitária, como propõe o
eminente Relator, já que flagrantemente desigual o concurso de cada um para a construção
do patrimônio, não tendo o de cujus contribuído economicamente para a aquisição dos
bens. Justifica-se, então, o acolhimento de forma hostilizada. É que a lei veda o julgamento
ultra petita e, mais do que isso, não se pode negar também o significado econômico da
administração dos recursos feita pelo falecido H.O.
Nesse passo, rogo vênia, ao eminente Relator, mas não vejo como estabelecer analogia
entre a união homossexual e um casamento, de forma a aplicar o regime legal de bens do
matrimônio para reger os efeitos patrimoniais de tal relacionamento. Entendo que tem
aplicação, sim, a idéia contida na Súmula n.º 380 do Supremo Tribunal Federal, quando
estabelece que, “comprovada a existência de sociedade de fato (...), é cabível a sua
dissolução judicial, com partilha do patrimônio adquirido com o esforço comum”. Essa
partilha deve ser proporcional ao esforço de cada pessoa, já que, não sendo assim, se estará
propiciando enriquecimento sem causa.
Como foi o autor quem concorreu com a parte mais significativa para o amealhar dos bens,
cabe a ele, por óbvio, o recebimento da maior porção, merecendo acolhida o pedido que
busca a divisão proporcional do patrimônio, reclamando para si 75% dos bens. Mesmo que
tenha sido provado que foi ele apenas quem concorreu economicamente para a aquisição da
totalidade dos bens, não pode ser desprezado o auxílio do de cujus, afigurando-se razoável
a definição para ele do percentual de 25%.
Com essa mesma linha de entendimento, destaco a lição oportuna e erudita do eminente
civilista pátrio SILVIO DE SALVO VENOSA (in Direito Civil – Direito de Família, Ed.
Atlas, 2000, p. 49/50) quando a exigência de diversidade de sexo para o reconhecimento de
uma união estável, ensinando que “a união 83

113
do homem e da mulher tem, entre outras finalidades, a geração de prole, sua educação e
assistência. Desse modo, afasta-se de plano qualquer idéia que permita considerar a união
de pessoas do mesmo sexo como união estável nos termos da lei”.
De forma incisiva, afirma o preclaro jurista que “o relacionamento homossexual, por mais
estável e duradouro que seja, não receberá a proteção constitucional e, consequentemente,
não se amolda aos direitos de índole familiar criados pelo legislador ordinário. Eventuais
direitos que possam decorrer dessa união diversa do casamento e da união estável nunca
terão o cunho familiar, situando-se no campo obrigacional, no âmbito de uma sociedade de
fato”.
Essa linha de entendimento do PROFESSOR SILVIO DE SALVO VENOSA vem ilustrada
por interessante – e pertinente – aresto do Tribunal de Justiça de São Paulo, do qual foi
relator o eminente DESEMBARGADOR NEY ALMADA (op. cit., p. 50), in verbis:
“SOCIEDADE DE FATO. CONCUBINATO. LIGAÇÃO HOMOSSEXUAL. Alteridade
de sexos, que é pressuposto do concubinato, tratando-se de sucedâneo do matrimônio
constitutivo da família e não dele decorrente. Hipótese que trata de uma sociedade
patrimonial de fato, destituída de vínculo com o instituto”.
Igual linha de entendimento tem, também, o ilustre PROFESSOR GUILHERME
CALMON NOGUEIRA DA GAMA ( in Companheirismo – uma espécie de família, ed.
Revista dos Tribunais, 1998, p. 491) quando afirma que enquanto o Projeto da Deputada
Marta Suplicy “não for convertido em lei, a união homossexual continuará a não ser
passível de registro oficial, não gerando efeitos jurídicos no Direito de Família, devendo ser
tratada como sociedade de fato, ou seja, no campo do Direito das Obrigações”. E sua
conclusão é perfeitamente ajustada para o caso em tela, in verbis:
“(...) somente podem ser cuidadas como sociedades de fato, desde que evidentemente sejam
preenchidos os requisitos para a configuração de tais entidades, possibilitando o
reconhecimento do direito do partícipe da relação – que for prejudicado em decorrência da
aquisição patrimonial em nome tão-somente do outro – ao partilhamento dos bens
adquiridos durante a constância da sociedade de fato, na medida da sua efetiva contribuição
para a formação ou o incremento patrimonial” (grifo meu).
Por tais razões, rogando vênia pelas longas considerações que fiz, ouso divergir do douto
voto do eminente Relator para negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a douta
sentença hostilizada.
DESA. MARIA BERENICE DIAS –
Não tenho como me afastar do lúcido, pioneiro e corajoso voto do eminente Relator, que,
com a sensibilidade e perspicácia que tanto o distingue entre seus pares, mais uma vez
revela sua profunda consciência na busca da verdade e da justiça. Preciso confessar que
tenho a posição do ilustre colega como um dos primeiros frutos colhidos das muitas
sementes que venho plantando ao longo da minha vida profissional.
Por Ter sentido na carne – ao ingressar no reduto até então exclusivamente masculino da
magistratura – a difícil posição de quem é excluído e discriminado pelo só fato de não ser
igual aos 84

114
demais, acabei empunhando a luta pela igualdade. Por isso, liguei-me ao movimento
feminista, criei serviços em prol da mulher, editei um jornal, escrevi artigos, proferi
palestrar por este Brasil afora.
Despertou minha atenção o descaso da sociedade, do Estado e da própria Justiça para com
todas as questões femininas, principalmente no que diz com o crime mais praticado em
todo o mundo, que é a violência doméstica. Ao buscar entender o mecanismo que rege as
relações interpessoais, acabei, ao natural, embrenhando no Direito de Família e passei a
visualizar a necessidade de se mudar, não só no meio social, mas principalmente no âmbito
jurídico, o conceito de família. Nessa incessante busca, fui uma das idealizadoras e
fundadoras do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFam, do qual tenho a honra
de ser Vice-Presidente nacional. Foi, ao certo, a reunião de todos aqueles que se devotavam
a esse ramo do Direito e se revoltavam com o pouco prestígio de que gozava no mundo
jurídico que levou ao nascimento de um novo conceito de família, desatrelado da definição
legal, desvencilhado dos laços do casamento e enlaçado tão-só no vínculo afetivo.
Foi seguindo essa trilha que acabei por envolver no conceito de família também as relações
que prefiro denominar de homoafetivas. Mais uma vez, pela minha verdadeira aversão ao
preconceito, chocou-me constatar o rechaço que envolve tais vínculos e que os levavam à
exclusão não só familiar, social, legal, mas à pior das marginalizações, que é a exclusão
perpetrada pela Justiça ao infringir o mais sagrado princípio insculpido na Constituição
Federal, como marco maior de nosso estado democrático de direito, que é o respeito à
dignidade humana.
Daí a razão de escrever o livro, tão repetidamente referido pelo ilustre Relator, o que recebo
como verdadeira lisonja.
Tenho, de outro lado, que não poderia ser outra a posição desta Corte, que goza de uma
invejável e destacada posição no panorama nacional. Reconhecida como uma Justiça
vanguardista, arrojada e desbravadora, o pioneirismo ao certo é a nossa marca.
Ora, se foi daqui a primeira decisão que emprestou efeitos jurídicos às relações de
extramatrimoniais e que levou à sua inclusão na órbita constitucional, se foi a nossa Justiça
que de forma inédita reconheceu como entidade familiar as relações homossexuais,
definindo a competência das Varas de Família para o julgamento de tais uniões, e também é
gaúcha – ainda que da órbita da Justiça Federal – a decisão que conferiu direitos
previdenciários aos parceiros do mesmo sexo, ao certo essa desbravadora trajetória só
poderia culminar com a manifestação do ilustre Relator.
Mister que seja consignado o pioneirismo de tal decisão, pois, pela vez primeira, a Justiça
retirou a venda dos olhos e viu essas relações como vínculos afetivos a serem inseridos e
tratados no âmbito do Direito de Família. Certamente era chegada a hora de abandonar o
medo de ver a realidade. No dilema entre praticar uma injustiça e afrontar tabus e
preconceitos, vinha o Judiciário, de forma cômoda, buscando subterfúgios no campo do
Direito Obrigacional para reconhecer como sociedade de fato o que nada mais é do que
uma sociedade de afeto. Relegar tais questões ao âmbito obrigacional gerava, no mínimo,
um paradoxo, pois acabavam os juízes aplicadores do Direito de Família se socorrendo de
ramo do Direito para cujo julgamento não detém competência. 85

115
Assim, e reservando-me a faculdade de nada mais dizer além do que já clara e lucidamente
referiu o ilustre Relator, quero parabenizá-lo por Ter dado um seguro e irreversível passo
para resgatar o conceito de que a Justiça tem a consciência de sua missão de inserir todos os
cidadãos no estado democrático de direito em que vivemos.
Acompanho o eminente Relator.
DESA. MARIA BERENICE DIAS – PRESIDENTA – Apelação Cível n.º 70001388982,
de Porto Alegre:
“POR MAIORIA, PROVERAM, EM PARTE, O APELO , VENCIDO O EMINENTE
DES. SERGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, QUE LHE NEGA
PROVIMENTO”.
Decisor de 1º Grau: Tasso Caubi Soares Delabary.
1.2.2 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Apelação Cível n° 598 363 655
Oitava Câmara Cível
Relator : Dês. José S. Trindade
Apelante:J.G.R.D
Apelado : L.C.M e outros sucessores de W.M.M.
Data do julgamento : 01/03/2000
Ementa: HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO.
É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante
princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer
discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união
homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo,
com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando
conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas,
que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram
retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão
almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para
que seja instruído o feito. Apelação provida.
1.2.3 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Apelação Cível n° 70002355204
Sétima Câmara Cível 86

116
Relator : Des.Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves
Apelante :S.M.V.
Apelado : A justiça
Data do julgamento: 11/04/2001
Ementa: JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. CONVIVÊNCIA HOMOS SEXUAL.
COMPETÊNCIA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
1 é competente a Justiça Estadual para julgar justificação de convivência entre
homossexuais pois os efeitos pretendidos não são meramente previdenciários, mas também
patrimoniais. 2 são competentes as Varas de Família, e também as Câmaras Especializadas
em Direito de Família, para o exame das questões jurídicas decorrentes da convivência
homossexual pois, ainda que não constituam entidade familiar, mas mera sociedade de fato,
reclamam, pela natureza da relação, permeada pelo afeto e peculiar carga de confiança
entre o par, um tratamento diferenciado daquele próprio do direito das obrigações. Essas
relações encontram espaço próprio dentro do Direito de Família, na parte assistencial, ao
lado da tutela, curatela e ausência, que são relações de cunho protetivo, ainda que também
com conteúdo patrimonial. 2 É viável juridicamente a justificação pretendida pois a sua
finalidade é comprovar o fato da convivência entre duas pessoas homossexuais, seja para
documentá-la, seja para uso futuro em processo judicial, onde poderá ser buscado efeito
patrimonial ou até previdenciário, inteligência do art. 861 do CPC. Recurso conhecido e
provido.
1.3 PARTILHA DE BENS
1.3.1 Tribunal de Justiça da Bahia
Apelação Cível n° 16313-9/99
Terceira Câmara Cível
Relator: Dês. Mário Albiani
Apelante: C.M.N.P.
Apelado: N.l.S.
Data do julgamento : 04/04/2001.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE DISSOLUÇÃO DE
SOCIEDADE DE FATO CUMULADA COM PARTILHA. DEMANDA JUlGADA
PROCEDENTE. RECURSO IMPROVIDO.
Aplicando-se analogicamente a Lei 9.278/96, a recorrente e sua companheira têm direito
assegurado de partilhar os bens adquiridos durante a convivência, ainda que tratando-se de
pessoas do mesmo sexo, desde que dissolvida a união estável. O Judiciário não deve
distanciar-se de questões pulsantes, revestidas de preconceitos só porque desprovidas de
norma legal. A relação homossexual 87

117
deve ter a mesma atenção dispensada às outras relações. Comprovado o esforço comum
para a ampliação ao patrimônio das conviventes, os bens devem ser partilhados. Recurso
improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n° 16.313-9/99, de Salvador,
em que figuram como Apelante CRISTINA MARIA DAS NEVES PEREIRA e Apelada
NILMA LÚCIA DOS SANTOS.
ACORDAM os Desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado da Bahia, integrantes da Turma Julgadora, à unanimidade, negar provimento ao
apelo.
Integra o presente aresto o relatório de fls.
A sentença singular, bem fundamentada, deve ser mantida. Senão, vejamos, poderia deixar
de apreciar o aspecto da dissolução da sociedade de fato, ainda que as razões recursais
estejam centradas na meação do bem comum. É que tal sociedade de fato trata-se de uma
união estável entre duas mulheres, portanto, uma relação homossexual revestida de
preconceitos e sem uma norma legal que a proteja. Nem por isso, o Judiciário deve
distanciar-se de sua missão pacificadora dentro do Estado, quando surgem situações
litigiosas como in casu.
A Apelante, ao utilizar-se do presente recurso, pretendeu reformar o decisum na parte final,
onde o Juiz a quo partilha o bem em litígio na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para
cada uma das partes, reconhecendo o “esforço comum a que alude o Enunciado 380 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal”.
Ora, a Apelante e a Apelada mantiveram um relacionamento por muitos anos, sendo,
inclusive, confirmado pelos depoentes que “moravam sob mesmo teto”, como se
efetivamente casadas fossem, constituindo verdadeira entidade familiar, reconhecida
socialmente, tanto pelos parentes, quanto pelos amigos e conhecidos do bairro em que
moravam, e que a separação das duas “deu-se no ano de 1995”.
Por analogia, deve-se aplicar regulamentação pertinente a um outro instituto, ou seja, à
união estável, contida na Lei 9.268/96, que, em seu artigo 5°, diz: “Os bens móveis e
imóveis adquiridos por um ou ambos os conviventes, na constância da união estável e a
título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a
pertencer a ambos em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em
contrato escrito”.
Comprovada nos autos a relação more uxório – ainda que entre pessoas do mesmo sexo, no
caso, duas mulheres – e que houve a contribuição para aquisição, manutenção e ampliação
do patrimônio comum, há que reconhecer-se o direito à meação desse patrimônio.
Observa-se, nas provas da Autora juntadas aos autos, que as Notas Fiscais das compras de
materiais de construção datam entre os anos de 1992 e 1994. E que, pelos tipos e volumes
(cimento, vergalhão, ferro, estroncas, brita, etc...), tratou-se de construção de uma laje. 88

118
Mas, ainda que várias das citadas notas estivessem em nome da Autora – bem como
duplicatas, a Ré demonstrou, através de documentos e testemunhas, que também contribuiu
para a construção do pavimento acima das casas.
O direto das companheiras de terem meação ao patrimônio comum está assegurado,
também por analogia, pela Súmula 380 do Superior Tribunal Federal que diz: “
Comprovada a existência de sociedade de fato ente concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
O pavimento construído passou a pertencer a ambas, em proporções iguais.
Por tais razões, decide a Turma Julgadora reconhecer o direito da Ré de ver partilhados
todos os bens adquiridos durante a convivência com a Autora, negando provimento ao
recurso, mantendo-se a sentença recorrida por seus próprios fundamentos.
Sala das Sessões, 04 de abril de 2001.
PRESIDENTE E RELATOR
1.4 DIREITO SUCESSÓRIO
1.4.1 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Apelação Cível n° 731/89
Quinta Câmara Cível
Relator: Dês. Narcizo Pinto
Apelante: Espólio de J.G.
Apelado M.A.C.R
Data do Julgamento: 22/08/1989
Ementa: Ação objetivando o reconhecimento de sociedade de fato e divisão dos bens em
partes iguais.
Comprovada a conjugação de esforços para a formação do patrimônio que se quer partilhar,
reconhece-se a existência de uma sociedade de fato e determina-se a partilha. Isto, porém,
não implica, necessariamente, em atribuir ao postulante 50% dos bens que se encontram em
nome do réu. A divisão há de ser proporcional à contribuição de cada um. Assim, se os fato
e circunstâncias da causa evidenciam uma participação societária menor de um dos ex-
sócios, deve ser atribuído a ele um percentual condizente com a sua contribuição.
1.4.2 Tribunal de Justiça do Rio De Janeiro
Apelação cível n° 1437/95
Quarta Câmara Cível 89

119
Relator: DÊS. Fernando Whitaker
Apelante: M.C.S
Apelada: M.P.V
Data do Julgamento: 31/10/1995
Ementa: Ordinária. Dissolução de Sociedade de Fato entre mulheres homossexuais. Efetiva
participação na formação do patrimônio. O enriquecimento ilícito emana da sistemática do
Código Civil e do pagamento indevido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível n° 1437/95, em que é Apelante
M.C.S. e Apelada M.P.V.
ACORDAM os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Relatório, o de fls 160v.
As partes, que eram domésticas, no Rio de Janeiro, mudaram-se para a comarca de Rio das
Flores, onde através de uma longa convivência homossexual constituíram um razoável
patrimônio, com muito trabalho, a partir de um botequim, como se constata na prova
testemunhal (fls 65/69), tendo a apelada juntado inúmeros recibos aos autos.
A própria apelante, na contestação, admite a sociedade de fato, discutindo, apenas, a
extensão da partilha; mas o conjunto probatório leva a convicção de ter existido uma
convergência de esforços em prol de comuns objetivos econômicos.
Trava-se nos autos discussão acadêmica sobre a existência, ou não, em nosso Código Civil,
do instituto do enriquecimento ilícito, acolhido pelo Código Alemão.
Sucede que ele emana da sistemática do Código Civil, diretamente do pagamento indevido
(art.969/971), construído pela jurisprudência, como notou o saudoso Leib Soibelman, da
mesma forma com que a dissolução da sociedade de fato entre concubinos foi
imediatamente extraída da dissolução e liquidação das sociedades reguladas nos artigos
655/673, do Código de Processo Civil anterior, e remotamente do contrato de sociedade
previsto no Código Civil.
In casu, a contribuição das sócias foi, praticamente, a mesma, justificando-se a partilha
eqüitativa dos bens.
Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1995.
Dês.Fernando Whitaker
Presidente e Relator.
1.4.3 Superior Tribunal de Justiça
Resp n°148897/MG
Quarta Turma 90

120
Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: M.A.P.
Recorrido: J.B.P.
Data do julgamento : 10/02/1998
EMENTA: SOCIEDADE DE FATO. Homossexuais. Partilha do bem comum. O parceiro
tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum,
reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos previstos no art. 1363 do
CCivil. RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano moral. Assistência ao doente com AIDS.
Improcedência pelo dano moral de ter suportado sozinho os encargos que resultaram da
doença. Dano que resultou da opção de vida assumida pelo autor e não da omissão do
parente, faltando o nexo de causalidade. Art. 159 do CCivil.
Ação possessória julgada improcedente. Demais questões prejudicadas. Recurso conhecido
em parte e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do
Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir,
por unanimidade, conhecer em parte do recurso e , nessa parte, dar-lhe provimento, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de
Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e César Asfor Rocha. Ausente justificadamente, o Sr.
Ministro Bueno de Souza.
Brasília-DF, 10 de fevereiro de 1998 – BARROS MONTEIRO, pres. – RUY ROSADO DE
AGUIAR, relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ruy rosado de Aguiar:
Adoto o relatório do v. acórdão de fls 310/3113, verbis:
“M.A.P. ajuizou a presente ação que denominou de „ordinária de reconhecimento de co-
propriedade, com conseqüente pedido de alteração de registro imobiliário, c/c ação de
indenização‟ contra J.B.P. à alegação de que (I), viveu com J.A.P., filho de J.B., de 1982
até 5 de outubro de 1989, data em que faleceu J; que, durante este período, ambos foram
sócios em três empresas,; que, logo no início da „coabitação‟, resolveram adquirir um
apartamento, que foi comprado em nome de J., porque, sendo ele funcionário do Banco do
Brasil, podia obter financiamento de parte do preço; que, em fins de 1983, venderam o
apartamento e com o dinheiro obtido, acrescido com os lucros dos negócios em comum,
compraram outro, situado na rua A., n° 351, também, nesta Capital, onde reside até hoje;
que embora os imóveis tenham sido adquiridos em nome de J., ele contribuiu em igualdade
de condições para o apagamento, tanto da parcela inaugural como da parte financiada, o
que pode ser provado pelos documentos que juntou para demonstrar a remessa do
numerário à conta de J., expressamente para o fim de quitar ditas prestações; que, a partir
de 1985, J. deixou de trabalhar no Banco do Brasil e ele 91

121
assumiu todas as despesas com a aquisição do imóvel; que tinha uma vida em comum com
o falecido J. e arcava praticamente sozinho com as despesas do lar; que, por mais este
motivo, foi entabulado pelos sócios que, quando esgotado o pagamento do financiamento,
J. passaria a metade do imóvel para ele, fazendo alteração no registro imobiliário; que com
a morte de J., não lhe resta outra alternativa senão buscar refúgio numa declaração judicial
de existência de co-propriedade, através da qual o pai do falecido J. haverá de submeter-se
à perda da metade do imóvel; (II), que , com a morte de J. as empresas faliram e as seqüelas
foram suportadas somente por ele; que, imediatamente, cessou o funcionamento da empresa
J.P.I.C.Ltda; que o espólio de J. deveria arcar com a parte que lhe competia,
consubstanciada em diversas parcelas trabalhistas pagas a vários empregado, débitos junto
ao fisco, débitos de baixa das sociedades, pagamento de consórcios do falecido e das
sociedades e dívidas comerciais do relacionamento com outras empresas; (III), que somente
ele prestou socorro a J. durante a sua enfermidade e custeou todas as despesas médico-
hospitalares, inclusive as de funeral, pelo que deve a herança do falecido responder pela
indenização ora pleiteada; (IV), que pelo fato de J. ter falecido por síndrome da
imunodeficiência adquirida (AIDS), foi criada em torno de incolumidade imediata suspeita,
o que o levou a um completo isolamento dentro da sociedade mineira; que se não bastasse o
seu próprio sofrimento e angústia, tal fato ceifou de vez toda a sua possibilidade de
produção; que tudo isto provocado por ato do falecido, reclama indenização por dano
moral, que a herança do de cujus deve responder.
Registro que em apenso ao presente feito corre ação de reintegração de posse ajuizada pelo
primeiro apelante J.B.P. em face do apelante adesivo M.A.P.*.
A sentença que julgou as duas ações conexas tem o seguinte dispositivo:
“Quanto à ação possessória, comprovado nestes autos e reconhecido, a final, o direito do
autor sobre 50% do imóvel, pela co-propriedade do imóvel, deve ser julgada improcedente,
pois detém legitimamente o autor a sua posse, já que adquirido com esforço comum”.
Assim, considerando o acima exposto e o mais que dos autos consta, julgo em parte
procedente o pedido para conferir ao autor o direito à metade do imóvel constituído pelo
apartamento n° 202, da Rua A., n°351, com inserção do seu nome no Registro Imobiliário
(3° Ofício do R.I., Matrícula xxx), além do direito ao ressarcimento de 50% dos gastos
feitos com a manutenção das sociedades comerciais (docs. De fls 103/142 e 237/250), a
serem apurados por cálculo do contador e devidamente corrigidos a partir do efetivo
desembolso, com juros a partir da citação, excluídos os gastos médico-hospitalares e danos
morais, pelos motivos acima deduzidos.
Custas e honorários, estes à base de 20% sobre o valor da causa, recíproca e
proporcionalmente distribuídos e compensados estes últimos entre as partes, à razão de
70% pelo réu e 30% pelo autor “ (fl.242).
Irresignados com a r. sentença – continua o r.acórdão recorrido:
“Ambas as partes apelaram, J.B.P., argüindo, preliminarmente, nulidade da r.sentença por
negativa de prestação jurisdicional, à alegação de que o MM.Juiz a quo não apreciou as
suas preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, de inépcia da inicial e carência de
ação, nas quais 92

122
apontou diversas irregularidades processuais que impediriam o desenvolvimento válido e
regular do processo, tais como, infringência dos arts. 292, inciso III; 295, incisos III, V e
respectivo parágrafo único, incisos II,III e IV; e 301, inciso X do CPC; e no mérito,
insurge-se contra o deferimento da meação do apartamento, alegando que o fato de terem
convivido, o apelado e J., não é suficiente para o deferimento do pleito, até mesmo porque a
pretensão é amparada em instituto próprio do Direito de Família; que não existe em nosso
ordenamento jurídico lei que ampare tal pretensão; que o reconhecimento de sociedade de
fato para fins de partilha de patrimônio só pode ser aquela havida entre homem mulher; que
o teor de decidir da r. sentença apelada atenta contra o seu direito de propriedade garantido
pelo art. 5°, inciso XXII, da CF/98 e não encontra suporte legal; faz análise da prova oral
demonstrando ser ela favorável à sua tese; pretende, também a reforma da r. sentença no
que acolheu o pleito de indenização dos gastos que o Recorrido alegou ter feito com a
manutenção das empresas T.P.P.Ltda e J.P.I.C Ltda., alegando que os documentos juntados
às fls. 237/250, comprovando o pagamentos desses gastos, na verdade só foram juntados
aos autos depois de encerrada a instrução do processo; que tais documentos deveriam ter
acompanhado a exordial; que sua juntada após a instrução do processo feriu o disposto nos
arts 282 e 396 do CPC,; que nenhum dos mencionados documentos se refere a pagamento,
feito pelo Recorrido, de débito de responsabilidade sua, por isto, não se prestam a conferir
direito de indenização ou cobrança; insurge-se, finalmente, contra parte da r. sentença que
julgou improcedente a ação de reintegração posse, alegando que o Recorrente adesivo está
no imóvel a título de comodato, conforme provado com os depoimentos das testemunhas
que depuseram às fls. 277, 278 e 280; que terminado o comodato com a notificação feita ao
Apelado-Apelante adesivo, mesmo que se procedente o pedido de meação feito pelo Autor,
ainda assim, continuaria ele esbulhando o imóvel, já que não teria 50% dele, impondo-se a
procedência, por isto, do pedido de reparação de danos feito nos autos daquela ação
reintegratória.
Já o inconformismo de M.A.P.com a r. Sentença apelada reside no não-deferimento de seu
pedido de dano moral, ao argumento de que ensejou tal pedido o fato de ter ele sido isolado
na sociedade em face da notícia de que a pessoa com a qual morava teria falecido de AIDS;
que, por ter tido que cuidar de J., em razão de a família tê-lo abandonado, tornou-se pública
a relação que ele e J. sempre procuraram disfarçar; que por isto, o pai de J. falhou e por isto
há que arcar com a indenização por dano moral”.
A eg 2ª Câm.Civ.do TAMG rejeitou as preliminares, deu “provimento ao recurso do
primeiro apelante J.B.P., para reformando a r.sentença apelada, julgar improcedente a „ação
ordinária de reconhecimento de co-propriedade, com conseqüente pedido de alteração de
registro imobiliário, c/c ação de indenização” contra ele proposta por M.A.P.* e condenou
este último a pagar as custas do processo e honorários advocatícios que arbitrou em 20%
sobre o valor da causa, devidamente corrigidos, e julgou procedente a ação de reintegração
de posse proposta por J.B.P. contra M.A.P, assinando a este o prazo de 30 dias para a
desocupação e entrega ao autor, primeiro apelante do apartamento 202, situado à Rua A., n°
351, em Belo Horizonte, por ele indevidamente ocupado a partir da data do término do
prazo que lhe foi assinado na notificação de fls. 27 do apenso, ou seja, a partir de
14.07.1994, 93

123
condenando-o, ainda a pagar a J.B.P. o valor da locação do referido imóvel a partir da data
da propositura da ação em 30.08.1994, devendo o valor ser apurado em liquidação de
sentença por arbitramento, com acréscimo de juros e de correção monetária, e, em
conseqüência, invertidos os ônus da sucumbência na ação possessória.
Opostos embargos de declaração, estes foram parcialmente acolhidos, com expresso e
indeferimento da preliminar de nulidade do julgamento de improvimento do agravo retido,
confirmando o acórdão embargado quanto ao mais.
Irresignado o autor ingressou com recurso especial por ambas as alíneas alegando afronta
aos arts. 159, 1250, 1251, 1363 do CC; 5° da LICC; 4°, 128,130, 420, 459, 460 do CPC,
além de dissídio jurisprudencial.
Pretende o reconhecimento da co-propriedade do imóvel, a indenização pelo dano moral
(letra e, abaixo) e a improcedência da ação possessória, sendo que, quanto a esta, alegou
cerceamento de defesa pela impossibilidade de fazer prova da existência de benfeitorias.
Sustenta: a) a relevância da união dos esforços, ainda que tacitamente avençada; b) mesmo
num relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, se houver a confluência de esforços à
formação de uma sociedade de fato, ainda que de maneira indireta, mister a divisão do
patrimônio, quando de sua dissolução; c) a co-propriedade prevista no art.4° do CPC tem
como premissa uma sociedade resultado de um esforço comum, e que não poderia ser
objetada apenas em razão da preferência sexual dos sócios; d) tendo contribuído com
numerário para a aquisição do apartamento, o recorrente não tem um mero direito creditício
sobre os valores despendidos, mas direito real de propriedade sobre o imóvel, ainda que
proporcionalmente à sua participação nos gastos; e) o pai que foge da difícil
responsabilidade de assistir ao filho doente deve indenizar que o substituiu nesse encargo,
arcando com todos os prejuízos morais que a doença acarretou ao recorrente; f) carência da
ação reintegratória, porquanto o mencionado comodato estaria em plena vigência, sendo
imprópria a pretensão; g) não poderia o cordão recorrido trancar a realização da prova
pericial, que seria hábil a comprovar o direito material suscitado pela parte; h) o pedido de
perdas e danos jamais poderia compreender os alugueres.
Com as contra-razões, o Tribunal de origem admitiu o recurso especial subindo os autos a
este eg.STJ.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Min. Ruy Rosado de Aguiar (relator):
1. A primeira questão proposta no recurso versa sobre a possibilidade de ser reconhecida a
existência de sociedade de fato resultante da convivência entre duas pessoas do mesmo
sexo, a determinar a partilha do patrimônio adquirido durante esse tempo. 94

124
Dispõe o art. 1363 do CCivil: “ Celebraram contrato de sociedade as pessoas que
mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns”.
Tratando-se de união heterossexual, a jurisprudência tem reconhecido o direito de a
companheira – que contribuiu, seja com a renda do seu trabalho produtivo ou com o
fornecimento de recursos próprios, seja mediante a prestação de serviços domésticos –
receber parte do patrimônio que se formou graças a essa conjugação de esforços, destinados
a garantir uma situação econômica estável.
Examinando os julgados que enfrentaram a questão, desde os primórdios do surgimento
dessa orientação jurisprudencial, vê-se que o eg STF, em repetidas ocasiões, ao aplicar a
Súmulas 380, reafirmou o9 seu entendimento de que “a sociedade de fato, e não a
convivência more uxório é que legitima a partilha de bens” (RE 84969/RJ – RTJ 80/260;
RE 81099/MG, RTJ 79/229). Nesse último recurso, o em.Min. Moreira Alves enfatizou a
diferença que deve ser feita entre “a sociedade de fato (que é de caráter puramente
patrimonial) e comunhão de vida” (RTJ 79/236).
Neste Superior Tribunal de Justiça, persistiu o mesmo entendimento, acentuando-se a
sociedade de fato como pressuposto para o reconhecimento do direito à partilha do
patrimônio comum dela resultante (REsp 45886/SP, 4ª Turma, rel em. Min. Torreão Braz),
constando da ementa do REsp 4599/RJ:
“A criação pretoriana inscrita no verbete de n° 380 da Súmula do STF tem por referência os
arts 1366 do CC; os efeitos patrimoniais, ali descritos, decorrem do direito das obrigações”
(3ª Turma, rel. em. Min.Nilson Naves).
Foi só mais tarde, com a evolução do direito de família, especialmente após a Constituição
de 1988, que o tema passou a ser tratado como uma questão familiar.
A hipótese dos autos não se equipara àquela, do ponto de vista do Direito de Família, mas
nada justifica que se recuse aqui aplicação ao disposto na norma de direito civil que admite
a existência de uma sociedade de ato sempre que presentes os elementos enunciados no art.
1363 do CC; mútua obrigação de combinar esforços para lograr fim comum. A negativa da
incidência de regra assim tão ampla e clara significaria, a meu juízo, fazer prevalecer o
princípio moral (respeitável) que recrimina o desvio da preferência sexual, desconhecendo
a realidade de que essa união - embora criticada - existiu e produziu efeitos de natureza
obrigacional e patrimonial que o direito civil comum abrange e regula.
Kelsen, reptado por Cossio, o criador da teoria egológica, perante a congregação da
Universidade de Buenos Aires, a citar um exemplo de relação intersubjetiva que estivesse
fora do âmbito do Direito, não demorou para responder: “OUI, monsieur, l‟amour”. E
assim é, na verdade, pois o Direito não regula os sentimentos. Contudo, dispõe ele sobre os
efeitos que a conduta determinada por esse afeto pode representar como fonte de direitos e
deveres, criadores de relações jurídicas previstas nos diversos ramos do ordenamento,
algumas ingressando no Direito de Família, como o matrimônio e, hoje, a união estável,
outras ficando à margem dele, contempladas no Direito das Obrigações, das Coisas, das
Sucessões, mesmo no Direito Penal, quando a crise da relação chega ao paroxismo do
crime, e assim por diante. 95

125
O v. acórdão recorrido admitiu “ter o autor dividido por longos anos o mesmo teto com L.,
de ter sido sócio dele nas três empresas de que dão notícia os documentos de fls.27/35 e de
ter mantido com ele conta-conjunta na Caixa Econômica Federal nos anos de 1983 até
1985” (acórdão, fls 315), além, de integrarem a prova documental oito (8) comprovantes
bancários (“doc”), “constando como remetente o apelante adesivo (autor da ação) e
favorecido J.A.P. e trazem a anotação de se destinarem a pagamento de prestação de
compra de imóvel” (acórdão fls.314). Houve, portanto, a colaboração direta do autor, com
recursos próprios e com a participação pessoal nas empresas que ambos os parceiros
constituíram, a evidenciar a presença daquela “combinação de esforços” para o fim comum
de alcançarem meios para manutenção da convivência na qual ambos estavam envolvidos.
É certo, como constou do douto voto do em. Dr. Carreira Machado, que do fato de duas
pessoas do mesmo sexo dividirem o mesmo teto, não importa por quanto tempo, não resulta
direito algum e não cria laço senão o da amizade. Porém, se em razão dessa amizade os
parceiros praticam atos na vida civil e adotam reiterado comportamento a demonstrar o
propósito de constituírem uma sociedade com os pressupostos de fato enumerados no art.
1363 do CCivil, um de natureza objetiva (combinação de esforços) e outro subjetivo (fim
comum), impende avaliar essa realidade jurídica e lhe atribuir os efeitos que a lei consagra.
É certo que o legislador do início do século não mirou para um caso como dos autos, mas
não pode o juiz de hoje desconhecer a realidade e negar que duas pessoas do mesmo sexo
podem reunir esforços, nas circunstâncias descritas nos autos, na tentativa de realizarem um
projeto de vida em comum. Com tal propósito, é possível amealharem um patrimônio
resultante dessa conjunção, e por isso mesmo comum. O comportamento sexual deles pode
não estar de acordo com a moral vigente, mas a sociedade civil entre eles resultou de um
ator lícito, a reunião de recursos não está vedada na lei e a formação do patrimônio comum
é conseqüência daquela sociedade. Na sua dissolução, cumpre partilhar os bens.
Poder-se-ia duvidar da presença do “fim comum” a que deveriam estar apostos os parceiros
quando trataram de adquirir o imóvel objeto da ação. Os autos revelam e o mesmo
r.acórdão assevera (fl.321) que foi o autor quem se desvelou nos cuidados com o
companheiro durante a longa e devastadora enfermidade (AIDS), prestando o auxílio que a
família recusou, e também foi ele quem suportou em parte (fl.315) a cobrança dos débitos
remanescentes da s empresas que administravam em conjunto. É razoável concluir,
portanto, que os parceiros estavam determinados à mútua assistência, a qual foi
efetivamente prestada pelo ora autor e recorrente, servindo-lhe de lastro para essa
assistência o patrimônio formado pelo esforço comum.
O recurso pode ser conhecido pela alínea a, uma vez que a regra do art.1363 do CCivil,
malgrado não mencionada expressamente no r. acórdão, teve sua incidência denegada no
caso dos autos. Conhecendo do recurso, dou-lhe nessa parte provimento, pois os fatos
admitidos nas instâncias ordinárias permitem se reconheça a existência de uma sociedade
celebrada entre o recorrente e J., tendo sido o apartamento da Rua A. adquirido pelo esforço
de ambos, e assim reconhecer o direito do autor à metade daquele bem. 96

126
2. Como conseqüência de reconhecimento da propriedade comum do apartamento que está
sendo ocupar pelo autor para sua residência, o que já acontecia antes do falecimento do
parceiro, está ele exercendo a posse em razão de direito que lhe resulta da comunhão, sem
cometimento do alegado esbulho. Portanto, nessa parte deve ser restabelecida a sentença de
improcedência da ação possessória. Com isso, fica prejudicado o tema da nulidade do
processo por cerceamento de defesa, e bem assim a condenação do recorrente ao
pagamento dos aluguéis pela ocupação do imóvel.
3. O recorrente não tem razão, porém, quando pleiteia indenização pelos danos morais
sofridos pelo fato de ter assistido o doente sem a colaboração do pai, recaindo unicamente
sobre o autor o desgaste emocional e social inevitavelmente associado à AIDS. A pretensão
não tem nenhum amparo. O fundamento do pedido estaria na omissão do pai do doente,
conduta culposa que ensejaria a incidência do art 159 do CCivil, suporte legal invocado
pelo autor, nesse ponto.
Ora, é bem evidente que a situação de dor e de constrangimento a que ficou exposto o autor
decorreu exclusivamente da sua opção de vida, inexistindo qualquer vinculação causal entre
o comportamento omissivo do pai – fato reconhecido pelo acórdão – e o alegado dano
sofrido pelo recorrente. Não reconhecida a existência do nexo de causalidade, inviável o
conhecimento do recurso tocante à verba indenizatória por dano moral.
4. Posto isso, conheço em parte do recurso, pela alínea a, e nessa parte lhe dou provimento
para reconhecer o direito de o autor receber em partilha a metade do imóvel descrito na
inicial, com procedência parcial da ação ordinária e improcedência da ação possessória. O
réu pagará integralmente as custas da ação possessória e 2/3 das custas da ação ordinária,
cabendo ao autor o restante 1/3 destas. O réu fica condenado a pagar honorários em favor
do patrono do autor da ação ordinária e réu na ação possessória, os quais são arbitrados em
15% do valor atualizado da metade do imóvel em causa, aí já consideradas a sucumbência
parcial na ação ordinária e a improcedência da ação de reintegração de posse.
É o voto.
VOTO
O Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira:
O tema posto a apreciação e julgamento, sem dúvida alguma, é dos mais atuais e relevantes.
A propósito, vale lembrar que em 1990 foi trazido a este Tribunal um caso onde também se
examinava o tema da repercussão patrimonial no relacionamento homossexual masculino, o
qual, no entanto, não ultrapassou a esfera da decisão monocrática, uma vez que, desprovido
o recurso de agravo, transitou em julgado a decisão. Isso se deu no Agravo n° 2.445-RJ, de
que fui relator. (DJ de 19.4.1990).
Por outro lado, além do evidente interesse no tema, tanto assim que há, inclusive, projeto
tramitando no Congresso Nacional, com noticiário sempre presente na mídia e debates
entre especialistas, é de considerar-se que estamos vivendo um momento extremamente
fecundo no diz respeito ao Direito de Família, o que se dá em decorrência de mudanças que
vêm da legislação – no 97

127
Brasil tais mudanças se fazem inclusive no campo do Direito Constitucional, com
alterações havidas no próprio texto constitucional, pela adoção dos princípios da igualdade
jurídica dos filhos e dos cônjuges -, mas também por evolução da própria ciência, a
exemplo do que ocorre com o DNA, com a fecundação in vitro, etc., e pelas mudanças
comportamentais na sociedade contemporânea.
Estas considerações, Sr. Presidente, que estou a fazer, na realidade não têm maior
pertinência, a meu sentir, no caso concreto, pois são próprias do Direito de Família,
enquanto que a questão a decidir é de natureza patrimonial, vinculada ao Direito das
Obrigações, tanto assim que não foi examinada, em segundo grau, no Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, competente para os processos de Direito de Família, mas sim no Tribunal de
Alçada daquele Estado.
Outro aspecto a ser levado em consideração, a respeito, é que o objeto litigioso deduzido
em Juízo, por mais relevantes que sejam considerações paralelas, diz com o direito
obrigacional. Com efeito, embora permeadas as colocações com aspectos de
relacionamento afetivo e amoroso, de convivência humana, de busca da felicidade, as
causas de pedir e os pedidos estão vinculados ao Direito obrigacional.
Se assim é, se estamos examinando a causa sob o prisma do Direito patrimonial, é de
convir-se que já há uma farta jurisprudência neste Tribunal a subsidiar a matéria, pouco
importando que a causa envolva relacionamento homem/mulher, homem/homem ou
mulher/mulher. Logo, temos que enfrentá-la sob o ângulo do Direito obrigacional. E, nesse
campo, como demonstrou o Ministro-Relator, pode-se trazer não só a jurisprudência que se
formou inicialmente no Supremo Tribunal Federal, na vigência do sistema constitucional
anterior, como também a firme jurisprudência deste Tribunal, que tem sido enfática em
afirmar que, rompida a sociedade de fato, há proteção jurídica aos interessados que nela
estiveram envolvidos, inclusive para evitar o enriquecimento sem causa.
Dentro desse prisma, não vejo como não acolher a pretensa, conhecendo em parte do
recurso para, com base no art. 1363 do Código Civil, uma vez reconhecida nas instâncias
ordinárias a sociedade de fato, deferir o pedido no que tange à ação ordinária.
Também indefiro o dano moral e dou por improcedente a pretensão no que concerne à ação
possessória.
Em conclusão, acompanho o Sr. Ministro Relator, inclusive quanto à distribuição dos ônus
da sucumbência.
VOTO
O Sr. Ministro Barros Monteiro:
Srs. Ministros, acompanho inteiramente o Sr. Ministro-Relator, tal como acabou de fazer o
Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Quanto à questão central, ou seja, a possibilidade de haver o conhecimento de uma
sociedade de fatos entre pessoas do mesmo sexo, advindas daí conseqüências de caráter
puramente patrimonial, penso que não há dúvida a respeito, inclusive em face da
jurisprudência emanada não só desta Corte, como também do Supremo Tribunal Federal.
98

128
O princípio é o de que os dois conviventes amealharam o patrimônio comum, ao tempo da
ruptura dessa sociedade de fato, há que se proceder à partilha na proporção da contribuição
de casa qual.
No ponto alusivo à matéria de direito ocorreu a vulneração inegavelmente do art. 1363 do
Código Civil. Penso, ainda, que não há que se falar no caso em reexame de matéria de fato,
uma vez que a base empírica da lide, tal como teve ocasião de lembrar o ilustre relator, foi
recolhida das assertivas constantes do próprio acórdão recorrido, em que se admitiu ter
havido a contribuição pessoal, direta e efetiva, do de cujus, na formação do patrimônio
comum.
Afinal, ponho-me de acordo na questão relativa à indenização por dano moral, uma vez não
configurados os seus pressupostos, assim como na parte atinente à distribuição dos
encargos da sucumbência.
VOTO
O Exmo.Sr. Ministro César Asfor Rocha: Senhor Presidente, Roberto Rosa, no seu Direito
Sumular, ao tecer comentários sobre o enunciado nº 380 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal, segundo o qual, “comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos,
é cabível sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço
comum”, observa que a jurisprudência do STF não pretendeu dar foros de legalidade ao
concubinato, mas apenas reconhecer as conseqüências advindas dessa união,
principalmente quando haja pretensão de auferimento de vantagens conquistadas pelo
esforço de ambos os cônjuges.
Daí a afirmação de Orosimbo Nonato, no RE nº 9.855, de ser possível reconhecer, sem ferir
a lei, uma comunhão ou sociedade de fato do homem com a sua concubina. Essa sociedade
pode derivar de interesses, esforços e contribuições na formação de um patrimônio,
dispensando forma especial.
Colaciono tais considerações porque elas, a meu sentir, se ajustam, com acurada harmonia,
ao tema ora posto em tablado, tendo-se em conta que o a reconhecimento da partilha do
patrimônio adquirido pelo esforço comum dos concubinos significou, à época, uma posição
progressista, uma tomada de consciência daquela Colenda Corte para com os fatos da vida,
que, de tão nítidos e freqüentes, já não mais podiam ser tangenciados, sob pena de deixar o
magistrado na desaconselhável posição de julgar com as janelas fechadas para a realidade.
Agora, tirante o fato – relevantíssimo, é certo - de que a sociedade de que se cogita é
formada por pessoas do mesmo sexo, tudo o mais tem os mesmos contornos em que se
inseriu, à época, aquela situação dos concubinos inspiradora do verbete sumular acima
anunciado: a sociedade de fato, o patrimônio formado pelo esforço comum e o afeto
recíproco que parecia haver entre os agora recorrente e recorrido.
Ora, dessa situação em exame, o que se busca extrair é apenas o que seja atinente a direitos
patrimoniais. Nada se questiona com referência a efeitos familiares.
Creio já ser chega a hora de os Tribunais se manifestarem sobre essa união, pelo menos nos
seus efeitos patrimoniais, uma vez que não podemos deixar de reconhecer a freqüência com
que elas se 99

129
formam, por isso mesmo que tenho como de bom alvitre sinalizarmos para a sociedade
brasileira – e especialmente para os que vivem em vida semelhante à que tiveram recorrente
e recorrido – quais os direitos que possam ser decorrentes dessa sociedade de fato.
Por tudo isso é que, atento-me apenas aos aspectos puramente patrimoniais que é apenas o
que ora se questiona, mas sem perder de vista a motivação com que foi criada essa
sociedade de fato, de que são resultantes os benefícios postulados, estou, em tudo e por
tudo, acompanhando o que foi sábia e exaustivamente exposto pelos eminentes Ministros
Ruy Rosado de Aguiar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, tanto para
conferir ao recorrente os benefícios patrimoniais decorrentes dessa união quanto também
no que seja referente à sucumbência, e ainda para excluir de sua pretensão os danos morais,
que não vejo como tê-los existentes, uma vez que ausentes aqueles pressupostos
indispensáveis para a sua concessão.
Destarte, conheço parcialmente do recurso e, nessa parte, lhe dou provimento. 100

130
ANEXOS II
PROJETOS LEGISLATIVOS 101

131
2.1 PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO N.º 139, DE 1995
(Do Senhor Marcos Rolim e outros)
Altera os artigos 3º e 7º da Constituição Federal.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nós termos do art. 60 da
Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:
Art. 1º - É conferida nova redação ao Inciso IV do art. 3º da Constituição:
“Art. 3º - ..........................................................
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, orientação sexual,
crença religiosa, cor, idade e quaisquer outras formas negativas, de discriminação. (NR)”
Art. 2º - É conferida nova redação ao inciso XXX do art. 7º da Constituição:
“Art. 7º - ..........................................................
XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão
por motivo de sexo, orientação sexual, crença religiosa, idade, cor ou estado civil. (NR)”
JUSTIFICAÇÃO
Esta PEC foi apresentada em 1995 pela Deputada Marta Suplicy. Devido ao arquivamento
em fevereiro de 1999, reapresentamos a proposta aproveitando a justificação original.
A idéia não é nova. Quando da elaboração da Constituição de 1988, a subcomissão dos
Negros, Populações Indígenas e Pessoas Portadoras de Deficiência do Congresso
Constituinte aprovou, em 25 de maio de 1987, o seguinte texto para o que seria o art. 2º:
“Art. 2º - Todos, homens e mulheres, são iguais perante a lei, que punirá como crime
inafiançável qualquer discriminação atentatória aos direitos humanos é aos aqui
estabelecidos.
Parágrafo 1º - Ninguém será prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, etnia,
raça, cor, sexo, trabalho, religião, orientação sexual, convicções políticas e filosóficas, ser
portador de deficiência de qualquer ordem e qualquer particularidade ou condição social.
...”
Com o argumento de “enxugar” o texto constitucional, o relator da Comissão de
Sistematização, deputado Bernardo Cabral, retirou a expressão orientação sexual daquela
redação.
Na revisão constitucional de 1993, a proposta de emenda constitucional PRE 006951-4.
Esta emenda visava modificar o inciso XXX do art. 7º, dando a seguinte redação:
“proibição de diferença de salários, de exercício de funções é de critério de admissão por
motivo de sexo, orientação sexual, idade, cor ou estado civil”. A matéria não chegou a ser
apreciada pelo Congresso naquela ocasião. 102

132
Portanto, não estamos inovando. Apenas reapresentamos para análise destas Casas proposta
que visa incluir entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, alem de
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, crença religiosa, cor e
idade, também o faça sem preconceito por orientação sexual.
Mas o que na verdade significa orientação sexual? A expressão orientação sexual designa a
atração sexual, quanto ao gênero, de uma pessoa por outra. Não se deve confundir
orientação sexual com práticas como masoquismo, voyerismo, etc. É importante lembrar
que a Organização Mundial da Saúde e o Conselho Federal de Medicina não consideram a
homossexualidade doença. É consenso para os estudiosos da sexualidade que a orientação
sexual não é “opção”, mas questão complexa, com fortes possibilidades da existência de
predisposição genética, que seria concretizada ou não, a partir das relações familiares. As
pessoas não escolhem, portanto, sua orientação sexual. O heterossexual não tem direitos de
cidadania por ser heterossexual e o homossexual não deveria ser discriminado por ter uma
orientação sexual minoritária.
Cabe salientar que varias leis orgânicas municipais e algumas constituições estaduais já
adotaram seus textos, a inclusão da expressão “orientação sexual” como causa passível de
ser penalizada frente a atos discriminatórios.
Para uma melhor visualização, apresentamos o seguinte quadro:
ESTADOS/MUNICÍPIOS
BAHIA: América Dourada; Caravelas; Cordeiros; Igapor~; Rodelas; Sátiro Dias; Wagner;
Araci; Cruz das Almas; Rio do Antônio; Itapicuru; São José da Vitoria e Salvador.
ESPÍRITO SANTO: Guarapari; Santa Leopoldina e Mantenopolis.
GOIAS: Alvorada do Norte
MARANHAO: São Raimundo das Mangabeiras
MINAS GERAIS: Cataguases; Eloi Mendes; Indianapolis; Itabirinha da Mantena;
Maravilhas; Ourofino; São João Nepomuceno e Visconde do Rio Branco.
PARANA: Atalaia; Cruzeiro do Oeste; Ivaipor~; Laranjeiras do Sul e Mirasselva.
PERNAMBUCO: Bom Conselho.
PIAUI: Pio IX e Teresina.
RIO DE JANEIRO: Arraial do Cabo; Barra Mansa; Itaocara; Itatiaia; São Sebastião do
Alto; Cachoeiras de Macau; Cordeiro; Italva; Laje do Muriae; Niterói, Paty do Alferes; São
Goncalo; Três Rios; Silva Jardim e Rio de Janeiro.
RIO GRANDE DO NORTE: Grosso e São Tome.
SANTA CATARINA: Abelardo Luz e Brusque.
SÃO PAULO: São Paulo; Cabreuva e São Bernardo do Campo.
SERGIPE: Constituição Estadual; Itabaianinha; Canhoba; Amparo de São Francisco; Poço
Redondo; Riachuelo e Monte Alegre de Sergipe.
TOCANTINS: Porto Alegre do Tocantins e Peixe.
AMAPA: Macapá. 103

133
CEARA: Granjeiro e Novo Oriente.
MATO GROSSO: Constituição Estadual.
PARAIBA: Aguair
RIO GRANDE DO SUL: Sapucaia do Sul
O que pretendemos com esta emenda é resgatar a cidadania de milhares de brasileiros que
são preteridos no mercado de trabalho, assassinados, discriminados no cotidiano do
convívio social. Portanto, dentro do princípio que deve reger a ação legislativa, na
permanente defesa dos direitos humanos, é considerando:
1 – que “o desconhecimento é o menosprezo dos direitos humanos tem originado atos de
barbárie ultrajantes para a consciência da humanidade”, dos quais o genocídio nazista na
Europa e exemplo, que eliminou, junto a seis milhões de judeus e outras importantes
minorias raciais, aproximadamente 220.000 homossexuais, segundo dados da Igreja
Luterana Austríaca;
2 – que “todo indivíduo tem direito a vida, a liberdade e a segurança pessoal”, assim como
“sem distinção, direito a igual proteção da lei” e igual proteção contra toda discriminação
que infrinja esta Declaração e contra toda provocação a tal discriminação”.
3 – que “toda pessoa tem o direito ao respeito a sua integridade física, psíquica e moral”, da
qual é parte constituinte a orientação sexual;
4 – que “nada pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada,
na sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ataqu3es ilegais a sua
honra ou reputação, assim como “tem direito a toda proteção da lei contra essas ingerências
ou esses ataques”;
5 – que “nas sociedades pluralistas de hoje, no seio das quais a família guarda naturalmente
todo seu lugar e valor, práticas tais como a exclusão das pessoas de certos empregos em
razão de sua orientação sexual, a existência de atos de agressão ou a manutenção de
perseguição sobre essas pessoas, que tem sobrevivido a vários séculos de preconceitos;
6 – que “todos os indivíduos, homens e mulher, tendo chegado a maioridade, prevista em
lei, de acordo com a legislação do país em que vivem e sendo capazes de um consentimento
pessoal válido, devem ter o direito a autodeterminação sexual”; é
7 – que organizações internacionais de grande prestígio e de ideologias diversas
(Organização Mundial da Saúde, Anistia Internacional, Partido Democrático dos Estados
Unidos, Associação Psiquiátrica Americana, Associação Americana de Psicologia,
Ministério da Saúde da França, Ministério da Saúde do Brasil, Parlamento Europeu, etc.)
têm começado nas últimas décadas a revisar suas posições a respeito dos diferentes
aspectos da orientação sexual das pessoas, tendendo a plena incorporação das mesmas num
plano de igualdade.
Apresentamos esta PEC é esperamos contar com o apoio de meus pares para sua aprovação.
Sala das Sessões, em de de 199 .
Deputado MARCOS ROLIM 104

134
2.2 PROJETO DE LEI N.º 1.151, DE 1995
(Da Deputada Marta Suplicy, PT-SP)
Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O
Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua
união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos
demais assegurados nesta Lei.
Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro
em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais.
§ 1º - Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de
Registro Civil exibindo:
I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou
divorciadas;
II - prova de capacidade civil plena;
III - instrumento público de contrato de união civil.
§ 2º - O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do
contrato de união civil.
Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente
pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e
obrigações mútuas.
Parágrafo único - Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele
estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido
concorrência para formação do patrimônio comum.
Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II
- mediante decretação judicial. Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a
extinção da união civil: I - demonstrando a infração contratual em que se
fundamenta o pedido; II - alegando desinteresse na sua continuidade. § 1º - As
partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da
união civil. § 2º - O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o
inciso II e o § 1º deste artigo, só será admitido após decorridos 2 (dois) anos de
sua constituição.
Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos
interessados, de acordo com o disposto no instrumento público. 105

135
Art. 7º - O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos
assentos de nascimento e casamento das partes.
Art. 8º É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o
contrato de união civil a que se refere esta lei com mais de uma pessoa, ou
infringir o § 2º do art. 2º
Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Art. 9º - Alteram-se os artigos da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que
passam a vigorar com as seguintes redações:
"Art. 33 - Haverá em cada cartório os seguintes livros, todos com trezentas folhas
cada um:
(...)
III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos
de união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I - o registro:
(...)
35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem
sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos
reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à
celebração do contrato.
II - a averbação:
(...)
14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do
casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando
nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro."
Art. 10 - O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com
pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela
Lei 8.009, de 29 de março de 1990.
Art. 11 - Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar
com a seguinte redação:
"Art. 16 (...)
§ 3º. Considera-se companheiro ou companheira a pessoa que, sem ser casada,
mantém com o segurado ou com a segurada, união estável de acordo com o
parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do
mesmo sexo nos termos da lei.
Art. 17 (...) 106

136
§ 2º. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira
do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito
a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença
judicial, transitada em julgado".
Art. 12 Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passam a
vigorar com a seguinte redação:
"Art. 217. (...)
c) a companheira ou companheiro designado que comprove a união estável como
entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei.
(...) Art. 241. (...) Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou
companheiro, que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil
com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei."
Art. 13 - No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios
previdenciários de seus servidores que mantenham a união civil com pessoa do
mesmo sexo.
Art. 14 - São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo
sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela Lei
n.º 8.971, de 28 de novembro de 1994.
Art. 15 - Em havendo perda da capacidade civil de qualquer um dos contratantes
de união civil ente pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para
exercer a curatela.
Art. 16 - O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a
vigorar com a seguinte redação:
"Art. 113. (...)
I - ter filho, cônjuge, companheira ou companheiro de união civil ente pessoas do
mesmo sexo, brasileiro ou brasileira".
Art. 17 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 18 - Revogam-se as disposições em contrário.
Exposição de motivos do Projeto de União Civil de Marta Suplicy
Justificativa
O presente Projeto de Lei visa o reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo
sexo, relacionamentos estes que cada vez mais vêm se impondo em nossa sociedade. 107

137
A ninguém é dado ignorar que a heterossexualidade não é a única forma de expressão da
sexualidade da pessoa humana. O Conselho Federal de Medicina, antecipando-se à
Organização Mundial de Saúde, já em 1985 tornou sem efeito o código 302, o da
Classificação Internacional de Doenças, não considerando mais a homossexualidade como
"desvio ou transtorno sexual". A sociedade vive uma lacuna frente às pessoas que não são
heterossexuais. Elas não têm como regulamentar a relação entre si e perante a sociedade,
tais como pagamento de impostos, herança, etc... Esta possibilidade de parceria só é
reconhecida entre heterossexuais. E os outros tantos ?
Realidade e Direitos
Esse projeto pretende fazer valer o direito à orientação sexual, hetero, bi ou homossexual,
enquanto expressão dos direitos inerentes à pessoa humana. Se os indivíduos têm direito à
busca da felicidade, por uma norma imposta pelo direito natural a todas a civilizações, não
há porque continuar negando ou querendo desconhecer que muitas pessoas só são felizes se
ligadas a pessoas a outras do mesmo sexo. Longe de escândalos ou anomalias, é forçoso
reconhecer que estas pessoas só buscam o respeito às uniões enquanto parceiros, respeito e
consideração que lhes é devida pela sociedade e pelo Estado.
Relação duradoura
Relacionamentos pessoais baseados num compromisso mútuo, laços familiares e amizades
duradouras são parte da vida de todo ser humano. Eles satisfazem necessidades emocionais
fundamentais e provêem a segurança e aconchego nas horas de crise em vários momentos
da vida, inclusive na velhice. São um poderoso instrumento contra a falta de raízes,
protegem e mantém a integridade dos indivíduos. Com essa intenção, a relação permanente
e compromissada entre homossexuais deve existir como possibilidade legal.
Ao mesmo tempo a aceitação legal da união civil entre pessoas do mesmo sexo encorajará
mais gays e lésbicas a assumirem sua orientação sexual. Longe de "criar" mais
homossexuais, essa realidade somente tornará mais fácil a vida das pessoas que já vivem
esta orientação sexual de forma clandestina. A possibilidade de assumir o que se é, tem
como conseqüência a diminuição da angústia e também, segundo pesquisas uma maior
possibilidade de proteção à saúde, principalmente em relação à AIDS. O que é proibido
gera vergonha, dissimulação e, muitas vezes, medo. A possibilidade da união estável,
mesmo que não exercida, reduzirá problemas criados pela necessidade de esconder a
própria natureza, de não ser reconhecido(a) socialmente, viver em isolamento ou na
mentira.
Violência
O Brasil é um país no qual os homossexuais, masculinos e femininos, têm sofrido, extrema
violência. Raras são as semanas que não se sabe de um assassinato violento. Uma das
portas que leva à violência é a homofobia. A aceitação da homossexualidade - a legalização
da união civil entre pessoas do mesmo sexo favorecerá e certamente diminuirá o
comportamento homofóbico e conseqüente agressão. A lei, além de aceitar e proteger uma
realidade, provê um respaldo social importante.
Solidariedade 108

138
A possibilidade de oficializar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, permitirá, como
nas uniões heterossexuais, que em períodos de crise os casais possam ser ajudados. Os
casais heterossexuais casados quando passam por problemas enfrentam vários fatores que
impedem uma ruptura imediata.
Situação enfrentada pelos homossexuais que geralmente mantêm relações secretas,
ignoradas pela família e amigos, que não oferecem ajuda nas situações difíceis.
Uma parceria legalizada será sinal de que o casal, gay ou lésbica, para suas famílias,
amigos e sociedade, desejam manter uma relação de compromisso. Isso será enfatizado
pelo status formal e legal da união. Muitos casais homossexuais acham uma injustiça que
mesmo depois de muitos anos de coabitação ainda são considerados - legal, econômica e
socialmente - meramente como duas pessoas que dividem uma residência.
Relacionamentos estáveis proverão segurança e um sentimento de pertencer. A maioria dos
homossexuais sozinhos não são reconhecidos pelas famílias. As pessoas com orientação
homossexual possuem a mesma necessidade de segurança e proximidade que pessoas com
orientação heterossexual, e devem ter direitos ao mesmo apoio nas relações permanentes.
O projeto de união civil entre pessoas do mesmo sexo não vai resolver todos estes
problemas, nem fazer com que todas as famílias aceitem essa situação, mas certamente
poderá ter um efeito estabilizador.
Homossexualidade
As causas da homossexualidade são complexas. Os estudiosos acreditam que a
homossexualidade não é uma opção, assim como também a heterossexualidade não é uma
escolha. As pessoas se descobrem diferentes por volta da pré-puberdade, quando não sabe
ainda o que é "homossexualidade". Na puberdade, os hormônios da sexualidade começam a
funcionar com conseqüente aumento do desejo sexual, sonhos eróticos e masturbação. A
pessoa percebe sua atração por pessoas do mesmo sexo. Acredita-se que fora a orientação
sexual, são tão normais e tão diferentes individualmente como os heterossexuais.
Entretanto, ser homossexual é, freqüentemente, causa de grandes problemas. A atitude
preconceituosa da sociedade resulta em isolamento para homossexuais e, freqüentemente
dificulta suas vidas e até seus relacionamentos pessoais e estabilidade emocional.
Diferenças e semelhanças entre união civil e casamento
A possibilidade de regularizar uma situação de união já existente, tornará estes
relacionamentos mais estáveis, na medida que serão solucionados problemas práticos,
legais e financeiros. A vida social dos casais homossexuais também será afetada, fazendo
com que sejam melhor aceitos pela sociedade e até pelas próprias famílias.
Esse projeto procura disciplinar a união civil entre pessoas do mesmo sexo e não se propõe
dar às parcerias homossexuais um status igual ao casamento. O casamento tem um status
único. Esse projeto fala de "parceria" e "união civil". 109

139
Os termos "matrimônio" e "casamento" são reservados para o casamento heterossexual,
com suas implicações ideológicas e religiosas.
Está entendido, portanto, que todas as provisões aplicáveis aos casais casados também
devem ser direito das parcerias homossexuais permanentes.
A possibilidade para casais de gays e lésbicas registrarem suas parcerias implicará na
aceitação por parte da sociedade de duas pessoas do mesmo sexo viverem juntas numa
relação emocional permanente.
Aspectos Jurídicos
O projeto de lei que disciplina a união civil entre pessoas de mesmo sexo vem
regulamentar, através do direito, uma situação que há muito, já existe de fato. E, o que de
fato existe, de direito não pode ser negado.
A criação desse novo instituto legal é plenamente compatível com o nosso ordenamento
jurídico, tanto no que se refere a seus aspectos formais quanto de conteúdo. É instituto que
guarda perfeita harmonia com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
- constituionalmente garantidos - de construir uma sociedade livre, justa e solidária e
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (art.3º, I e IV CF).
A figura da união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde nem com o instituto
do casamento, regulamentado pelo Código Civil Brasileiro, nem com a união estável,
prevista no parágrafo 3º, do art.226 da Constituição Federal. É mais uma relação entre
particulares que, por sua relevância e especificidade, merece a proteção do Estado e do
Direito.
O projeto estabelece com clareza os direitos que visa proteger nessa relação. As
formalidades nele previstas servem não só como uma garantia entre os próprios
contratantes, mas também perante terceiros; servem, ainda, como um indicador para a
sociedade, de quão sério é o tema nele tratado e da expectativa de durabilidade e
estabilidade que têm em suas relações. Para sua melhor adequação ao ordenamento
jurídico, propõe-se algumas pequenas, porém significativas, alterações de legislações
específicas, como em alguns artigos: da lei de registros públicos, da lei de benefícios
previdenciários, do estatuto dos servidores públicos federais e da lei dos estrangeiros.
A sociedade brasileira é dinâmica e abarca uma diversidade de relações; o Direito brasileiro
deve acompanhar.
2.3 SUBSTITUTIVO ADOTADO PELA COMISSÃO PROJETO DE LEI Nº 1.151,
DE 1995
Disciplina a parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências.
O Congresso Nacional Decreta:
Art. 1o. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria
civil registrada, visando à proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e aos demais
regulados nesta Lei. 110

140
Art. 2o. A parceria civil registrada constitui-se mediante registro em livro próprio, nos
Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na forma que segue.
§ 1o. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro Civil, apresentando os
seguintes documentos:
a.. - declaração de serem solteiros, viúvos, ou divorciados;
b.. - prova de capacidade civil absoluta, mediante apresentação de certidão de idade ou
prova equivalente;
c.. - instrumento público do contrato de parceria civil.
§ 2o. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro próprio no
Registro Civil de Pessoas Naturais
§ 3o. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de
parceria civil registrada.
Art. 3o. O contrato de parceria registrada será lavrado em Ofício de Notas, sendo
livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e
obrigações mútuas.
§ 1o. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também
serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação de
patrimônio comum.
§ 2o. São vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou
adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros.
Art. 4o. A extinção da parceria registrada ocorrerá:
a.. - pela morte de um dos contratantes;
b.. - mediante decretação judicial;
c.. - de forma consensual, homologada pelo juiz.
Art. 5o. Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria registrada:
a.. - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido;
b.. - alegando o desinteresse na sua continuidade.
Parágrafo único. As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da
extinção de sua parceria registrada.
Art. 6o. A sentença que extinguir a parceria registrada conterá a partilha dos bens dos
interessados, de acordo com o disposto no contrato.
Art. 7o. É nulo de pleno direito o contrato de parceria registrada feito com mais de uma
pessoa ou quando houver infração ao § 2o do artigo 2o desta Lei.
Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor comete o crime de
falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do artigo 299 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940.
Art. 8o. Alteram-se os arts. 29, 33 e 167 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que
passam a vigorar com as seguintes redações:
"Art.29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais
(...) 111

141
IX - os contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Parágrafo 1o.
Serão averbados:
(...)
g) a sentença que declarar e extinção da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo
sexo.
Art. 33. Haverá em cada cartório, os seguintes livros:
(...)
III - E - de registro de contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo.
Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:
I - o registro:
(...)
35 - dos contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo que versem
sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais
pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do
contrato.
II - a averbação:
(...)
14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento
e de extinção de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo, quando nas
respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro."
Art. 9. O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria civil registrada entre
pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela lei 8.009,
de 29 de março de 1990.
Art. 10. Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro será
considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de
dependente do segurado.
Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria implica o cancelamento da inscrição a
que se refere o caput deste artigo.
Art. 11. O parceiro que comprove a parceria civil registrada será considerado beneficiário
da pensão prevista no art. 217, I, da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
Art. 12. No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus
servidores que mantenham parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo.
Art. 13. São garantidos aos contratantes de parceria civil registrada com pessoa do mesmo
sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas seguintes condições:
1.. - o parceiro sobrevivente terá direitos, desde que não firme novo contrato de parceria
civil registrada, ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste;
2.. - o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria civil
registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora não
sobrevivam ascendentes;
3.. - na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá direito à totalidade
da herança; 112

142
4.. - se os bens deixados pelo autor da herança resultar de atividade em que haja a
colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.
Art. 14. O art. 454 da Lei 3071, de 1º de janeiro de 1916, passa a vigorar acrescido de § 3º,
com a redação que se segue, passando o atual § 3º a § 4º:
"Art 454. (...)
§ 1º (...)
§ 2º (...)
§ 3º Havendo parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se dará a curatela.
Art. 15. O art. 113 da Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art 113. (...) VI - ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade
brasileira."
Art. 16. É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para aquisição da
casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e seguro de grupo.
Art. 17. Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de
legislação tributária.
Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário.
Sala da Comissão, em 10 de dezembro de 1996.


FRASES (02)

Lacunas d'alma
Completo com minhas linhas as lacunas da minha alma
e a poesia da minha mente ilumina os meus dias
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 25/04/2006
Código do texto: T144795

Roteiro dos Sonhos
Meu pés conhecem o roteiro dos meus sonhos e a cada dia fazem com que esteja mais perto
de sua realização...
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 19/03/2006
Código do texto: T125202

HaiKais (04)
Pássaro canoro
SURDOS AO TEU LIED
MULTIDÃO ALHEIA À VIDA
EM TREVAS CAMINHA

Carol Schneider

143

Publicado no Recanto das Letras em 04/05/2007
Código do texto: T475282
Vôo da liberdade
gaivota no céu
a cortar o ar
vôo da liberdade

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2006
Código do texto: T163330
Presente
Hoje é o presente
Oportunidade nova
No eterno ciclo

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 20/04/2006
Código do texto: T142218
Outono
Outono é vida
Vão as folhas vêm os sonhos
Eterno renascer

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 20/04/2006
Código do texto: T142216

Homenagens (02)
Larissa
Uma entre tantas mulheres
Tantas mulheres em uma
Sabe ser guerreira e bela
Esposa e amiga
Mãe e poeta
Única no versejar
Reluz
Transporta
Renova

144
Sensual mulher
Ao mesmo tempo criança
Traz a candura de quem deseja se entregar
Aos curiosos anseios e prazeres da infância
Magnetismo
Em palavras cruas
Nuas
Por vezes aniquilam o grito
Sufocam a dor
Apaziguam o gemido e o furor
Mulher
Mais que todas as bonecas de papel
Que se debruça sobre sonhos
Conquistados com o suor de seu trabalho
Transforma as cordas
Combina as cores
Põe ordem às letras
E aos seus amores
Possui inédita abordagem da alma
Por isso toca o jamais tocado
Decifra o indecifrável
Vê o que dificilmente é vislumbrado
E se faz presente
Onde jamais esteve
Esta é Larissa
Entre o negro e o nada


Para conhecer a obra de Larissa Marques, acesse: http://www.larissamarques.com
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 08/01/2007
Código do texto: T339950
Que saudades
Minha bisavó era suave. Daquelas velhinhas com cheiro de alfazema que trazem acalento
apenas por sua presença. Cozinhava divinamente e contar estórias era com ela mesma...
lobisomens, monstros, fantasmas, esses os temas favoritos. Quando pequena, não havia luz
elétrica e sua imaginação de menina ficou por anos guardada em sua memória.
Não sabia escrever, mas sabia prender a atenção e fazer-nos viajar e imaginar.
Não sabia ler, mas tinha um vasto conhecimento da alma humana.
Suas lições de vida permanecem até hoje em meu coração...
Bisa, acordei com tanta saudade... e inveja dos anjos que, com certeza, hoje se deliciam em
ouvir suas estórias.

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/03/2006
Código do texto: T123514
INFANTIL ( 02)

145
Dorme menina
Para Isabella

Dorme menina
e vem fazer parte dos sonhos mais ternos
de mãe...
Viestes tornar meus dias mais coloridos
Chegastes para aflorar meus sentidos
Tomastes meu coração por inteiro
E dele jamais sairás...
Pois tu és minha força
minha estrela guia
a luz a guiar a minha vida
meu norte, na bússola da minha existência...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/12/2006
Código do texto: T326228


O Cãozinho
Cãozinho que nasceu
Com orelhinhas pequenas
Dando-me um susto cresceu
Em pé nas patinhas traseiras

Pulo a pulo
Pé ante pé
Foi descobrindo o quintal
Buraquinho aqui
Outro acolá
E agora, recheado de osso,
Esse quintal ficará!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 18/04/2006
Código do texto: T141396

Pobre passarinho!
Piu, piu, piu
Fez o passarinho
Piu, piu, piu
Roubaram o seu ninho

Piu, piu, piu

146
Chorou o passarinho
Piu, piu, piu
Vazio estava o ninho

Piu, piu, piu
O vento levou tudo
Piu, piu, piu
Até seus filhotinhos

Piu, piu, piu
Piu, piu
Piu
...

Pobre passarinho!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 18/04/2006
Código do texto: T141394
NATAL (03)
Mistério do Natal
Mistérios do Natal...
Se o aniversariante é Jesus, por que nós ganhamos presentes?
Se o Papai Noel mora no Polo Norte, por que o vemos em todo lugar?
Se o principal do Natal é a paz, por que isso é o que menos importa?
Se desejamos um Natal feliz, por que somos tão miseráveis ao não dividir o que temos com
nossos irmãos?
...
Achei que quando crescesse, descobriria as respostas... porém, tenho muitas perguntas
mais...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/12/2006
Código do texto: T326232
Urgente, para este Natal
Neste Natal,
urgente que se busque o real sentido da vida
urgente que se demonstrem o amor, a amizade, a fé

Por tempos tortuosos
este planeta passará
A única bagagem necessária,
será um limpo coração...

Neste Natal,

147
urgente a limpeza da alma
sem egoísmo, a palavra de ordem é caridade
sem rancor, urge viagem de resgate ao amor
sem cupidez, emerge a busca da harmonia e amor-próprio

a Estrela de Belém
necessida dos escolhidos
do trigo,
dos bons!

Neste Natal,
urgente que se encare a verdade, para que se conquiste a real oportunidade ao progresso

Neste Natal,
urgente que a estrela dO Iluminado
brilhe dentro de cada um de nós.
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 17/12/2006
Código do texto: T321167
Mãos de Luz
Mãos de Luz
Que trabalham o bem
Abençoados irmãos
No labor do Cristo Jesus
A vós, o Natal se mostra
energizante e renovador
Através do trabalho e da fé,
mostram-se efêmeras as frustrações do mundo
Seres de luz
iluminam e suportam vossas caminhadas
Estrelas de energia
e conforto ao coração e à mente
serão presentes da espiritualidade
a quem caminha no bem...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 17/12/2006
Código do texto: T321155
PENSAMENTOS (05)
Conhecimento
Conhecimento
Plenitude do ser, acoplando tesouros à bagagem da vida
Epifania que transforma em legado perene o tesouro mais valioso e o único que não pode
ser comprado, vendido ou roubado... e quanto mais dividido, mais multiplicado!

148

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/04/2007
Código do texto: T463760
Quando chove
Quando chove
as pessoas parecem guarda-chuvas
só que, fechados...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 28/01/2007
Código do texto: T361840

Equilíbrio
tenho os pés no chão e a cabeça no mundo
mas meus pés conhecem também o roteiro dos sonhos
e minha cabeça, sabe escutar meu coração

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/08/2006
Código do texto: T217989

Amigos são inspiração
Aquele que pensa que os amigos de infância foram os que mais importância exerceram na
vida estão enganados.
Primeiro, porque amigos são importantes sempre. Em todas as fases da vida.
Segundo, porque quando crescemos é que mais precisamos de pessoas
que pensem como a gente, ou não...
que nos dêem puxões de orelha quando precisarmos...
que nos emprestem o colo quando nossa mãe já não está mais ao nosso alcance...
que nos dêem conselhos gratuitos...
que nos emprestem um livro...
que nos amem, apesar dos nossos defeitos...
que nos critiquem quando necessário, para que cresçamos...
que nos dêem dicas de um bom filme, ou simplesmente assistam a ele conosco...
que nos façam sorrir e nos lembrem que vale a pena lutar pela vida!
Os amigos nos fazem perceber que os laços de amizade, amor, carinho e afeição,
necessitam apenas do olhar, do cuidado.
Com certeza, amizade é um tema recorrente para todos os poetas e escritores em geral, pois
sem nossos amigos, não teríamos inspiração...

Carol Schneider

149
Publicado no Recanto das Letras em 18/04/2006
Código do texto: T141082

Teatro
O que mais me espanta em teatro
é a capacidade do artista
ser mil personagens em um
sem ter crise de identidade

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 22/03/2006
Código do texto: T126783
POESIAS ( 186)
Opostos
Gosto de Opostos
daqueles com Gritos
ou Silêncios
no meio da Multidão

Delicio-me ao ver
a Beleza da Dor
ou o Visco que há
na singeleza do
Fim do Amor

Rio-me da Dicotomia
entre a Paz e a Guerra
arriscada pelo Estopim
de uma Centelha

e

Valho-me da Certeza
que o Tudo
completa o
Nada

E que sem os Opostos
o Mundo se Acaba
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 28/01/2008
Código do texto: T836875
Obsessão

150
Sufoco na garganta
Olhar febril
Que não lançado
Apagou-se
Num descontente mar de abril
Tornou-se pálido acolhimento
De dissabores
Ontem, apenas ria-se
De seus amores
Hoje lamenta
olhares desmerecedores
Tampouco o ópio
De seu amor-próprio
Concedera-lhe tal benesse
De ver tal espécie de autodestruição
Como entender tal obsessão...
que mesmo amando-se
destrói a si mesmo em forma
de autocomiseração

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 27/01/2008
Código do texto: T835489
Tramas do Destino
Em tramas que me arrefecem
Compõem minha decomposição
Sorriem, debocham da minha anarquia
Relutam, sossegam e caem, por fim

Vislumbro um fio
Que me leva a outro lado
Uma sombra, um vazio
Que nem sei definir
Entre abismo de luz
E um vôo arriscado
Encontro o caminho
Mas me é sonegado saber
o destino do pouso

Leve-me, vento da madrugada
Brinque com meus cabelos
Deliciando a árdua jornada
Sussurre em minhas orelhas
Propostas que me deixem vermelha
E diga ao maroto destino
Que estou pronta, enfim...

Carol Schneider

151
Publicado no Recanto das Letras em 27/01/2008
Código do texto: T835210
Tristeza de adeus
Sou vidro estilhaçado
Pisado
E colado, sem atenção

São tantas idas e vindas
Nem sei quanta tristeza de adeus
Cabe no meu coração

Tempo vai, vento vem
Pássaros fazem seus ninhos
Ainda que a chuva insista
Em fazê-los dissuadir
De suas idéias de vida

O céu é sempre seu teto
As estrelas, seu paraíso

Quero fazer meu ninho
Na sombra dos olhos teus
E seu brilho será meu Éden
Revivido na constância
De nunca ter que dizer
Adeus...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/01/2008
Código do texto: T833559
Espero-te
Espero-te
Como se esperam sonhos bons
Na janela
Aspiro a cada virada de esquina
Encontrar na retina
Um calor que um dia
Já acalentou corpo meu
Mas minha espera é infinda
São incontáveis olhadas
Pra uma esquina maldita
Espera vã, esquisita
Se ao menos soubesse razões
Da ausência que silencia
Todos os acordes
De nossas músicas
[hoje esquecidas]

152
Poderia passar, quem sabe
Por ti, como quem passa
Por desconhecido
Mas tenho esse vício
De me entregar
Pra amargura
Não te perdôo
Nem mesmo quando
Não restar nem mesmo
Manchas das feridas
Que hoje inda gritam
Abertas, ardidas
Vertendo sangue
sangrando vida

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/01/2008
Código do texto: T833558
Lágrimas
Lágrima
Rola nas avenidas
Das galerias de ilusórias imagens
Desprega com lamúrias
Os tapetes das paredes
Que mostram cenários
Dos sofridos dias

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/01/2008
Código do texto: T833556
Vou aportar aqui
Vou aportar aqui
Trazer meu coração
Pra esta ilha
Amor não é só desilusão
Bem sabes que te quero
Mais que a lua
Quer o sol
Quero sorrisos
Abraçar teu olhar
E amanhecer
Em sol bemol
Acordo sem tuas mãos
A me enlaçar
Teu sustenido
Faz-me sair em busca

153
Do teu aconchego
Quero ter tua presença
Todos os dias junto a mim
Mas há um eco
E tua música
Não chega a meus ouvidos

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/01/2008
Código do texto: T831927
Reputação arcaica
Não se foge do nada
Onde todas as pontes
Estão quebradas
Extingue-se o estoque de ditos
Malditos segredos de esfinge
Onde duas portas estão trancadas
E não há resposta
Que não esteja errada
Fica o dito
Pelo não dito
Pois
Não se foge do nada

Cortou-lhe as asas
Pra trás e do avesso
Ultimato
Estágio de autoprivação
Papel-carbono
Feminista
De hipócrita
Reputação arcaica

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 24/01/2008
Código do texto: T831713
Sentença
Nada existe
Alem de vitrines
Vivas
Víboras
Viventes

Danço
Entre canções e sementes
Lanço

154
Um cutelo pra cima
Tal qual uma rima
Pra ver onde cai
O martelo bate
Três vezes
Sentenciando
Em verbetes

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 24/01/2008
Código do texto: T831703
Sétimo dia
Foram sete os dias velando
Um de cujus se degradando
Vi em minhas mãos
Símbolo que sinalizava
Crime do sinistro que realizara
Precisei de sete longos períodos agonizantes
Para dar-me por fim alforriada
Da rotina, da disritmia
Da polêmica infeliz monotonia
Que embaralhava os sentidos
E deixava-os amortecidos
Diante de um pleno feliz viver da vida

Encarei minha sentença
Crime passional com atenuantes
Tipifica-se a ré
Ser que, simplesmente,
Não conseguiu amar
Coerentemente
Quem a amou
E entregou-lhe o coração
Em troca de tê-la presente a todo instante

E a pena, com indulgência,
É seguir a sua vida
Pois viver é assim mesmo
Tentativa de ser feliz
Um dia se erra, noutro se acerta
A maior certeza da vida
É não se ter certeza de nada
Só é certo de que vale a pena ser vivida!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/01/2008
Código do texto: T826104

155
Destinos
Coração sem lei
Destino sem sobrenome
Portas que se fecham
Mesmo permanecendo abertas
Vou pular pela janela
E andar
Por caminhos de pedras
Impossível não tropeçar
Quem irá julgar-nos
Se há sempre retornos
Em mãos duplas e contramãos

E o destino é sempre o fim
Ou o recomeço

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/01/2008
Código do texto: T826101
Sopro do Mundo
Um sopro do mundo
Transmutou
Minha tarde vazia
Trouxe folhas de lembranças doces
Que por instantes
Congelaram ciclo
Que torna cinzento
Dantes colorido quadro
De uma vida
Ainda sendo pintado

Agonizo ao ver cores
Perdendo matizes
Vendendo-se
Qual meretrizes
Pra uma palheta
De cinza e negritude
Onde sequer tons pastéis
Povoam a arte
Goticamente serenam-se
Pincéis sob a alma
E tecem amargura
Em pesado linho esticado em figura

Oh, Sopro do Mundo
Conceda-me
Nova aquarela

156
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/01/2008
Código do texto: T826099
O Oco
Há um oco em mim
Ausência de feliz sensação acolhedora
Que aquece corpo e mãos
Alma refletida em olhos flamejantes

Esqueci-me do que me fazia viver
Diapósdia
Numa leveza de que
Certezas
São quase
Sonhos

Mas pouco importa

O que bastava
Era ter na cara
Uma doce luz
Sem parcimônia
Que a todos seduz

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/01/2008
Código do texto: T818527
Livre Assovio
Censuro e arrependo
Depois te prendo
Pra consertar o que?
Se tudo está perdido
Eu me reprimo
E perco toda a libido
Suprimo meus sentidos
Caio, fujo
Não sou nem um pouco destemido
Queria mesmo ter vivido
Livre feito um assovio
Na boca de um passante brincalhão

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/01/2008
Código do texto: T818518

157
Insensatez
Num fractal de muros quebrados
Milagres acontecerão
Dissequei minha obsessão
Foi conseqüência desta inquisição
Sou maremoto
Que apaga teu fogo
Que gela teu corpo
E te afoga sem interrupção

Edifiquei um altar provisório
Pra ofertar banquete de restos
Inferno curvado em ofensa
Poupe-me de tua sentença
Já tenho internos demônios
Que me perseguem no negro dos sonhos
E calam-me enfadonhos desejos
De multicromáticos paraísos

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/01/2008
Código do texto: T818517
Poemas antigos
Poemas antigos
São como história de vida
Começa-se engatinhando
E pouco a pouco
Percebe-se que a poesia
Tomou nova dimensão

revisitá-los
reescrevê-los?...

Lanço meu olhar sobre as velhas linhas
com ares de compaixão
orgulho-me deles!

poemas são como fotos antigas
fazem parte do meu ser
do meu passado, presente
de uma metamorfose

mantendo-os como estão
sempre podem renascer!

158

*Obs: Elucubrações sobre os poemas antigos que estão num nível inferior aos atuais, pois
alguns amigos poetas me disseram para revisitá-los e reescrevê-los, transformando-os.
Então, pensando nisto, surgiu esta poesia... Tenho muito orgulho dos poemas antigos, por
mais “brutos”, sem burilamento, que estejam... por fazerem parte da minha evolução como
escritora. E tenho certeza que daqui a algum tempo olharei para os atuais e nestes também
serão encontrados erros, faltas de burilamento e de estudo. Portanto, acredito que tudo faça
parte do crescimento da arte!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/01/2008
Código do texto: T816192
Febris Contornos
Sois fruto de uma proposta
de lama
Sou vento de uma resposta
em chama
Repilo-te todos os dias
sem subterfúgios
Quero apenas seguir meu caminho
Se posso ser menos cruel
Digo-te...
Quero que as águas limpem teus febris contornos
que, rotos, desmantelaram-se
encobrindo teu próprio rosto
Poderás, enfim, ver não a máscara
mas teu semblante em mácula composto

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/01/2008
Código do texto: T816183
Romeu desorientado
Tentações cálidas
Sôfregas emoções partidas
Encontro em véu de presságios
Soube, enfim, esquecer doce encanto
Que embriaga sentidos
Traz caos a sensações inesperadas
Apetece ver-te, ao fim, transfigurada
Eterna figura de Romeu desorientado
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 11/01/2008
Código do texto: T812176

159
Stars are blind (em inglês)
nights
full of blind stars
secrets of one
treasures of soul
feel like silk
over stone
of haunting thoughts
on feminine
empty home

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 11/01/2008
Código do texto: T812175
Moonshine (em português)
O que te desce pela garganta
É mais que um gosto de pêssego doce
Engole a calma, apressa o tom
E a língua geme, precoce
Em lábios amortecidos
De uma alma semimorta
Com sede de buscar vida
De mostrar dom
Mais um trago exige
Tua amarga condição
Numa mão o copo
Noutra, a coragem do jargão
E mesmo assim situa
Cálida mordaça
De impostar tua posição


***

*OBS: O título, "Moonshine", deriva-se de uma palavra inglesa, uma gíria comum utilizada
para designar "bebida destilada artesanal", especialmente em lugares onde sua produção é
ilegal. Este nome origina-se do fato de que seus produtores e vendedores normalmente
trabalhavam à noite (sob a luz da lua) para evitar que fossem presos pela produção de licor
ilegal.

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 11/01/2008
Código do texto: T812173
Surpresa

160
Um risco cegou-te
Ao semblante da espera
À toa
Tocou-te o avesso das vísceras
Amargas vertigens
Adentrando tuas janelas
Nos espaços de tuas esvoaçantes cortinas de janeiro
Não tivestes tempo ou presságio
Pra entender a mudança de maré
Apenas ficastes em pé
E teu coração desfaleceu
Pra então acordares outro em tua cama

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/01/2008
Código do texto: T810762
Onde Moro I
Moro entre o sonho e o negro
Derruída pelo fogo da vida
Resgatei coração sob marcas
Cicatrizes deixadas por feridas
Intempéries e portas batidas
Mãos machucadas por pedras juntadas
Que, ao longo da vida,
pelo caminho foram encontradas

Moro entre o sonho e o verso
Fiz da pena e papel
Pára-raio de emoções
Ressuscitei a coragem
Acolhi meus fantasmas e
Calcei meus chinelos
Tudo em nome dos meus versos

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/01/2008
Código do texto: T810761
Camaleão
Camaleão
Desce ao céu
E sopra ao chão
Risca o tempero do tempo
Num riso naufragado de intento
Sou tua, sem sombra, quase nua
Pra não ter cores a te confundir

161
Neste Universo que me enlaça a ti
E onde o eterno se situa

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/01/2008
Código do texto: T810758
Interroguei minha alma
Interroguei minh‟alma livre
de teimosas ambições consolidadas
se no oposto do abismo
da costura me quisera

Disse-me apenas
haver de querer ouvir os pássaros
com líricas pretensões empertigadas
fazendo ninhos onde o azul alça suas nuvens
entrecruzadas por fios de prata machucados

Juntei pedaços de rancores de outras datas
não os colei pra que não renasçam pós-enterro
cantei um solo, bem chorado e marcado
e enterrei as ilusões a sete palmos e ao avesso

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 09/01/2008
Código do texto: T809398
Elixir da Vida
Quão remota dúvida
Posto calada, fez-se certa
Amofinada em branco, pálido semblante
Em boca petrificada, diziam os vítreos olhos, agonia

Perfeita estátua, conduzida por mãos de escultor prudente
Cujo fio do coração reluta religar à mente previsão da luta
Entre o sim e o não
Da carne à pele a emoção da alma
Sofre o abuso da dicotomia da humanidade que semeia vento

Reluta a forma bebericar o elixir da vida
Respirar o feito,
sentir na alma emoções febris de amor e ódio a conduzir conduta
Mas breve a vida...
E com ela o dom de se ter levado com tudo e consigo,
No olhar o tempo e a história única da odisséia viva

Carol Schneider

162

Publicado no Recanto das Letras em 09/01/2008
Código do texto: T809363
Eco
Através da cortina de seda
busco um vão pra me esconder
sem máscaras
ou maquiagem
mostro minha cara
limpa dos rabiscos do viver
há brilho no olhar
inapagável
impenetrável
para aqueles que não o sabem ler
faço da retina meu escudo
é escuro
e quero entrar no absurdo
pra encontrar no vazio o eco
duma parte de mim que lá deixei

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 09/01/2008
Código do texto: T809355
Anjo sem fronteiras
És como um sôpro
que de uma lufada em meio a temporais
de meus desencantos
fostes sem o saber
designado por uma Mão
a delicadamente preencher
lacunas do meu viver

não conheço teu olhar,
teu cheiro de mar
toque a acariciar
tampouco senti calor esvoaçante
de ser alado que se faz
presença constante

mas transporta-te
aqui, no além-mar
mesmo que desterrado
raízes são postas
no coração sonhador
que não respeita fronteiras
procurando respostas
na busca de amar

163

*poema dedicado ao meu querido amigo Rui Ventura

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/01/2008
Código do texto: T802236
Fez-me Rainha
Fez-me Rainha
e, prostrando-se a meus pés,
aliterou sentidos e sinergia
em gemidos transformados
à disritmia
de sussurros sinuosos
que sopravam ventos
aos meus ouvidos sedentos

Tomou-me as pernas
e em meio a sopros mútuos
desfalecendo, foram-se as bases
da postural monarquia

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/01/2008
Código do texto: T802231
Nova aquarela
Joguei meus sonhos
nas paredes enluaradas
empostei pedras
em calçadas malpisadas
por pés de nuvens
em findeano
renovei lista de intentos
pra qu'eu pudesse
arregaçar mangas
e travar novas batalhas
e ir-me colorindo aos poucos
e no anonovo, quiçá
talvez eu jogue sobre mim
nova aquarela

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 02/01/2008
Código do texto: T800317
Serafina

164
Quando a vida termina
Ou traz um beco em cada esquina
Chamo-te, Serafina
Traga-me um trago
ou um trasgo de lua
Para que a vida se refine
Ou sequem as barragens
do fio de água que alimenta
a seiva dos meus rios e cascatas
Faz-me teu servo gentil
Pra que o tempo recomece
a contar longe de tudo que se finda
Serafina

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 02/01/2008
Código do texto: T800312
Preciso-te
Preciso-te
Ó perigoso desejo marcado
para que me leves
a barreiras de sensações
nunca antes encontradas
onde meus sentidos
e pés jamais pisaram

Preciso-te
Leitemotiv
de poesias jamais desenhadas
para que em meus dedos
surjam calos de linhas e linhas
de emoções vomitadas

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 02/01/2008
Código do texto: T800283
Sabor de Ano Novo!
quero-te Ano Novo
como quem quer
um coquetel de frutas
doces, cítricas, amargas
e maduras
todas juntas,
uniformemente combinadas
surgindo puras ao paladar
para que eu passe o ano inteiro

165
degustando e procurando
descobrir cada textura,
cada fruta,
cada sabor de vida
dispostos no cálice
de porvir

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 01/01/2008
Código do texto: T799316
Dialética
sou pedra que chora
sou vidro que estilhaça
meu sorriso canta,
enxugando lágrimas
nos cantos, poças
covas rasas de intenso pranto
mas inda há brilho no olhar...
mesmo que por vezes se apague
nos percalços do meu caminhar

intenso o frio por falta de afago
calor que arrefeça a alma
escrevo, calando grito
como que alimentando gemido
quero colo, quero afeto
mas faço-me discreto
e, friamente,
saio pela tangente
e se precisar, bato o martelo
...
pois mesmo quando sou fraco
faço-me forte
assim eu sou
nada morno, nada pouco
ou tudo ou nada
sou Tese
sou Antítese
e por fim, Síntese

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 03/12/2007
Código do texto: T763657
Visões Paralelas
Há um mundo paralelo
Que só existe em cada ser

166
Eu me reciclo, transformo o mundo
E a realidade de viver
Se tu me pedes, pegas na minha mão
Depois, caminhas comigo
Mesmo assim
Não terás minha percepção

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/11/2007
Código do texto: T749308
O fio da trama
Eu refestelo
Meu instante avisa
Emoções suicidas
Blefe, fichas
Aposta à vida
Incerto destino
Qual mar e marés
Lua muda estágio
E assim ondas levam
Novos presságios
Juntos com gotas
Do pranto em lástimas

Se nem só de riso
É que se faz a vida
Aposto nos sonhos
De um dia
Vencer este jogo

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 23/11/2007
Código do texto: T749240
Jogos da Vida
Acordo
e o mundo parece-me enauseado
a poesia dormida
restou presa
no mundo dos sonhos

Ladeio os parapeitos
das janelas da consciência
não ouso sentir
minha própria presença
entre as peças do quebra-cabeça
que pecam ao enredarem-se a outras
tornando inútil tentativa

167
em obter imagem que busco desvendar...

Mas ainda é manhã
e espero minha poesia
do mundo dos sonhos
de alguma maneira
poder resgatar...

Tateio meus conceitos
na procura do Rei
para dar meu xeque-mate

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 17/11/2007
Código do texto: T741426
Navego
navego
num espaço
de aliterações
e formas
vou de encontro a muros
intransponíveis
acho-me entre ondas perfeitas
porém fatais
e sedutoras
entrego-me às marés
de vícios incautos
e atiro-me às incertezas
de sentimentos insanos
navego
sem calmaria
à vista, nenhuma terra
sem norte, sem rumo
meu destino
é tão incerto
quanto a certeza
da morte a findar
a vida

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 12/11/2007
Código do texto: T734595
Pétalas mortas
retirei minhas mãos de sobre o peito
nelas havia pétalas mortas
carmim mortificado em pétreo leito

168
que escorreram por entre brancos dedos
sem que o rosto esboçasse qualquer expressão
de desejo em tê-las perfeitas...

pergunto-me
em que curva da estrada da vida
arruinou-se o anseio da existência
perscruto meu próprio entendimento
do intenso sorriso
daquela verdade que pulsa
em saber-se feliz
como quando era criança
e todas as flores
eram belas e perfeitas...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 06/11/2007
Código do texto: T726074
Leito de pedras
Deixe que meu rio aprenda o caminho
Estou ocupada vivendo
E, lentamente, morrendo
Deixe-me em paz
Quero deitar-me
Em meu leito de pedras
E em devaneios oníricos
Vestir-me fada, borboleta ou Cinderela
A realidade, a luz do dia a trará
Quero viver em paz
Estou ocupada vivendo
E, lentamente, morrendo
Assim é viver
Deixe que meu rio aprenda o caminho

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 06/11/2007
Código do texto: T725489
Verdade das horas
vago
entre nuas calçadas
soberana me calo
ao me ver derrotada
por meu próprios
argumentos insanos
sustentados
por infindadas gotas

169
de infundadas lágrimas
que se juntam aos córregos
esvaindo-se nos bueiros

para o esgoto se vai
partículas de mim
um eu que, calado
se venceu
o que restou
foi vencedor
e prossegue a batalha
do viver constante
com sorriso de olhos
num febril contentamento
em merecer
a verdade das horas

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 05/11/2007
Código do texto: T723790
Almas sem rostos
Uma noite
Foi o que restou
Da chuva de olhares
Granizos mortificados
Em poças de escuridão
Relutantes procuras
Por estrelas náufragas
[em vão]

Em meio aos escombros
Restam almas sem rostos
Sem perdão

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 05/11/2007
Código do texto: T723789
Extasia
Pálida face tentadora
Recriada em perfeita sintonia
Duas formas
Frutos, carnes
A irromper o prazer
Da extasia
Não há pacto mundano
Que dissolva tristes enganos

170
Que dois corpos
Sensações do insano
Em delírio profano
Reinventaram
no inferno curvado em encanto

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 05/11/2007
Código do texto: T723788
Não quero escuridão
Baldias nuvens
Sobrecarregadas
De céu e azul
De olhos
Frustrados por mãos
Que o cegam de luz
Senti teu calor de palmas
Em bochechas róseas apertadas
Não quero escuridão
Nela sinto horrores
Do negro véu obtuso
Onde tudo o que de podre
Em mim posso sentir
Percebendo-se pungente
Faz-se mudo

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/11/2007
Código do texto: T722520
Pontes ao acaso
Busco entender
Pedaços de razão
Em meu ser
Vícios plantados
Suplícios suplantados
Por não ter coragem
Dum dizer sufocado
Nãos que gritam em meu ser

Procuro em vão
Motivos
Em sorrisos atravessados
Por entre pontes
Que não me levam
A outro lado

Carol Schneider

171
Publicado no Recanto das Letras em 04/11/2007
Código do texto: T722519
Poesia amanhecida
Minha poesia amanheceu
E cutucou-me, adulterada

Consternação
Aliteração
Ímpeto!

De repente...
A poesia morreu!... de um ataque cardíaco!
Já não podia conviver
Com tantos confusos e absurdos sentimentos

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/11/2007
Código do texto: T722517
Contradições
Tenho saudade
De sentir saudade
Estás mais ausente
Na tua presença corpórea

Minha solidão
Fazia-me criativa
Inspirava-me
Vestia-me asas
A sair à procura de ti
Nestes passeios
De repente
Encontrava a mim

Hoje
Sou poeta sem pontos finais
Busco pontes
Calçadas e fontes
Folhas de livros e torres
Que me inspirem
Escrever uma vez mais

Quero-te, esperança
Pois a que tinha,
Feneceu
Num retorno de aconchego
Que coagiu dos meus dedos
A língua

172
E retirou dos meus pés
A única jornada que me fazia ser
inteira

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 27/10/2007
Código do texto: T711752
Desertos
o homem inspira saber
onde habita seu ser mais humano
busca no negro do abismo
seus lamentos
de escolhas malfeitas
vasculha ilusões
se apega em areias
escorridas das ampulhetas
de idas e vindas
deixa-se levar por vertigens
de oásis vãos
perdidos em meio
ao seu pálido e deserto coração

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/10/2007
Código do texto: T709771
Tarô Cigano
num baralho de tarô
a vida foi desenhada
em titubeio, uma cortada
a sorte disposta estava
sina raciocinada
quem arquiteta o destino?
quem sabe?... eu sei!
rei das linhas, dos sonhos
das cruzas da vida!
quanto talvez!...
dê-me o direito
dar-te-ei as leis!
mas se me deres tua dita
embaralhada para ver
talvez eu diga
vá escrevê-la
não posso lê-la, não está escrita
linhas em branco não se pode ler!
vá escrever a cada dia
mais um capítulo

173
deste tão misterioso livro
que é viver!
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/10/2007
Código do texto: T706662
A casa do Homem
a casa do Homem
encontra-se de portas fechadas
perde-se num instante
de ternura embasbacada

o olhar do Homem
perdeu-se pra rotina
do amor por simples amar
sem contemplar
sedutor jogo
das janelas de sua
outra morada

jogou fora o encanto
torto véu na madrugada
partiu ao meio
porta e parede
puxou tapete
sem perceber
que se arruinavam
suas estruturas
por rachaduras
provocadas
por intempéries
por ele mesmo
provocadas

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/10/2007
Código do texto: T706652
Um poema só teu
Vejo-te no entrecortado dos sonhos
Na ausência do rio e do mar
No silêncio do céu
No sussurro do vento
A me embalar

Sinto-te a cada passo
entre ladeiras escuras

174
e entre árvores a trepidar

nossos corpos podem nunca virem a se encontrar
mas minh‟alma conhece a tua
como se linhas da minha mão nua

o frio não me deixa usar vestuário azul de musa
mas ele está a esperar
pelo calor de um corpo em poema
vislumbrado por olhos que só um poeta
que conhece o mundo das fadas
pode em lufada de vento esquentar
sou musa em sonho de amor a amar

torno-te realidade
em meus sonhos
e na doce eternidade de um momento
que nas páginas de um livro em poemetos
consigo a ti encontrar

(Poema dedicado à poetisa Sofia Pátria)

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/10/2007
Código do texto: T704207
Teus dedos
Teus dedos
Ansiando conhecer
Minha geografia
Fizeram-me rodopiar
Qual zonza e bêbada menina
Num vai-e-vem que me fez ouvir
Teu som como se fora música
Senti o toque de tua arfante respiração
E quis dançar no ritmo do balanço
Do arpejo do teu coração
Subi as escadas de uma ilusão
Fui buscar um gozo quase em profusão
Pontas dos dedos
Fizeram-se sentir
Em cada curva do meu corpo inerte
Entregue inteiro ao teu toque imberbe
Fazendo-me tremer da cabeça aos pés

Senti minhas forças sucumbirem
Levou-me a paraísos sem matizes
Só vi a negritude de uma explosão de prazer

Sinta-me
Sou pele que semeia arrepios

175
Sou carne que te causa calafrios
Sou energia que transpassa
Racionalizações

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/10/2007
Código do texto: T704200
Rara Borboleta
espectro alquímico
predestinado
à transfiguração
mutação de destino
e sombras
borboleta dourada
rebusca ausência
do perfeito casulo
largado à margem
dum passado
tesouro valido
apenas por incontáveis lágrimas
e pelo inestimável
arcabouço de experiências
adquiridas como
presentes
para um novo
e renovado eu

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/10/2007
Código do texto: T680891
Quanto pó...
farejo o pó
que resta nos sentimentos
chafurdados
na lama do desgosto
da desilusão

tenho pena
da inatacada volitude
de se tentar uma vez mais...

sejam moços ou velhos
almas ignóbeis
essas que se assentam
na miudez da espera
de que a vida lhes escorra

176
sem a próxima mágoa
para recomeçar com a aposta
numa nova arquitetura do destino

quanto pó...
que retira o valor da vida!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 29/09/2007
Código do texto: T673640
Estrelas são cegas
estrelas são cegas
mas nos fazem enxergar
um caminho
de sonhos por onde
passos incertos
titubeiam perante sentidos
que não mentem
a mentes que não contam
estrelas

certa de que as nuvens
não são feitas de algodão
fecho meus olhos e clamo
a um arco-íris que as
dilacere, para volver
meu centro à razão
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/09/2007
Código do texto: T668064
Grito do poeta
distante do sonho
do viver poético
traz
sofreguidão
disritmia
incontinência sentimental
buscar constante do tudo
e do nada
um grito preso
que ecoa nos dedos
e pulsa nas veias
do poeta enjaulado
pelo tempo que escoa

177
de uma rotina que
oprime...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/09/2007
Código do texto: T655508
Pés de nuvens
As ondas
das ruas onde pisam
meus pés de nuvens
nuas cores que passam
através
do tempo ligeiro
escorrem
pelos bueiros
e pelo revés
do amarelo do entremeio
dos portões da vida

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/09/2007
Código do texto: T638629
Poema sem fim
quis brincar com as palavras
tornei-me sutil anagrama
traduzi pensamentos em cores
alegrando amores
buscando odores
em campos de flores

puxei a aspereza de sonhos náufragos
para lixar e lapidar
um poema sem fim

com ritmo de vida vivida
sem espera da ida
da vinda

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/08/2007
Código do texto: T619589
Nova estação

178
pássaros levam amores
nos bicos e voam
para longe dos ninhos
depositam esperança
nos telhados vizinhos
e, de soslaio,
relegam de si o dever
de cuidar do amanhã
ovo de tolo, oco por todo
nasce uma nova estação

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 22/08/2007
Código do texto: T619451
Beco sem saída
chega-se a um beco
sem inevitável
súbita e lentamente
compondo negras nuvens
pelo céu dos mares meus

um traço se agita
fazendo ondas
no horizonte do desespero

quero alcançar a saída
para disritmar meu peito
da sofreguidão das
portas sem fechaduras
janelas sem aberturas
de um beco sem saída
que me faz amarga a vida

sem luz-ar-fogo-fé no amanhã
sou só angústia
e procura vã

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 22/08/2007
Código do texto: T619102
deus do infinito
deus do infinito

mediatriz entre céu e inferno
encontrei-me no limbo
perdida entre almas sem rosto

179
procuro um sorriso
entre tristes semblantes
de desgosto
e congela-me a alma
remorso por ter
apagado a luz da chama
única no anoitecer

e sumiram-se as velas de mim
como maquete ou marionete
de um deus do infinito
que despreza as cores do meu conhecer

naveguei no arco-íris
a buscar nuances para enfeitar
meu purgatório lar
encontrei um baú vazio de riquezas
contendo moedas
desvalidas no limbo da vida
necessito de matizes
que modifiquem a freqüência
de um novo paraíso

deus do infinito,
resgate-me desta penitência
onde não vejo as cores
sorrisos e amores
quero cantar
mas muda me fiz
pra não vir a chorar
neste instante sem paz
de caminhos, sem rumo
sem objetivo
sem ter aonde chegar

rodopio em espirais
de náuseas angelicais
de um mundo sem seres
com possibilidade de amar...

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 22/08/2007
Código do texto: T619097
Máscaras
resgatei pedaços
de máscaras deixadas no tempo
por restos rasgados de eus do passado
sentimentos postergados
folhas dilaceradas,
molhadas por tempestades escuras
queria navegar

180
pela razão que flutua
em mares além do horizonte
deixada em sustento ao pranto
que cegou-me os olhos
como vendas de encanto
em desatinado reencontro
floresci como hibisco roxo
e fiz-me exalar perfume ao vento
serenando corações petrificados
ofereci alento
hoje tenho a máscara do contentamento
que pulsa num sorriso
esbanjando adolescência
de saber-me livre das amarras da existência

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/08/2007
Código do texto: T593122
Máscaras
resgatei pedaços
de máscaras deixadas no tempo
por restos rasgados de eus do passado
sentimentos postergados
folhas dilaceradas,
molhadas por tempestades escuras
queria navegar
pela razão que flutua
em mares além do horizonte
deixada em sustento ao pranto
que cegou-me os olhos
como vendas de encanto
em desatinado reencontro
floresci como hibisco roxo
e fiz-me exalar perfume ao vento
serenando corações petrificados
ofereci alento
hoje tenho a máscara do contentamento
que pulsa num sorriso
esbanjando adolescência
de saber-me livre das amarras da existência

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/08/2007
Código do texto: T593122
Eu sou a arte

181
eu sou aquele que o toca
eu sou a arte
perdi pro sabor do vento
meu intenso movimento
subi numa corda de luz
e escorreguei pelo vazio do escuro
reconstruí, recuperando pedaços
roubados pelo destino inconstante da história
num intenso grito
libertei gemidos latentes
que me tornavam escrava
do meu espírito demente
entendi-me gente
com a beleza da arte
e as eivas do umbral
desejo hominal
de sentir na pele a crueza e a doçura
de viver e ser plenamente
eu sou a arte
eu sou aquele que o toca
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 02/08/2007
Código do texto: T589065
Será?
Será que tenho fases premeditadas pelo vento?
Vôo pelas marés de mim
Como fosse um vendaval de folhas
Jogadas a esmo com força
Arrebatada
Senão por uma brisa que toca lá dentro
Bem suave, no fundo d‟alma
Seria uma louca gritando
Pulando e dizendo esquisitices

Serei eu uma doida conformada
Com minhas próprias ventanias?

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 02/08/2007
Código do texto: T589045
Paraísos de pedras
vejo sombras
em paraísos de pedras
ao longe
o mar me chama

182
quer bater em meus pés
fazer-me sentir
arrepios de paz
no corpo e na mente
conseguidos pelo vai e vém
de suas ondas pequenas
ao morrer na areia

mas as sombras
seguram-me em meio
às pedras imbricadas
em amargos paraísos perdidos
em meio à solidão que me foi relegada

ao mar
ao céu
ao azul que os ostenta
um pedaço do meu ser os habita
minha mente, meu desejo de ser livre
da escravidão das horas,
do espaço e do vazio de mim mesma.

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 30/07/2007
Código do texto: T586244
Homem-Anjo
Tinha aparência de homem
Mas com olhar aproximado, a observar
Poder-se-ia notar
E deduzir, o ser alado que era
Um anjo, do céu, desatrelado de asas
Tão belas quimeras

Pegou-me no colo
Para, num adejo solto,
Mostrar-me seus paraísos
Contemplou meus traços femininos
Sussurrou-me doces versos imprecisos
Fez-me vislumbrar ballet de flores multicores
Sentir odores de jasmins e sândalos
Vi borboletas se aproximando
E em meus cabelos firmando pouso
Em questão de instantes
Fui do riso ao choro,
do pranto ao gozo,
do chão ao céu...

Cativa do doce querer do querubim
a renascer
decidiu retomar asas e ao céu ascender

183
Só o que sei é que hoje tenho em meu corpo
as impressões, odores e tremores
das digitais de um Anjo transmutado em flores
que em primavera se faz presente
no horizonte do céu do meu olhar

Voa, Anjo
Que o vento te trará
Pra mim
Em forma de pétalas
E a alegria em meu ser será sempre completa!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 30/07/2007
Código do texto: T585988
Busca
Sob meus cobertores
Jaz um corpo em sinestesia
E minh‟alma? Onde caminha?
Vai direto ao encontro das manhãs
Pés entrelaçados, buscam a vertigem do vôo
Finos dedos procuram na maciez da lã
O toque de aconchego
Que só tuas mãos puderam um dia me dar
Em busca de ti, encontro a mim
Que faço eu, pela metade?
Cabeça restaurando forças sobre o travesseiro
(eterno companheiro de choro e riso na madrugada)
mas a mente volita longe buscando sonhos
descanso o corpo mas, ao alvorecer,
refaço o roteiro dos sonhos
em meio a inabitado caminho de escombros

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/07/2007
Código do texto: T579211
Fada sem asas
dois dias e noites de chuva
descoloraram meu manto vermelho
sem sol a me guiar
sou pranto, pesar
torrente de lágrimas
entre ladeiras escuras
a te buscar
onde estás, meu sol, que te procuro?
vem cá brilhar em meu rubro véu

184
que já caem meus cabelos
levados pelo vento
que sopra junto a tempestades de intento
de tão longe te ver seguir
sem mim
o eco que fica em meu corpo-metade
faz-me pequena, frágil
desesperada, busco refúgio na madrugada
de meus sonhos de inteira fada realizada
donde a manhã faz-me perder as asas
de forma precipitada
ao acordar e ver a realidade
do vazio da minha fria cama

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/07/2007
Código do texto: T578985
Vendaval
Sempre me trazes boas lembranças,
em forma de folhas e pétalas em teu vento.
Brincas com meus cabelos,
deixa-os eriçados,
bagunças meus pensamentos...
Trazes poesias em forma de risos e pranto.
Visto-me de cores
só para pintar-te
em meu corpo nu
pincel alado
de branco e preto

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/07/2007
Código do texto: T573313
A Lua do Poeta
A lua que vês no céu
e suaviza a dor em teu coração
sou eu, a te enamorar
Poeta que se sabe amar...
embora a triste geografia
num mapa nos faça ausentes
sou lua alta e bela
que num instante me faço presente
e te envolvo num abraço insistente
enebriante por minha luz
clareando tua redoma
e que te doma, afaga e seduz

185

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/07/2007
Código do texto: T573301
Segredos
desvendou-me desejos
entrelinhados
em poesias e formas
ensimesmados de tons

escreveu em minhas costas, nuca e barriga
um poema só meu
poeta sem rima
sem utilizar pena ou mãos

mas, fazendo-se sol nascente
não desvendou segredos
de obscura sombra lunar
em lado oponente
que em velado estado latente
dormitou, deixando-se expor sua luz
à junção do brilho total

à espera d‟algum eclipse
há nova fase a se iniciar
e ciclicamente
renovam-se meus segredos
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/07/2007
Código do texto: T564237
Teu mar
profundo é o teu mar
onde navego em calmaria

na ressaca
um de teus olhos
me ilumina

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 13/07/2007
Código do texto: T564205
Dedicatória

186
Andas pelos cantos
chorando os amores idos
abandonadas pétalas
jazem em meio
à filosofia das folhas do livro
único presente que me destes com prazer
guardo tua dedicatória
e na memória
o prazer de abrir o embrulho de papel
desvendando pouco a pouco o conteúdo

e quando chove
refugio-me nas folhas
com o livro aberto
junto a meu peito
e sob as cobertas
dormito, como criança

Curitiba, 26/04/07

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 13/07/2007
Código do texto: T564178
Limpa-me a alma
Limpa-me a alma
e a meus pés
jogue brancas pétalas
de pensamentos profanados
por enganadas ilusões
de silenciados nãos

Postergadas folhas
de adulterados
nós de sinuosas pernas
entre nuvens, sob o
olhar de atento luar

Mostra-me o caminho
da purificação dos sonhos
emaranhados por cipós
de tentações carnais

Quero unir o que dentro
de mim restou quebrado
dissipado em um vendaval
de torpor e ausência de lucidez

Limpa-me a carne
inundada pelo prazer vazio
tão oco quanto restou meu ser

187
ao perceber que sem ti
não me resta nada

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 09/07/2007
Código do texto: T558446
Prenda-me
Prenda-me
Se for capaz
De seduzir
Meu lado lunar
Que em fases
Troca em metades
De negro pra branco
Meu sol que pulsa em
Lençóis e hiatos
Há ecos retumbando
Em faróis de meus eclipses
E em minhas crateras
Há fases nuas
Sem luz ou figuras
Onde me escondo
Entre nuvens escuras
Não me vês
Apenas sentes
O clamor alucinante
De meus olhos ardentes
Por isso,
Não me veneres
Pois que sou reles
Lua com sintoma bipolar

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 05/07/2007
Código do texto: T553006
Espantalho
de palha és feito
dos humanos não leva os defeitos
não possuis beleza, força ou riqueza
mas cumpres tua função
espantalho! que levas em tuas mãos?
nos olhos, leve toque de aguardo
de quem observa, cuida e protege
o encargo
tens natureza própria

188
entre trapos, farrapos e restos de retalhos
de roupas de outros espantalhos

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 24/06/2007
Código do texto: T539338
Homem dos Sonhos
Pra onde me leva a vida?
Caminhos distantes,
por vezes
nem tanto...
quem sabe o que vejo...
que cheiro é esse que sinto
quando mudam as marés?
Sinto-me qual sombra
Descoberta e atingida
Por espectro ardente de luz
Minha mente nunca interrompe a inspiração
Crio o instante mágico
Do ser que acaba de nascer
Construo o manancial subaquático
Onde são formados todos os peixes
E onde Netuno reina absoluto
Reinvento o prazer total
De tuas horas de intensa
Comiseração ante o outro,
Ante a vida
E tuas dúvidas acometidas
São o elo entre o halo de sorte e lágrimas
que formam o gozo total de ontem à noite...
Só eu pude sentir...
Sei como é renascer como Fênix!
Apenas eu conheço meus próprios desejos,
os mais densos e recônditos n‟alma...
Traga-me luz!
E te darei minha claridade para regozijar-te
Homem dos sonhos...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/06/2007
Código do texto: T538489
Mulher de Indra
Veio
pra minha roda do amor
ao brilho bruxuleante de velas
multicores

189
deu-me um beijo
pra me virar a cabeça
ajoelhou-se a meus pés
erógenos
amorteceu minha paixão
inóspita

Mulher de Indra
catexizei teu falo
com boca servil e fugaz
entre mordidas e unhadas
apoderei-me de tuas sensações
e axiomas

Dei meus mamilos e nádegas
para que pudesses brincar
como criança a me sugar
Um abraço de Jaghana
te entorpeceu
e no meu colo
te fiz só meu

Entrelaçados
a enroscar-nos
tal qual serpentes
em apoteose
viramos um
por um instante
eternizados
pelo gozo simultâneo
sincronizado

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/06/2007
Código do texto: T538016
Roda do amor
(com licença poética)

De repente,
meu pranto cessou
enxugaram-se as lágrimas
da pálida face porcelânica
antítese aos ruivos cabelos
pintada por hábeis mãos
de mundano artesão
cores, multicores
formaram-se circundando azul céu
de meus olhos
que só avistavam teu doce semblante a me adorar
arrepios energéticos circundavam

190
minha aura feminina
tornando-me qual toda messalina
sensual, fogueira de delícias

que pranto pode caber
em chamas ardentes de prazer?

Evaporado,
ao lume do ardente volume de emoção
do pranto, fez-se riso solto
quase uma quimera
de gemido ardente
e no eco do silêncio da manhã
ouviu-se um grito fino de explosão
era delírio, gozo ensimesmado
que rever
berrou!

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 23/06/2007
Código do texto: T537724
Amo-te
Amo-te mais que ao mar
Mais que ao simples pensar
Nas flores
Pureza de cores
Brilho da luz da manhã

Amo-te mais que me cabe
Em meu próprio coração
Mais do que diz na canção
Ou na emoção dedicada em poema
Que uma pena ligeira
Rabiscou com exatidão

Amo-te mais que “eu te amo”
Pode traduzir em palavras
Porque palavras pensadas
Não dizem tudo que sinto

Amo-te mais que uma vida
Amo-te mais que a alegria
Oriunda da sintonia
De duas almas que se encantam

Amo-te!
E quero gritar ao mundo
Pois não me cabe no peito
bem fundo
Amo-te
E quero gritar para ti

191
Pois sei que sabes que te amo
Mas quero gritar bem alto
Pra ecoar em teus ouvidos
E sempre fazer sentido
As palavras que agora te digo
Amo, hoje e sempre
Pois o amor que me pulsa e me arde
É amor de verdade
Nunca há de terminar!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 17/06/2007
Código do texto: T530556
Sozinha
Falo sozinha
Pra dissipar
A solidão
Tristeza que ecoa
Nas veias
Células tortas, remotas
Torturas desprazeirosas

Faço da janela
Abertura pra vida
Descanso pra alma
Cansada de ser só

Faço da noite
Das estrelas companhia
Lua, vento, alquimia
Riso, choro
Pena e papel

Com a manhã
Amanhecem as lembranças
Do eco do anoitecer
Sou, então, companheira
Dos passarinhos
Fagueiros, fazendo ninho
E das rosas em botão
Dia sim, outro talvez
Sou alforje do contentamento
Simples desamazelamento
Das chagas, feridas perdidas
No abismo da minha própria luz
Que míngua
Quando reluz

Carol Schneider

192
Publicado no Recanto das Letras em 16/06/2007
Código do texto: T529438
Minh’alma ignorou o caminho
Minh‟alma ignorou o caminho
Sob um céu cor-de-paraíso
Quisera não ter tão límpidos segredos
Sob as dobras de meus dedos
Tão tristes fantasmas no ar
Que ascendem cheiro
de mudanças do mar
Vida mal-resolvida
Quero expulsar o desespero
Do desterro, da dor
A soberania do dissabor
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/06/2007
Código do texto: T529020
Mistérios aos sete véus
Nas tendas flamejantes
Escondem-se miragens
Sultões lançam ávidos olhares
Aos sete véus
Suaves movimentos
Com sutileza
Os olhos dizem tudo
Conquista, proposta,
Resposta, sincronia
Véu a véu
Separam-se as esfinges
Mistérios de paixão
Decifram os sorrisos
A vida, a terra
O céu e o mar
Já não se sabe nada
Pra quem só a si mesmo
Se desvenda

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/06/2007
Código do texto: T529018
Constelação

193
Soltei um grito de dor no infinito
Onde o som teus ouvidos
Não pudessem alcançar
Alcovitei milhões de corações
Embasbacados por beleza
E inexatidão
Vesti-me qual messalina
Indo em busca de olhares
E compadecimento
Meu alimento só pode ser teu coração
Mas não mo destes
Relegastes aos escárnios
Tua emancipação
Conclamo tua luz
Nua em pedras
Do desvario no qual
Encontro o fio da teia do meu abandono
Deixe-me amar teu corpo
Uma noite mais
E o frio do sereno de Saturno
Enlaçar-nos-á em seus anéis
Farei sem pressa
Serei tua donzela
Sob a luz do nosso luar
Ofertarei duas tulipas roxas
Ao nosso amor
Que tu saborearás ao sabor do vento
A cada gemido
Olharás uma estrela
E juntos faremos
Uma constelação!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/06/2007
Código do texto: T528533
Branca
Branca
Sem lua
Entreolhei o jardim
Saboreei folhas ao chão
E rosas ao vento
Vestidas para baile
De serenata de cadentes estrelas
Soltastes um riso frouxo
Daqueles de inexatidão
Perdi o rumo
Sentei no banco
Correndo os olhos
Pelos meus dedos

194
E buscando respostas
Nas pontas dos pés

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/06/2007
Código do texto: T528478
Uníssono amor
Sabes mais de mim que a própria vida
Desejo ardente de reencontrar
No tempo presente o amor dormente
Por anos e anos à busca de se completar

Em meio a tristes desencontros
Fora qual presente alegre sorte
De numa troca de olhares
Rever a história
De vida
De sonhos
Da busca do fado e do norte

Se minh‟alma integra a tua
E juntas
Tornam-se uma
São qual melodia
Que em uníssono
Tocam o mais recôndito canto da vida
E de mãos dadas vamos
Cantarolar na estrada
Dessa longa não mais solitária via

(Para Robyson Ribeiro)

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/06/2007
Código do texto: T528470
Vestida de branco
Dormi vestida de branco
Para tornar-me anjo lascivo
E voar em sonhos até você

No caminho, encontrei um querubim
Que me disse, um dia, tê-lo flechado
Com dardo envenenado de amor
Só para mim

Ao chegar,

195
camisola de renda,
deixando meu corpo à mostra
para teu deleite, sem vendas
Tornamo-nos feras

Com unhas e dentes
Desnudou-me
Aliterando pulsante desejo
Que uniu dois corpos em um

Ofertei-te duas rosas
Róseas, perfeitas
Que tu degustaste
Com olhos, boca e mãos
Prostrastes teu sexo em compaixão
E, com paixão, volitamos até as estrelas.

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 12/06/2007
Código do texto: T523539
Quero trégua
Quero trégua
Para tempestades nuas
De sonhos naufragados
Longas vertigens
Em oscilações
De marinheiros febris

Quero âncora
Que me atrele vida

Quero leme
Para retirar da deriva
Emoções perdidas

Quero farol
Que sinalize aos meus olhos
A mediatriz dos meus sonhos

No fim da viagem
Quero terra firme
Em floridas divagações
Ter lembranças de jornadas
De vida, de luta, de morte
E saboreá-las ao sabor do vento
Em rósea face

Carol Schneider

196
Publicado no Recanto das Letras em 11/06/2007
Código do texto: T522360
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Bordando vida
Bordei uma noite
Em campo de nuvens prateadas
Com luar naufragado
E ondas azuis a bater em meus pés

Alinhavei cada sonho
Entre o silêncio das minhas marés
Transitei entre sombras
De todas imagens de risos de escárnio
E lágrimas de dor

Arrematei estratégias
Para fugir da solidão
Dos pés vazios que buscam brincar
e aquecer-se em outro par

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/06/2007
Código do texto: T520776
Ritual de renascimento
Joguei fora todos os vícios
Suplícios
Renovei as gavetas
De lembranças doces
Organizei os armários
Pérfidos cenários
De loucuras brandas
Suicidei de mim todas as fantasias
Podres alegorias
De um carnaval sem rei
Subi no tablado
Dediquei-te um canto
E, de um desencanto,
Renasci de um tom

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 01/06/2007
Código do texto: T509714
Boneca de Porcelana

197
Teu olhar é como morteiro
Seguem minhas mãos lascivas
Que encontram meu sexo
Em febril reconhecimento

Descobrem ritmo
De ardor desencontrado
Solitário gozo
Por mãos que se desacompanham
Do compasso

Meu riso é triste
de uma lágrima
surgida no agora
rósea na face de quem
se deliciou do amor
e o jogou fora

Sou boneca de porcelana
Sou incauta
tive peças quebradas
no céu da minha boca
Meu gemido
é preso na garganta
onde estrelas foram desenhadas
e, rasgadas,
dadas em holocausto
pra qu‟eu pudesse
saborear o delicioso
prazer do insano

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 30/05/2007
Código do texto: T507610
Teu nome é solidão
Eu não menti pra você
só quis ser quem sou desde o início
quis ter paz
alcançar um degrau mais além do infinito
crescer, trazer pra mim
um pouquinho mais de alegria, talvez
quis usar a cadência da vida
quis buscar as estrelas
quebrar a redoma fincada em mim
quis regar a semente do novo
e buscar ser de novo embrião de esperança e de cor

Sonhos buscam os que são perenes em tons
e eu quero ser mais
quero ver e escrever minha história

198
ter minha biografia na pedra, no aço, na memória
quero ser meu próprio ponto de transmutação
quero ter em minh‟alma a certeza
que esta vida não tem sido e nem foi em vão
lutar, sem armas nas mãos
buscando cajado e formão
para, de pouco em pouco
qual escultor torto
formatar meu próprio coração

Mas tu,
destes flores mortas às moças bonitas
de cerne apodrecido
e deixastes, aos mortos, teu legado
de sonhos em pó
em ouro e em prata
forjastes moedas de Eldorado
pra em cara ou coroa
tua sorte o vento optar
procuras a flor mais bela
em pântano lamacento
o céu mais azul
em nebulosos dias
sem vento
procuras teus sonhos,
longe do porto do teu coração...

não precisavas conselhos
foste tu quem me ensinou a pescar!
mas, na pescaria da vida
Eu sou o céu
Tu és o mar
e sempre juntos estão
mas nunca se encontram
(Por isso teu nome é solidão)
pois ambos são infinitamente grandes e azuis
porém, o céu tem o alcance das minhas mãos
e tu, cabes na concha de um menino brincalhão
brincando com cera, argila e castelos de areia no chão

E no fim desta jornada de vida,
contas terei a prestar,
do que fiz
e do que não

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 29/05/2007
Código do texto: T505561
Presa metonímica

199
de fio a fio
teço meus versos
que qual prata teia
conduz-te, presa metonímica
ao bote súbito!
quando te apercebes... (se é que percebes)
<<<<<<<<>>>>>>>> já fazes parte do meu poetar!
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 28/05/2007
Código do texto: T504608
Onde estão, donos da terra?
Caiuás, Terenas
Guaranis, Carijós
Ianomâmis
Onde estão,
donos da Terra?

Resquícios de longínquo passado
Refletido na face dos filhos de tantas misturas
Arcos e flechas no chão
Vossos lares, ocas naufragadas de lama,
Para a terra retornaram,
Levando lembranças de guerras, lutas,
semeaduras, conquistas e alianças

Corpos pintados
Musicalidade
Instrumentos únicos
Influências culturais
Linguagem imortalizada
Na pena de tantos imortais
A sabedoria de vossos pajés
Sobrevive na atual medicina
Inda que substancial parte
Passada de boca em boca
Por vocação de vidas
Hoje jazidas, a sete ignotos palmos

Em que folhas encontraremos
Nossas raízes desfalecidas?

Cocares, plumagens, botoques
Transformaram-se em material decorativo
Escambo revisitado?
Onde estão os rituais, totens e danças circulares?

19 de abril, Getúlio instituiu, foi decretado
Um dia especial, dedicado ao índio, iconizado
Não paga a dívida social que tenho, que temos
Com os reais donos da terra

200
Onde deitamos nossas famílias todas as noites
O reino que chamamos de lar
donde destronamos pela força dos brancos, insanos
“civilizando!?”
... “catequizando!?”
... ... “alfabetizando!?”
... ... ... “humanizando!?”
quem só queria, em paz, o curso da vida trilhar
dentro do senso que sempre soube ser liberdade
sem roupas, sem jóias
sem ouro, nem prata
apenas com corpo pintado
e enfeites de cocos e penas
sorrindo, sem título,
e ao mundo dizendo
sou filho do vento...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 28/05/2007
Código do texto: T504459
Soldadinho de Chumbo
Em teu tronco, fino olhar de intenso querer
Envolvo-me em laços,
Enredo-me em teias
Taciturnas veias pulsantes de volúpia
Quero beber-te
Gole a gole
Até a última gota da tua energia
Sinergia
Que une matéria e magia
Em perfeita coreografia de corpos pungentes
Não resta eco a nos separar
Não há sequer grão de areia entre nosso céu e nosso mar
Sou tua bailaria,
Soldadinho de chumbo!
E teus sonhos de dia e noite vou coreografar!
Em fantasias de serenatas felizes vou me embalar
E alar-me tal fada ou pequena princesa do mar
Volitar pelas estepes de guerra em tua procura
Siga o cheiro do jasmim ao vento
Busque pétalas no caminho ao passar
Deixarei meus sinais
Odores e flores para que me sigas onde fores
Para que possas me descobrir entre os sonhos de paz
E o amor encontrar
Nem o fogo do infeliz destino poderá com nosso amor acabar
Ele vai burilar nossos corpos
Derretendo chumbo e papel
E, perenes, nossas almas se amarão para sempre
Cada vez que a turmalina brilhar

201

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 28/05/2007
Código do texto: T504158
Triste pequenino
Por que choras, pequenino?
Vislumbro tamanha tristeza
Guardada no cerne do teu ser
A refletir-se na alma
Por gordas gotas de lágrimas
Que enchem os olhos teus
E, transbordando, rolam
Em tuas róseas bochechas
Que só carinhos e beijos
Deveriam o sabor conhecer

Criança
Tua face
Tem de ser retrato de candura
Espontaneidade pura
Fonte de sorriso
Em constante renascer

És pequena semente
Que lança no olhar
Flechas de esperança

Não chores, pequenino
Não permitas desalento fazer ninho
Em teu tenro coração

Enxugues em meu peito tua dor
Calado fica meu ser ao teu clamor
Que, mudo, mancha a memória
De tua meninice
Que deveria ser só de amor e faceirice

Inocência
Céu azul
Cantigas de roda
Lápis de cor

Que disritmia
Que olhos não vêem?
Que mãe não percebe
Coração tão repleto de dor?

Sonhei para ti e para tantos
Pequeninos do mundo
Futuro

202
De felicidade e amor

Quero ver-te sorrindo
Cantando, pulando
Tal qual pintainho
A brincar em seu ninho
Quero cantar-te canções!
Quero mostrar-te a força do abraço
O sorriso a fazer laço
Mistura de beijo sujo de bom-bom
Quero que tu, pequenino
Volites por sobre campos floridos
Visite comigo os amigos queridos
Conte-me estórias de bravura e pureza
Quero ver-te brincar de pés descalços
Fazendo castelos de areia
Plasmando inocência
E cheirando a perfume da natureza

Quero que voltes a saber ser
A inocente semente do alvorecer!
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 27/05/2007
Código do texto: T502714
Não consegui olhar para trás
consigo ouvir o som
do teu último sorriso

não consegui olhar para trás

mas o querer era intenso
como ondas revoltas do mar...
como suspiro
antes de fenecer ou exasperar

e morri, a cada passo certo
(mas, com certeza, incerto)
em direção oposta a ti

não consegui olhar para trás

olhos em cascata
buscavam o giro
mas a razão pedia
manter na mente
o odor do último beijo
derradeiro sorriso de afastamento
abraço em lampejo
grito mudo de dor!

203

não consegui olhar para trás!

admito a importância da derradeira visão
aquela que fica
pulsante na memória latente
mas o ocaso do nosso compasso
fez compadecer-me de mim
e a luta lacrimejante de um vira ou não
durou o passo entre nossa separação

não consegui olhar para trás

Até quando terei de viver pela metade?
Até onde irão meus caminhos desencontrar os teus?

Saiba que fica a semente na memória do último beijo de adeus...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 27/05/2007
Código do texto: T502672
Instigante sinergia
sentei-me
na pedra da vida
respirando
ar puro
de sonhos
nas entrelinhas
do percurso
de meus pés
tristonhos
abotoei
tão cansados
paradigmas
e alforriado
de sarcásticos sorrisos
levado de improviso
por tão secretas maravilhas
fui tomado
d‟uma lufada
de pulsante sinergia
que me instigou
a seguir tal melodia
e, a cantar
voei, qual borboleta
pelos ares em
renovada sinfonia.

Carol Schneider

204
Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2007
Código do texto: T502191
Ritual dA Marquesa
Venda-me os olhos
Para desvendar
Meus paraísos
Prazeres ocultos
Acobertados a sete véus
Do inculto
Loucura, inexatidão
Palavras não ditas
Malditas...
Sensações

Ata-me as mãos
Para suscitar
Desejos cálidos
Fulminantes anseios
De desamarrar-me
E sentir com o tato
O que sei saber com sabor
De desejosos lábios

Tapa-me a boca
Para abafar
Gemidos latentes
Ferventes
Arrepios gerados
Pela sinergia
de nossos corpos
ardentes

Incendeia-me
Inflama meu corpo
E minh‟alma
Com o fogo de nossa paixão

Sou tua
Nua marquesa
Vem rematar
Esta parte de mim
Que crua
.
.
.
te espera

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2007
Código do texto: T502022

205
Desilusão
Implícito suplício
Num perdido olhar
De máculas
Verde silogismo

Vislumbrava
O que teria sido
Não fosse a realidade
Verdadeiro silício!
Suplantar-lhe
Ilusões

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2007
Código do texto: T501982
Alegorias
assintonia
comiseração da alegria
vida de lágrima
na face de Pierrô
sou Colombina
descreio sempre
da esperança
desvalida
mito de riso
choro, dor
lágrimas
ao findo dia
cansei-me de viver
Alegorias
em cada carnaval
tu, Arlequim
traz-me destino
sonho de ópio
disritmia
tríade de desventuras
desta venturosa
vida?
o que é isto
que pulsa
no ritmo
do enredo
que um deus
carnavalesco
escreveu sob
sangrenta pena
em nossos corpos

206
pintados sob amanhecido
segredo
de‟uma quarta-feira
de cinzas?
Alegorias
frívolas, possíveis ruínas
trazidas pelo vendaval do tempo
réstias do sol
jazidas
sobre confete e serpentina

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/05/2007
Código do texto: T500312
Vestida de Negro
Vesti-me de negro
só para calar
um sono cinzento
Sonhos...
queria-os ter,
mas o véu
dos pesadelos cruentos
volveu ao meu ser
encaixotado de máculas
cores pastéis

Soletrei meu nome
Pra quem?
Não havia ninguém

Será para eu mesma
lembrar-me quem sou?
Ou para romper
soturno silêncio
da madrugada
não conseguido
nem pelo tique-taque
contínuo do despertador?
...

Àquela altura
Embrenhada na altivez
Da noite de mim
O sono abordou
Só minhas unhas carmim
Dissolviam a negritude do todo
E o brilho de uma estrela única
Que reluziu e piscou no entremeio da cortina
Chamou-me à realidade da esperança
Que inda existe na prata de'um fio

207

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 20/05/2007
Código do texto: T494050
Apanágio à solidão
estômago em oca vertigem
aspirei na janela
misto de tabaco de baunilha
e vento outonal
a buscar folhas
ferindo na garganta
ocultações viscerais

o céu da minha alma
repleto de folhas
no chão
retrato de outono
ocaso de fase
escuridão...

relembrei a cada trago
castelos derrubados
ao longo da vida
reconstruídos
junto a escombros
sentinela vívida
sucessivo renascer

odor de baunilha
cobiçando cadentes
flocos de algodão
vida em constante
apanágio à solidão

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 19/05/2007
Código do texto: T493389
Enteléquia da alma
Existe um fogo em mim
incendiando
pouco-a-pouco

E queima
Avassaladora
E febrilmente
Quando encontra

208
Meu eu desarmado

Traz vida,
Traz morte
Traz cinzas...
Vida e morte de sonhos...
entrelinhas

jogar no fogo a vida
é burilá-la

Constante brasa
jamais fenece
Assestando étimo
da criação

experimentar
o ardor desta morte
é enteléquia
depuração da vida...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 19/05/2007
Código do texto: T492939
Zoroastro
Zoroastro zoroestrelas
Zoroocéu
Zorooteulema

Não há contradição no teu teorema
São três verdades
Tríade posta, incontroversa
Pensamentos, palavras e ações
Se bons o são
Assim também será
Humanidade inteira!

Zoroastro zoroestrelas
Zoroocéu
Zoroomeulema

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 12/05/2007
Código do texto: T484431
Espírito da noite

209
Da monarquia
Remonto o pecado
Fujo de ti,
Em versos alforriados

Minha cruz
Já sinto em meus braços
Tenho na pele
Estigma de ventos passados

Algo no sussurro da brisa
Reprisa absoluta verdade
A mesma espada que te ajuda
É aquela que te traz nocividade

Em lascivos ciclos solares
vou-te a mostrar o domo
minha realeza é meu
maior tesouro

Sou espírito da noite
Ponho em riste tuas fases
Só para ver-te minguar
À sombra de um riso escarlate!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/05/2007
Código do texto: T482387
Sonho de Sereia
Sou S.e.r.e.i.a
transformo a energia vital
em malícia total
fecundidade hominal
em sensual vai-e-vem
de pernas, mãos, braços, sensações

quero que me acordes aos beijos
para descobrir-me realidade, eu vejo
P.a.r.a.í.s.o.s
em teus olhos mares
flutuantes sombras de inquietude flamejante

sou feita de matéria feminina
cheia de vida, nasci para amar
navego canções a N.e.t.u.n.o
que sabe, meu trono, é teu
Deixe-me S.o.n.h.a.r...
que a realidade de ver-te, ao acordar-me em manhã
torna-me plena
e renasço M.u.l.h.e.r...

210

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 08/05/2007
Código do texto: T479203
Passarinho sem asas
Na estrada, no caminho
sou pa
ssa
ri
nho
sem asas
(...)
anseio estar pronto pra voejar
sou despojado de tempero alado
da anarquia, do fado
do desterro atrelado
liberto-me em meu instante pensar
volito em sinfonia de cantos
em odes ao vôo infinito
(quisera ser destemido)
e num salto, faísca de momento
apanhar borla em pé de vento
- nem que fosse derradeiro intento!
esvoaçar entre nuvens em adejo solto
degustando
o sabor do vento e
o arroubo
da tão almejada
LiBeRdAdE

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 04/05/2007
Código do texto: T474967
Dédalo
natureza
cala ventos sussurrantes
tua poesia é como floresta fechada
que me põe a imaginar
não sei se devo
rir ou chorar
saio a correr
por entre teus desconexos versos
como crivos
escuto o sussurro ameno do vento
sento no meio da mata escura da tua poesia
calo-me em transe

211
distante de teu triste olhar
sinto-me um dédalo
despetalada
não sei dizer se choro ou se rio
confesso
não suporto a dor
de teus labirintos versos

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 22/04/2007
Código do texto: T460018
Rosa-dos-ventos
soturna
morri mais de uma vez
entre os lábios
escarnecidos de sangue
colmatada por corvos em revoada
deixei-me levar
por entre serpentes e lírios do caminho

tua mão, era meu único leme
e teu odor, o porto onde sempre saberia regressar

dardejantes raios luminosos
resplandeciam do teu olhar
qualquer morte minha seria capaz de me cegar
mas tua contemplação ressuscitou-me do insano
profano delírio de altivez
salvaste-me outra vez

teu amor, a rosa-dos-ventos
nossas vidas, o mapa central
eu só sobrevivo por possuir uma bússola mágica
que busca em ti o norte, sempre que me vejo perdida
entre as serpentes e os lírios do caminho

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 22/04/2007
Código do texto: T459360
Sensações da Arte
segredos calam
não os quero ouvir!
batidas fortes
tão negro sentir
intensos cabos que gemem
em ofuscadas sensações

212
no corpo-semente
de gélida estátua marmórea
construída por frio escultor
que cava seu vento interior
em cada detalhe da peça
marcas do tempo
fincadas por solstícios ciclos
rebatem forças dos vendavais da vida
não importa quantas estações se passem
gravadas na face
do imóvel busto
remanescem intransfiguráveis
sensações da arte
traduzidas, combalidas
do negro véu interno
das mãos do artista!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/04/2007
Código do texto: T458233
Recado a um rei sem poder
pior que ser ditador
do não e do sim
é a tristeza e a angústia
do talvez
sequer ressente a ferida aberta
de um quem-sabe tresloucado
um quase-sim ancorado
entre os dentes de um rei sem trono ou poder

podes pensar que o dinheiro
traz-te lauréis
mas labutas todos os dias
por nada, pra nada, por desdém
por quimeras que roubas enquanto dormitas
ladrão és, de tuas próprias fortunas!
Pois teu legado é de detritos!

sou rês desgarrada
ando a esmo nas calçadas
das ruas imundas de tua podridão
enquanto finges em meio a teus castelos
(que o vento irá deitar ao chão)

pendurados no tempo
seguem teus cavalos de altivez
permeando a tez e teus alvos cabelos
que o tempo tratou de escolher
mas nada, nenhum refúgio

213
há no infinito
que o faça abarcar
a plenitude de sentir-se amar!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/04/2007
Código do texto: T458214
Inacabada
eu poderia ser
triste sombra comparada
à intangível sinfonia
porém, inacabada
abortada por insensata compositora
descomposta de sentimentos de mãe
baterias de sentidos da carne que jazia
já em putrefação
cada nota fazia-se uma cinza a ser jogada ao mar
ainda falta-me completar...
por isso sou ave sem asas
estrela sem brilho
rosa sem espinhos
sou canção muda, sem notas musicais!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/04/2007
Código do texto: T457935
Miséria
Ai, Miséria
Em chão repleto de espinhos
Em noite sem teto, no caminho

Por que maltratas
Os filhos da vida?

Migalhas de pão
Restos de lixo
Seres abjetos
Renegados a viver
No limbo

“Dignidade e Cidadania”
Pra quem foi feita esta Constituição!?
Caminho de paz só se faz
com direitos iguais
Em que mundo vivem
Estes seres exclusos de nossa eugenia?

214

Buscando sobreviver
Em meio a putrefatos
Excrementos de alheia vida
Mesmo sangue corre em suas veias
Mesmo sopro há na alma que os habita

Igual matéria, Igual valor
Filhos esquecidos pra dor
São transparentes, sem voz
O mundo passa, nem os nota e ao seu algoz

Quisera nunca encarar a agrura
De ver tal figura
Real, tão crua, repugnante
Um sonho de gente
Plantada em semente
Despojada de seiva para germinar
Com tão fracas raízes
Fadados estão seus galhos a secar

Oh, Miséria! (absorta em sua própria miséria)
Por que maltratas
Os filhos da vida?

ESTA POESIA FOI INSPIRADA EM UMA IMAGEM, MUITO FORTE E TOCANTE...
A POESIA-IMAGEM PODERÁ SER VISUALIZADA ACESSANDO -SE O LINK:
http://bp1.blogger.com/_erBnGkMTVWE/RiJOhf_wPgI/AAAAAAAAAAs/bGpkh9BYEg
Y/s1600-h/miséria.jpg

***
"Extremamente forte. Infelizmente, extremamente real.
Tocante, belo e direto... ainda que ofensivo aos olhos e à alma.
Demonstrou (mais uma vez) uma das "obrigações" da arte!!!!"
André Oliveira - Escritor (http://recantodasletras.uol.com.br/autor_textos.php?id=5306)
***
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 15/04/2007
Código do texto: T450440
Soberana Rainha
Sou tua branca lua
Que em noite sem estrelas
Ilumina os parcos trajetos da vida
Sou nuvem
Final de arco-íris
Sou vento, sou chuva
Sou fuligem

Sou arrepio ardente
De quatro mãos

215
Enlace de pernas
Cegando vãos

Sou volitiva onde de calor
Acometendo plexo, estômago
e torpor
Ao ver brilhar os olhos
Estrela e constelação
Quero ter-te tanto quanto
respirar o ar
Quero voar em teu corpo
exasperar
Quero ser rainha do meu trono
Tomando o domo
Que com pressa almejo dominar

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 11/04/2007
Código do texto: T446256
Vida Cigana
Esta vida é cigana
Idas e vindas
Até mesmo em um só dia
Cigana a vida
Parto de mim
Em porto distante
Espero por ti
Em cada pedaço de momento
Olho o tempo
O impossível
Imprevisível
Vivo a ilusão
Do teu aconchego
E esta parte de mim separada
Por quanto tempo?
Vou até o mar
Volto dos teus olhos
Que abrigaram
Meus mergulhos
Meus rodeios
Anseios
Esta vida
Andarilha
Pegou-me de surpresa
E esta trilha há de levar-me
À súbita cura da minha tristeza

Carol Schneider

216
Publicado no Recanto das Letras em 11/04/2007
Código do texto: T446197
Encontrei o amor
Encontrei o amor
Sentimento verdadeiro
Daquele que se sabe pelo olhar
Nos olhos cor-de-mar
Vi-me refletida, poetisa derretida
Afrodite embevecida
Por sorriso quase secular
Num instante, pensei que fosse desmaiar
Para noutro, deixar a outra metade de mim reacoplar
E no instante, em que escrevo estas bem traçadas linhas
Não sou mais aquela
Sou limpa
Porque hoje sou rainha
Sei conjugar o verbo amar

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 08/04/2007
Código do texto: T442287
Maria, mãe da vida
Maria
Mãe da vida
Em teu olhar perene
Volitam anjos candos de ternura

Oh, mulher, símbolo da seiva
Gana e garra que não me deixam esmorecer
Quando vejo quão acanhados
Os pequenos dilemas do meu ser

Perdestes teu filho para uma cruz de espinhos
sorristes pra Deus
mesmo aflita entre escarninhos

Maria
Mãe de mim
Pra quem um dia roguei
Não deixes partir
O meu ser bipartido
Que tão pequena nascera
Tão frágil, tão bela
Pequena quimera
que sonhei para mim

E tu, mãe das mães

217
Mesmo tendo perdido teu filho
Em nome dos filhos perdidos
Não me negou concessão

Hoje sou mãe
E sei, e sinto
A dor que sentistes
Ao ver teu filho, tão lindo...
Tão forte, tão cheio de vida
Cegado de luz

Maria
Seque teu pranto em meus ombros
Que te darei parte do meu coração...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 08/04/2007
Código do texto: T442058
Uma nova mulher
Mares revoltos
Busquem-me
E me levem pra ti
Em meu barco de papel
Vestida de branco
Sou noiva renascida
Renovada para nova vida
Que eu mesma gestei
Sou mãe de mim
E tu, mestre do amor
Ensinastes o beabá
Da paixão e do prazer
Ao coração que um dia
Quebra-cabeças de cinco mil peças
Formei
Em cada uma delas
Teu nome gravei
Para nunca esquecer
O dilema de ser
Uma nova mulher

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 07/04/2007
Código do texto: T440455

Conspiração ao gozo

218
Junção de anjo e demônio
A conspirar o gozo

Branco novel dos meandros da carne
Enlaçado entre pernas clamando devoção
Observado por seios pungentes de pecado
Manifesta-se o arrepio da ardente chama
Que abrasa teu corpo viril
Fazendo-te único ser

Como saber teu sabor
Sem conhecer
As linhas de tuas mãos?
Como experimentar o cheiro
Do suor de tuas entranhas
Sem contemplar
A textura de tua tênue tez?

Apeteça-me, anjo-demônio
Que conspira o gozo
Sem ao menos perceber
Pois em teus olhos
Brilham as faíscas
Que só quem for tua
Poderá compreender

Derradeiro êxtase
Jaz
Uma morta-viva me contrafez
Junção de anjo e demônio
A conspirar o gozo...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 07/04/2007
Código do texto: T440431
Faróis vermelhos
Luzes vermelhas
Lançam aos olhos
Parcos cabrestos
Qual lanças energéticas
Parada súbita

E as horas passam...

Vias da urbanidade
Faço da poesia
Verdadeira fagocitose
E o mundo continua
A me guiar

219
E as horas, passam....

Células de enzimas paralíticas
Paradoxos verdes amarelos vermelhos
Matizes a guiar vidas
Vidas a guiar autos
As cores ficam, e assim como as horas...
A vida passa.
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 07/04/2007
Código do texto: T440415
Vida em eclipse
Minhas mãos não são mais as mesmas

Desvendei o escuro
De um eclipse solar
De repente, a luz fez-se trevas
E no abismo de mim mesma
Vi ressurgir a seiva da verdade

Obscurecer é renascer

Qual curso de um rio
As linhas das mãos
Alteraram o rumo
Restou só a digital, irretocável
A sugerir a antiga identidade

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 06/04/2007
Código do texto: T440373

Segredos da Monarquia
Escondo-me sob o manto de rainha
Mas quero o súdito mais rude da corte
A penetrar meu ventre ordinário de mulher
Quero gritos de plebéias
Transpiração de rameiras
Gemidos de cortesãs
Que façam ecoar em meu ser as trombetas dos cavaleiros
A guerrear nas savanas do meu reino
Quero ser devorada como faisões de banquetes reais
Sobre colchões de feno
Nos currais

Dou meu cetro de poder
A quem, mesmo de soslaio possa

220
Retirar-me do mediterrâneo inferno
Que é viver
Sem uma centelha de prazer...

Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 04/04/2007
Código do texto: T436934
Lamento da musa triste
Sou tua fada nua
Oh! Poeta dos vendavais!
Uma musa triste
Deveras cansada de esperar
Por seu poeta ausente...
Que em riste finge
Sem queixas ou pranto no olhar
Sorriso de musa que se sabe amar...
Ponho-me a buscar
O fio do rio que leva ao mar
E o vento bate em meus labaredos cabelos
Que, quais asas, aspiram em tua procura voar
Perfeita teia vermelha fervilha em meu corpo
Delineado por teu negro olhar
Olhos que em busca de inspiração
Já me fizeram tua
Tantas vezes, tua

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 03/04/2007
Código do texto: T436735
Sobre Fadas e Poetas
Quando pequena, sonhava ser fada,
Que desnudava o mundo concedendo desejos
Com sua varinha de condão

Hoje, sou poeta
Meu condão é minha pena
Que pelas linhas fabrica
Mundo de utopia e aspiração
Ou apenas traduz minh‟alma
Translúcida e peneirada
Pela latitude zero
Entre a ponta da esfera
E a celulose e o jargão

Para muitos, enigmático e inexplicável
Este viver bifurcado entre
As leis e os versos

221
A razão e a emoção
A necessidade e a distração

No entanto,
Eu só sobrevivo
Porque faço do meu poetar
Verdadeiro ofício
A poesia do meu ser
É o que me faz, dia após dia
Renascer

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 01/04/2007
Código do texto: T433921
Assumi minha saudade
Assumi minha saudade
Sou pássaro de papada amarela e crista eriçada
Que com canto lamurioso, ao mesmo tempo que canta
Cerra os olhos, na tentativa de apagar do esquadro da visão,
Teu mágico semblante
Abre firme as asas e voa
Tentando esquecer teu toque

Assumo minha saudade
Quero chuva que carregue
Pelas ladeiras das vias imundas do meu irrequieto ser
A lembrança do teu sorriso
Que torne espaço em branco o tempo gasto
no ninho aconchegante de teus braços
Quero tempestade tão forte
Que meus ouvidos não escutem mais o eco
Da batida do teu coração
Registrada no túnel invisível que compus
Ao deitar minha cabeça no teu peito nu

Mas tudo isso é em vão
meu amor é tão forte, tão pedra, tão aço
E a saudade me tomou de tal jeito
E você é tão parte de mim
Que já não sei que parte sou eu e que parte é você
Só o que sei é que conheço
Cada cor, cada cheiro, cada pedaço de aconchego

E fria é a estrada em que hoje perambulo
Pois não tenho teu calor pra me aquecer
E na escuridão em que me encontro,
só a luz do teu olhar faz encontrar meu caminho
Você pode ter partido pra longe do meu corpo
Mas não pra longe do meu coração
Que, ao invés de encolher, cresce ainda mais

222
Descobri onde esta estrada vai dar
Pra você vai me levar
O amor não partirá

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 31/03/2007
Código do texto: T432835
Libertação
Pedi um par de asas
E num dia lilás me foram concedidas

(não cheguei a tocá-las)

Negro véu me foi cedido
Para velar minha quimera rasgada em semente
Arrancada em botão

Cinzas ao vento
Sujaram as roupas do varal
O que importam os motivos?
Se os ignora... (Ditador de luz!)

Alforriei-me de teu subjugo
Enquanto sujas tuas mãos
Cavando buracos na terra
Em busca de tesouros e riquezas
Enquanto transpiras em tua face
Correndo atrás das borboletas
E me negas as asas
(Abortador de sonhos),

Não te esqueças que sou feliz,
e não preciso mais de ti
Pois livre sou
E com minha liberdade
Posso agora plasmar minhas próprias asas
E colorir minha própria paisagem

Não careço ouro jóias pedras preciosas ou diamantes
tampouco buscar em lepidópteros minha alegria
porque em mim habita tudo que preciso
eu, metamorfoseada,
transformei-me
de repugnante e asquerosa
larva escrava
em uma linda e colorida
borboleta

por isso...
fique com tuas asas

223
elas pra nada te servem
de que adianta um par de asas
para quem nem em devaneios sabe voar?...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 29/03/2007
Código do texto: T429831
Triste sina
Uma briga entre cães e gatos
Interrompe a silenciosa madrugada
Sinto-me invadida
Dilacerada
Meu corpo nu
Desfalece
É como se as unhas
Daqueles felinos
Arrancassem a alva textura da cútis
que jaz inerte sob seus olhos

Caio em silêncio
E o silêncio da noite não é menor que o meu

Em fetal posição
Uma linda, enluarada poça de vida
Derramada sobre o mundo
Escorre
E teus olhos apenas observam passivamente o esvaziar de minhas energias

Minha luz vai-se apagando aos poucos
Para trazer trevas a meu decadente ser
Só um feixe de lua me ilumina

Transpiro
Inspiro renascer

Mas, pobre de mim...
Abraças o gato da briga antecessora ao caos da madrugada
Não mereço o aconchego e abrigo de teus braços?
Estás longe...
E longe de ti termino
Sem sangue...
Sem vida...
Sem cerne de luz e de cor

Sem alegria
Minhas unhas viram pedra
Minhas veias viram lixa
Meus cabelos, fios inertes
Pobre de mim...

224
Que teria sido,
Não fosse a lua
Ceder lugar ao sol
E este encher a terra, ao leste
de calor e vida?

Fostes embora, dando costas ao destino
Acaso fui eu ou foste tu
Feitor ou escravo do abandono?

A triste sina da solidão só se completa pelo total e irrestrito abandono,
mas eu tive a companhia das estrelas...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/03/2007
Código do texto: T426001
Transcendente forma
Pensas que tudo sabes
Mas teu mundo é triste, vazio
Sem mim
Tua existência, sombria
Se meu sorriso
Não pertence a ti
Tu não existes
Sem meu perfume
A te seguir
Não penses tu
Que vais sobreviver
Sem mim
Mais dia, menos dia
Vais cair em si

Que não adianta comer
Se teu alimento precioso
Só o meu corpo pode ofertar
Se o néctar da minha alma
Só pode ser o meu versejar
Se por mais que não me leias
Não me recites
A mim necessitas
E só por intermédio de mim
É que respiras

E se acordares, um belo dia, sem ar
Não te preocupes
É que eu estou
Sem te esperar
Já estou em outro jardim
A enfeitar outras paisagens
E talvez tu seques

225
Como bosque sem raízes
Como seca, com infindável estiagem
E só assim, conhecerás teu fim...

Sem chuva, rio, lago
Ou tempestade
Pois eu
Que sou vento
Suor lágrimas risos e orvalho
Não estarei mais a temperar tua estação

Serei apenas nuvem que passou
Mas, dissipada
Se entregou
E, como chuva,
Escorreu
Tornando-se outra e nova
Poesia

Virei pedra
Virei ouro
Virei sorriso
Virei cachorro
Uma criança
Transformou-me
Com imaginação
Adulterou-me

Hoje sou
Transcendente forma
Sou qual semente
Que um dia brota!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 26/03/2007
Código do texto: T425996
Beija-flor
Sou flor
Tu, beija-flor
Pra longe partistes
Levando contigo
Uma parte de mim...
Não sei decifrar
Qual delas que foi
Se néctar
Se espectro de vida
Se plasma de prazer...
Só o que sei
É que sinto falta
Desta outra parte minha

226
Que só vive
Quando está junto de ti
Preciso estar completa...
Por isso, te peço
Voa...
Voa, beija-flor
E vem acariciar tua flor
Que te espera no jardim só teu
De flor única
Despetalada
Que implora por sua outra parte
Que tu levaste
Vem
Vem trazer de volta
Vem completar-me

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 18/03/2007
Código do texto: T416690
Silêncio da madrugada
no silêncio da madrugada
observo a chama queimar
inquieta
dialogo com as estrelas
o céu está tão quase inquieto
quanto minha quase incompreensível
chuva de pensamentos

temporal se forma em minha mente
grita meu pulsar no imóvel tempo
que circunda a nuvem sobre meu café
os carros, impiedosos, passam
a irromper o silêncio, sem respeitar os sinais

ao longe, ouço o rufar do vento
na copa de um adulterado ipê
que desconhece a dor
do desprezo de você

qualquer dia eu te conto
como nascem as manhãs
qualquer hora eu me encolho
e só você vai escutar
como cantam os pintainhos
que a manhã faz acordar...

aquela nuvem já se dissipou
mas ainda escuto aquele trovejar
apesar do silêncio que insiste em negar
e recusa os versos que emergem neste escuro

227
que só o céu e o meu azul sabem existir

tu fazes sol, mas os ninhos ainda dormem...
e só renascem com teu brilho em manhã
e quando tua luz chega, vou cantar com eles
e as estrelas de mim se despedem, com pesar...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 18/03/2007
Código do texto: T416682
Sou filha das notas musicais
Para Ana Paula Brunkow

Sou filha das notas musicais
que em ballet de tonalidades e magia
em meio a sustenidos e bemóis
Adentram o cerne da alma
Sou mãe. Sou diva.
E mais que tudo, sou mulher.
Guerreira a forjar a ária que com sutileza
acaba por tornar-se poesia

Canto
A opus mágica da minha vida
Quando encanto
E traduzo
com a minha voz
a beleza do prazer
a felicidade de viver
a essência do meu próprio ser...



*Poesia comemorativa dos 10 anos de carreira da cantora lírica Ana Paula Brunkow.

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/03/2007
Código do texto: T412589
Vida Nova
Recomeçar
Eterno ciclo
Como o sol a renascer
Todos os dias
Energia transmutada
E canalizada à inovação
Regeneração da vida

228
Adquirindo oportuna reconstrução

Assim como a lua
Que majestosa, ora cheia de luz está
Precisando minguar, para retomar sua força e crescer
Como a larva, ser abjeto, que inesperada e inexplicavelmente
Recolhe-se em seu casulo
por uma estação de sonhos de liberdade
para, então, ressurgir
para o azul celeste
e embelezar sua própria existência
ganha asas
recompensas adquiridas
e descobre que pode voar
e em seu vôo desvenda o mundo...

Nova vida...
É renascimento
É força readquirida
Apaixonante sopro onde renasce um novo ser, com bagagem adquirida...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 12/03/2007
Código do texto: T409819
Quem ontem não consegui tornar-me
Nova lua
Misto de sombra e luz, nasce
E se extingue no oeste
Deixando espaço ao brilho do sol
Cujo espetáculo avermelhado
Um novo dia ao leste traz
Repleto de energia e cor
Preenche a vida
E hoje, peço a benção de ser
Quem ontem não consegui
Tornar-me

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/02/2007
Código do texto: T382996
Quando descobri a vida...
Quando eu mais precisei de amor, foi quando eu menos merecia
Quando eu mais precisei de perdão, foi quando eu não podia me perdoar, por não ter
coragem de encarar meus próprios erros
Quando eu mais precisei de incentivo, foi quando não conseguia sair da cama, por não mais
acreditar em mim

229
Quando mais precisei de elogio, foi quando estava no pior dos meus dias... achando-me um
lixo de mulher...
Quando mais precisei de uma escada, foi quando estive no fundo do poço
sem luz... para poder encontrá-la...
Quando mais precisei de um amigo, foi quando descobri os meus!
E foi então, que descobri o real sentido da palavra AMIZADE!
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 14/02/2007
Código do texto: T380702
Nas nuvens do pensamento
redescobri o céu
e ele me disse algo...
inconstante sabor de poema com presságio
não soube nem de longe definir
se branco azul negro ou colorido meu futuro
ou apenas aquele suave sabor de novidade na ponta da língua
que antecede a surpresa em descobrir o tom de um novo sentimento
quanto mais eu perscrutava o índigo telhado
mais perguntas assaltavam meu curioso e detalhista olhar
alma dilacerava coração acinzentava...
as formas agitavam-se em delicado balé de nuvens...
será que foi apenas impressão?!
que nuvens, que nada...
eram meus olhos? estariam ali expostos sob o céu dos pensamentos, meus mais belos e
infinitos momentos, de paz e arrependimento?...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/02/2007
Código do texto: T376079
Linha da vida
Meus olhos vislumbram
A poesia do ser
A linha da vida
Evaporou da minha mão
Transmutou-se
em inspiração

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/02/2007
Código do texto: T376015
De pés dados
Já está tudo no chão
E a vida a pedir passagem

230
Lugar sempre limpo, organizado
Demonstra não morar gente
Gente quer livros espalhados
Estante cheia e meias guardadas...
Pés descalços sob os lençóis
A enroscar-se a pedir carinho...
É como andar de mãos dadas
Deixando livres as mãos,
para tocar as estrelas...
Entre um sonho e outro
Vou organizando as paisagens
Ó vida! Que sorte eu tenho
De ter quatro pés em minha cama!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/01/2007
Código do texto: T358815

Da razão e da loucura
Emoções que ecoavam
Em risos desenfreados
Libido e entusiasmo pragmáticos
Num despudor de mulher...

Havia um espaço
Sem razão
Sem sentidos
Havia algo de tão agradável...
Até mesmo as emoções tinham eco!
Eco sem cuidado, sem contorno, sem cores, sem piedade!

Qual será a tênue linha entre a razão e a loucura?
Entre a liberdade e a opressão?
Entre o controle e a omissão?

Você me resgatou do devaneio,
Deu-me a mão
Será que estará sempre pronto a me ajudar?

Meus heróis tinham coragem para soltar suas vidas sobre um abismo.
E tudo o que me lembro é ficar pensando “quero ser como eles!...”
Desde pequena isso parecia divertido...
E, não por coincidência, acabei sendo!
E posso morrer quando estiver pronta!

Talvez eu seja louca.
Talvez você seja louco.
Talvez sejamos loucos...

Quem poderá servir de paradigma?!

231
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 18/01/2007
Código do texto: T350750
Presente de amigo
Amigo é assim...
um dia lhe dá a mão
e te ajuda a desenhar a vida
outro, lhe dá um abraço
e ameniza teu sofrimento
ou apenas lhe dá um beijo
e afaga tua face triste
mas o melhor, é que sempre tem um presente
pra te dar
o melhor e maior presente que se pode ter na vida:
A PRESENÇA, DOCE E COMPANHEIRA DESSES SERES TÃO ESPECIAIS:
AMIGOS!!!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/12/2006
Código do texto: T326230
Infância II
Ágeis dedinhos a explorar a vida
Pensamentos em formação
desencadeando vida
tirando conclusões
Felizes sorrisos
transparentes
sem mácula
sem preocupações
Infância desmedida
que enche um lar de alegria
risos que enchem a alma...
beijos que enchem o coração...

(Mais um dedicado à minha amada filhinha Isabella)
Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 11/12/2006
Código do texto: T315143

Linda menina
Linda menina
que num balanço

232
sobe, desce
aquece meu coração!
torna os dias
mais barulhentos
mais coloridos
mais intensos...
ilumina a vida
trazendo em sua chama
a única real e eterna
luz
que nunca irá fenecer
e pra sempre fará parte
do meu eterno renascer!
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 30/11/2006
Código do texto: T305331

Sensualidade
Sensualidade
É Magia
É ter sensibilidade na pele
Aflorando à simples mensão
e saber sentir o real toque
Aquele que vem do interior
É apreciar o desejo
Que será sempre compartilhado
É viajar no pensamento e no prazer
Daquele ao lago está preparado

Sensualidade faz bem pra alma
Um Alimento Sublime
Um olhar, um toque, um sorriso maroto
Gracejo, um beijo, umafago.

Sensualidade é ser feliz...
Com quem a tenha de sobra
E se amar, antes de tudo!!!
E na cumplicidade se compreender
Estar e ser. -
Carol Schneider

233

Publicado no Recanto das Letras em 28/11/2006
Código do texto: T303471
Homens da minha vida
Encantam
as paisagens do viver

Motivam
um eterno renascer

Testemunham
o desabrochar da sensualidade pura
da mulher
da menina
do eterno prazer meu...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 19/09/2006
Código do texto: T244120
Infância
Ter um sonho
Ser livre
Voar pela imaginação
Viver intensamente
Não ter vergonha de sorrir
Aprender... sempre!!!
Infância...
é assim que deveríamos viver sempre!!!
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 03/09/2006
Código do texto: T231955
poemas nas nuvens
deixo poemas nas nuvens
e como chuva molham as ladeiras
e escorrem pelos bueiros as letras menos compromissadas
com sorte, seguem ao mar
onde bailam com as ondas
e tornam-se livres...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 02/09/2006
Código do texto: T230949

234
Menino triste
Menino triste
Vá ao encontro das nuvens errantes...
Nelas, encontrarás os sorrisos guardados,
os olhares furtados e amores abortados.
Deixe, menino, que de ti se aproximem todos que te amam
E assim, no fundo d'alma, todo teu ser se iluminará
e sentirás o torpor do mais sublime sentimento...
E mutado a sorriso será teu triste semblante!


Esse poema foi inspirado na poesia de Hay, um amigo muito querido:
http://www.passanuvempassaestrela.blogspot.com

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 20/08/2006
Código do texto: T221302
Pai
Transformou a menina
Semente de gente
Em planta com longas raízes
Fincada no tempo
Fez-me forte
Independente

Mostrou-me a solicitude do tempo
A impertinência humana

Ensinou-me que a vida
Mais que imagens coloridas
É luta, fel, dissabor...
Mas essencial ensinamento
Foi que vale ser vivida
Com coragem, alegria e amor...



PS: Este poema estava pronto para ser publicado no dia dos pais, mas infelizmente estive
com problemas no computador, por isso faço hoje, mas com a mesma alegria, pois esses
seres abençoados, os pais, devem ser celebrados sempre!!!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/08/2006
Código do texto: T218012

Cabelos brancos

235
cabelos brancos
anárquicos
eriçados
com vontade própria
triste sina advinda
com anos de emoções
contidas e
incontidas

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 10/08/2006
Código do texto: T213301
Dicotomia do ser
Dicotomia do ser
Corpo, alma e o que mais?
Laços de afetividade e amor
Transformam-no insubstituível
Incongruência de idéias
Desta dita bela vida
Destino
Quimera do amanhecer
Sonho
Utopia em renascer
Ser que se enche de um monte de coisas
E continua vazio.
Viver tudo...
Isso é essencial!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 09/08/2006
Código do texto: T212478
Quero plantar a flor da paz
Quero plantar a flor da paz
E ser adulto no modo de agir
Mas sempre criança na maneira de ser
Porque quero ser feliz
Quero todo o amor que quiserem me ofertar
Quero todas as aves do céu
E a brisa fresca do mar
Quero todas as estrelas
Quero o eterno luar
Para quando morrer
Pra sempre
meus amigos iluminar!

Carol Schneider

236

Publicado no Recanto das Letras em 08/08/2006
Código do texto: T211790
Sou feliz porque sou
Sou feliz porque sou
Não necessito razões
Mas, se quiseres realmente saber...
Sou feliz porque tenho amigos
Sou feliz porque tenho uma família
Sou feliz porque sou mãe
Sou feliz porque todos os dias acordo com vontade de ser
Sou feliz porque o sol me aquece
Sou feliz porque os pássaros cantam
Sou feliz porque tenho saúde
Sou feliz porque não passo fome
Sou feliz porque tenho trabalho
Sou feliz porque adoro a vida
Sou feliz porque chove e faz frio e tenho uma casa e um cobertor
Sou feliz porque sempre posso aprender
Sou feliz porque Deus me deu a dádiva de amar
E ser amada
Sou feliz...
porque sou!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 07/08/2006
Código do texto: T210981
Súplica à felicidade
Por que foges de mim, felicidade?
Por que andas por caminhos
Longe aos meus?
Não seria mais fácil,
Pra nós duas
Trilharmos juntas
Os passos meus?
Não fujas de mim, felicidade...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 25/07/2006
Código do texto: T201505
Eterna
Sou estrela no céu
Tão próxima

237
Que posso ser tocada com as mãos
Tão longe
Inatingível
Que só posso ser abraçada pelo sonho

Tu és sol,
Astro-rei
Que me ofusca com tua luz
Quero a lua,
Seminua
Pra mostrar que posso ser

Eterna
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 21/06/2006
Código do texto: T179673
Por que chorar?
Por que chorar?
a vida possui seu ciclo
se um dia é ruim e devastador
dias melhores há no porvir

A lua, o sol, as estrelas
a natureza inteira
são exemplos deste ciclo

Somos a essência
nosso perfume
é nosso eu
exalado por atos
e por palavras
aspirado por sorrisos
e pensamentos

A vida
deve ser enfrentada com amor,
não com desespero
deve ser aceita como degrau
e não como algo definitivo

Então...
Por que chorar?

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 09/06/2006
Código do texto: T172309
Ser mãe

238
Ser mãe
É ser contagiada pela paz
É ser acometida de amor intenso
É ter todas as células cantando em uníssono
É ter lágrimas expressando o inexplicável
É ter sorrisos calando as surpreendentes descobertas
É ter todo o dia a certeza de que
Plantando a árvore
Ou escrevendo o livro...
Nada no mundo poderá chegar perto
Da alegria e insuperável emoção
De ser o ser da criação
Traduzida na palavra
Mãe

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/05/2006
Código do texto: T156239
Estrelas
Estrelas
Que encantam minha alma
Deixem-me tocá-las
Apenas por um instante

Deixem-me sentir
O poder da vossa luz
A imensidão do vosso encanto
A dualidade de vosso ser

Luz refletida nas copas
Destas mudas testemunhas
Transmutadas de sementes
Regadas pelo orvalho
das cadentes
Estrelas...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/05/2006
Código do texto: T156227
Aniversariar
aniversariar
mais que comemoração
é ato reflexivo
onde se calcula, não a idade
mas as vitórias,
as alegrias,

239
as emoções,
os sentimentos...
hoje, no meu aniversário
penso em quão abençoada sou
por ter uma família maravilhosa
e amigos que encantam a minha existência...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 30/04/2006
Código do texto: T147802
Aniversariar
aniversariar
mais que comemoração
é ato reflexivo
onde se calcula, não a idade
mas as vitórias,
as alegrias,
as emoções,
os sentimentos...
hoje, no meu aniversário
penso em quão abençoada sou
por ter uma família maravilhosa
e amigos que encantam a minha existência...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 30/04/2006
Código do texto: T147802
Menina dos sonhos
menina dos sonhos
que acalento em meus braços
sugaste em meus seios
a seiva da vitalidade
de meu coração emana
incondicional amor
meus olhos brilham
com tuas descobertas
as fibras do meu ser cantam
ao encanto de tuas risadas
meu céu se ilumina de estrelas
com o estalo do teu beijo
e um arrepio corre o corpo
ao ouvir chamar-me
MAMÃE!
Carol Schneider
Publicado no Recanto das Letras em 23/04/2006
Código do texto: T143988

240
Eu e os anjos...
cada pedaço de mim
fortalece o meu ser
cada traço, cada ponto,
cada pinta, cada ruga...

sou desenhado dia a dia
pela própria vida minha
sou pintado com as cores
que eu mesmo plasmo
na aquarela dos sonhos...

a luz que as destaca
é própria dos anjos
que, ao passarem, convido
perto de mim ficarem

e estes, ficam tempo
necessário a me ensinar
que a luz que deles emana
meu ser também pode emanar
pois luz é amor desejado
é abraço ofertado
é palavra em flor!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/04/2006
Código do texto: T143949

Sofrimento
Sofrimento
combustível para o burilamento
pedra mestra das reviravoltas da vida.

Dor
Que toca os corações,
molda o caráter,
afina as cordas do espírito.

Através da dor,
muitos se unem,
muitos se perdoam,
muitos se reencontram.

Quem já sofreu,
Passa a valorizar
o amor, a união e o equilíbrio.
A dor faz crescer, amadurecer.

241
A dor faz o amor se fortalecer.
A paz aflorar no mundo e dentro de cada ser.

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 20/04/2006
Código do texto: T142220
Os chinelos
Esses chinelos ao pé da porta
Lembram-me
Das longas andanças
E descaminhos
Ora sozinho
Ora, acompanhado de estrelas...

O pó da estrada
Entranhado ficou
Lembrança avermelhada
Com sabor de solidão

Comigo, só a consciência
Esta, tão livre quanto as cordas
Da minha viola
cuja sinfonia
Apreciada pela platéia
de árvores
e andorinhas
Refaz o roteiro
Dos meus chinelos...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 19/04/2006
Código do texto: T141653
Lua
Lua
Inspirada em ti
Subo ao céu
E vejo
Quantas belezas
Há na terra
Belezas banhadas por tua
Luz
Belezas presentes dos céus
aos homens
Os mesmos homens
Que a destroem
Os mesmo homens

242
Que a corrompem
Os mesmos homens
Que fecham as janelas
E nem te notam...
Ó, lua
Inspirada em ti
Subo ao céu...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 19/04/2006
Código do texto: T141583
Páscoa
Páscoa
É tempo de renovação
É tempo de afinar as cordas do coração
de repensar nossas atitudes
de transformar a amargura em felicidade
É tempo de nos unirmos
e celebrarmos a fé no amor

Páscoa
Ritual de passagem para a vida,
É tempo do renascimento do Deus
que habita cada um de nós!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/04/2006
Código do texto: T139127
Quero
Quero a doçura das crianças
A suavizar a vida
Quero a ingenuidade,
a alegria do descobrir
Quero a felicidade
estampada no sorriso aberto
A esperança no porvir

Quero a sinceridade
a conduzir o caráter
E a espontaneidade e franqueza
do agir...

Quero o brilho do olhar, a acreditar
na vida e no ser
Quero a certeza de estar
plantando a semente do bem

243
quero a simplicidade
e a integralidade
de viver

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 12/04/2006
Código do texto: T137691
Criança
Criança
Traz ao mundo
alegria ao descobrir
as coisas simples da vida
um simples gesto de adeus
um simples beijo na mão
um simples olhar atento
Criança
Faz adultos parecerem
aprendizes...
das coisas simples da vida!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 09/04/2006
Código do texto: T136103
Álbum de Fotografias
Fotografias
Pétalas do tempo
Eternos sorrisos e lágrimas...
Momentos imóveis
esperando serem revividos
Amadas gentes imortalizadas
que já se foram
ou ainda estão a enfeitar a vida...

Folheio, relembrando cada cheiro, cada toque, cada olhar
Os lugares por onde passei são como células a completar meu corpo
As pessoas que conheci são como flores a enfeitar meu jardim
O sabor da novidade, mantém-se presente em minha boca
Os sons da vida, ecoam nas conchas aos meus sentidos
Dos sentidos, mais um renasce, o das lembranças
Os pensamentos são vaga-lumes, na escuridão do nada, surgem e iluminam os registros do
meu ser
Minhas fotografias são o passado, tesouros do maior presente, a vida.

Carol Schneider

244
Publicado no Recanto das Letras em 06/04/2006
Código do texto: T134691
AUTO-RETRATO
Em pinceladas coloridas
Vou-me pintando pouco a pouco
Um dia pinto-me pássaro
que com asas brancas
risca o céu
Outros, pinto-me árvore
muda testemunha
da vida

Colorida ou em preto e branco
Aquela que eu pinto
feliz ou triste
boa ou má
Transcende às pinceladas
Eu saio da tela
Pintura anárquica
E modifico as cores dela!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 03/04/2006
Código do texto: T133306
Enquanto há tempo...
Enquanto há tempo...
Beije quem você ama
Enquanto há tempo...
Abrace seus amigos
Enquanto há tempo...
Realize seus sonhos
Enquanto há tempo...
Curta muito seus filhos
Enquanto há tempo...
Aprenda novas lições
Enquanto há tempo...
Leia bons livros
Enquanto há tempo...
Viaje a novos destinos
Enquanto há tempo...
Diga “eu te amo”
Enquanto há tempo...
Seja feliz!
Enquanto há tempo...
Viva. Pois você nunca sabe
quando este tempo termina...
O destino é o presente

245
E o presente
é você quem faz!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 01/04/2006
Código do texto: T132298
Amar também se aprende
Maluca!
Chamaste-me
quando disse-lhe
que te amavas...

Mas quando soubestes
que o amor era
de tamanho
incalculável...

Quiseste-o só para ti.
Foi então que começastes
a matá-lo...

Pois o amor não basta em si
Amor é pra ser dividido,
pra ser ofertado
Só assim
o amor sobrevive...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 30/03/2006
Código do texto: T130974
Ventos de outono
Ventos de outono
Atacam o verão
Trazem chuva
Ao meu coração

Sufoco de março
Roupas nos varais
da vida
Dançam nos
ventos de outono

Sopros de vida
Folhas em coreografia
Pétalas de mãos dadas
a bailar

246
no palco do mundo

poeira em redemoinho
balanço das saias
lençóis, em ola torcem
e aplaudem, as borboletas

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 29/03/2006
Código do texto: T130442
O PORQUÊ DA POESIA

Ela surge
E toma, de assalto
O meu pensamento

Apossa-se
Dos meus sentidos
Aporrinha
O meu sossego
Como tempestade,
Deixa minha alma
Inquieta

Chamá-la?
Não adianta...
Ela quer vir
quando quer...

Pensá-la?
Não adianta...
Ela se forma
Como bem quer...

Quando vem
Parece que sempre
Esteve na cabeça
Mas, presa,
Deseja escapar...

E enquanto
Não te dou a liberdade
Ó, poesia
Ficas a me massacrar!

E eu te crio
Para buscar a paz...

Carol Schneider

247
Publicado no Recanto das Letras em 29/03/2006
Código do texto: T130441
Chuvas de março
Chuvas de março
Lavam minh‟alma
Molham o quintal da minha
seca vida
Refrescam meus pensamentos
Irrigam o jardim dos meus sonhos
Encharcam a terra adubada de estrelas
mortas, cadentes, latentes em meu peito

Águas, que
correm pelas calçadas
escorrem pelas faces
rosadas

No caminho
as pedras
imobilizadas
apenas lavadas
pelas águas
do incessante choro
do mundo...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 29/03/2006
Código do texto: T130425
Atropelei a vida
Atropelei a vida
Destino?
Escolhas...

Por medo de não ser nada... agi
Por medo da solidão... somei
Por medo da efemeridade... criei
Por medo da derrota... lutei

Agi. Somei. Criei. Lutei...
E venci!
Venci meus medos, meus demônios, meus anseios.

Eu atropelei a vida.
Não ela que me atropelou!

Carol Schneider

248
Publicado no Recanto das Letras em 26/03/2006
Código do texto: T129021
Vento...
Vento...
Devolva
a parte de mim
Que longe de mim
se encontra

Sou flor sem beleza
sou céu sem estrelas
sou gente sem paz...
Como vou seguir meu caminho?

Vento...
Leva somente a poeira
do tempo que estagnou
Limpa cada entrelinha
que a vida aniquilou

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 24/03/2006
Código do texto: T127836
Para Quintana
E agora, meu passarinho?
No céu estás
com os anjos à tua volta
Escutando teu versejar...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 23/03/2006
Código do texto: T127276
Laços
O laço da amizade
une presente,
passado e
futuro.

A amizade nos enlaça,
nos abraça,
nos completa.

Carol Schneider

249

Publicado no Recanto das Letras em 23/03/2006
Código do texto: T127262
Labirinto
A vida, este labirinto
Cada caminho é aventura e risco
Em cada curva, o inesperado
Em cada pedra, o aprendizado

Nem sempre o que parece é
Mas o que é parece diferente
Para os olhos de quem vê
Não na pele de quem sente

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 21/03/2006
Código do texto: T126253
A morte do Amor
O amor morreu.
Já não lembro mais onde enterrei.
Tampouco vi o momento em que partiu.

Apenas acordei
Sentindo sua ausência

Acordei do sonho de amor
Já não lembro mais onde encontrei
Tampouco vi o momento em que nasceu

Apenas acordei
Sentindo sua presença

Dormi um sonho de amor
Que pensava não ter fim

Como sonho é sonho...
Acordei, acabou, nem percebi!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 20/03/2006
Código do texto: T125791
Música

250
Música, arte dos deuses.
Emoção traduzida em palavras.
Alma transpirada em notas musicais.
Sentimento, ritmo, sinfonia.

Poesia para os amantes
Acalento às paixões impossíveis
Festeja a alegria das vitórias
Cura o acometido pela derrota

Melodia que conquista
Enredo que encanta.
Composição que contagia
O coração do mundo

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 19/03/2006
Código do texto: T125209
Meu mundo
Existe um mundo, só meu

O amor não necessita explicações
É puro
Eterno

A amizade nasce sem barreiras,
sem fronteiras,
sem discriminação

A fé é inabalável
sem fanatismos
sem rotulações

No meu mundo
Todos são poetas
Todos são profetas
Somos igualmente
iguais e diferentes

No meu mundo
Não existe preconceito
Não existe falsidade
Não existe desamor
Nem inimizade

No meu mundo
Não há lacunas no tempo

Existe um mundo, só meu
Alguns o chamam Utopia

251

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 17/03/2006
Código do texto: T124378
Amor, verdadeiro amar...
Assim nasceu meu amor,
Prematuro
Mal pude me preparar
Mas veio tão sutilmente
E transformou-me plenamente

Por tão pequeno
Pediu-me delicadeza
Por tão sensível
Pediu-me maturidade
Por tão indefeso
Pediu-me força e coragem

Assim nasceu minha amada
Isabella, tão sonhada
Do meu caminhar
A me transformar
A me completar

Sou mãe. Tão doce é amar!

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/03/2006
Código do texto: T123980
Escrever
Escrever é uma paixão. Um vício.
É fuga e reencontro.
Escrevo para libertar-me
das palavras contidas na alma
pelas amarras do pensamento.
E ao libertar-me, surge o inesperado.
E o inesperado me transmuta, me transforma.
E eu renasço.
Escrever é transcender...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 16/03/2006
Código do texto: T123952

252
Mulher
Mulher...
É sol, contagiando a todos com sua luz...
É terra, que germina a semente e floreia o mundo...
É calor que envolve e acalenta.
É lua, com suas fases...
É água, vital. É ar, essencial.

Mulher tem sutileza no carinho. Se doa em seus afagos.
Mulher é fogo. Vento. Tempestade.
Mulher é perseverança. Coragem. Fé.
Mulher é ninho de esperança.
Mulher é sensibilidade.
Mulher, autora da criação.

Seu colo é paz.
Seu abraço é harmonia.
Seu olhar, compreensão.
Alma transpira encantamento.

Para compreender uma mulher é preciso olhar atento a notar as nuances do seu humor, as
novidades de seu exterior, o seu olhar sonhador.
Ouvir nas entrelinhas, descobrir suas deixas, acariciar suas madeixas e ceder a seus
encantos...
Compreender a mudança no tom.
Querer no abraço o acolhimento do ser.
Responder no beijo o questionamento do amor.
Saber somar no coração e compreender a dor.

Mulher é mistério.
É carinho.
É remédio aos males do coração.

Uma mulher quer ser amada. Protegida. Almejada.
Uma mulher nunca desiste dos seus sonhos. Luta por seus ideais.
Uma mulher quer mais que sexo, carinho, atenção. Quer ser o centro. O principal. O
essencial.
Uma mulher sonha, e no sonho sabe que é especial. Arrebatadora. Fatal.

Maior que todos os mistérios, é o mistério de saber ser
Mulher...

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 14/03/2006
Código do texto: T122982

Se eu fosse um livro...

253
Se eu fosse um livro
Teria capa colorida
Folhas brancas e perfumadas
Sem notas de rodapé

Se eu fosse um livro
Teria um final mutante
O amor seria constante
No começo, no meio e no fim

O livro que eu seria
Ensinaria tudo da vida
Sem fórmulas nem limitações

O livro que eu seria
Nunca terminaria
Seria eterno como o leitor

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 13/03/2006
Código do texto: T122563
Amigo
Amigo...

invade com ternura
e cura
as feridas d'alma

Criaturas
com o dom de amar
sem esforços
sem requisitos

que transformam
o mundo
e o ser
de cada
amigo.

Carol Schneider

Publicado no Recanto das Letras em 13/03/2006
Código do texto: T122391