Rio + 10: o Brasil rumo ao desenvolvimento sustentável

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About This Presentation

No tratamento de temas afetos ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável é imprescindível abordar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Conferência do Rio, de 1992. A Conferência do Rio mudou o eixo da discussão sobre o desenvolvimento ao context...


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O tema do meio ambiente e seu tratamento
multilateral são para o Brasil questões
fundamentais, não apenas pelo interesse
internacional e pelas crescentes implicações que
vemos das atividades humanas sobre o meio
ambiente, mas sobretudo pelo fato de estar
vinculado ao tema do desenvolvimento – que
p e rmanece como a grande necessidade e
aspiração nacional. A questão ambiental é hoje
ineludível em vários campos da atividade
humana e constitui sem dúvida uma das áreas
que compõem a “agenda da opinião pública”
contemporânea.
No campo internacional, o Brasil tem um
papel importante a desempenhar no que diz
respeito ao bom encaminhamento das questões
ambientais. Isso se deve tanto à transcendência
do tema para uma necessidade interna básica –
o desenvolvimento nacional – quanto à nossa
condição própria – talvez única – de país de
grandes dimensões e potencialidades, mas
também de imensos contrastes econômicos e
sociais.
Contamos, em alguns setores, com
características de país industrializado e em
outros apresentamos graves índices de pobreza.
Tais condições, se representam um grande
desafio interno, representam também
possibilidades externas, em termos tanto de
acesso a recursos e tecnologia quanto de
influência positiva e moderadora em favor de
consensos que atendam às prioridades dos
países em desenvolvimento e que encaminhem
de forma construtiva as grandes questões
ambientais tratadas no plano intern a c i o n a l .
Tem o Brasil, assim, um diálogo frutífero tanto
com os países em desenvolvimento quanto com
os países desenvolvidos.
Por todas essas razões, o Brasil é sempre
visto como um dos principais atores nas
tratativas internacionais sobre esses temas e
nossas posições são, invariavelmente, acolhidas
com respeito e atenção. Essa percepção decorre
de nossas credenciais próprias, ligadas ao peso
político e econômico do país, mas também das
riquezas e da diversidade de nosso patrimônio
ambiental.
No tratamento de temas afetos ao meio
ambiente e ao desenvolvimento sustentável é
imprescindível abordar a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento – a Conferência do Rio, de
1992. A Conferência do Rio mudou o eixo da
discussão sobre o desenvolvimento ao
contextualizá-la numa visão global que coloca
as relações Norte-Sul sob o signo da
cooperação. No Rio de Janeiro, há quase dez
anos, escreveu-se uma das páginas mais
significativas do multilateralismo e da
determinação dos povos de buscar um futuro
comum fundado na paz e na construção da
prosperidade. Para o Brasil, recordar a
Conferência do Rio, significa também reafirmar
o comprometimento do País com o
desenvolvimento sustentável a partir de uma
visão que transcende nossos interesses
específicos para incluir nossas expectativas
quanto à ação da comunidade internacional.
A idéia do desenvolvimento sustentável é um
7
Rio+10:
o Brasil na cúpula
sobre desenvolvimento
s u s t e n t á v e l

conceito heurístico – tem múltiplas dimensões.
Associa a preocupação ambiental à não menos
legítima preocupação com a economia e a
erradicação da pobreza. A variável ambiental
deve sempre estar presente de maneira positiva
no estímulo e na sustentabili-
dade do desenvolvimento – e
não como instrumento abusi-
vo de cerceamento econômico
ou entrave comercial.
O desenvolvimento susten-
tável, enquanto conceito, é
universal, mas, enquanto expe-
riência, expõe sua dimensão
local. No campo da implemen-
tação, ainda somos vítimas do
paradoxo do excesso de poder
e do excesso de impotência.Excesso de poder que
se reflete na concentração limitada de recursos
financeiros, tecnológicos e de conhecimento,
cujo acesso pelos países em desenvolvimento
ainda conhece severos impedimentos. Excesso
de impotência ante a incapacidade da
comunidade internacional de galvanizar os
recursos existentes para diminuir de maneira
eficaz as distâncias dentro e entre as
sociedades, o que agrava a insustentabilidade.
Tornar o desenvolvimento sustentável uma
alavanca de modernização requer conferir-lhe
condições sistêmicas de competitividade. A
internalização do mundo na vida das sociedades
promovida pela regulamentação multilateral do
desenvolvimento sustentável não se pode dar de
maneira seletiva. A persistência, nos mercados
desenvolvidos, de subsídios à agricultura, bem
como de barreiras não tarifárias, reforçam a
busca da competitividade por meio de práticas
predatórias, que os governos devem-se esforçar
por reverter.
Completada uma década da conclusão dos
históricos acordos do Rio, a busca do
desenvolvimento sustentável mostra-nos a
i n t e r-relação entre conceitos e realidade.
Os princípios consagrados na Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e na
Declaração de Florestas, bem como os
compromissos da Agenda 21, ainda enfrentam o
teste da vontade política de se adotarem novas
atitudes, novas metodologias
e de se empregarem novos
meios que promovam a
melhoria da qualidade de
vida das populações sem que
isso implique custos que hoje
temos a consciência de serem
inaceitáveis do ponto de vista
ambiental. Por outro lado, a
realidade política tem eviden-
ciado que muitas das expec-
tativas que tínhamos, em
1992, para colocar a cooperação internacional
em novas bases, não têm sido plenamente
satisfeitas e que os compromissos assumidos nos
instrumentos emanados da Conferência não têm
sido honrados em sua totalidade.
Não foi definida uma agenda para a Cúpula
Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável
(Joanesburgo, de 26 de agosto a 4 de setembro
de 2002), por ocasião de sua convocação. Essa
agenda está sendo objeto de negociações no
âmbito do Comitê Preparatório da Conferência.
No contexto preparatório para a Rio+10, o
Brasil sediou, no Rio de Janeiro, em outubro de
2001, uma Reunião Regional dos Países da
América Latina e do Caribe, em nível
ministerial. Naquela ocasião, os países da
região acordaram uma plataforma para as
negociações em âmbito global, em que se sugere
como tema central de Joanesburgo a busca de
uma nova globalização e de um desenvolvimento
sustentável inclusivo e eqüitativo.
É importante ter presente que, na
Conferência do Rio, a comunidade internacional
assumiu um compromisso político de dupla
natureza, a saber: a internalização, por meio da
legislação e de outras práticas administrativas,
8
Tornar o desenvolvimento
sustentável uma alavanca
de modernização requer
conferir-lhe condições
sistêmicas de
competitividade.

dos parâmetros de desenvolvimento sustentável
acordados na Agenda 21 e nas declarações e
convenções então adotadas; e a provisão de
cooperação financeira, tecnológica e técnica aos
países em desenvolvimento.
A Rio + 10, portanto, deve ter seu escopo
demarcado pela avaliação da implementação
dos compromissos assumidos em 1992, na
Conferência do Rio. No entender do Brasil, cabe
ter presente as circunstâncias históricas que
permitiram o consenso no Rio, em 1992, em
torno da Agenda 21. Esse consenso deve ser
preservado; qualquer idéia de se duplicar a
Agenda 21 em Joanesburgo pode comprometer
o êxito da Conferência. Tampouco deve a
Conferência de Joanesburgo envolver o
lançamento de qualquer novo processo nego-
ciador, especialmente em razão da necessidade
de ainda se cumprirem os compromissos
assumidos no Rio, há dez anos
A exemplo da Conferência do Rio, a reunião
de Joanesburgo, não obstante a natureza
técnica que permeia muitos dos temas a serem
debatidos, será uma reunião de natureza
eminentemente político-diplomática. Serv i r á
para estabelecer as diretrizes que deverão
orientar os esforços nacionais e a ação
internacional nos anos vindouros no campo
ambiental. Por esse motivo, ao estabelecer a
Comissão Interministerial sobre a Rio+10, o
Presidente da República instruiu o Ministério
das Relações Exteriores a presidi-la, com o
propósito de que a formulação das posições a
serem defendidas pelo Brasil seja subsidiada
pelo conhecimento e pela experiência
acumulada, desde 1992, pelos Ministérios
setoriais e entidades vinculadas, bem como por
representantes da sociedade civil organizada, o
que assegura à Comissão as necessárias
transparência e representatividade.
Do ponto de vista brasileiro, a Agenda 21
deve ser vista como um todo e servir de base
para a construção de uma agenda de trabalho
para a Rio+10 em temas que vêm,
progressivamente, se impondo à atenção da
comunidade internacional, tais como, poluição
urbana; padrões de produção e de consumo;
fontes alternativas de energia; eficiência
energética; ecoturismo; e disponibilidade de
recursos humanos, financeiros, tecnológicos e
institucionais adequados. Tais temas já fazem
parte da Agenda 21, mas poderiam ser
aprofundados e ganhar maior relevância.
Os temas a serem tratados na Cúpula de
Joanesburgo apresentam, para o Brasil, elevado
interesse estratégico. Nas negociações
i n t e rnacionais, o Itamaraty, em estreita
coordenação com os Ministérios setoriais, tem
buscado defender posições coerentes e
c o n s t rutivas nos diversos foros e processos
negociadores decorrentes dos compromissos e
estruturas acordados na Conferência do Rio.
Sobretudo, a Cúpula de Joanesburgo deve
resultar na renovação do compromisso político e
do apoio para o desenvolvimento sustentável de
forma consistente, inter alia, com o princípio
das responsabilidades comuns, porém
diferenciadas, tendo como fundamento a
responsabilidade histórica e ineludível, por
parte dos países desenvolvidos, em razão dos
insustentáveis padrões de desenvolvimento que
marcam o avanço de suas sociedades.
Espera-se, portanto, que essa renovação de
compromissos se traduza, de um lado, em uma
maior disposição em prover cooperação
financeira e tecnológica voltadas a favorecer a
adoção de modelos de desenvolvimento
sustentável nos países em desenvolvimento e, de
outro, em uma maior disposição em incorporar
o desenvolvimento sustentável como
preocupação primordial no desenho e execução
de políticas públicas.
A Rio+10 deve, assim, propiciar o
desenvolvimento de parcerias para o
9

desenvolvimento sustentável, seja pelo reforço
da cooperação internacional, seja pela
intensificação do engajamento do setor privado
em ações claramente marcadas pela
sustentabilidade respaldadas pela abertura dos
mercados e que, além de gerarem empregos e
renda, adotem tecnologias ambientalmente
saudáveis. Esses dois eixos de ação devem ter
como resultado último o incremento da
competitividade das sociedades e das empresas
num mundo globalizado.
A participação do setor privado é
fundamental nas discussões sobre a Rio+10.
Nesse contexto, não se pode ignorar que os
países em desenvolvimento realizaram, nos
últimos dez anos, profundas reform a s
estruturais para atrair investimentos externos,
tecnologia, e propiciar melhor rentabilidade
para a assistência financeira internacional; ao
lado dessas reformas, houve uma abertura de
mercado, permitindo maior competição de
produtos estrangeiros em seus mercados
internos. Todavia, esses esforços não encontram
simetria nos países desenvolvidos, cujos
mercados ainda se encontram fechados a
produtos oriundos dos países em desenvol-
vimento. Isso torna questionável o discurso
sobre o desenvolvimento sustentável centrado
apenas em prescrições para um dos termos da
parceria global, especialmente com realce à
pobreza como causa da degradação ambiental.
A Conferência de Joanesburgo deve buscar
avaliar como os países industrializados estão
caminhando para a sustentabilidade, tendo
presente o princípio das responsabilidades
comuns mas diferenciadas. Cumpre, por
conseguinte, abordar a dimensão econômica do
desenvolvimento sustentável, especialmente no
que tange aos padrões de produção e consumo
prevalecentes nas economias avançadas, a
partir de uma visão abrangente das inter-
relações entre investimento, combate à pobreza
e abertura de mercados.
A Cúpula terá também o grande desafio de
gerar consenso e ações eficazes no plano social.
Tendo em vista tentativas de singularizar o
debate sobre a pobreza na Cúpula de
Joanesburgo, cabe destacar que a pobreza não é
causa maior da degradação ambiental, mas
resultado direto das falhas e desequilíbrios
prevalecentes nas estruturas econômicas e
sociais sobre as quais se pautou o desenvol-
vimento liderado pelas sociedades industria-
lizadas. A degradação do meio ambiente surge
muito mais em resultado dos padrões de
consumo e de produção promovidos pela socie-
dade industrial. A sustentabilidade desses
padrões é que deve ser avaliada prioritaria-
mente em relação aos impactos ambientais.
A pobreza é, no entanto, inadmissível, pois
incompatível com a dignidade humana. É
conseqüência de um crescimento anômalo que
induz à exploração predatória dos bens e
s e rviços ambientais, seja para manter o
desperdício da fartura, seja para tentar
contornar as privações dos que pouco ou nada
possuem. O desafio global para o milênio que se
inicia – e sobre o qual se debruçará a Cúpula de
Joanesburgo – é o de conciliar a erradicação da
pobreza com a superação de padrões insusten-
táveis de consumo e produção. As duas metas
são hoje – como eram há dez anos – insepará-
veis para se alcançar a sustentabilidade global.
Especial atenção deve ser conferida à
premência de não se aprofundar o desequilíbrio
entre ricos e pobres, em nível nacional, regional
e internacional. O desenvolvimento sustentável
não é uma receita única, mas seus ingredientes
necessitam ser aplicados em doses suficientes e
adequadas a cada tecido social para que as
transformações que todos almejamos possam
ser realidade.
A Cúpula de Joanesburgo ocorrerá num
momento marcado pelo reforço da solidariedade
10

i n t e rnacional para combater as ameaças à
segurança. As respostas aos desafios no campo
da segurança requerem que a solidariedade se
concretize de modo simétrico na solução dos
desafios pendentes consubstanciados no
cumprimento dos compromissos assumidos na
Agenda 21, bem como nas convenções e
declarações consagradas unanimemente no Rio
de Janeiro.
A globalização e o desen-
volvimento sustentável têm
em comum o sentido da mu-
dança. Mas têm igualmente
em comum a característica
de serem conceitos sobre os
quais não há uma interpre-
tação única que possa
embasar a ação política. Glo-
balização, desenvolvimento e
sustentabilidade têm signifi-
cados diferentes para distin-
tos grupos sociais ou correntes políticas.
Todavia, mesmo nessa incerteza epistemo-
lógica, o consenso de que são inadequados os
padrões até agora seguidos para o uso da
natureza e do meio ambiente impõe que a
comunidade científica e o arsenal tecnológico
propiciem conhecimento para que sejam
encontradas opções racionais para os impasses
que as sociedades enfrentam. O aprofundamento
da interdependência entre as sociedades acen-
tuou o caráter transformador e a importância
política do conhecimento. O desenvolvimento
sustentável tem seu fundamento na combinação
entre a engenhosidade política e o apoio da
ciência para a compreensão de fenômenos que
até há pouco sequer freqüentavam nossa
imaginação.
O desenvolvimento sustentável é uma questão
global, em que os objetivos são convergentes e
as responsabilidades são comuns, embora
diferenciadas. À luz desse preceito, a Cúpula de
Joanesburgo servirá para avaliarmos o quanto
se avançou e o quanto ainda se precisa fazer
para tornar realidade o desenvolvimento
sustentável. Esse conceito-síntese consubstan-
ciou a mensagem kantiana da Conferência de
1992 que reconhece a importância, do ponto de
vista da humanidade, da consolidação de uma
visão de futuro orientada para um novo patamar
de convivência internacional. Essa visão, entre-
tanto, requer para sua
implementação uma coope-
ração em termos grocianos,
isto é, centrada na interde-
pendência construtiva das
soberanias.
Nas palavras do Pr e s i-
dente Fe rnando Henrique
Cardoso, a dinâmica da
questão ambiental “tem que
ser cultural”
1
. Enfrentar os
desafios que o desenvolvi-
mento sustentável nos oferece
somente será possível se infundirmos uma nova
consciência acerca da natureza estratégica do
meio ambiente. A necessidade de novas vias
para a cooperação tanto no campo da proteção
da natureza quanto da promoção do desenvol-
vimento está em sintonia com os anseios de uma
geração sensível à necessidade de se proteger o
meio ambiente e ao imperativo de se acelerar a
afirmação da eqüidade social. É auspicioso ver
a valorização das instâncias intergover-
namentais e a ampliação da presença da
sociedade civil na definição do esforço para
superar práticas predatórias e promover alter-
nativas mais sustentáveis de promoção da
prosperidade e do bem-estar.
Nos dez anos desde a realização da
Conferência do Rio solidificou-se a convicção
sobre o equilíbrio imprescindível que deve haver
entre a utilização de recursos ambientais e
naturais e o progresso econômico e social.
A discussão sobre os caminhos do desenvolvi-
mento teve grande ascendência sobre o
11
O desenvolvimento
sustentável é uma questão
global,em que os objetivos
são convergentes e as
responsabilidades são
comuns,embora
diferenciadas.

cotidiano dos cidadãos e sobre a moldagem da
sociedade. Com base nesse significado da noção
de desenvolvimento para nosso tecido social
cabe afirmar, como o fiz em 1992, que “o
pressuposto do desenvolvimento sustentável é o
próprio desenvolvimento”.
Conferências como a
Cúpula de Joanesburgo serv e m
para que busquemos racio-
nalizar a ação em meio à
incerteza da compreensão.
Cumpre, assim, avançar no
entendimento entre os dife-
rentes atores para traduzir no concreto as
decisões tomadas no Rio e que ainda carecem de
implementação plena. Cumpre, ainda, ter
presente que, na formulação das respostas ao
desafio do desenvolvimento sustentável, enfren-
tamos tempos diferentes entre as reações da
natureza às atividades humanas e a determ i n a ç ã o
política de enfrentar os desafios ambientais. A
crescente certeza científica sobre o efeito das
ações humanas na degradação do meio ambiente
urge a implementação das medidas saneadoras
acordadas no plano global e
invalida opções unilaterais
pela inércia.
Em nossa época, marcada
pelo fenômeno da globali-
zação e seu impacto em
nossas sociedades, devemos
ter como princípio norteador
a construção de uma globalização sustentável,
inclusiva e eqüitativa. Nossa ação para a Confe-
rência de Joanesburgo deve ser orientada por
uma visão de futuro que aproxime a realidade
social e normativa consagradora de valores
compartilhados dos ideais que nos inspiram.
12
Professor Celso Lafer
Ministro de Estado das Relações Exteriores; Vice-Presidente da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento – a Rio 92
1CARDOSO, Fernando Henrique. O Presidente Segundo o Sociólogo: entrevista a Roberto Pompeu de Toledo.São
Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 163.
“O pressuposto do
desenvolvimento sustentáve l
é o próprio desenvolvimento”

Dificilmente países em desenvolvimento
poderão encontrar, nos dias de hoje, experiências
tão ricas e diversificadas como as que resumem a
história do Planejamento brasileiro nos últimos
cinqüenta anos. É por essa razão que a exposição
sistemática da experiência brasileira, em torn o
da busca do desenvolvimento sustentável, há de
ser reconhecida como um dos mais importantes
“laboratórios” na construção racional das
sociedades modernas e democráticas.
A “terra de contrastes” conforme nos definiu
Roger Bastide nos anos 40, exerce seu peso
específico na concepção de alternativas viáveis de
desenvolvimento. De um lado, padrões de
consumo próximos aos europeus convivem com
níveis de exclusão social só verificado nos países
mais pobres do mundo; de outro, uma diversidade
cultural que reflete as diferentes contribuições à
nossa matriz étnica e os processos adaptativos a
condições de produção bastante diferenciadas; por
fim, uma diversidade natural, expressa nos vários
ecossistemas que se encontram no espaço
nacional – tudo compondo uma vasta extensão
t e rritorial recortada por um mosaico de situações
refratário a um tratamento uniforme. Nesse
sentido, não se desenvolve em nosso país um
planejamento mas, sim, rigorosamente,
“ p l a n e j a m e n t o s ” .
A despeito das dificuldades, uma análise detida
do sistema federal de planejamento evidencia sua
aderência aos seguintes princípios intern a c i o n a i s
para a consolidação de uma estratégia nacional
de desenvolvimento sustentável
1
:
15
Passos em direção a uma
estratégia nacional de
d e s e n v o l v i m e n t o
sustentável - A experiência
brasileira recente
1. Forte compromisso político X
2. Fundamentado em estratégia compartilhada e visão pragmática X
3. Processo controlado e conduzido nacionalmente X
4. Formulado com base no conhecimento, na técnica e capacidade X
5. Formulado a partir de processos e estratégias preexistentes X
6. Liderado por uma instituição forte X
7. Um alto nível de participação social na sua elaboração X
8. Processo estratégico ancorado em análises técnicas X
9. Integração e balanceamento das estratégias entre setores e regiõesX
10. Articulação entre o curto, o médio e o longo prazo na sua form u l a ç ã oX
11. Coerência entre o orçamento e as prioridades estratégicas X
12. Objetivos realistas, porém flexíveis X
13. Articulação entre prioridades e ações locais e nacionais X
14. C o n s t rução de mecanismos para monitoramento, avaliação e revisãoX
15. Continuidade do processo X
15 princípios de uma Estratégia Nacional de Desenvolvimento
Sustentável XPlano Avança Brasil
Atende
Atende
Razoavelmente
Não atende

Vários fatores podem ser perfilados como
determinantes dessa trajetória.
O ponto de partida encontra-se na
promulgação da Constituição Federal de 1988,
que em seu artigo 165 institui leis de iniciativa
do Poder Executivo que estabelecerão o Plano
Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária
Anual (LOA). O PPA é o instrumento de
organização do planejamento govern a m e n t a l
federal concebido para vigorar 4 (quatro) anos,
do segundo ano do mandato presidencial até o
primeiro ano do mandato subseqüente. A LDO é
concebida para fazer a articulação e o
ajustamento conjuntural do PPA orientando a
elaboração dos orçamentos anuais.
O primeiro PPA - 1991/1995 - foi elaborado
durante o Governo Collor de Mello. Já ele
expressava avanço institucional no processo
ditado pela nova legislação na medida em que
foi enviado ao Congresso Nacional na forma de
um relatório anual de execução física e
financeira. Como não havia sistema de
acompanhamento, não foram incorporadas
mudanças no decorrer do período e tampouco
foi feita uma atualização de intenções do Plano.
O segundo PPA, já sob o governo Fernando
Henrique Cardoso, cobriu o quadriênio
1996/1999. Ele inaugura novas práticas de
planejamento ao introduzir o corte espacial e a
visão regional no conceito de Eixos de
Desenvolvimento. Paralelamente a este avanço
surge o processo de mudança no papel do
Estado, que de provedor de bens e serviços
passa a ter um perfil de regulação e indução do
desenvolvimento, graças ao Programa de
Reforma do Estado. Em agosto de 1996 é
criado o Programa “Brasil em Ação”, composto
de 42 projetos, selecionados no âmbito do PPA,
considerados prioritários nas áreas de infra-
estrutura econômica (26) e desenvolvimento
social (16), todos executados segundo um novo
modelo de gerenciamento, um gerente para
cada projeto, que enfatiza a obtenção de
resultados.
O PPA atual (2000-2003) inova mais ainda.
No aspecto da mudança institucional, há uma
integração maior entre o planejamento e o
orçamento por meio da organização das ações
em Programas. Os Programas devem ser
desenhados para solucionar um problema ou
atender uma demanda da sociedade, com
produtos finais necessários à consecução dos
objetivos propostos. Os Programas passam a ser
integrados por ações (projetos, atividades ou
operações especiais), as quais possuem um
único produto e metas estabelecidas.
OEstudo dos Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimentofoi, pela incorporação de seus
conceitos e resultados, uma das principais
referências utilizadas na elaboração do PPA
2000-2003. Além disso o Estudo, que se enreda
em um horizonte de oito anos (ou dois PPAs),
assumiu outros paradigmas, que decorrem das
condições inéditas dos desafios presentes. São
eles:
•Os ditames do desenvolvimento sustentável;
•A nova ordem econômica intern a c i o n a l
(globalização dos mercados);
•A capacidade empreendedora do setor privado; e
•O processo democrático-participativo na Sociedade
brasileira.
A sua realização situa-se no contexto da
formulação, por parte do governo federal, de
uma nova estratégia de desenvolvimento a nível
espacial, embasada em uma Visão Estratégica
de longo prazo (vinte anos), e buscando uma
geografia sócio-econômica mais equânime, cuja
implementação requer a valorização articulada
de todo o potencial disponível das diversas áreas
que compõem o território nacional. Essa nova
postura envolve a caracterização de Eixos
Nacionais, com a finalidade de integrar as
diversas economias regionais e melhor articulá-
las aos mercados internacionais.
16

Para tanto, dois critérios foram levados em
conta na sua definição e delimitação: a
existência de rede multimodal de transporte de
carga e a presença de possibilidades de
estruturação produtiva interna, em termos de
um conjunto de atividades econômicas. Esses
critérios definem a inserção do eixo em um
espaço mais amplo (nacional ou internacional)
com efeitos multiplicadores dentro da sua área
de influência- entendida esta como as relações
sociais presentes nas imediações das vias de
transporte e cuja lógica se reflete na rede de
cidades e sua hierarquia peculiar.
Esta definição liberta-se da visão centrada
nas estruturas de transporte, que prevaleceu na
definição dos eixos para o PPA 1996-1999
(vide mapa anexo), dando ênfase ao
funcionamentodas economias regionais. Assim,
esse conceito inovador do planejamento
brasileiro amplia as possibilidades de
compreensão dos processos sócio-econômicos
localizados e abre o leque de opções de
intervenções públicas e privadas que redundem
na diminuição das disparidades regionais e
sociais.
A conceituação de e i xo sestá umbilicalmente
ligada à revisão das práticas de planejamento,
o c o rrida na última década. Segundo o padrão
que prevaleceu até o início dos anos 90, a
função do planejamento era essencialmente
n o rmativa. Ele indicava para os agentes
públicos e privados quais as grandes linhas de
investimento estatal para um dado período. Os
Planos de Metas são exemplos claros disso.
Esse tipo de planejamento norm a t i vofoi típico
de uma sociedade menos complexa,
autoritariamente dirigida e enquadrada num
projeto de modernização que almejava levar o
país a concluir sua revolução industrial
quando o Estado efetivamente liderava o
processo de desenvolvimento.
Partindo das novas condições, desenvolveu-
se uma metodologia de planejamento balizada
pela compreensão de que ele deve ser além de
n o rmativo para o setor público, i n d i c a t i vop a r a
o setor privado, isto é, considerado relevante
pelos agentes econômicos e sociais na medida
em que possa orientá-los quanto às prioridades
da sociedade e servir de instrumento de
otimização das oportunidades sem ter como
premissa a capacidade de imposição que o
Estado exercitou no passado. Isso implica num
processo de implementação bem mais
complexo, onde a relação com os agentes
sociais se orienta pelas exigências das
parcerias que o Estado precisa celebrar para
lograr as conquistas públicas. Este
envolvimento da iniciativa privada para que
também mobilize seus recursos na conquista
dos objetivos estratégicos abre uma fase
negocial inédita no processo, onde o Estado
precisa estar preocupado também com a
atratividade dos negócios que sinaliza como de
interesse nacional. A base desse cálculo parte,
ainda, da adoção do conceito de Programa e
Gerente, segundo o qual as ações, os recursos e
as responsabilidades do Governo são
organizados de acordo com os objetivos a
serem atingidos.
Este percurso no qual o Estado vê redefinido
o seu papel deu-se pari passucom a maturidade
do conceito de sustentabilidade. De fato, tanto a
Constituinte quanto a Rio 92 serviram para
estabelecer uma pauta nacional onde as
questões ligadas à sustentabilidade do
desenvolvimento – desde barreiras comerciais e
mudanças nos padrões de produção e consumo
até a preservação dos recursos naturais e o
combate à miséria nos grandes centros urbanos
e no meio rural – constitui o norte do
planejamento na esfera governamental. Ao
assumi-la como diretriz, o planejamento passou
a privilegiar a efetivação de ações integradas
voltadas para a melhoria das condições de vida
através da execução de atividades concatenadas
17

dentro da seguinte lógica:
Essa cadeia de articulações exige a
explicitação e a coordenação de investimentos
nas três dimensões do desenvolvimento
sustentável - social, econômica e ambiental -,
além da dimensão da informação e do
conhecimento
2
, que no seu conjunto formam, até
2007, o seguinte Portfólio:
Na sua composição setorial destaca-se o
papel do Desenvolvimento Social que representa
quase metade do investimento total previsto.
Outra inovação diz respeito ao grau de
legitimação alcançado no processo de definição
do Portfólio. A versão do Portfólio - que é o
principal produto do Es t u d odos Eixos -
disponível em abril de 1999, foi submetida ao
debate público em seminários realizados por
todo o País entre abril e agosto daquele ano.
Numa primeira fase, em Brasília, os seminários
envolveram o Governo Federal, contando com a
participação de todos os Ministérios. Na
segunda etapa, implicaram em um conjunto de
apresentações em todas as capitais brasileiras,
com participação de representantes dos
G o v e rnos Estaduais e Municipais e lideranças
expressivas das comunidades locais. O processo
p e rmitiu não só a apresentação dos resultados
18
Setores US$ milhões %
Infra-estrutura Econômica 99.974,1 43,8
Transportes 31.334,5 13,7
Energia 32.827,5 14,4
Telecomunicações 30.800,9 13,5
Infra-estrutura Hídrica (NE) 5.011,2 2,2
Desenvolvimento Social 112.213,3 49,0
Educacão 26.496,0 11,6
Habitação 16.516,3 7,2
Saúde 49.219,7 21,5
Saneamento 19.981,3 8,7
Informação e Conhecimento 2.539,0 1,1
Associados a Atividades Econômicas 1.797,0 0,8
Associados a Projetos de Infra-estrutura 742,0 0,3
Meio Ambiente 13.806,0 6,1
Gestão de Recursos Hídricos 6.180,0 2,7
Florestas 2.643,9 1,2
Demais 4.982,1 2,2
Total do Portifólio 228.532,4 100,0
Fonte: Consórcio Brasiliana
Portfólio 2007: Composição Setorial dos Investimentos
Por Setor, em US$ milhões e %

do Es t u d ocomo também serviu para validá-lo,
com foco no Portfólio de Investimentos,
mediante a incorporação das recomendações
d e c o rrentes dos debates. Os seminários com o
G o v e rno Federal constaram de duas reuniões e
mais catorze outras com os Ministérios/
Secretarias que solicitaram contatos individuais
para aprofundar discussões especializadas. Os
seminários estaduais foram realizados nas 27
capitais, tendo contado com participação ativa
de mais de 2.600 pessoas. Cada um deles
envolveu a apresentação conjunta dos principais
resultados do Es t u d o, seguida de debates e da
apresentação, por parte do governo estadual, da
visão estratégica de desenvolvimento do ponto de
vista do Estado e/ou da região em que se insere.
Ora, para o prosseguimento dessa linha de
amadurecimento da ação pública na esfera do
planejamento novas dimensões devem ser
incorporadas nas formulações estratégicas. A
primeira delas, já em curso, é a reavaliação do
impacto dos investimentos nos Eixos da
Amazônia. Dela decorrerá, para o futuro, a
adoção da avaliação ambiental estratégica em
todo o território nacional, para todos os eixos de
integração e desenvolvimento em que foi dividido.
A outra, é a necessária consideração de que o
Brasil não está isolado no mundo. Em outras
palavras, a estratégia a se formular para o futuro
deverá levar em conta: i) a inserção latino-
americana de nosso país pela integração da infra-
e s t rutura com os países vizinhos; ii) a agregação
de um tratamento a ser conferido ao meio
ambiente no qual este seja tomado no marco das
comparações de custos v i s - à - v i sas oportunidades
ambientais, sendo que estas parecem ser mais
promissoras no campo dos serviços ambientais,
de crescente interesse global.
A dimensão internacionalizada das relações
também está presente em iniciativas para se
criar condições institucionais de organização
produtiva do espaço sul americano. O Plano de
Ação para a In t e g ração da In f ra e s t ru t u ra Su l -
a m e r i c a n a, elaborado pelo BID, aponta
diretrizes para a ampliação e modernização da
infra-estrutura em um horizonte de 10 anos e é
um esboço da direção de um esforço a se buscar
coordenadamente. A visão geo-econômica que
dá o contorno dessa iniciativa pode ser
visualizada (ver mapa anexo).
A outra situação singular à qual o
Planejamento tem buscado atender nos remete
à Amazônia. Como se sabe, já não são poucos os
documentos correntes que sugerem a opção
estratégica por se criar na Amazônia uma
“civilização brasileira florestal”com o objetivo de
p r e s e rvar a quase totalidade deste bioma,
restringindo as intervenções econômicas a
espaços bem delimitados capazes de promover a
elevação do padrão de vida da população da
região sem comprometer o seu ambiente . No
extremo oposto, é grande o alarm i s m o
fomentado pela divulgação de projeções sobre a
“ d e s t ruição” da Amazônia se mantidos os
níveis de desflorestamento, associados à
extração de madeira e produção agropecuária,
ou simplesmente por incêndios florestais
decorrentes de práticas agrícolas inadequadas,
ou, ainda, em conseqüência de grandes projetos
de infra-estrutura. Áreas de contrastes reais e
imaginados, os Eixos da Amazônia devem ser
encarados como ecologicamente orientados no
seu desenvolvimento e sustentáveis pela
reposição das formas de produção que tomam
os recursos naturais o diferencial que maior
valor agrega ao desenvolvimento regional.
O Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e
De s e n vo l v i m e n t ojá havia registrado a
importância da preocupação com eventuais
impactos ambientais de empreendimentos,
inaugurando também o tratamento do Meio
Ambiente não apenas como uma restrição mas
como fonte de novas oportunidades.
Especificamente, ele incluía, como visto
anteriormente, um Portfólio de investimentos
ambientais.
19

Através deste relato, sumarizando alguns dos
principais pontos de inflexão que caracterizam
o “salto” para a feição moderna do sistema
federal de planejamento, buscamos indicar não
só a aderência aos princípios internacionais da
c o n s t rução da sustentabilidade ambiental,
econômica, social e política como também
apontar linhas de aperfeiçoamento do processo
em foco. Evidentemente os contrastes que
recortam a nação brasileira deixam marcas
profundas na estrutura pública de
planejamento. Há diferenças expressivas no
plano institucional – governos estaduais e
municipais tem diferentes ritmos de maturação
e, portanto, diferentes condições de partilhar
responsabilidades com o governo federal; as
ONGs, protagonistas no processo de legitimação
dos planos e programas, apresentam níveis de
organização que são diferenciados por setor ou
região. Tudo isso condiciona as possibilidades de
avanço da estrutura de planejamento do Estado
brasileiro; no entanto, o mais importante é que
se estabeleça o diálogo deste com outros
modelos de construção de uma estratégia
nacional de desenvolvimento sustentável.
20
José Paulo Silveira
Secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
1Base do debate do International Forum on National Sustainable Development Strategies, promovido pelo Department of
Economic and Social Affairs (DESA), Under General Secretary, UN, Accra, Ghana, Novembro de 2001.
2A dimensão da informação e conhecimento, tratada à parte segundo a visão do sistema de planejamento do Governo
Federal no Brasil, inclui acesso à informação, P&D e capacitação profissional.

21
Eixos no PPA 1996-1999
Eixos no PPA 2000-2003
Hid, Madeira-Amazonas
Costeiro do Sul
Franja de Fronteira
São Paulo
Centro-Oeste
Costeiro Nordeste
Transnordestino
Araguaia - Tocantins
Oeste
Saída para o Caribe
Rio São Francisco
Hid. Paraguai-Paraná
Rodovias
Rios
Ferrovias
MADEIRA-AMAZONAS
REDE SUDESTE
OESTE
SUDOESTE
SUL
SÃO FRANCISCO
TRANSNORDESTINO
ARAGUAIA-
TOCANTINS
ARCO NORTE

Estamos vivendo um momento histórico para
a gestão ambiental no Brasil. Em março, o
Conselho Nacional de Recursos Hídricos aprovou
a cobrança pelo uso da água na bacia
hidrográfica do Rio Paraíba do Sul. É a primeira
vez que este tipo de cobrança será feita em um
rio federal. Com isto, estamos instituindo o
princípio do poluidor/pagador. Vale dizer, em vez
de socializarmos os custos da recuperação de
eventuais danos ambientais, os que usam e
poluem os recursos naturais terão que assumir
os encargos financeiros de sua recuperação. O
valor será pago por todos os usuários da bacia
hidrográfica do Paraíba do Sul que têm outorga
dos Governos Federal e Estadual para usarem a
água dos rios. A cobrança se estenderá, em
breve, a todo o país, com prioridade para as
bacias do Rio São Francisco e do Rio Doce, duas
das mais importantes e degradadas do país.
O conceito moderno de gestão ambiental não
implica somente a fiscalização da degradação do
Meio Ambiente mas, sobretudo, a criação de
condições necessárias para assegurar a pere-
nidade dos recursos naturais por meio de novas
políticas para seu uso. No limiar do terceiro
milênio, dois grandes mitos da civilização oci-
dental estão sendo desfeitos. O primeiro deles é o
da inesgotabilidade dos recursos da natureza.
Essa percepção equivocada foi muito difundida,
principalmente em países com dimensão conti-
nental e com abundância de recursos naturais,
como o Brasil. Ela criou a falsa idéia de que os
recursos naturais seriam infinitos e, portanto,
passíveis de utilização indiscriminada sem maio-
res preocupações com sua conservação. Entre-
tanto, a sociedade vai descobrindo, com cada vez
mais intensidade que, ao contrário disso, estamos
lidando com recursos finitos e entre eles a água,
um recurso valiosíssimo e insubstituível para a
sobrevivência dos seres humanos.
Outro mito que está começando a ruir é o da
hegemonia do homem sobre a natureza. Essa
visão antropocêntrica, diretamente ligada à
cultura dos povos ocidentais, ajudou a criar mo-
delos de desenvolvimento e de uso dos recursos
naturais sem compromisso com a conservação
do meio ambiente. Felizmente, a sociedade está
se dando conta de que não existe essa hege-
monia, que o homem vive uma relação de total
interdependência com a natureza e com o meio
físico que o cerca. No século XX, passamos por
um momento único na história da civilização,
com desenvolvimento e explosão tecnológicos
jamais vistos. Mas, paulatinamente, a sociedade
já percebeu que o desenvolvimento material sem
qualidade de vida produz uma falsa prosperi-
dade. Hoje as pessoas podem navegar na
Internet e têm a seu dispor os meios de comuni-
cações mais avançados, como telefones celula-
res e computadores que cabem na palma da
mão. Em contrapartida, seus filhos já não
podem tomar banho no córrego do bairro, sim-
plesmente porque ele está totalmente poluído.
Essa mudança de percepção tem influenciado
positivamente a modernização das políticas públi-
cas relacionadas à gestão ambiental, particular-
mente no tocante a recursos vitais como a água. O
homem não é capaz de sobreviver sem o meio
ambiente harmônico, sem os recursos naturais.
Isso leva a crer que o homem faz parte daquilo
que se pode chamar de “imensa teia da vida”.
23
Gestão das águas em
uma economia
g l o b a l i z a d a

Ele é parte, e apenas uma parte de todo o
processo, dependente de outros seres vivos e do
meio físico para permanecer no planeta. A
partir dessa percepção foram criadas as
condições políticas objetivas para que sejam
estabelecidos novos paradigmas para a proteção
do meio ambiente.
A Lei 9.433, a Lei das Águas, criou o
Conselho Nacional de Recursos Hídricos e fixou,
pela primeira vez, uma política pública no
Brasil que atribui a um comitê da bacia o poder
concreto de decidir as políticas de conservação
e uso sustentável dos recursos
hídricos. O comitê de bacia é
um mecanismo democrático e
participativo no qual as três
esferas de Governo (Federal,
Estadual e Municipal) com-
partilham com os usuários da
água e com as entidades da
sociedade civil o poder de
decidir sobre as prioridades e
as políticas a serem estabe-
lecidas para a conservação e
uso dos recursos hídricos
naquela bacia. Nós passa-
mos, também, a tratar a água
como um insumo econômico,
buscando mudar a mentali-
dade retrógada de tratar os
recursos naturais como
recursos de custo zero por serem são ofertados
pela natureza.
A cobrança pelo recurso ambiental “água”
significa valorizar economicamente um recurso
da natureza. Significa, ainda, deixar de tratar o
dano ambiental como uma externalidade econô-
mica, pois estamos sinalizando claramente que
o custo ambiental tem que estar embutido no
custo dos produtos e serviços oferecidos à
sociedade. O modelo atual é extremamente
perverso porque permite a apropriação do lucro
pelo uso dos recursos naturais apenas pelos
agentes econômicos, mas socializa para toda a
sociedade os prejuízos e danos ambientais cau-
sados pela utilização desses mesmos recursos.
Para que os mecanismos previstos na lei
nacional de gerenciamento de Recursos Hídricos
possam ser efetivos, a cobrança pelo uso das
águas depende dos comitês. A cobrança não se
dará por uma decisão unilateral do governo e da
autoridade pública, ela terá que ser negociada
no âmbito do comitê. Estabelecer as regras da
cobrança e os valores compe-
te aos comitês, e por isso é
importante que eles estejam
organizados e entrem em
funcionamento.
É preciso deixar bem claro
que a cobrança pelo uso da
água não se tornará mais um
i n s t rumento de arr e c a d a ç ã o
para os cofres federais. Por lei,
no mínimo 92,5% dos recursos
apurados deverão ser reinves-
tidos na recuperação da pró-
pria bacia hidrográfica, em
programas de reflorestamento
de matas ciliares, proteção de
nascentes, recuperação de
áreas degradadas e tratamento
de esgoto e lixo, a partir de
prioridades definidas pelo comitê de bacia.
Esse é o primeiro passo de uma grande
mudança que o Brasil vai realizar para o futuro.
Como detentores de um dos maiores ativos
ambientais do planeta, nós temos que trabalhar
com políticas extremamente modernas para
gerir esse patrimônio natural e transformar
suas vantagens comparativas em vantagens
competitivas em uma economia cada vez mais
globalizada.
24
José Carlos Carvalho
Ministro de Estado do Meio Ambiente
O modelo atual é
extremamente perverso
porque permite a
apropriação do lucro pelo
uso dos recursos naturais
apenas pelos agentes
econômicos,mas socializa
para toda a sociedade os
prejuízos e danos
ambientais causados pela
utilização desses mesmos
recursos.

Passados dez anos da Rio-92, o debate acerca
de indicadores ambientais parece ainda tão
vigoroso quanto inconcluso. Não foram pequenos
os esforços de cada país participante e da
comunidade internacional como um todo, no
sentido de definir e produzir inform a ç õ e s
adequadas a orientar ações relativas ao meio
ambiente e ao desenvolvimento sustentável, e os
avanços foram consideráveis. Ocorre que a
perspectiva de ação imposta pelos problemas
ambientais sugere uma abordagem ampla e
extremamente diversificada e um horizonte tem-
poral de referência absolutamente inauditos.
Assim, o tamanho e a complexidade da tarefa
faz com que as conquistas pareçam sempre
menores que os desafios (re)colocados.
Afinal, o que se requer são informações que, ao
mesmo tempo, retratem praticamente toda a ativi-
dade humana e seu impacto sobre condições de
ambiência nos seus múltiplos aspectos. Mais que
isso, as informações devem ainda permitir inferên-
cias sobre as necessidades das gerações futuras.
As dificuldades tornam-se ainda maiores
porque, no caso das estatísticas sociais, as prin-
cipais fontes são os registros administrativos e
as pesquisas domiciliares, onde o informante
responde às perguntas do entrevistador, enquan-
to no caso das estatísticas econômicas as
principais fontes são, novamente, os registros
administrativos e as respostas das empresas,
unidades produtivas ou órgãos públicos.
Mas nem os registros administrativos, nem
empresas, nem cidadãos estão preparados para
responder sobre impactos causados ao meio
ambiente e, ao perguntarmos aos ecossistemas
sobre estes impactos, eles nos oferecem
respostas em sua própria “linguagem” que
ainda estamos distantes de saber ouvir e
compreender adequadamente.
Todo indicador, toda informação estatística
constitui, antes de tudo, uma síntese de grande
abstração. E são abstrações na forma de cifras
cuja inteligibilidade e, logo, utilidade, depende
de familiaridade com o fenômeno mensurado e
com o modo e escala em que é medido. Um
indicador que agrega, por exemplo, a produção
social medida em unidades monetárias, é algo
absolutamente abstrato, mas muito objetivo,
passados centenas de anos das sociedades
monetizadas. Mas é objetivo também por se
referir a mercadorias normalmente comerciali-
zadas. Coisa muito diversa é medir e construir
indicadores sintéticos que incorporem paisa-
gem, qualidade de ar, reservas naturais, danos
ambientais, saúde e outros que tais. Trata-se de
justapor, condensar e integrar aspectos que são
objeto de múltiplas disciplinas, que muitas vezes
utilizam diferentes sistemas de medida e que,
principalmente, ainda são de valoração social
extremamente difícil por conta tanto da
ignorância humana sobre a dinâmica ecológica
como do fato de estarmos ainda nos primórdios
do processo histórico (econômico, social e
político) que definirá a extensão e a profundi-
dade do compromisso com as gerações humanas
do futuro.
Enquanto o universo da produção de
estatísticas econômicas e sociais dispõe de um
aparato conceitual, metodológico e de melhores
práticas desenvolvido ao longo de décadas e
objeto de um trabalho mundial de harm o n i z a ç ã o
29
Indicadores ambientais
para uma globalização
s u s t e n t á v e l

com vistas à maior comparabilidade, as defini-
ções conceituais, viabilidade, aplicabilidade e
funcionalidade dos inúmeros indicadores ambi-
entais e do desenvolvimento sustentável propos-
tos são reiteradamente criticados, revistos e
postos à prova. Nesse sentido são todos novos,
como nova é a temática do meio ambiente e, por
isso, pagam tributo à imprecisão e fluidez do
próprio conceito de desenvolvimento sustentável.
Tornou-se ponto de controvérsia a própria
idéia de valoração de recursos naturais e
s e rviços ambientais e, logo, a ênfase em
mensurações físicas ou a elaboração de medidas
monetárias. A discussão se desdobra ainda entre
privilegiar indicadores associados ao que se
denominou sustentabilidade fraca ou aqueles
associados a sustentabilidade forte. Na hipótese
fraca da sustentabilidade admite-se uma grande
capacidade de substituição entre “capital
natural” e manufaturado de maneira que os
recursos naturais podem ser valorados confor-
me se manifesta a preferencia do consumidor.
Em outras palavras, supõe-se que qualquer uso
dos recursos naturais possa ser reposto por
fontes alternativas de igual valor. Na hipótese
forte da sustentabilidade, considera-se a
substituição limitada e, com base em pesquisas
ecológicas, avaliam-se os custos relativos a
“padrões de uso” ou de “sustentabilidade” de
diferentes “funções ambientais” e os custos
para troca ou reformulação das atividades
econômicas, de sorte que se evite a depleção ou
degradação do meio.
Muitos autores tomam posição entre os dois
extremos das hipóteses fraca e forte de
sustentabilidade. Aceitam que na prática as
economias no presente dependem de consumir
algum nível de recursos não renováveis. Por
outro lado, permitir que todas as fontes não
renováveis sejam consumidas rapidamente seria
irresponsável. A alternativa conceitual tem sido
trabalhar com a idéia de um certo “nível
crítico” de recursos ambientais, ou seja, um
nível além do qual a depleção não deve ser
permitida. É evidente que não há consenso
sobre quais níveis críticos considerar.
Também a disputa entre mensurações físicas
e sócio-econômicas admite uma posição
intermediária. Embora seja evidente a dificul-
dade em integrar ambos os aspectos, trata-se de
uma construção (mais do que técnica, histórica)
indispensável. Assim, cabe avançar tanto o
desenvolvimento de indicadores e índices
ambientais quanto o desenvolvimento de contas
físicas e ambientais e sistemas integrados,
consolidando, através de aplicações práticas as
alternativas mais úteis e viáveis. Nos trabalhos
para a elaboração do novo manual da ONU
sobre contas ambientais (SEEA) é proposta
uma contabilidade ambiental híbrida, confron-
tando informações física sobre o uso dos
recursos com informações em termos físicos e
monetárias sobre o processo econômico de
produção.
Cabe lembrar que quaisquer que sejam as
abordagens conceituais e os métodos seguidos, é
necessária a coleta e sistematização de um
vasto conjunto de informações. E sua produção
não pode prescindir da colaboração de diversas
instituições. Algumas em razão da sua
competência específica e outras historicamente
engajadas no estudo das questões ambientais.
O Brasil tem participado ativamente deste
esforço, quer internamente, através de orga-
nismos públicos, universidades, instituições
privadas e organizações não governamentais,
quer externamente, colaborando com diversas
iniciativas e organismos internacionais.
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, na qualidade de instituição
oficial de estatística, tem procurado responder
às funções que lhe são atribuídas neste campo,
inclusive no sentido da construção de um
sistema nacional voltado a organização e
consolidação de informações ambientais.
30

De fato, enquanto em todo o mundo,
Instituições Nacionais de Estatística buscam
aproximação com a cartografia em função das
possibilidades abertas pelo desenvolvimento da
tecnologia de geo-referenciamento de dados e
da geografia, ciências biológicas, física e
química, em função das demandas colocadas
pela produção de informações ambientais, o
Brasil conta, desde 1936 quando foi criado o
IBGE, com essas atribuições reunidas numa
única instituição que tradicionalmente dedica-se
ao conhecimento da realidade físico-ambiental
do território. Além das atividades básicas de
geodesia e cartografia oficial, desenvolvidas
pelo IBGE desde então, destaca-se, a incor-
poração, em 1986, do acervo e Pr o j e t o
RA D A M B RASIL, ampliando a atenção aos
temas de geologia, geomorfologia, solos, vege-
tação, uso potencial da terra.
Pa r t i c u l a rmente para a Amazônia Legal, que
representa mais de 50% do Te rritório Nacional,
mediante Contrato firmado entre o IBGE e a
Comissão de Implantação do Sistema de
Controle do Espaço Aéreo – CISCEA / Sistema
de Vigilância da Amazônia – SIVAM, já se en-
contram armazenadas, em banco de dados geo-
referenciados, informações inerentes a 204 car-
tas (escala 1:250 000), compreendendo os temas
geologia, geomorfologia, solos e vegetação.
Ainda no que concerne aos estudos dos
recursos naturais, o IBGE desenvolve pesquisas
voltadas à área de Fauna e Flora. Nestes, des-
taca-se o trabalho de levantamento básico rea-
lizado pelos herbários IBGE (Brasília e
Salvador) na mais absoluta harmonia com insti-
tuições congêneres do Brasil e do exterior e com
grande integração com as atividades de mapea-
mento de vegetação e coleta de material botânico.
As coleções científicas do IBGE constituem
um valioso patrimônio à disposição da Insti-
tuição e da comunidade científica, pois são,
como importante testemunho histórico-
científico da biodiversidade original, informa-
ção indispensável para construção de muitos
indicadores de impacto ambiental.
O IBGE tem participado também dos
trabalhos da Comunicação Nacional Brasileira
de Gases de Efeito Estufa, coordenado pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT e
assumiu a responsabilidade de ser o depositário
das informações do inventário brasileiro das
emissões de gases do efeito estufa.
Coordena também a coleta, revisão e
atualização da base de dados sobre estatísticas
ambientais que o grupo de trabalho formado
pelo IBGE, Instituto de Pesquisas Espaciais
(INPE), Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (IPAM), Banco de Dados da
Amazônia da Secretaria da Amazônia do Minis-
tério do Meio Ambiente e Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) produz para dar suporte
ao Relatório Perspectivas do Meio Ambiente no
Brasil, o Geo Brasil, que está sendo elaborado
pelo MMA e o IBAMA, em parceria com o Pro-
grama das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) com vistas à divulgação
durante a Conferência Mundial de Meio
Ambiente e Desenvolvimento – Rio +10, em
Johannesburgo.
Mais recentemente o IBGE, valendo-se
também de seu patrimônio de informações e
pesquisas econômicas e sociais, vem desenvol-
vendo juntamente com o Ministério do Meio
Ambiente o Projeto Indicadores de Desenvolvi-
mento Sustentável. Ele tenta contribuir para
avaliações abrangentes da realidade brasileira,
incluindo a perspectiva ambiental, sob a ótica
da compatibilização das diversas dimensões do
desenvolvimento, com a intenção de sistema-
tizar e acompanhar a situação nacional no que
diz respeito ao desenvolvimento sustentável.
A preocupação com indicadores de
sustentabilidade foi colocada pela Agenda 21
31

nos capítulos que tratam da relação entre meio
ambiente, desenvolvimento sustentável e
i n f o rmações para a tomada de decisões. A
idéia central da Conferência Rio-92 foi a de
dotar os países signatários dos instru m e n t o s
adequados para medir e avaliar as políticas
públicas voltadas para o desenvolvimento
s u s t e n t á v e l .
O projeto toma como referência a
metodologia proposta pela Comissão para o
Desenvolvimento Sustentável elaborada em
1996, intitulada. “Indicators of Sustentainable
Development Framework and Methodologics”
conhecido como “Livro Azul” e as recomenda-
ções adicionais que o sucederam, como é o caso
dos resultados do “International Expert
Meeting on Information for Decision - Making
and Participation”, em setembro de 2000, no
Canadá. Assim, trata de temas como Saúde,
Educação, Habitação, População, Atmosfera,
Terra, Oceanos/Mares e Costas, Água, Biodiver-
sidade, Padrões de consumo e produção, etc.
Com o objetivo de fornecer uma avaliação
mais adequada quanto ao processo de desenvol-
vimento, cada indicador será apresentado numa
perspectiva evolutiva através de série histórica
de dados para Brasil, tomando como base o ano
de 1992. Além disso, quando possível, será ado-
tado o nível de agregação espacial das unidades
da Federação o que permite o exame da diver-
sidade de situações existentes no país.
O esforço que o IBGE vem realizando com
este projeto pretende disponibilizar um conjunto
de indicadores que posteriormente poderá e
deverá ser adaptado, ampliado e aprimorado e
que, certamente, contribui para ampliar o
debate das questões ambientais na sociedade
brasileira.
Acreditamos que é importante, contudo, não
minimizar as dificuldades existentes na defini-
ção e no aprofundamento do conceito de desen-
volvimento sustentável.
A visão de desenvolvimento sustentável da
interpretação neoclássica tende a cair, na nossa
opinião, na armadilha do que poderíamos
chamar de utopia da razão técnica e supor que
a sustentabilidade da aventura civilizatória
humana pode ser alcançada exclusivamente
através do aumento da eficiência econômica e
da adoção de tecnologias mais limpas. Nesse
caso, estaríamos frente à uma versão extremista
da hipótese fraca da sustentabilidade, que
admite a exaustão de qualquer riqueza natural
desde que seu valor possa ser reposto por outro
ativo de igual valor, propondo um modelo que
ignora completamente as incertezas envolvidas
nessa troca e representa muito mal a realidade
do processo de produção.
Em outra posição estariam não apenas os
adeptos da hipótese forte da sustentabilidade
como também aqueles que ao se situarem entre
os dois extremos (na forma apresentada no
início deste artigo) chamam a atenção para a
necessidade de definir o recorte territorial dos
ecossistemas cuja sustentabilidade deseja-se
p r e s e rvar e a abrangência temporal do
compromisso com as futuras gerações.
Se o que pode estar sob ameaça, numa escala
de tempo à qual não estamos habituados e é
impossível ao mercado “enxergar”, é o
ecossistema planetário na sua forma atual e,
portanto, a própria sobrevivência da espécie
humana, como atribuir valor àquilo que afeta,
positiva ou negativamente, a sustentabilidade
do desenvolvimento?
Em posição oposta à razão tecnicista,
portanto, estariam aqueles que, ainda que
considerando desejável e indispensável o aumen-
to da eficiência econômica e tecnológica, pen-
sam ser necessária a constituição de vontades e
mecanismos democráticos globais que se sobre-
ponham à orientação de mercado (eficiente na
alocação dos recursos produtivos mas cega e
surda à quaisquer outros valores que não os da
32

acumulação de capital) fazendo prevalecer os
princípios da sustentabilidade ambiental e ética
da humanidade. Para isso é preciso estar aberto
à discussão dos padrões de
produção, circulação e
consumo de mercadorias e
admitir que os recursos natu-
rais do planeta constituem
ativos cujos valores não serão
d e t e rminados de form a
intrínseca pelo mercado na
sua forma atual, mas sim
c o n s t ruídos historicamente
por uma humanidade progres-
sivamente mais consciente.
Os trabalhos preparatórios
para o novo manual da ONU
sobre contas ambientais
(SEEA 2000) definem três
“funções” do meio ambiente sobre a economia:
1)funções de recursos (recursos naturais
colocados à disposição para conversão em
bens ou serviços);
2)funções de serviços (provêem as condições
necessárias para a manutenção da vida) e
3)funções de absorção (diz respeito à absorção
dos resíduos da produção e do consumo).
Para nossos propósitos, podemos considerar
secundária a questão da disponibilidade de
recursos naturais para o processo de produção e
consumo porque ela é muito mais sensível à
evolução tecnológica e porque para um recurso
fundamental (a energia) existe enorme e
constante oferta externa ao planeta, o que não
ocorre para as outras duas funções.
A diminuição da quantidade e qualidade das
funções de serviço e o inegável uso das funções
de absorção muito além das suas capacidades
de assimilação dos resíduos da produção e do
consumo, contudo, podem (e o estão fazendo)
ameaçar severamente a qualidade de vida das
populações mais desfavorecidas em term o s
econômicos e sociais e a própria biodiversidade
atual do planeta, inclusive a sobrevivência da
espécie humana.
Para dimensionar o im-
pacto das atividades humanas
sobre essas funções, entre-
tanto, é necessário definir o
recorte territorial, determi-
nando se os impactos são
locais, regionais ou globais.
Questões locais tem a ver com
qualidade do ar, fornecimento
de água limpa, a remoção e
disposição do lixo sólido e dos
efluentes líquidos, limpeza
das ruas, etc.
Questões regionais são
causadas principalmente
pelos automóveis, produção
de energia e indústria pesada. Afetam as
grandes cidades e áreas circunvizinhas, bacias
hidrográficas e até extensões além das fron-
teiras nacionais, como a “chuva ácida”
decorrente das emissões de dióxidos de enxofre
e de nitrogênio.
A terceira categoria de questões são as
globais e suas conseqüências mais conhecidas
são o aquecimento global, a crise de
biodiversidade, a destruição da camada de
ozônio e a degradação dos oceanos. É provável
que a escassez de recursos hídricos e o aumento
da desertificação exijam, também, uma
aproximação global, além da regional.
Desenvolvimento sustentável é um conceito e
um processo histórico em construção que
pressupõe uma dimensão espacial (o território)
e uma dimensão temporal (a extensão do com-
promisso com as gerações futuras). Ambas exi-
gem definições concretas e consistentes entre si.
Assim, a preservação de um determinado
ecossistema poderia ser definida, em função da
abrangência de seu território, como um
problema local ou regional. A avaliação da
33
D e s e n v o l v i m e n t o
s u s t e n t á vel é um conceito e
um processo histórico em
construção que pressupõe
u ma dimensão espacial e
u ma dimensão temporal.
Ambas exigem defi n i ç õ e s
c o n c r e tas e consistentes
entre si.

sustentabilidade do desenvolvimento de uma
nação, ou grupos de nações, uma questão
regional. Os processos globais são, como vimos,
aqueles que afetam a sustentabilidade do desen-
volvimento e da vida humana no planeta.
Quanto à dimensão temporal, a escala de
tempo que envolve a sustentabilidade de um
ambiente local ou regional é medida em
décadas, o que já configura um horizonte muito
mais dilatado do que aquele à que estamos
(instituições e mercado) habituados.
A agressão ao ecossistema global,
entretanto, exige da humanidade capacidade de
pensar e agir em um tempo histórico ainda mais
amplo, mensurável em séculos. Isso diz respeito
não apenas ao futuro (apenas como exemplo,
gases de efeito estufa permanecem séculos na
atmosfera e essa também é a unidade para
medir a dilatação das águas dos oceanos,
d e c o rrente do aquecimento global e causa
principal da elevação do nível dos mares) mas
também ao passado, na medida em que por
detrás da noção de “responsabilidades comuns
porém diferenciadas”, consagrada na Rio-92,
está a consciência de que entre as nações do
mundo existem responsabilidades históricas
distintas pelos processos em andamento.
Paradoxalmente, essa dilatada escala de
tempo torna fundamental e coloca na agenda a
exigência de urgência para a produção das
informações físicas que permitam acompanhar
os processos de poluição que ocorrem em escala
global. Isto por duas razões. Em primeiro lugar
porque como é grande o desconhecimento sobre
a dinâmica ecológica do planeta, o princípio da
precaução exige o uso equilibrado dos recursos
e serviços do meio ambiente de forma a prevenir
danos irreparáveis à sua sustentabilidade. Em
segundo lugar, porque é o conhecimento
científico dos processos em andamento e das
suas conseqüências que fornecerá o suporte
para que a sociedade humana, através de uma
dinâmica democrática global, construa os
mercados e os sistemas de regulação que
tornarão possível atribuir valores aos ativos
importantes para a sustentabilidade da vida tal
qual a conhecemos. O melhor exemplo contem-
porâneo são as negociações no âmbito da ONU
para o enfrentamento do aquecimento global,
que através do Protocolo de Kioto e acordos
subseqüentes viabilizaram o surgimento de um
mercado global para toneladas de carbono que
deixem de ser acumulados na atmosfera.
Do ponto de vista da elaboração de
indicadores de Desenvolvimento Sustentável
isso significa, também, que é preciso tomar
extremo cuidado para não confundir os
indicadores que iluminem a agressão humana
ao ecossistema planetário com o conjunto de
informações que cada sociedade produz e utiliza
em seu território com vistas à avaliar a
sustentabilidade de seu desenvolvimento e à
melhoria de suas políticas públicas.
Em outras palavras, não é a agregação dos
Indicadores de Desenvolvimento Sustentável
que cada país produz, com seu caráter embri-
onário anteriormente exposto e suas dificul-
dades para obterem uma territorialização que
reflita a realidade dos ecossistemas, que poderia
c o n s t i t u i r-se numa informação adequada da
sustentabilidade do desenvolvimento global.
Tampouco esses indicadores se prestam à
hierarquizações que não teriam qualquer
consistência espacial ou temporal com a
sustentabilidade do planeta.
Ainda que os indicadores globais possam ser
harmonizados e definidos como um subconjunto
dos indicadores de desenvolvimento sustentável
que cada país deveria produzir, sabemos que o
estágio em que as nações do mundo se encon-
tram na produção de estatísticas econômicas,
sociais, e, principalmente, ambientais, é bas-
tante heterogêneo e que a definição das prio-
ridades nos programas de trabalho estatístico
34

de cada país decorre de sua própria vida social
e é assunto autônomo dos Institutos Nacionais
de Estatística.
Desse ponto de vista, parece-nos que, sem
prejuízo dos esforços conduzidos pela Comissão
Estatística das Nações Unidas na produção de
estatísticas ambientais e de contas ambientais
associadas às contas nacionais e pela Comissão
de Desenvolvimento Sustentável das Nações
Unidas através dos indicadores do desenvol-
vimento sustentável do Livro Azul, que
propiciam às sociedades elementos para avaliar
aspectos da sustentabilidade de seu desenvol-
vimento, deveria ser considerado objetivo
prioritário a elaboração de Indicadores do
Desenvolvimento Sustentável Global que
retratem fisicamente os processos de agressão
global ao ecossistema planetário, torn a n d o
possível prevenir eventos irreparáveis e
f o rnecendo o suporte necessário para a
construção dos mercados que serão responsá-
veis pela valoração dos ativos naturais.
Para isso seria necessária a concentração de
esforços nesses processos (Mudança Global do
Clima, Crise de Biodiversidade, Redução da
Camada de Ozônio, degradação dos oceanos,
desertificação e crise de recursos hídricos). A
criação de um sistema de monitoramento da
sustentabilidade do desenvolvimento mundial
exigiria dos países desenvolvidos amplos
investimentos no conhecimento científico e
acompanhamento da biosfera, da atmosfera,
dos oceanos e dos continentes; na realização de
seus próprios levantamentos nacionais e no
apoio à ONU e instituições multilaterais na
mobilização de recursos para harm o n i z a r
metodologias e viabilizar a execução dos
levantamentos dos países menos desenvolvidos.
A experiência da definição de metodologia pelo
Painel Intergovernamental sobre Mudança do
Clima (IPCC) e o sistema construído para
apoiar a realização das comunicações nacionais
para a Convenção Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima poderia ser
aproveitada como modelo.
35
Sérgio Besserman Vianna
Presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
Guido Gelli
Diretor de Geociências do IBGE

A idealização do território é provavelmente
um dos temas mais caros ao romantismo, ao
longo de todo o século XIX. O Brasil, jovem
Nação que então emergia para a história, não
poderia ser exceção. Assim como os Estados
Unidos da América projetaram sobre o far west
as esperanças de construção de uma sociedade
nova e sem igual – rica, empreendedora,
desafiadora – o Império brasileiro começou a
c o n s t ruir sua imagem de pujança natural,
mistério e desafio civilizatório a partir das
primeiras expedições científicas que aportaram
em nosso país tão logo este se fez independente.
Mais do que um Imperador culto, mecenas
das artes e das ciências, movia o interesse sobre
a Amazônia a possibilidade de se descobrir
formas de vida insuspeitadas, testemunhas vivas
da generosidade infinita da criação. De fato,
aquele país que a Europa antevira através do
traçado da paisagem do “Brasil holandês”
1
e de
Debret aprofunda-se a partir de meados do
século XIX com a expedição de Spix e Martius,
a expedição Langsdorff e tantas outras que nos
deixaram o testemunho do olhar deslumbrado
do ocidente culto sobre a América intocada e
desafiadora.
A primeira elaboração romântica nacional
sobre a Amazônia foi incitada pelo próprio
Imperador, ao propor ao Instituto Histórico e
Geográficoo desenvolvimento de estudos que
respondessem às seguintes questões: “ Se
existiram Amazonas no Brasil? Se existiram, quais os
testemunhos de sua existência; quais seus costumes,
usanças e crenças? Se se assemelhavam ou indicavam
originarem-se das Amazonas de Scithia e Líbia, e
quais os motivos do seu rápido desaparecimento? Se
não existiram, que motivo tive ram Orellana e
Cristovão da Cunha, seu fiador, para nos asseverarem
a sua existência?”E coube justamente a Antônio
Gonçalves Dias, um de nossos mais importantes
poetas românticos, desincumbir-se da tarefa
2
.
De lá para cá, essa mitologia sempre
encontrou eco entre brasileiros e estrangeiros –
e continuará encontrando, de vez que o
desconhecido tão bem se presta à imaginação –
mas, ao mesmo tempo, tem servido de forte
estímulo à indagação científica e à apropriação
racional desse que, sem dúvida, é um dos mais
expressivos patrimônios da humanidade.
Hoje, quando vislumbramos a Amazônia, é a
contribuição que ela possa dar à humanidade
enquanto espaço singular, habitat de um sem
número de espécies naturais, que move nossas
indagações e mobiliza nossas energias. Já não
são poucos os documentos que circulam nas
esferas públicas e que sugerem uma vasta gama
de opções estratégicas para se viabilizar na
Amazônia uma “civilização brasileira florestal”com
o objetivo de preservar a quase totalidade deste
bioma e desenvolver as atividades econômicas
capazes de promover a elevação do padrão de
vida da população da região. No extremo
oposto, é grande o alarmismo fomentado pela
divulgação de projeções sobre a “destruição”
da Amazônia se mantidos os níveis de
desflorestamento, associados à extração de
madeira e produção agropecuária, ou simples-
mente os incêndios florestais decorrentes de
práticas agrícolas inadequadas, ou, ainda, o que
37
Amazônia: desafios de
uma civilização tropical
no século XXI

grandes projetos de infra-estrutura permitem
antever.
A aparente utopia da “civilização florestal” –
afinal nenhum país industrializado logrou este
tento até os dias correntes – tem o sentido maior
de desafio a que se construa formas originais de
gestão dos recursos naturais da floresta,
t o rnando-as perenes ao mesmo tempo que
propiciadoras do bem estar da população.
Portanto – pelo que encerra de esperanças e
possibilidades – a defesa do bioma amazônico
constitui um interesse nacio-
nal especifico, perm a n e n t e ,
com potencial de produzir
valores para a sociedade mui-
to maiores do que os valores
p o rventura decorrentes da
supressão da floresta para o
uso da madeira e da terr a .
Área de contrastes reais e
imaginados, a Amazônia
deve ser encarada como
ecologicamente orientada
pela recriação das formas de
produção que tomam os
recursos naturais como o
diferencial que maior valor
agrega ao desenvolvimento regional. Assim, ela
deixaria de ser uma região “de fronteira” para,
através da valorização dos seus recursos
naturais, viabilizar um modelo de desenvol-
vimento endógeno, único no mundo, com o uso
de tecnologias adequadas ao seu manejo, parti-
cularmente da água, do solo e da vegetação.
Esse modelo singular seria o parâmetro
orientador para todas as oportunidades de
investimentos que lá venham a ser identificadas.
Vê-se, portanto, que também no início do
século XXI encontra-se o país dotado de uma
nova utopia para a Amazônia: a utopia da
civilização florestal apoiada nas mais
avançadas tecnologias disponíveis. Ao contrário
porém da utopia romântica, a nova “utopia”
vale pelos compromissos transformadores que é
capaz de engendrar a partir dos esforços dos
brasileiros e da comunidade internacional. A
exploração da região já não pode ser uma
empreitada isolada, seja de interesses
comerciais voltados para ganhos imediatos, ou
mesmo de cientistas, dobrados sobre sua imensa
riqueza sem compromissos com as populações
locais ou com o significado de suas descobertas
para o país como um todo. A Amazônia do
futuro será de todos os brasileiros e a cons-
ciência que hoje se forma em
t o rno dela corresponde à
apropriação racional, madu-
ra, dessa porção do território
que antes mais se prestava às
fantasias românticas.
Para nós, brasileiros, o
desafio de se elevar a
qualidade de vida dos vinte
milhões de amazônidas sem
comprometer a identidade da
região e a diversidade social,
cultural, ambiental e biológi-
ca que a caracterizam é a
diretriz maior de quantos
planos e projetos de desenvol-
vimento venham a estar orientados para o seu
território. O que a região pode melhor oferecer
à humanidade são serviços ambientais e
conhecimento dos processos de convivência e
evolução das espécies; alguns já pesquisados,
outros imaginados, a maioria desconhecidos.
Preservar e fomentar esta possibilidade de
avanço científico é uma responsabilidade, em
primeiro lugar, do Estado brasileiro e, subsidia-
riamente, de toda a comunidade internacional
voltada para a construção de novos patamares
de interação sustentável com a natureza em
escala planetária. Não há outro caminho a
seguir: é preciso um compromisso universal,
amplo, com o caráter inovador de desenvolvi-
mento que a Amazônia permite vislumbrar,
38
AAmazônia do futuro será
de todos os brasileiros e a
consciência que hoje se
forma em torno dela
corresponde à apropriação
racional,madura,dessa
porção do território que
antes mais se prestava às
fantasias românticas.

desde que a curiosidade científica se debruçou
sobre o seu território, a partir do século XIX.
Afinal é na Amazônia que se joga, como é cada
vez mais reconhecido, boa parcela da sorte da
humanidade como um todo.
Felizmente, já superou o país aquela fase do
planejamento regionalizado, no qual se dividia
pelo espaço parcelas do orçamento público
alocando-os em estratégias de crescimento que
– esperava-se – atingiria as metas inicialmente
projetadas. Hoje, no plano que persegue a
articulação territorial das diversas iniciativas
públicas e privadas, governamentais ou não
governamentais, catalogadas sob a ótica do
desenvolvimento social, econômico, ambiental e
de informação e conhecimento, respeitando-se
as especificidades locais e tendo como pano de
fundo uma estratégia nacional de desenvolvi-
mento sustentável, o panorama que se
descortina é bem mais integrado, mais cheio de
determinações recíprocas, de sorte que se
dispõe do vasto acervo de conhecimento que se
acumulou no processo de elaboração tanto da
Agenda 21 Brasileira quanto dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento.
Em outras palavras, o tecido social e econômico
que vai se desenhando em torno de diretrizes
como as estabelecidas na Agenda 21, ou dos
Eixos, fazem da Amazônia não uma região a se
“resgatar” mas, antes, um espaço de plane-
jamento a se integrar mais e mais às dinâmicas
nacional e internacional, alimentando-as e delas
se nutrindo também.
Cada vez menos, numa sociedade
globalizada, os “espaços” não poderão ser
fechados sobre si mesmos. Cada vez mais a
sinergia entre eles determinará a dinâmica que
move os países e as regiões espacialmente mais
próximas ou economicamente mais integradas.
Por essa razão, os investimentos já não são
“regionalizados” no sentido clássico. Tomemos,
por exemplo, a “marca Amazônia”. O seu
desenvolvimento exige que seja amplamente
aceita no mercado mundial, pois através dela se
legitima um acréscimo de valor aos produtos
que corresponda ao “custo ambiental” para
produzi-los, isto é, um diferencial que possa ser
garantia do desenvolvimento regional
sustentável.
Evidentemente esta experiência que se
vislumbra exige que nos debrucemos de várias
maneiras novas sobre a Amazônia. Uma delas,
na área de “informação e conhecimento” -
dimensão reconhecidamente contemporânea do
desenvolvimento, onde a construção do padrão
que a Amazônia requer se alicerça – passa-se
necessariamente pelo acesso universal da
população local à informação e aos conteúdos
do conhecimento que dizem respeito às suas
vidas, trabalho e fruição cultural enquanto
formas de inclusão e organização social para o
pleno exercício da cidadania. Recursos públicos
já disponibilizados para essa finalidade – como
os recursos do Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações – precisam ser
desenvolvidos e incrementados de forma a
provocar no menor tempo possível o maior
impacto esperado. Essa dimensão estratégica
da informação e do conhecimento abriga, ainda,
programas de capacitação profissional e técnica
para atividades organizadas na forma de
a rranjos produtivos locais (sustentáveis e
competitivos) ou para atender políticas públicas
específicas, de desenvolvimento social ou meio
ambiente.
Complementarmente, há que se investir em
pesquisa e desenvolvimento de caráter inovador,
porém voltada para arranjos produtivos já
existentes, como a Zona Franca de Manaus, ou
para novas atividades que possam potencializar
as vantagens competitivas do ambiente local e
seu repertório de informações ecológicas e
biológicas. Esse é um enorme desafio para a
sociedade científica brasileira e, particular-
mente, para as poucas centenas de doutores que
vivem na região, fato que constitui uma
39

fragilidade notável para o desenvolvimento
regional. A atratividade moderna da
“Amazônia”, como vimos, remonta ao século
XIX. No entanto, a fixação dos talentos a ele
vocacionados, a interação do conhecimento
produzido com a população autóctone, o
desenvolvimento científico local – tudo isso
constitui itens da pauta do modelo de
desenvolvimento sustentável regional que o
Estado brasileiro deve perseguir com afinco nos
tempos presentes.
A busca da harmonia com a ecologia
amazônica impõe a necessidade de inovação
também para os projetos de infra-estrutura
econômica, ou seja, transporte, energia e
comunicações, que devem ser concebidos como
sistemas adaptados ao ambiente e ao contexto
de uma Amazônia subcontinental, intern a-
cionalmente integrada. Essa ótica ilumina a
integração internacional não só como indutora
de fluxos comerciais, mas também de fluxos de
informação e conhecimento (redes de comu-
nicações) e de melhores alternativas de
investimento na exploração de recursos naturais
e na infraestrutura. O aproveitamento hidre-
létrico mais racional de Guri, na Venezuela, e a
exportação de energia através de linhas de
transmissão para o Estado de Roraima, no
Brasil, formam um conjunto exemplar dessa
busca de ecoeficiência subcontinental nos
investimentos de infra-estrutura. Outro digno de
registro é proposta de interligação rodoviária
entre os estados de Roraima e Amapá, no
extremo norte do subcontinente, através de um
arco, que se inicia em Boa Vista e termina em
Macapá, e passa, no sentido horário, por
Georgetown, Panamaribo e Cayenne, antes de
reingressar ao território brasileiro. Está via já
está quase toda pavimentada e é conhecida
como “Arco Norte”.
Como sistemas mais adaptáveis ao ambiente
amazônico destacam-se as hidrovias, o
aproveitamento energético do gás natural de
Urucu e fontes alternativas de energia, mais
expressivas e eficientes quando combinadas
entre si.
Dos projetos de hidrovias merece menção a
Hidrovia do Rio Madeira, iniciativa público-
privada, que ao inverter a lógica do fluxo
predominante de transporte que atende a região
centro-oeste, voltada aos portos da região
sudeste, para o Norte, na direção do porto
fluvial de Itacoatiara, às margens do Rio
Amazonas, proporcionou uma redução no custo
de transporte de grãos da ordem de 30 dólares
por tonelada.
Na abordagem da questão ambiental, a
inovação que se busca passa pela abordagem
conceitualmente mais ampla que não se
restringe a ações mitigadoras, normalmente
decorrentes de projetos de infra-estrutura, mas
que trata o meio ambiente como gerador de
oportunidades de emprego e renda.
Nas áreas florestadas, por exemplo, isso
implica em exploração do turismo sob as mais
diversas formas (turismo ecológico, pesca
esportiva, turismo de aventura, observação de
pássaros, etc- modalidades contempladas no
PROECOTUR) ou em atividades de manejo de
baixo impacto, de produtos madeireiros ou não-
madeireiros. Nesse contexto, há necessidade de
se incentivar comercialmente atividades
sustentáveis, tanto através de iniciativas da
sociedade (associações de compradores de
produtos certificados, por exemplo), como pelo
uso do poder público, incluindo-se dispositivos de
iniciativas ou acordos internacionais (fair trade).
Nas áreas degradadas da região, que
equivalem à superfície da França, isso significa
acreditar no desenvolvimento social, ambiental
e econômico proporcionado por investimentos
em sistemas agroflorestais, basicamente de
caráter familiar e comunitário, e por uma busca
de maior produtividade no uso do solo, através
de técnicas de manejo de pastos e capoeiras
40

Carlos Alberto Dória
Gerente de Estudos dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Pedro Neto - Consulteur
Ronaldo Luiz - Consulteur
1A respeito da importância dessa experiência colonizadora para o conhecimento científico do Brasil ver Dante Martins
Teixeira, O mito da Natureza Intocada: as aves do Brasil holandês (1624-1654) como exemplo para a história recente da fauna do
novo mundo, Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.
2Ver Antonio Gonçalves Dias, “Amazonas. Memória escrita em desenvolvimento do programa dado por S. M. I. ao sócio...”, Revista
do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, tomo XVIII, 1855 (terceira série), Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896.
(vegetação secundária). Aqui bem caberiam
incentivos internacionais na forma de créditos
de redução de emissão (CER), de que trata o
mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL) do
Protocolo de Quioto.
O padrão inovador também deve estar
presente na construção de um arcabouço
político-institucional consistente, a começar
pela estrutura de suporte para a Lei de Crimes
Ambientais. Ressalte-se também os avanços
introduzidos pelo Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), dentre os
quais se destacam os conceitos de corredores
ecológicos e de reservas da biosfera, além do
compromisso governamental de se elevar o
percentual de unidades de conservação para
10% do território nacional. Mas há avanços
significativos ainda na realização da meta
constitucional de se demarcar os cerca de 90
milhões de hectares de terras indígenas, quando
se verifica que estamos muito próximos de
concluir esse processo de que trata o Artigo 67
das suas disposições transitórias.
Na questão do acesso aos recursos genéticos
há diversas proposições em tramitação no
Congresso, sendo importante ressaltar os
debates em torno da repartição dos benefícios
da biodiversidade, em especial, como remunerar
o conhecimento das populações tradicionais. De
qualquer forma, embora não haja uma instância
normativa e deliberativa instalada para cuidar
dessa questão, já se vislumbram os caminhos a
percorrer.
De maneira geral, pode-se dizer que desde a
Rio 92deu-se um salto de qualidade na
consciência nacional e internacional sobre a
Amazônia. Nos últimos dez anos, os brasileiros
e quantos vislumbram a Amazônia como
portadora de perspectivas generosas para o
futuro da humanidade, souberam se debruçar
sobre uma utopia originalmente novecentista e
transformá-la num grande objetivo nacional e
internacional nos marcos do desenvolvimento
sustentável. Este conceito, tão essencial para a
civilização que se esboça para o século XXI, ou
se firma e se alastra a partir de perspectivas
concretas engendradas no espaço amazônico ou
não passará de frase vazia, desprovida de
significado social. Assim, a metáfora de uma
“civilização brasileira florestal”resume o rumo que,
entre nós, devem ter todas as ações e esforços
visando a exploração e integração do espaço
amazônico em benefício do conjunto da
nacionalidade e da humanidade. Esta a
mensagem que, com o exemplo prático, os
brasileiros quererão levar a Joanesburgo, na
chamada “Rio + 10”.
41

A incorreta destinação dos resíduos sólidos
urbanos, sobretudo nas regiões metropolitanas
mais densamente povoadas do país, chegou a
uma situação-limite. No Estado de São Paulo,
por exemplo, levantamento feito em 1999 pela
Cetesb mostrava que metade dos municípios
ainda utilizava exclusivamente os lixões,
ameaçando a saúde pública, enquanto apenas
28% armazenavam os detritos corretamente em
aterros sanitários - e mesmo assim sem ainda
obter altos índices de reciclagem.
A situação piora ano a ano com o
esgotamento da capacidade de lixões e aterros
sanitários, ausência de locais para a construção
de novos aterros, equipamentos de incineração
desativados ou funcionando inadequadamente, e
falta de estímulos à coleta seletiva e
recuperação de materiais como plásticos, latas,
alumínio e vidro.
A razão do drama crescente enfrentado pelo
país com o problema da destinação do lixo
repousa sobre a ausência de uma política nacio-
nal que co-responsabilize poder público, inicia-
tiva privada e cidadãos, e seja implementada
mediante instrumentos como educação ambi-
ental, dispositivos legais, múltiplas técnicas de
manejo de resíduos urbanos, e uma gestão
eficiente em todas as fases do processo.
De fato, sem uma ampla articulação entre
poder público e sociedade, continuaremos
expostos a todo tipo de improvisações quanto à
destinação do lixo. Entretanto, tal união de
esforços requer que as diversas ações dos
agentes públicos e privados sejam concatenadas
dentro de um marco legal.
É isto o que discute presentemente uma
Comissão Especial da Câmara dos Deputados,
f o rmada para consolidar, em uma única
legislação, mais de 70 projetos de lei apre-
sentados a respeito. Tal legislação deve dispor
sobre a utilização dos escassos recursos
existentes com o máximo de eficiência econômi-
ca; contemplar o que existe de mais avançado
em logística de coleta seletiva e tecnologias de
compostagem, reciclagem, aterragem, recupe-
ração energética e incineração limpa; e dotar o
Estado de instrumentos legais para fiscalizar
empreendimentos que gerem grande volume de
resíduos.
A política nacional de manejo de resíduos
sólidos urbanos será tanto mais bem sucedida
enquanto tiver como alvos: reduzir a quantidade
e a nocividade dos resíduos sólidos; eliminar os
prejuízos à saúde pública e ao meio ambiente
por eles causados; formar uma consciência
comunitária sobre a importância da opção pelo
consumo de produtos e serviços que não afron-
tem o meio-ambiente e/ou que seja recicláveis
mediante um manejo adequado; e gerar benefí-
cios sociais e econômicos tanto aos municípios
que se dispuserem a licenciar instalações para a
destinação correta dos resíduos, quanto a
centenas de milhares de catadores, bem como
para empresas de reciclagem.
O grande desafio do relatório que estou
incumbido de preparar e apresentar para ser
submetido à votação será chegar a um consenso
sobre as bases e os instrumentos de tal política.
Até o momento, por exemplo, chegou-se ao
consenso de que um dos princípios a embasar
45
Por uma política
nacional de resíduos
s ó l i d o s

uma política nacional de resíduos sólidos é o da
responsabilidade compartilhada entre os diver-
sos agentes. Vejamos como isso funcionaria, por
exemplo, na fabricação e consumo de alimentos
industrializados. Todo elo de cada cadeia
produtiva cuida de dar destinação correta a seus
próprios resíduos industriais. O resíduo do
produto final deve ser corretamente descartado
pelo consumidor, por exemplo, separando o lixo
doméstico em duas frações, uma orgânica
(restos do alimento), que seguiria para compos-
tagem, e a outra (embalagem usada), cujos
materiais podem ser reciclados. As prefeituras
continuam com a responsabilidade sobre o
transporte, introduzindo coleta seletiva nos mu-
nicípios onde ainda ela inexiste, e a indicação de
locais para compostagem ou destinação de
resíduos não recicláveis. Cooperativas de cata-
dores fazem a separação dos materiais e,
mediante acordos com as prefeituras, poderão
comercializá-los. Empresas de reciclagem
devem estar envolvidas, devolvendo os materiais
ao mercado sob a forma de novos produtos.
A idéia é que a legislação induza a cada elo
das cadeias produtivas a assumirem suas res-
ponsabilidades. À indústria, por exemplo, além
de cuidar de dar correta destinação a seus
rejeitos industriais, caberá reduzir gradativa-
mente o volume de suas embalagens, para
reduzir o volume final dos resíduos descartáveis.
Indústrias de bens que exigem cuidados
especiais, como baterias e pneus, manterão seus
próprios esquemas de coleta e destinação final.
Na construção civil, o proprietário do empreen-
dimento, a construtora e os transportadores dos
materiais descartados nas obras serão solidaria-
mente responsáveis por sua correta destinação
final. E assim por diante.
A legislação também deverá instituir dois
fundos: um de limpeza urbana, distrital ou
municipal, para dar suporte financeiro às ações
voltadas à melhoria e à manutenção dos
serviços de limpeza urbana. E outro de resíduos
sólidos, de âmbito federal, para aplicação
prioritária em cooperação técnica e financeira
com os Estados, Distrito Federal e Municípios,
em ações, projetos, programas e planos rela-
cionados ao gerenciamento de resíduos sólidos,
bem como na recuperação de áreas degradadas
pela disposição inadequada de resíduos sólidos,
cuja autoria tenha sido impossível de recuperar.
Neste momento, um intenso trabalho de
articulação parlamentar está sendo desen-
volvido, para obter consenso sobre os principais
dispositivos da nova política. Desenvolvem-se
audiências públicas com representantes dos
diversos agentes diretamente atingidos, como
prefeituras, cadeias produtivas de materiais
recicláveis e órgãos de controle ambiental, com
apoio do conhecimento acadêmico.
O passo seguinte será a apresentação do
relatório final. Desta forma, a comissão poderá
debater e aperfeiçoar uma proposta que já
contará com um razoável respaldo dos
diferentes segmentos do poder público e da
sociedade.
46
Emerson Kapaz
Deputado Federal pelo PPS-SP e relator da Comissão Especial para uma Política Nacional de Resíduos Sólidos

Educação ambiental é, sem dúvida, um dos
meios mais indicados para se resgatar valores
que incluem o respeito pela diversidade cultural
e biológica, fundamentais para a conservação e
para um convívio harmônico entre diferentes
culturas e entre essas e a natureza. A aceitação
sem questionamento do modelo de desenvol-
vimento baseado no consumo desenfreado tem
levado o ser humano a adotar atitudes que
acabam resultando em diferenças sociais cres-
centes e em perdas culturais e biológicas irrepa-
ráveis. No Brasil a gravidade dessas perdas é
compatível à sua riqueza. Como um dos países
líderes em biodiversidade no mundo, a responsa-
bilidade do Brasil em proteger tal riqueza é
e n o rme e a educação ambiental pode ser
fundamental nesse processo.
A educação ambiental no Brasil
Há muito que o Brasil vem percebendo a
importância da educação ambiental. Durante o
fórum paralelo da Rio-92, foi elaborado o
documento “Tratado de Educação Ambiental
para Sociedades Sustentáveis e Re s p o n s a-
bilidade Global”. Um de seus princípios é que
“a educação ambiental deve ter como base o
pensamento crítico e inovador, em qualquer
tempo ou lugar, em seus modos formal, não
formal e informal, promovendo a transformação
e a construção da sociedade” (WWF/
ECOPRESS, 2000:22). Reconhece, ainda, que
a “educação ambiental deve ajudar a desen-
volver uma consciência ética sobre todas as
formas de vida com as quais compartilhamos
este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor
limites à exploração dessas formas de vida pelos
seres humanos” (WWF/ECOPRESS, 2000:24).
Ainda em 1992, os Ministérios do Meio
Ambiente, da Educação, da Cultura e da
Ciência e Tecnologia instituíram o Programa
Nacional de Educação Ambiental – PRONEA.
Na perspectiva de cumprir suas determinações e
na qualidade de executor da política nacional de
meio ambiente, o IBAMA elaborou diretrizes
para a implementação do PRONEA. Incluiu a
educação ambiental no processo de gestão
ambiental, o que a torna presente em quase
todas as suas áreas de atuação (IBAMA, 1996).
Já o Ministério da Educação elaborou em
1997 uma nova proposta curricular conhecida
como Parâmetros Curriculares Nacionais -
PCNs, onde a dimensão ambiental passa a ser
um tema transversal nos currículos básicos do
ensino fundamental (de 1ª a 8ª séries). Ao
permear todas as disciplinas, a educação ambi-
ental integra questões socioambientais de forma
ampla e abrangente (MEC, 2000).
A culminância do reconhecimento de sua
importância se deu em abril de 1999, quando a
educação ambiental passou a contar com a Lei
nº 9795/99, que a oficializa como área essen-
cial e permanente em todo processo educacional
do país. A lei está embasada no artigo 225,
inciso VI da Constituição Federal de 1988, que
menciona a responsabilidade, individual e
coletiva, da sociedade na implementação e
prática da educação ambiental. A Po l í t i c a
Nacional de Educação Ambiental instituída
51
A importância da
educação ambiental
na proteção da
biodiversidade do Brasil

pela lei reconhece o dever de defender e
preservar o meio ambiente para as presentes e
futuras gerações e estimula a participação de
toda a sociedade para assumir responsabili-
dades em sua implantação (MEC, 2000).
Mesmo reconhecendo formalmente sua
importância, o Brasil ainda tem um longo cami-
nho a percorrer para imple-
mentar a educação ambiental
com efetividade. No ensino
formal o MEC vem se esfor-
çando para capacitar profes-
sores que possam desenvolver
programas pertinentes. No
entanto, o tamanho continen-
tal do país e os escassos
recursos alocados à área são
fatores que dificultam sua
implementação adequada.
Os desafios são muitos.
Como outros países que con-
tam com rica biodiversidade,
raras são as ocasiões em que
c o n s e rvação ou a própria
educação ambiental são prio-
rizadas. Sendo assim, os
danos ambientais têm se intensificado, provo-
cando a perda da diversidade biológica e
cultural, a contaminação do ar e da água e
outros impactos igualmente irreparáveis.
A educação ambiental e seu papel na
conservação da biodiversidade
Apesar da preocupação com a sobrevivência
de espécies e ecossistemas ter levando à criação
de unidades de conservação que visam não só a
proteção, mas a continuidade de processos
evolutivos indispensáveis ao desenvolvimento da
riqueza biológica existente no planeta, uma
grande maioria dessas áreas é rodeada de
desmatamento ou de acentuada descaracte-
rização de sua condição original. Muitas
unidades de conservação tornaram-se “ilhas de
vida” e sua proteção é muitas vezes indispen-
sável à sobrevivência de espécies e ecossistemas
únicos no mundo. Contudo, são raros os exem-
plos onde existem profissionais e infraestrutura
à altura de sua importância biológica.
Neste cenário, o envolvimento de comuni-
dades locais passa a ser um
dos mais promissores meios
de proteção às unidades de
conservação. O fortalecimen-
to de tais comunidades pode
levar à participação efetiva, o
que difere da condição co-
mum em regiões remotas,
onde muitas destas unidades
de conservação estão locali-
zadas, em que segmentos
sociais menos favorecidos são
banidos do processo decisó-
rio. O fato de pessoas não
terem o hábito de participar,
comumente não perceberem
seu direito de reivindicar, ou
menos ainda seu potencial
transformador, torna a edu-
cação um meio singular de abrir caminhos que
podem beneficiar tanto a realidade social
quanto à ecológica. É na valorização do que é
possível ser feito localmente para a melhoria da
qualidade e da proteção da vida, dentro de um
princípio sugerido por Schumacher (1989) onde
a chave pode estar no singelo e não no
grandioso, que a educação ambiental representa
um meio eficaz de transformação. Com base no
respeito à vida humana e aos demais seres,
como proposto por Buber (1987), as relações
passam a representar um caminho de cresci-
mento, de cooperação e de concretizações
efetivas que podem beneficiar a coletividade.
A educação ambiental dirigida às populações
que vivem cerca de unidades de conservação
pode contribuir a tornar essas áreas em focos de
52
A Política Nacional de
Educação Ambiental
instituída pela lei reconhece
o dever de defender e
preservar o meio ambiente
para as presentes e futuras
gerações e estimula a
participação de toda a
sociedade para assumir
responsabilidades em sua
implantação.

orgulho por meio do enriquecimento de conheci-
mentos e da sensibilização quanto a sua impor-
tância. As áreas naturais são ideais para o
aprendizado pela experimentação direta, o que
favorece a incorporação de valores abrangentes,
podendo assim despertar maior interesse e
motivação no engajamento e na participação em
mudanças que reflitam a integração das
populações locais com a natureza. Uma vez que
as unidades de conservação são encaradas com
orgulho, torna-se mais fácil trabalhar a auto-
estima individual e coletiva, o que por sua vez
pode contribuir para um envolvimento efetivo e
amplo dessas comunidades em conservação.
Como obter apoio e participação de
comunidades locais para a conservação
Vários são os processos de estimular a
participação de comunidades locais em
melhorias socioambientais. Um exemplo é um
modelo participativo desenvolvido por
educadores ambientais do IPÊ – Instituto de
Pesquisas Ecológicas que tem surtido efeitos
significativos em diferentes categorias de
unidades de conservação da Mata Atlântica.
Nesta abordagem, cada passo é direcionado a
refletir os anseios de todos, o que torna a
participação da população envolvida em um
componente imprescindível (Tabela 1).
Baseada em tabela proposta por Padua &
Tabanez (1997) e Pádua, Tabanez, Souza &
Hoefel (1999). O processo assemelha-se a uma
construção e por isso é representado de baixo
para cima.
O primeiro passo deste processo tem sido a
identificação de problemas ou temas locais, que
nem sempre são àquelas observados pelo educa-
dor ou facilitador externo. Daí a importância do
respeito e da receptividade, facilitando o senso
de inclusão de todos. Ao se refletir sobre poten-
ciais locais, passa-se a valorizar o que existe na
região, aumentando a auto-estima e o orgulho,
fundamentais para motivar o engajamento em
ações de mudanças. A seguir vem o sonhar, que
é um exercício à criatividade onde a afetividade
pelo local é mais facilmente expressada. Uma
vez que situações ideais se tornam claras, é
possível elaborar estratégias que ousem direcio-
nar esforços para se chagar a determinados
fins. A colaboração por meio de parcerias repre-
senta uma soma de esforços para se chegar mais
rapidamente onde se pretende, além de ajudar a
integrar diversas facções de uma comunidade.
Finalmente, um monitoramento constante é
necessário para que se possa ajustar e melhorar
cada passo, sem desperdiçar tempo, energia e
recursos. Não se trata de um processo linear,
pois vários temas podem ser tratados de uma só
vez e em compassos diversos. Entretanto, há
sempre um direcionamento para melhorias que
reflitam os anseios coletivos.
Em todo o processo é de fundamental impor-
tância o respeito ao outro, a atenção a opiniões
diversas e a valorização de culturas regionais.
Trata-se, em última análise, de uma nova ética
com paradigmas em consonância com um
mundo mais harmônico, que depende da
instauração de valores que incluem e constroem
e não impõem ou dominam.
53

Flexibilidade
Altruísmo
Transformação
Renovação
Humildade
Entusiasmo
Ousadia
Persistência
Criatividade
Intuição
Afetividade
Auto-estima
Ética
Respeito
Empatia
Receptividade
Solidariedade
Cooperação
6.Acompanhamento
•modificar estratégias
•disseminar resultados
•obter apoio
5-Parcerias
4-Desenvolvimento de estratégias:
•buscar recursos locais – humanos, ambientais e
materiais.
•trazer “inputs” externos – humanos, ambientais e
materiais.
3- Sonho ou visão
•objetivos e metas
2-Reflexão sobre potenciais locais
•troca de idéias, experiências e conhecimentos
1-Identificação de desafios, problemas e temas
54
Tabela 1
Modelo da abordagem participativa.
A
V
A
L
I
A
Ç
Ã
O
Etapas do Processo Valores Correspondentes

Referências Bibliográficas
BUBER, M. 1987. Sobre Comunidade. São Paulo: Editora Perspectiva.
IBAMA. 1996. Diretrizes para a Implementação do PRONEA. Série Meio Ambiente em Debate 09.
Brasília: IBAMA.
MEC, 2000. Política Nacional De Educação Ambiental. Coordenação Geral de Educação Ambiental.
Texto elaborado para Programa Salto para o Futuro – TV Escola.
PADUA, S. & TABANEZ, M. 1997. Uma abordagem participativa para a conservação de áreas
naturais: educação ambiental na Mata Atlântica. In: Anais do Congresso de Unidades de
Conservação. Curitiba, Paraná: Universidade Livre do Meio Ambiente, Rede Nacional Pró
Unidades de Conservação e Instituto Ambiental do Paraná: Volume 2. 371-379.
PADUA, S., TABANEZ, M., SOUZA. M. G. & VON HÖEFFEL, J.L. 1999. Participação: Um
elemento-chave para envolvimento comunitário - Uma experiência em Educação Ambiental na
Ärea de Proteção Ambiental - APA Piracicaba. Revista de Educação e Ensino. Universidade de São
Francisco, SP. Vol. 4 (2) 75-84.
SCHUMACHER, E.F. 1989. Small is Beautiful – Economics as if People Mattered. New York: Harper
Perennial.
WWF/ ECO PRESS. 2000. Educador Ambiental–6 anos de experiências e debates. São Paulo: WWF/ ECO
PRESS.
55
Suzana Machado Padua
Mestre em Educação Ambiental pela Universidade da Flórida, EUA e doutoranda no Centro de Desenvolvimento
Sustentável – UnB
Presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e diretora para o programa do Brasil do Wildlife Trust, EUA

O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do
Rio de Janeiro está vivendo um momento muito
especial: recentemente, em junho, no mês do
aniversário de 193 anos da instituição,
inauguramos a Escola Nacional de Botânica
Tropical, pioneira na América Latina. A Escola
já funciona na antiga sede do Solar da
Imperatriz, um imóvel histórico do século XVIII,
totalmente restaurado, com sala multiuso,
auditório de 70 lugares, salas de treinamento,
laboratórios, cafeteria e um Memorial para
expor as peças encontradas nesse sítio
arqueológico, durante as obras de restauro.
Única área de visitação pública do Rio,
premiada pelo Guia 4 Rodas, dois anos seguidos
(1999/2000), e uma das duas, no país, agraciada
com sua cotação máxima; todas as estufas
recuperadas; o gradil externo totalmente
m o d e rnizado; as 39 parcerias com a iniciativa
privada e outras instituições: esse conjunto de
realizações que atraem, cada vez mais, o público
visitante e as novas parcerias: só no ano passado,
reverteram para o Jardim cerca de R$
3.000.000,00 em patrocínio e apoio aos
programas e à sua manutenção física e de acerv o .
Outras recentes melhorias do Jardim
Botânico constatam a revitalização deste
Instituto de Pesquisas, uma realidade que se
confirma pelos números crescentes da visitação
pública e com os resultados de pesquisas com os
visitantes: considerando somente os pagantes,
temos cerca de 600 mil visitantes por ano,
excluindo da tabulação os menores de 7 anos, os
maiores de 65, os deficientes com direito a um
acompanhante e os escolares uniformizados da
rede pública. Estas crianças e as demais que,
diariamente vêm ao Jardim, ganharam um play-
ground totalmente novo, com banheiro infantil e
quiosque com cardápio próprio para elas. Nos
últimos anos, foram inauguradas a cafeteria -
Botânica, uma livraria – Garden Book, uma loja
de souvenirs – Regnum Plantarum e uma loja da
Sociedade de Amigos, com artigos da griffe
Jardim Botânico. Além do banheiro infantil,
dispomos de mais 6 sanitários para uso do
visitante, sendo que dois deles possibilitam o uso
simultâneo de mais de 5 pessoas.
Recentemente, foi implantada a nova
comunicação visual do Jardim Botânico para
orientar a visitação, cujo modelo adotado, uma
criação do reconhecido designer Ro b e r t o
Verschleisser, vem merecendo registros muito
positivos do público e da Imprensa. As novas
placas de orientação e a segurança têm sido
destacadas em pesquisas e em retornos diversos,
que nos chegam por carta, e-mail ou
pessoalmente.
A Imprensa, tanto a nacional, como a de
outros países, tem destinado amplos espaços ao
Jardim Botânico, não só como pelo
reconhecimento de sua área de pesquisa, onde o
acervo científico é considerado um dos mais
completos, no gênero, como também pelo
acervo natural que disponibiliza à cidade. De
1995 até esta data, conforme nossos arquivos,
temos 1277 registros na Imprensa (jornais,
revistas, TV e rádios), com apenas 8 matérias
de enfoque crítico. Certamente por isso é que o
nosso Jardim é um dos cartões postais não
somente da cidade do Rio de Janeiro, mas do
Brasil.
57
Um novo jardim de
quase 200 anos

A exemplo de outras instituições congêneres
no mundo, o Instituto também inaugurou, no
início do ano, a Pousada do Pesquisador para
atender à demanda de pesquisadores, técnicos e
estudantes - de outros estados ou países -, que
venham para pesquisas, estudos, congressos,
palestras e outros eventos, no Instituto.
Ainda neste ano, será também inaugurado o
prédio que irá abrigar o Herbário, totalmente
construído obedecendo aos critérios para man-
ter este importante acervo, atualmente com
mais de 360 mil plantas desidratadas - as
exsicatas - que, no novo prédio, chegará a meio
milhão de exemplares de vital importância para
a pesquisa da flora. Ali, estarão ainda o Labora-
tório de Sementes e a Anatomia de Madeira,
isto é a Rede Laboratorial.
O Lago Frei Leandro – um dos pontos de
maior atração para o visitante - passou por
processo de total recuperação, com desassorea-
mento (que não ocorria há mais de 50 anos) e
projeto paisagístico, em todo o seu entorno.
O Jardim Botânico edita algumas
publicações científicas, com o apoio do MMA,
de parceiros da iniciativa privada ou de outras
instituições. Além de: Rodriguésia, Arquivos do
Jardim Botânico, Index Seminum, Re s e rv a
Ecológica de Macaé de Cima (2 volumes), Dire-
tório dos Jardins Botânicos Brasileiros, Madei-
ras da Mata Atlântica e Manual Técnico Darwin
para Jardins Botânicos, entre outras, recente-
mente foram editados três livros: Normas Inter-
nacionais para Jardins Botânicos, Margaret
Mee (português/inglês) e Jardim Botânico do
Rio de Janeiro (português/inglês/espanhol).
Empresas do porte e com critérios de
avaliação para patrocínios muito sérios, como:
Petrobras, CEF, Banco Safra, Cia. Belgo
Mineira, Texaco, Coca Cola, Dresdner Bank,
Leite de Rosas, Banco BBM, Antonio Bernardo
Joalheiro, Light, Tramontina, Banco Icatu,
Fundação Banco do Brasil e outras atestam
que, ao firmarem parcerias com o Jardim
Botânico do Rio, estão avalizando, chancelando
o bom estado do Jardim e a sua Imagem Institu-
cional, que, sem dúvida, são frutos também do
total apoio que vimos recebendo do ex-Ministro
do Meio Ambiente José Sarney Filho.
São 193 anos de História e de exemplo de
continuidade de sua Missão, como área natural
voltada para a pesquisa botânica e que também
promove o contato do público com a Natureza,
na expectativa de que essa convivência mostre
ao nosso visitante a riqueza desta instituição e a
nossa preocupação com sua conservação.
ESCOLA NACIONAL DE BOTÂNICA
TROPICAL
O texto abaixo é de autoria do Dr. Lindolpho de Carvalho
Dias, Diretor da Escola Nacional de Botânica Tropical do
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. Presidente do CNPq de 1993 a 1995; Vice-
Presidente do CNPq, de 1979 a 1980; Secretário
Executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, de jan.
1995 a dez. 1998; Diretor do IMPA – Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, de 1965 a 1989.
A Escola Nacional de Botânica Tropical não
está concebida como uma unidade indepen-
dente, mas sim como um departamento do
Jardim Botânico do Rio, para sistematizar as
atividades de formação de recursos humanos
para a Botânica, em nível de pós-graduação. A
ENBT utilizará os próprios pesquisadores do
Jardim como professores dos cursos, mas tam-
bém acolherá palestrantes e professores de
outras instituições nacionais e de outros países.
Como ocorre em toda instituição de pesquisa
do nível do Jardim Botânico, os que ali estudam
a flora, também dedicam, tradicionalmente,
parte de seu tempo para a atividade de forma-
ção de novos Recursos Humanos. Atualmente,
inclusive, algumas dessas atividades estão sendo
desenvolvidas em cooperação com o Departa-
mento de Botânica do Museu Nacional. Assim,
a Escola Nacional de Botânica Tropical vem
58

suprir, de maneira mais formal e sistematizada,
esse aspecto de formação de novos pesquisado-
res. Além disso, irá possibilitar o aproveitamen-
to desse potencial para desenvolver programas
que divulguem conhecimentos da Botânica para
setores menos especializados da população.
Com isso, o Jardim Botânico poderá
utilizar sua enorme capacidade de recursos
humanos e materiais, contribuindo para a
f o rmação, no Brasil, de especialistas em
Botânica – área considerada ainda carente,
principalmente tendo em vista a enorm e
diversidade dos recursos vegetais de que o
país dispõe. E é importante destacar que estes
recursos demandam estudos aprofundados, no
sentido do aproveitamento racional de sua
p o t e n c i a l i d a d e .
Inicialmente, da programação da Escola
constam cursos de extensão e de aperf e i ç o a-
mento, que se enquadrem na categoria de pós-
graduação lato senso. Uma vez consolidada
essa programação inicial, talvez já no
próximo ano, partiremos para um programa
de pós-graduação estrito senso, no nível de
Mestrado, e, neste caso, provavelmente em
associação com alguma instituição do Rio de
Janeiro, que já desenvolva essa atividade. Em
um futuro oportuno, está prevista a
implementação de programa de Doutorado em
B o t â n i c a .
Estamos adotando um modelo de gestão, no
qual apenas as áreas de administração e manu-
tenção terão equipe lotada na Escola, enquanto
o pessoal acadêmico será originário das outras
áreas do Jardim Botânico, especialmente da
Diretoria de Pesquisas, de tal forma que, à
semelhança de outras instituições de pesquisa,
onde se desenvolvem atividades de ensino, a
Escola utilizará os pesquisadores do próprio
Jardim Botânico, assim como irá receber pro-
fessores visitantes de outras instituições do país
e de exterior para ministrar alguns cursos. A
Escola estará apta a receber alunos do Rio de
Janeiro, de outros estados e países, especial-
mente aqueles interessados no estudo da flora
tropical. Os cursos de pós-graduação estrito
senso demandarão ser reconhecidos pelo
Conselho Nacional de Educação para que
tenham valor legal, de modo que os diplomas de
Mestrado e Doutorado só serão emitidos, após
esse reconhecimento — que demanda certa
maturação dos programas. Entretanto, nada
impede que se promovam cursos de divulgação e
extensão – alguns já programados –, com a
emissão de certificados de aproveitamento
desses cursos.
Para a orientação geral das atividades da
Escola, teremos uma Comissão de Ensino, cons-
tituída de pesquisadores e da diretoria do
Jardim Botânico, além de participantes
externos. Assim, com a instalação da Escola
Nacional de Botânica Tropical, o Instituto de
Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro dá
mais um passo na direção de se ter uma visão
mais abrangente da instituição, como sendo
basicamente um Instituto de Pesquisas de
primeira qualidade, que terá uma unidade de
formação de botânicos. Além disto, contando
com um belo Arboreto, essencial para o
desenvolvimento de suas atividades científicas,
o Jardim Botânico também se apresenta aos
olhos do grande público como um local onde
muito se pode aprender a respeito dos vegetais
e ainda usufruir um espaço notavelmente
repousante.
Ao aceitar o convite para dirigir a Escola,
feito pelo Presidente do Jardim Botânico,
Sergio Bruni, no início deste ano, entendi, de
imediato, que este novo desafio é uma contri-
buição para a administração deste Instituto de
Pesquisas, que dá um salto na sua história de
quase 200 anos, e firma-se como centro de ciên-
cia, ao implantar este novo setor, intitulado
Escola Nacional de Botânica Tropical.
59

DA ESCOLA NATURAL À ESCOL A
FORMAL
O texto que se segue é de autoria de Marli Pires Morim,
pesquisadora em Botânica, que ingressou em 1973 no
Jardim Botânico, e durante dois anos atuou como
Coordenadora de Pesquisas e, após nova reestruturação
o c o rrida em janeiro deste ano, como Diretora de
Pesquisas.
A Escola Nacional de Botânica Tropical
começa a funcionar e vem formalizar a missão
e a tradição do Jardim Botânico que, há muito
tempo, une pesquisa ao ensino. Ainda que não
como instituição formal de ensino, sempre
atuamos na orientação e na formação de
Recursos Humanos em pesquisa científica, nas
áreas da Botânica e das ciências afins. A
criação da Escola é um avanço visto que é
inconcebível dissociar o mundo da investigação
científica do ensino. A Escola vem comple-
mentar a trajetória desta casa, um Jardim
Botânico muito singular, no âmbito do Brasil,
que reúne um título de Instituto de Pesquisas,
com uma linha de pesquisa definida e um acervo
científico reconhecido, no mundo científico
nacional e internacional, como um dos mais
completos, reunindo coleções vivas e desidra-
tadas, e que, agora, tem uma Escola.
De imediato, com o início das atividades, a
Escola vem atender a algumas demandas, que os
cursos de Graduação não cobrem, e preencher
algumas lacunas dos currículos das Universidades
e na área de Pós Graduação, em Botânica. Sua
criação vai possibilitar também muitos avanços
na linha de pesquisa e na formação de novos
pesquisadores, além de contribuir para desvendar
o tesouro existente no Jardim, com a realização
de cursos que irão oferecer o conhecimento e a
experiência em pesquisa sobre a flora brasileira,
acumulados ao longo dos 193 anos do Jardim.
Isso reflete-se em todo o acervo, bem como nas
obras publicadas. Nosso acervo abrange o
Herbário (350 mil plantas desidratadas), a
Carpoteca (6.800 frutos secos), o Laminário (20
mil lâminas de amostras de madeira para estudo
de Anatomia Vegetal), a Xiloteca (15 mil
amostras de. madeira), a Biblioteca (cerca de 65
mil livros e 3.000 obras raras), o Banco de
Sementes, o Horto Florestal (para produção de
mudas) e a coleção viva - o Arboreto. É a reunião
de todas estas vertentes que engrandece nossa
Missão e sedimenta o pioneirismo da Escola, pos-
sibilitando a pesquisa e o ensino subsidiados pelo
a c e rvo próprio. Com a Escola, e diante dos Jar-
dins Botânicos congêneres, o nosso Instituto de
Pesquisas, mesmo considerando os de outros paí-
ses, vai sedimentar ainda mais sua missão nesse
“ c a m i n h a r” pelo conhecimento da flora no Brasil.
É muito importante registrar que o Jardim já
orientou e orienta muitos pesquisadores,
destacando a contribuição da vida e da obra da
Dra. Graziela Maciel Barroso - considerada a
Primeira Dama da Botânica Brasileira, título
consagrado na História da Botânica do país.
Com 89 anos, ela ainda orienta alguns alunos.
Sua trajetória profissional e a de outros
pesquisadores de sua época fizeram do Jardim
Botânico a grande Escola de Taxonomia – a
ciência que determina “quem é quem” nas
espécies botânicas. Muitos pesquisadores, que
tiveram o privilégio de aprender com ela,
assimilaram sua maneira de orientação e
transmissão de conhecimentos. Ela fortaleceu
esse nosso perfil de pesquisadores e o do Jardim
Botânico como instituição científica, criando
uma verdadeira escola brasileira de Taxonomia,
com seu saber, sua dedicação e seu amor ao
Jardim. Em sua definição de vida, a Dra.
Graziela declara que “a Botânica é a sua
religião e o Jardim Botânico a sua igreja”.
Recebendo alunos, professores e pesquisadores
de diversas cidades, do Brasil e do exterior, ela
planejava alguns cursos até nas férias, para que
os professores pudessem comparecer. Os
pesquisadores do Jardim ministravam os cursos.
Com isso, fomos criando a cultura do ensino, da
troca de informações, do aprender também com
60

o aluno e com o estagiário, muito importante
em outras atividades, mas fundamental para
quem atua em pesquisa científica. Hoje, os
pesquisadores do Jardim orientam 24 bolsistas
no programa PIBIC/CNPq e são responsáveis
também pela orientação de alunos de pós
graduação, mestrado e doutorado, junto aos
cursos de pós-graduação do país.
Nesse sentido, a Escola Nacional de
Botânica Tropical veio para formalizar e
incrementar este aprendizado pelo intercâmbio
mútuo. O futuro da Escola não me aflige. O
Jardim Botânico é uma instituição com quase
200 anos de vida, que jamais afastou-se de sua
missão de busca de conhecimento, documen-
tação e conservação da flora e do seu papel
como Jardim Botânico frente à sociedade.
Mesmo em momentos de grandes dificuldades,
ele nos provou sua continuidade. A Escola vem
integrar-se a essa História e ao potencial de
conhecimento do Jardim. A partir das suas
atividades, a Escola irá desvendar, ao público
em geral e ao seu público alvo, sua atuação na
transmissão de novos conhecimentos. Em
conseqüência, vai consolidar, cada vez mais, o
desempenho do Jardim como Instituto de
Pesquisas. Sua programação estará centrada na
geração do conhecimento da flora neotropical e
de sua conservação, mostrando o que são nossas
plantas e divulgando o conhecimento que se
tem, atualmente, sobre gerenciamento e
Política Internacional de Jardins Botânicos.
É importante destacar que, ao contrário da
fauna, a flora é por vezes abordada de form a
muito estática, nas Universidades. Enquanto os
animais transmitem sensações imediatas e
emoções ao ser humano, seja pelos sons, pela
locomoção etc., as plantas requerem e dependem
de que tenhamos uma sensibilidade muito maior
para percebermos suas necessidades. Imagina
quanta observação e dedicação para um pesqui-
sador chegar à conclusão que determ i n a d a
corola é do mesmo tamanho do bico do beija-
f l o r... e isso é que irá proporcionar a polinização
daquela planta, e para documentar e transmitir,
cientificamente, a interação entre as formas das
flores, seus odores e cores, interagindo harm o n i-
osamente com seus polinizadores...
Por isso, o caminho da Escola está traçado no
trinômio: transmitir, investigar e conserv a r. O
estudo da Flora Brasileira é feito por um número
muito restrito de pesquisadores, no Brasil. Um
dos nossos grandes desafios é a união dos
esforços e potencial científico do Jardim
Botânico ao de outras instituições e universidades
do país para mudar este panorama atual.
Mas ainda há muito para ser investigado e
acrescido aos estudos dessa riqueza! A Fl o ra
Bra s i l i e n s i s, de Martius, datado de 1875, e a Fl o ra
Fl u m i n e n s e, do século XIX, escrito por Fr e i
Vellozo, ainda são os grandes referenciais para o
conhecimento da flora brasileira. Finalizando,
insisto na certeza de que ainda há muito a fazer,
em Ciências da Natureza, e a Escola terá um
papel fundamental em pesquisas futuras.
61

62
Visitantes cerca de 600 mil/ano pagantes
Escolares da rede pública, maiores de 65 anos e deficientes não pagam
Área total: 137 hectares - cultivada: 54 hectares
Coleção Viva 8.200 espécies = 35 mil exemplares, no Arboreto
Herbário 380 mil amostras de plantas desidratadas – excicatas
Carpoteca 6.100 amostras de frutos
Laminário 12 mil lâminas de tecidos vegetais
Xiloteca 6.400 exemplares de madeira
Biblioteca 66 mil volumes e 3.000 Obras Raras
Bromeliário 1.700 exemplares de bromélias
Cactário 400 espécies, de 69 gêneros de 9 famílias
Roseiral 1.800 mudas de rosas
Plantas Medicinais 150 espécies
Museu Botânico 1023 peças
Arquivo Fotográfico3681 negativos de vidro de fotos históricas e científicas
e 25 mil fotos, aproximadamente
Números do
Jardim Botânico:
Sergio Bruni
Presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em sua terceira gestão na instituição

A Conferência das Nações Unidas para Meio
Ambiente e o Desenvolvimento UNCED- 9 2 ,
mais conhecida como RIO – 92, foi uma das
grandes mega conferências organizadas pelas
Nações Unidas na década dos 90 e provavelmen-
te a que teve uma influência mais duradoura.
Diferentemente de muitas das outras do
mesmo tipo, que trataram de questões como
desarmamento, discriminação racial e geno-
cídio, a RIO – 92 foi o resultado do trabalho
desenvolvido originalmente por cientistas e não
por diplomatas ou políticos. É o trabalho de
cientistas durante dezenas de anos, analisando
os impactos do desenvolvimento sobre o meio
ambiente, que deu origem à Comissão
Brundtland que levou a Assembléia Geral das
Nações Unidas a decidir realizar a RIO – 92.
No trabalho desta Comissão influíram muito
os trabalhos científicos sobre a destruição da
camada de ozônio, mudanças climáticas e os
impactos do uso da energia no meio ambiente.
Daí se originou o conceito de desenvolvimento
sustentávelque caracteriza o período pós RIO –
92 até hoje.
A influência dos cientistas na gênese da RIO
– 92 teve a participação de cientistas brasileiros
entre os quais Paulo Nogueira Neto, um dos
membros da Comissão Brundtland, e de diver-
sos brasileiros, todos membros da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, ouvidos
por ela quando em visita ao Brasil.
Quando se iniciaram em 1991 os trabalhos
preparatórios da Conferência do Rio o então
Presidente da República, Fe rnando Collor,
apoiou entusiasticamente a iniciativa como um
dos meios para aumentar sua projeção
internacional e a própria legitimidade interna
ameaçada pelo processo de “ i m p e a c h m e n t”.
Coube a mim, como Secretário de Meio
Ambiente da Presidência da República, repre-
sentar o Brasil em vários eventos preparatórios
com os governos da Índia, China, Estados
Unidos e inúmeras organizações não governa-
mentais (ONGs).
A extraordinária participação de mais de
100 chefes de Estado, mais a imensa confe-
rência paralela das ONGs na Praia de Copaca-
bana, deram à RIO – 92 o seu caráter único.
O Itamaraty mobilizou na ocasião os seus
melhores quadros para participar da rodada
final de negociações que ocorreu durante a con-
ferência cujos principais resultados foram os
seguintes:
•A Convenção do Clima assinada por todos os países,
inclusive os Estados Unidos
•A Convenção da Biodiversidade assinada por todos
os países, com exceção dos Estados Unidos
•A AGENDA 21
As Convenções são documentos da maior
importância porque, uma vez ratificadas, criam
direitos e obrigações tornando-se não só
tratados internacionais mas sendo incorporadas
às leis dos países.
Isto já ocorreu com a Convenção do Clima
que deu origem em 1997 ao Protocolo de Kyoto
que adotou medidas concretas e mandatórias
para a redução das emissões responsáveis pelo
“efeito estufa”. O processo de ratificação ainda
não foi concluído, mas a recente Conferência de
Bonn em julho de 2001 abriu caminho para que
65
RIO – 92:
Dez anos depois

ela ocorra. É frustrante que tenham sido
necessários 10 anos para se chegar ao ponto
que os cientistas desejavam ter chegado no Rio
em 1992 o que mostra a complexidade do
processo diplomático que reflete os custos e
benefícios que a redução das emissões trará à
economia dos países signatários.
De qualquer forma, em Kyoto o Brasil teve
uma participação atuante e os contatos entre os
cientistas e o Governo se tornaram muito pró-
ximos ao mesmo tempo que aumentou o número
de interessados em mudanças climáticas. O
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, incor-
porado ao Protocolo de Kyoto resultou de uma
proposta brasileira e deverá resultar em vanta-
gens significativas para os países em desenvol-
vimento no futuro.
A AGENDA 21 adotada na Rio – 92 teve
uma influência simbólica mas não tão efetiva
como a Convenção do Clima. Ela é um docu-
mento de caráter declaratório que não cria obri-
gações mas serve bem o papel de nortear as dis-
cussões. Mais que os próprios cientistas, quem
tem se interessado muito em propagar as idéias
de desenvolvimento sustentado, é o setor
empresarial.
O Governo tem também se movimentado e
criou uma Comissão Interministerial de
Mudanças Climáticas que tem um secretariado
que se ocupa do inventário das emissões e atua
como órgão de consulta entre os vários
ministérios. Além disso, foi criado o Fórum de
Mudanças Climáticas que não é governamental
e reúne um grande número de cientistas. O ex-
deputado federal Fábio Feldman é o secretário
executivo deste Fórum e um grande número de
ONGs desenvolve atividades nesta área. Tem
havido uma convergência significativa entre a
posição dos cientistas e o Governo no que se
refere a todas estas questões que é uma situação
muito diferente do que ocorria no período 1975
– 1985 em que o confronto era a regra e não a
exceção.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência teve uma forte atuação no evento
denominado RIO+5 que se realizou no Rio de
Janeiro para marcar o 5º aniversário da RIO –
92 mas o tema das mudanças climáticas não
tem sido objeto de muitas discussões nas suas
reuniões anuais.
Esta situação deve mudar radicalmente no
futuro próximo porque no ano 2002 realizar-se-
á na África do Sul uma nova mega conferência
das Nações Unidas para marcar o 10º aniver-
sário da RIO – 92. Como parte do processo
preparatório realizar-se-ão inúmeros eventos no
mundo todo e muito provavelmente a SBPC fará
constar do programa de sua próxima reunião
anual discussões sobre o tema com cientistas,
ONGs e representantes do Governo.
O que se espera é que na África do Sul seja
retomado o entusiasmo que caracterizou a RIO
– 92 e que mais avanços sejam feitos na área de
desenvolvimento sustentável.
66
José Goldemberg
Professor da Universidade de São Paulo e

Desde 1987, após a publicação do relatório
da Comissão das Nações Unidas para o Me i o
Ambiente e o Desenvolvimento, o termo “desenvol-
vimento sustentável” é utilizado amplamente e
vem sendo incorporado na construção de visões
para o futuro do planeta. Embora tenham sido
realizados esforços diversos no sentido de
colocá-lo em prática, e seu uso represente uma
das mais importantes contribuições ao debate
ambiental, a sua aceitação como guia das mu-
danças necessárias em escala mundial ainda
exigirá grandes esforços. Com a Conferência do
Rio de Janeiro em 1992, foi possível definir
princípios gerais para atingir o desenvolvimento
sustentável, porém, a poucos meses da Confe-
rência de Joanesburgo a sua busca continua
sendo um grande desafio.
Po s t e r i o rmente à divulgação do relatório
Bruntland e paralelamente à realização das
reuniões preparatórias à Conferência do Rio
foram iniciadas discussões e negociações do
Programa Piloto para Proteção das Florestas
Tropicais do Brasil. Este programa, que teve a
sua implementação iniciada em 1995, está con-
tribuindo efetivamente com as suas experiências
e resultados para a construção de uma visão
própria de desenvolvimento sustentável para as
regiões onde atua. O Programa Piloto também
se destaca por ser a mais abrangente e ousada
iniciativa governamental com o suporte da
cooperação internacional visando a proteção
das florestas tropicais e por ser um exemplo
único de parceria entre setores públicos e priva-
dos para a construção de soluções para o meio
ambiente.
A preparação do Programa Piloto foi iniciada
em 1990 e o seu lançamento oficialmente ocor-
reu no Brasil em 1992. As discussões relacio-
nadas com a sua implementação, assim como os
compromissos de apoio financeiro intern a c i o n a l
foram iniciados na cúpula do Grupo dos Sete
realizada em Houston–Texas - em 1990, por
iniciativa do Chanceler alemão Helmut Kohl. O
apoio ao Programa foi aprovado pelos represen-
tantes do G-7 e da Comissão Européia em 1991.
Em seu desenho original, foi definido com o
objetivo geral de “maximizar os benefícios am-
bientais das florestas tropicais, de forma consis-
tente com as metas de desenvolvimento do
Brasil, através da implantação de uma metodo-
logia de desenvolvimento sustentável que contri-
buirá com a redução contínua do índice de des-
matamento”. Para alcançar este objetivo geral,
foram definidos como objetivos específicos:
1)demonstrar a viabilidade da harmonização
dos objetivos ambientais e econômicos nas
florestas tropicais;
2)ajudar a preservar os enormes recursos gené-
ticos das florestas tropicais;
3)reduzir a contribuição das florestas tropicais
brasileiras com a emissão global de gás car-
bono; e
4)fornecer um exemplo de cooperação entre os
países desenvolvidos e em desenvolvimento
nas questões ambientais globais.
Os primeiros projetos do Programa Piloto
foram aprovados em 1994 e tiveram a sua
execução iniciada em 1995. Entretanto, o crono-
grama de planejamento e execução dos diversos
subprogramas e projetos que compões o Pr o g r a m a
71
Projetos de desenvolvimento
sustentável no Brasil :
o caso do Programa Piloto

é bastante variado. Uma amostra da complexidade
do Programa está relacionada com o fato de que
enquanto alguns projetos encontram-se ainda em
fase de planejamento, outros já concluíram uma
primeira fase de execução.
Nos últimos três anos, as experiências
colhidas nos componentes em execução e as
discussões decorrentes das dificuldades de
implementação desencadearam um processo de
revisão de meio termo que concluiu com a
definição da missão do Programa, delimitando
de forma clara os seus objetivos, e estabele-
cendo o ponto de partida do processo de
discussão e preparação de uma segunda fase
que deverá se estender até 2010. A missão do
Programa Piloto é: “Contribuir para políticas
de promoção da conservação e do desenvolvi-
mento sustentável da Região Amazônica brasi-
leira e da Mata Atlântica, incluindo a devida
atenção ao sustento das populações locais, pela
realização dos seguintes objetivos específicos:
1)criação, validação e disseminação de conheci-
mentos no Brasil e no âmbito da Re g i ã o
Amazônica brasileira e da Mata Atlântica;
2)catalisar a adequação de políticas e mobilização
de apoio político para sua adoção e sua efetiva
implementação;
3)promoção e apoio à expansão de modelos e expe-
riências bem-sucedidos; e
4)fortalecimento da capacidade de instituições
públicas, privadas e da sociedade civil organi-
zada para a implementação dessas políticas e
aplicação de novos conhecimentos.
O Programa Piloto tem atualmente uma
carteira de 26 Projetos, sendo que 06 foram
concluídos em 2000 (Reservas Extrativistas I,
Centros de Ciência, Pesquisa Dirigida I, Grupo
de Trabalho Amazônico I, Rede Mata Atlântica
I e Proteger I). Encontram-se em plena execu-
ção 13 projetos (Proteção das Terras Indígenas,
Manejo Florestal, Demonstrativos A, Pesquisa
Dirigida II, Política de Recursos Naturais,
Monitoramento e Análise, Reservas Extrativis-
tas II, Grupo de Trabalho Amazônico II, Rede
Mata Atlântica II, Corredores Ecológicos,
Proteger II, Coordenação e Manejo de Várzea).
Estão em fase de pré-investimento 02 projetos
(Mata Atlântica e Negócios Sustentáveis).
Outros 03 projetos estão sendo contratados
(Demonstrativos dos Povos Indígenas, Institu-
cional RMA e Institucional GTA) e 02 estão em
preparação (Demonstrativos II e Ciência e
Tecnologia II).
Até o momento, as principais linhas de ação
do Programa Piloto têm incluído:
1)demonstração e experimentação em formas de
proteger as florestas e utilizá-las de maneira
sustentável,
2)proteção e conservação,
3)fortalecimento institucional,
4)pesquisa científica e
5)geração e disseminação de lições sobre estraté-
gias de conservação de florestas tropicais, com
relevância para o Brasil e outras regiões.
O Programa Piloto inclui uma gama de
beneficiários, variando do pessoal da adminis-
tração ambiental, em diferentes níveis, até
comunidades indígenas e sociedade civil. As
partes interessadas no Programa incluem
órgãos governamentais, o setor privado, a
comunidade científica e a comunidade interna-
cional.
Inicialmente, o orçamento total da primeira
fase do Programa Piloto foi estimado em US$
250 milhões. Os financiamentos do Programa
Piloto são amparados pelos Governos Federal e
Estadual, a sociedade civil brasileira, oito go-
vernos doadores e a União Européia utilizando
contratos de natureza pública e privada. Os três
maiores financiadores são a Alemanha (41%),
Comissão Européia (23%) e o Brasil (15%).
Atualmente, o orçamento total estimado do
Programa Piloto é de aproximadamente US$
245 milhões. O valor total de contratos já
assinados é de US$ 181 milhões, sendo que os
72

gastos efetuados totalizam cerca de US$ 120
milhões.
Uma parte do financiamento dos doadores
(US$ 58.2 milhões, 24% do total) tem sido
canalizada através do Fundo Fiduciário das
Florestas Tropicais (“Rainforest Trust Fund” -
RFT) administrado pela Unidade de Florestas
Tropicais do Banco Mundial. A maior parte dos
financiamentos externos já contratados é
canalizada através de co-financiamentos (US$
112 milhões, 62% do total). A maioria das
doações por co-financiamento são realizadas
através de procedimentos de cooperação bila-
teral. Além disso, existem os chamados projetos
bilaterais associados, financiados principal-
mente pela Alemanha. A contrapartida
brasileira inclui contribuições dos Govern o s
Federal e Estadual (US$ 35 milhões) e diversas
comunidades e organizações não-governamen-
tais (estimados em US$ 20 milhões).
A coordenação estratégica do Pr o g r a m a
Piloto atualmente conta com as seguintes
instâncias colegiadas nacionais e internacionais
de decisão:
1)Reunião dos Participantes;
2)a Comissão de Coordenação Brasileira
(CCB), composta por representações dos
principais executores do PPG7 em nível
nacional, inclusive governos estaduais e
redes de organizações da sociedade civil
(Grupo de Trabalho Amazônico – GTA e a
Rede Mata Atlântica – RMA);
3)a Comissão de Coordenação dos Doadores –
CCD, composta por representantes do Banco
Mundial e os países doadores; e
4)a Comissão de Coordenação Conjunta – CCC,
que congrega representantes dos principais
executores brasileiros e dos parceiros
internacionais. Para facilitar a integração
das atividades dos diversos componentes
todos os coordenadores de Projeto fazem
parte do Comitê de Coordenadores. A CCB e
a CCC são presididas pelo Ministério do
Meio Ambiente, que também desempenha a
função de Secretaria Executiva da CCB e
CCC.
Principais resultados
Os principais resultados podem ser
agrupados nas seguintes linhas temáticas:
D e s c e n t r a l i z a ç ã o :União, Estados e
Municípios na gestão compartilhada das
políticas para o desenvolvimento Sustentável.
Nesta linha foi trabalhada a gestão ambiental
em áreas prioritárias nos Estados Amazônicos e
a gestão bioregional, com resultados positivos
quanto ao fortalecimento dos Órgãos Estaduais
de Meio Ambiente, reforço da capacidade de
formulação de políticas estaduais, desenvol-
vimento de metodologias e instrumentos de
comando e controle, consolidação de parcerias
inter-institucionais, identificação de problemas
sócio-ambientais chave para a gestão ambi-
ental, desenvolvimento de iniciativas inovadoras
de zoneamento e implementação de instrumen-
tos complementares de gestão ambiental.
Novos paradigmas para a implementação de
políticas públicas:Foram desenvolvidas parce-
rias com a sociedade civil como elemento chave
para a consolidação da política ambiental. Po r
i n t e rmédio de mais de 200 projetos executados
por organizações da sociedade civil da Amazônia
e da Mata Atlântica, foi possível constru i r
experiências concretas de desenvolvimento sus-
tentável que compatibilizam o desenvolvimento
socioeconômico com a conservação ambiental e
tem sido gerado capital social em nível regional,
com resultados positivos quanto a altern a t i v a s
de uso dos recursos naturais, sistemas de
p r e s e rvação ambiental, apoio e consolidação de
redes de organizações não governamentais nas
regiões onde se atua e construção de
capacidades nas comunidades locais.
73

Nesta mesma linha foi possível experimentar
e aperfeiçoar modelos complementares de
gestão ambiental, que podem ser adaptados a
diversas realidades amazônicas, com resultados
e lições quanto à influência da variável
fundiária e alternativas de regulamentação da
posse da terra, papel das comunidades organi-
zadas na aplicação de instrumentos de gestão
ambiental e a sustentabilidade dessas organi-
zações, identificação de condicionantes para a
inserção da eficiência econômica na implemen-
tação do desenvolvimento sustentável e ao uso
do desenvolvimento para a conservação. Foi
também desenvolvida metodologia e foi demons-
trada a eficiência do envolvimento dos
agricultores familiares, por intermédio das suas
entidades representativas, no combate às quei-
madas na Amazônia, assim como, estratégias
participativas de preparação de Projetos e ao
reforço e fortalecimento dos povos indígenas e
das organizações que os representam.
Produção de Conhecimento e informação
para o desenvolvimento sustentáve l :N e s t a
linha o Programa tem contribuído na produção
de conhecimento com resultados positivos
quanto ao reforço da infra-estrutura básica de
pesquisa dos Centros de Excelência na
Amazônia, à difusão científica, à formação de
recursos humanos, à realização de 53 projetos
de pesquisa básica e aplicada e à mobilização
da comunicadade científica na busca de
soluções e alternativas para o desenvolvimento
sustentável na Amazônia.
Implementando políticas públicas,garantin-
do direitos e conservando biodive r s i d a d e :
Nessa linha não somente foi trabalhada a escala
piloto, sendo que os resultados caracterizam
uma aplicação ampla de políticas públicas em
escala regional. Assim, possibilitou-se a demar-
cação de 44 milhões de hectares de terras
indígenas, a identificação de 93 terr a s
indígenas (mais 8 milhões de hectares), a
homologação de 20 milhões de hectares (com
16,3 milhões já registradas) e o desenvolvimen-
to de metodologias de demarcação alternativa
de terras com a participação dos beneficiários.
Responsabilidades compartilhadas:Perspec-
tivas de envolvimento do setor privado no
programa. Nesse ponto, foi possível realizar
estudos estratégicos para identificação de
mercados, tecnologias e viabilidade de produtos
e setores, aumentar a eficiência econômica do
manejo florestal privado através do apoio para
iniciativas promissoras, consolidar parcerias na
divulgação de oportunidades e articulação do
setor florestal, consolidar parcerias entre o
setor privado e os produtores locais, facilitar o
acesso aos mercados para produtos florestais
não madeireiros (cosméticos, óleos vegetais,
fibras, derivados de furtas e derivados da
borracha), buscar soluções tecnológicas e de
mercado para melhoramento do processamento
de produtos não madeireiros (castanha, palmito
e borracha) e identificar e articular a partici-
pação de fundos de investimento e fundos soci-
ais para a introdução de conceitos de sustenta-
bilidade social e ambiental na gestão de negó-
cios (Bancos, Fundos de Investimento e organi-
zações de empresários).
Principais Lições
As diversas ações realizadas, orientadas aos
resultados mencionados acima, perm i t i r a m
colher uma variedade de lições que abarcam
desde assuntos relacionados a desenho estra-
tégico de políticas públicas, até questões
relacionadas com a forma de atuação do estado
na busca do desenvolvimento sustentável. O
Programa Piloto está atualmente engajado na
sistematização dessa lições, dentre as quais
podemos mencionar:
1) a verticalização da produção é um elemento
importante para o aumento da renda dos produ-
tores locais, entretanto, não é o único aspecto
74

que deve ser considerado nos projetos de
desenvolvimento para a conservação;
2)os problemas concernentes ao mercado não serão
resolvidos somente através da verticalização da
produção, sendo também necessário ajustar a
qualidade dos produtos às exigências do
mercado;
3)a realização de investimentos com sistemas agro-
florestais, viveiros, piscicultura tem facilitado a
mudança de percepção dos produtores em
relação aos recursos naturais, traduzindo-se na
valorização da floresta e dos seus recursos;
4)a existência de problemas relacionados com a
comercialização são principalmente fruto das
limitações de oferta, mais do que da demanda e
do preço;
5)os altos custos de produção na Amazônia tem
influenciado diretamente a viabilidade técnica e
econômica das atividades produtivas;
6)uma estratégia para solucionar as limitações de
educação e capacitação deve ser considerada
como parte do conjunto de intervenções dos
projetos produtivos;
7)quando estabelecida uma parceria com o setor
privado, os projetos de desenvolvimento para a
conservação comunitários obtiveram um melhor
desempenho;
8)a organização social é um fator determinante
para o êxito e a continuidade dos projetos a nível
de comunidade;
9)a participação dos beneficiários finais nos
processos de consulta e nos processos decisórios
pode aumentar significativamente os resultados
dos projetos pois gera o compromisso do
beneficiário de manter as atividades após o
término do apoio oficial;
1 0 )o fortalecimento institucional das instituições não
g o v e rnamentais contribui com capacitação local
de recursos humanos, imprescindível para a imple-
mentação do desenvolvimento sustentável, etc.
Os exemplos apresentados não são os mais
importantes ou representativos em termos do
problema da viabilidade financeira dos empre-
endimentos que buscam valorizar os recursos
naturais da floresta, porém são uma amostra do
potencial de contribuição do Programa Piloto.
Os diversos eventos que o Brasil está realizando
visando a preparação de uma Segunda Fase do
Programa e o amplo debate em curso motivado
pela preparação da Conferência Mundial de
Meio Ambiente e Desenvolvimento estão permi-
tindo apresentar e validar essas lições, que com
a devida racionalidade podem ser incorporadas
nas políticas públicas que visam o desenvol-
vimento sustentável nas florestas tropicais.
Maiores informações sobre o Programa Piloto
podem ser encontradas no sitio de internet
www.mma.gov.br/ppg7/.
75
Carlos E. Aragon
Secretário Executivo do Programa Piloto para proteção das Florestas Tropicais, Ministério do Meio Ambiente

A Amazônia é assunto de preocupação
mundial, o que é natural, tendo em vista o
contexto de acelerada e evidente destruição dos
recursos naturais do planeta, com os riscos
óbvios do que isso comporta para toda a
humanidade. Entretanto, esta Região, compar-
tilhada por oito países
1
, com cerca de 20
milhões de pessoas, não recebe igual nível de
atenção quando se trata de arcar, globalmente,
com os ônus de sua preservação, o que passa,
necessariamente, pela implementação de vias de
desenvolvimento sustentável, através do uso de
seus recursos naturais. Em um mundo onde bio-
negócios e biotecnologia passam a ter influência
crescente, inclusive em termos econômicos, a
Amazônia, o maior banco genético do planeta, é
um tesouro inestimável. Abrem-se para ela, por-
tanto, condições, talvez únicas, de conciliar Pre-
servação e Uso Sustentável de seus recursos
naturais, gerando trabalho, ocupação e renda
para suas populações, majoritariamente pobres
e excluídas, até hoje. Entretanto, o risco de que
a Região mantenha seu secular lugar na divisão
internacional do trabalho, como simples supri-
dora de matérias-primas, não é desprezível
(com a continuidade do binômio destruição
ambiental/pobreza). Daí que, a possibilidade do
desenvolvimento sustentável - com todas as ine-
rentes implicações ecológicas, sociais, culturais
e econômicas – exige o reconhecimento ativo,
por parte dos próprios governos nacionais
amazônicos, da importância estratégica da
Região, em termos internos e externos, e do
poder que a soberania sobre o maior banco
genético do planeta lhes confere. Isso significa
ultrapassar posições meramente defensivas,
contra as críticas centradas na questão da
destruição ambiental, e avançar na definição de
um concreto “projeto” global que inclua o
desenvolvimento sustentável da Amazônia como
prioridade planetária. Isso implica em ônus
para os países da Região, é certo (“amarrados”
por políticas de reajuste e de contenção de
gastos públicos), inclusive no tocante ao desafio
da construção de uma efetiva, concreta e subs-
tantiva cooperação regional amazônica em
torno de propostas viáveis de desenvolvimento
local, o que fortaleceria uma posição regional
comum e concertada em torno da Amazônia,
como também aceleraria ações e otimizaria
recursos de toda ordem. Mas há, também, um
ônus a ser assumido pelo sistema internacional,
em termos da disponibilidade de recursos
financeiros necessários para a implementação
de justiça social, prudência ecológica, e viabi-
lidade econômica na Amazônia, recursos esses
que os países amazônicos não dispõem, segura-
mente. Então, sim, estaria a Amazônia, de fato,
inserida nas preocupações globais.
No plano nacional, o desenvolvimento da
Amazônia requer um esforço de construção de
alianças entre sociedade civil, governos e atores
privados, de forma a que não se desenhe como
cópias contínuas e miméticas de processos
externos, sem o necessário respeito às especifi-
cidades culturais, ecológicas, sociais e econô-
micas regionais. Pressupõe, portanto, o
fortalecimento das organizações não governa-
77
Pr e s e rvação com
desenvolvimento: a
experiência amazônica
no uso industrial da
casca de coco

mentais, a atração do investimento privado, e
um árduo combate à pobreza, através de
políticas públicas diferenciadas, que favoreçam
aos mais frágeis, em termos culturais, econô-
micos e sociais. Esta estratégia impulsionará o
fortalecimento da competitividade dos atores
regionais, importante para qualquer avanço,
seja no meio rural, seja no urbano, inclusive
criando sinergias entre campo e cidade.
Na Amazônia brasileira, a partir das visões
acima delineadas, e do conceito básico de que
preservação da Amazônia pressupõe ultrapas-
sar as condições de pobreza existentes, é que o
SISTEMA POEMA
2
- Pobreza e Meio Ambiente
na Amazônia, implementa, há cerca de dez
anos, alternativas de desenvolvimento susten-
tável, contribuindo para a geração de emprego
ocupação e renda em comunidades rurais, a
partir do uso e processamento de recursos
naturais, agregando valor à matéria-prima e
fortalecendo cadeias produtivas. Vale lembrar
que, no interior da Amazônia, o pequeno produ-
tor rural não dispõe, via de regra, de insumos
técnicos, financeiros e mercadológicos para
ultrapassar o sistema tradicional do corte-e-
queima (slash and burn) da agricultura itinerante
- hoje econômica e ecológicamente inviável.
Entretanto, detém um amplo leque de conheci-
mentos empíricos no manejo de seus recursos
naturais. Ele precisa contar, portanto, com com
parceiros públicos e privados que viabilizem seu
acesso a tecnologias, recursos financeiros e
mercados, aumentando, assim, sua competitivi-
dade como ator político, econômico e social,
ampliando, dessa forma, processos de organi-
zação social em torno da melhoria concreta de
sua qualidade de vida.
Nessa via, um exemplo da atuação do
POEMA (talvez o mais visível) é o da industria-
lização da casca de coco (Cocus nucifera)
construindo uma cadeia produtiva, do plantio à
industrialização, do campo à cidade, levando à
implementação, no Estado do Pará, de um Pólo
de Produção de Artefatos Industriais a Partir de
Fibras Naturais. Através da ONG POEMAR,
integrante do Sistema POEMA, foram implan-
tados, em áreas de cultivo tradicional de coco,
junto às comunidades rurais organizadas de sete
municípios, sistemas agroflorestais que recupe-
ram o solo e a cobertura vegetal em áreas já
alteradas pela extração indiscriminada da
madeira e utilização agropecuária, aumentam a
biodiversidade e diversificam a produção,
gerando maior segurança alimentar às popula-
ções locais. Inseridos em sistemas agroflores-
tais, os coqueirais também têm sua produtivida-
de expressivamente aumentada, pelo abandono
ao monocultivo. Entretanto, a simples venda da
matéria-prima não altera, de forma alguma, o
nível de renda das populações envolvidas. Daí,
porque, foram implantadas agroindústrias
comunitárias para o beneficiamento da casca de
coco, antes tratada como lixo, e que se transfor-
ma, agora, em fibra enfardada. Vale notar um
efeito paralelo: o da constituição de um empre-
sariado rural conformado de pequenos produto-
res, sui generis, é verdade, porque depende de
sólida organização social para sua viabilização.
São nestas agroindústrias que os produtores
rurais de coco comercializam seu produto em
um mercado extremamente próximo a suas
áreas de produção, criando-se, assim, linksentre
áreas de cultivo/produção e espaços de
beneficiamento, no próprio meio rural. Além
das agroindústrias para o beneficiamento e
transformação da casca em fibra, estão sendo
instaladas pequenas unidades anexas para o
processamento integral do fruto. O Sistema
POEMA garante permanente assistência técni-
ca, gerencial e mercadológica. A cadeia pros-
segue. As agroindústrias comunitárias, por sua
vez, têm um mercado local garantido para a
comercialização de sua fibra: a empresa
POEMATEC - Fibras Naturais da Amazônia,
também vinculada ao Sistema POEMA, instala-
da na Região Metropolitana de Belém, a capital
78

do Estado do Pará. Esta fábrica é a mais
moderna em termos tecnológicos, em toda a
América Latina, no uso industrial da fibra de
coco. Estabelece-se, aqui, o linkentre campo e
cidade: as fibras provenientes do interior,
agregadas a látex natural, são utilizadas pela
POEMATEC na fabricação de peças recicláveis
para as indústrias automobilística - assentos,
encostos, para-sóis e apoios de cabeça – move-
leira - estofados, colchões, assentos - e de jardi-
nagem - potes, vasos e placas - comercializadas
no mercado nacional e internacional através da
BOLSA AMAZÔNIA, mais um ente do Sistema
POEMA.
A viabilidade financeira dessa cadeia
produtiva significou um investimento da ordem
de US$3.500.000, através de recursos a fundo
perdido, créditos subsidiados, bolsas para
técnicos e pesquisadores, equipamentos e
máquinas, dentre outros, só possível através da
construção de alianças entre o Sistema POEMA
e o setor público, organizações não governa-
mentais, e o setor privado, isto é, atores locais,
nacionais e internacionais, historicamente
distintos: a Universidade Federal do Pará, o
G o v e rno do Estado do Pará, o Banco da
Amazônia S.A., o Banco do Estado do Pará, as
empresas DaimlerChrysler e Mercedes Benz do
Brasil, os Ministérios brasileiros de Ciência e
Tecnologia/CNPq e Meio Ambiente, o
Ministério de Cooperação da Alemanha/
Deutsche Entwicklungsgesellschaft, Prefeituras
Municipais e Organizações de Produtores Ru r a i s .
No meio rural esta cadeia envolve
diretamente a 300 pessoas e no urbano a 150,
gerando 1000 empregos indiretos no total. A
produção atual nas agroindústrias interioranas
é de 40 toneladas/mês de fibra. A capacidade
instalada da fábrica POEMATEC, em Belém, é
de 80 toneladas/mês de produto acabado(fibra e
látex) equivalente a 100.000 ítens/peça/mês.
3
Demonstra-se, assim, que o desenvolvimento
sustentável da Amazônia é viável, se encarado
como responsabilidade nacional e internacional,
verdadeiras Alianças em Defesa da Vida, e de
que é possível articular atores tão distintos.
Como diria Alvin Toffler, articular o sacho ao
computador, em proveito da preservação da
floresta amazônica, é certo, mas, principal-
mente, de seus homens.
79
Nazaré Imbiriba Mitschein
Doutora em Direito, Mestre em Direito Internacional, Coordenadora de Cooperação Internacional do Sistema POEMA e
Secretária-Geral do Programa Regional BOLSA AMAZÔNIA
1Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
2O Sistema POEMA é composto do Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia-POEMA- da Universidade
Federal do Pará, da ONG POEMAR- Núcleo de Ação Para o Desenvolvimento Sustentável, do Programa Regional
Bolsa Amazônia, da Empresa POEMATEC-Fibras Naturais da Amazônia, e da Cooperativa Mista POEMACOOP.
3Em breve o látex natural utilizado será produzido, também, por comunidades rurais, o que aumentará o número de
empregos gerados no campo.

Os especialistas em recursos humanos dizem
que no idioma chinês crise se escreve com o
mesmo ideograma usado para a palavra
oportunidade. Segundo eles, na China os dois
seriam sinônimos. Já os otimistas mais
entusiasmados, acostumados a ver o lado bom
até dos incêndios e terremotos, também pregam
que toda crise tem seu lado positivo.
Sem ser adepto das filosofias chinesas e
apesar de ser levemente pessimista – como
convém a todo empresário latino-americano que
ainda continua empresário - acredito que essa
escassez de energia elétrica pela qual passa o
Brasil também tem seu lado positivo,
ressalvados os estragos feitos na economia.
Um cínico diria que, com o racionamento, o
disciplinado trabalhador - ou nós brasileiros -
acabou ganhando um aumento de salário, na
casa dos modestos R$ 100,00, por conta da
eletricidade que, meio na base da ameaça,
aprendeu a economizar. No mínimo serão R$
1.200,00 por ano, que certamente acabarão
injetados diretamente no mercado de consumo.
Também não sei se é simpático dizer - neste
momento em que milhares de freezers foram
desligados e em que milhões tomam banho de
água fria – que gastávamos mais energia
elétrica do que precisávamos. Simpático ou não,
a verdade é que, mesmo sem os 10% de
eletricidade racionada (coisa que equivale a
desligar uma termelétrica de 6 mil
MegaWatts), a vida continua, mais ou menos
como dantes, um pouquinho mais apagada,
talvez.
Miudezas à parte, acredito que o lado
positivo da crise está, em primeiro lugar, na
quebra do mito do Brasil como paraíso da
energia farta barata. Desde 1990, quando o
Collor foi eleito presidente da República temos
alertado contra esse mito. Tanto que, como vice-
presidente da ABDIB - Associação Brasileira da
I n f r a - E s t rutura e Indústria de Base –
coordenamos uma campanha institucional,
alertando para a gravidade da falta de
investimentos em infra-estrutura, com especial
ênfase no setor elétrico. Previmos que ia faltar
eletricidade porque não se investia na
c o n s t rução de novas hidrelétricas e nossas
profecias só não se realizaram naquela época
porque outra tragédia aconteceu antes: o Brasil
parou de crescer e o consumo de eletricidade
não aumentou, estagnou.
O outro lado positivo é que, mais uma vez, foi
preciso uma crise energética para que o
a g r i b u s i n e s sbrasileiro, em especial o setor
sucroalcooleiro, voltasse a ser olhado com o
respeito que ele merece pelo espaço que ocupa
na economia nacional. Só no Estado de São
Paulo o setor responde por 36% da mão-de-obra
agrícola e por 20% da arrecadação. Em
resumo, é o segmento mais importante da
economia estadual. Na crise do petróleo dos
anos 70 o setor sucroalcooleiro deu mostras de
sobra da sua capacidade de rápida mobilização
e alta eficácia na utilização da biomassa.
Trabalhou com garra e vigor e graças ao Álcool
o País economizou algo em torno de US$ 141
bilhões em petróleo equivalente que deixou de
comprar, de 1976 a 2001, computando-se os
juros da dívida que não foi gerada.
81
A hora e a vez da
b i o m a s s a

Agora o sistema cana de biomassa pode fazer
algo semelhante pela energia elétrica.
Felizmente, as altas esferas nacionais já
sabem – e o ministro Pratini de Moraes tem
tudo a ver com isso – que uma tonelada de cana
equivale, energeticamente, a um barril de
petróleo. Considerando-se as previsões para
esta safra e os investimentos que estão sendo
feitos na melhoria tecnológica de caldeiras,
turbinas e geradores, com linhas de crédito
abertas pelo BNDES, preparamo-nos para
colocar nas linhas de transmissão 2.000
Megawatts (MW) já em 2002.
O próximo salto de curto prazo
desse programa será a co-
geração de 3.000MW por
safra, suficientes para iluminar
30 cidades como Campinas. Na
verdade é uma cifra modesta,
se considerarmos que o
potencial do setor poderá ser
otimizado com investimentos
para melhoria de eficiência na produção de
vapor, tecnologia de turbinas e geradores. E
ainda, se houver incentivo para a mecanização
do corte de cana crua, além de ganhos
ambientais com o fim das queimadas, haverá
considerável acréscimo de biomassa nas
caldeiras, com a utilização da palha e ponta da
cana. Com palha, ponta e bagaço, caldeiras e
turbinas mais eficientes, o potencial do setor
chegará a 12 mil MW, mais de 17% da atual
potência elétrica instalada no Brasil (70mil MW).
As vantagens da biomassa renovável são
obvias e inegáveis na co-geração de energia
termelétrica:
a)sua oferta coincide com o período de seca, e
por conseqüência, dos níveis mais baixos dos
reservatórios das hidrelétricas;
b)é solução nacional, assim como os equipa-
mentos necessários, produzidos no País com
tecnologia própria ou transferida;
c)os empregos que advém do ciclo sucro-
alcooleiro completo, bem como da produção
de equipamentos, são gerados aqui e não nos
EUA ou Europa;
d)o custo da energia elétrica co-gerada é livre
de risco cambial. Igualmente, independe do
preço do petróleo, ou seja, terá sempre
impacto positivo na balança comercial;
e)o ciclo de utilização da biomassa favorece a
perspectiva de decréscimo no preço de
energéticos como o álcool e, por extensão, da
gasolina na qual ele é
adicionado como oxige-
nante. Pois o álcool, ao
contrário do que se pensa,
barateia o preço da gaso-
lina à qual é adicionado
como aditivo antidetonante
e oxigenante; e
f)o ciclo completo de
utilização do sistema cana
(ponta, palha e bagaço) é de queima
completa; ambientalmente limpo, contribui
para reduzir as emissões de dióxido de
carbono (CO2), o pior agente do efeito estufa
Chegar aos 12MW não será impossível, mas,
é obvio, exigirá a incrementação de um
programa de longo prazo, que não pode ficar
apenas restrito a auxiliar momentâneo de uma
crise que sabemos, será passageira. Se o
G o v e rno brasileiro definir claramente sua
matriz energética e o papel de cada energético
no contexto global, acredito que haverá um
futuro positivo e promissor onde o agribusiness–
tradicional gerador de postos de trabalho e forte
consumidor de insumos industriais –
desempenhará papel chave na reativação da
indústria de máquinas e equipamentos, dando
fôlego também à implantação de novas
termelétricas e hidrelétricas, estas últimas de
construção lenta e dispendiosa.
82
As vantagens da biomassa
renovável são óbvias e
inegáveis na co-geração de
energia termelétrica.

O setor sucroalcooleiro mostra-se preparado
para dar sua contribuição na superação da crise
energética e na consolidação de um programa
que, a exemplo do Programa do Álcool,
fortalecerá um dos setores mais estratégicos e
de maior irradiação social da economia
brasileira.
83
Maurilio Biagi Filho
Presidente do Conselho Superior de Infra-estrutura e Meio Ambiente (Cosema) da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (Fiesp) e vice-presidente da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústria de Base (Abdib)

Muitos não se dão conta de que as
porcentagens alarmantes sobre os remanes-
centes da Floresta Atlântica brasileira, que há
décadas são divulgadas pela mídia, não são
dados estanques. A verdade é que elas estão em
constante mutação, sendo sistematicamente
alteradas para baixo, mesmo que na prática não
seja esta a leitura que acaba sendo realizada.
Assumindo uma posição otimista, cerca de
7% de áreas naturais dos domínios da Floresta
Atlântica ainda persistem. No entanto, algumas
regiões de nosso território praticamente não
dispõem de mais do que 1% deste bioma. O
Paraná, citando um estado do sul do Brasil
considerado rico e mais consciente de suas
responsabilidades para com o meio ambiente,
não conseguiu manter mais do que 0,7% da
Floresta com Araucária, um número também
em descendência constante e ameaçando elimi-
nar por completo áreas nativas, inseridas no
domínio da Floresta Atlântica, que detém o
símbolo maior do estado: o Pinheiro do Paraná.
Com um pouco mais de rigor, se quisermos
validar apenas aquelas áreas realmente em bom
estado de conservação – entenda-se regiões sem
ações fortes de degradação como desmatamen-
tos, caça, extrativismo descontrolado, ou outras
ações antrópicas que afetem a biodiversidade de
maneira mais intensa – será difícil encontrar
algum trecho no qual a natureza primitiva tenha
sido verdadeiramente preservada. Muito prova-
velmente não há mais áreas assim em toda a
costa brasileira, onde originalmente existiam
1,3 milhões de quilômetros quadrados cobertos
com florestas tropicais.
Ao mesmo tempo que a agenda que visa
proteger estas áreas remanescentes, luta contra
os rígidos princípios de desenvolvimento
convencional – e ainda não foi suficientemente
eficaz para reverter o quadro de redução
contínua, uma outra demanda se faz presente,
com o mesmo grau de importância. Trata-se da
recuperação de áreas degradadas, fundamental
para restabelecer o contato entre as áreas ainda
existentes de ambientes naturais, em geral iso-
ladas e condenadas ao empobrecimento paula-
tino pela impossibilidade de se realizar trocas
gênicas entre as populações da flora e da fauna
nativas que nela ainda subsistem.
Excetuando-se as áreas rurais em que a
agricultura, a pecuária ou os reflorestamentos
com monoculturas estão ocupando grandes
espaços, há em nosso território uma imensa
porção de terras degradadas em fase de recupe-
ração – por estarem abandonadas, a natureza se
encarrega lentamente de regenerá-las. Ao invés
de serem novamente destruídas, pelo menos
uma porção dessas terras deveria estar reser-
vada a cumprir este papel a longo prazo e em
definitivo, ampliando nossas reservas naturais
de Floresta Atlântica a um patamar mínimo
aceitável, que por lei deveria ser de 20%.
Mas onde estão as Unidades de Conservação
neste cenário? Não seriam estas as grandes
a rmas para que se evite a destruição da
Floresta Atlântica? Não é uma obrigação do
Estado garantir a criação e manutenção de
áreas com finalidade explícita de conservação?
A resposta é sim e também é não. Sim,
87
O desafio e as
oportunidades para
recuperar a Floresta
Atlântica brasileira

porque as Unidades de Conservação públicas
são, certamente, o melhor instrumento para
garantir a perpetuação de áreas naturais, como
medida de interesse público, muitas vezes acima
de eventuais demandas locais e que se justifica
pela importância estratégica para a Nação.
Mais parques devem ser criados e mais recursos
alocados para sua proteção e viabilização de
estudos que permitam a geração de maior
conhecimento sobre as mesmas, ampliando as
ferramentas para o seu manejo e promovendo a
possibilidade de geração de riquezas.
Não, pelo fato de que recursos públicos para
conservação de áreas naturais e da biodiversi-
dade nunca foram suficientes para o atendi-
mento das necessidades mínimas
do país e não há perspectivas
realistas de que este quadro se
modifique, tão significativas são
as demais demandas sociais.
Soma-se a este fato a ainda
incapacidade da sociedade em
reconhecer a real importância da
conservação da natureza.
Não, porque existe um ator
ainda dormente, estabelecendo
suas primeiras iniciativas mais
incisivas no campo da conserva-
ção, que poderá revolucionar o
enfrentamento deste problema
em nosso País. Trata-se do segundo setor, ou a
iniciativa privada, proprietária de grande parte
das áreas naturais da Floresta Atlântica. De
várias formas, vem sendo abertas oportunidades
de iniciativas motivadas, dentre outras, pela
busca de reconhecimento público no afã de em-
presas diferenciarem-se de seus competidores.
Assumindo um papel de parceiro dos esforços
públicos e complementando a ampla agenda de
responsabilidades do governo através de
iniciativas próprias, protegendo áreas naturais e
criando RPPNs (Re s e rvas Particulares do
Patrimônio Natural), recuperando áreas
degradadas, apoiando a manutenção de Unida-
des de Conservação públicas, adquirindo áreas
com fins de conservação ou recuperação e assim
por diante.
A conservação da natureza não deve ser vista
exatamente como um negócio, mas não deixa de
ser uma das justificativas para que o envolvi-
mento privado aconteça cada vez com maior
intensidade. Numa região onde não se encontra
mais um determinado recurso, quem o detiver
estará se posicionando estrategicamente para
enfrentar o futuro em melhores condições.
Conservar a natureza é exceção na Floresta
Atlântica brasileira e quem se habilitar a
colocar sua contribuição neste campo de inte-
resse público inquestioná-
vel será devidamente re-
compensado. Muito mais
os que, detentores de visão
mais aguçada, forem os
p i o n e i r o s .
Cabe aqui o relato da
experiência de uma orga-
nização não-governamen-
tal brasileira, que atua no
estado do Paraná: a Soci-
edade de Pesquisa em
Vida Selvagem e Educa-
ção Ambiental – SPVS.
Há menos de três anos,
mais de 18 mil hectares de áreas degradadas na
costa paranaense foram adquiridos com recur-
sos privados para um longo projeto que visa
conservar e recuperar três reservas naturais,
que em breve se tornarão RPPNs. Este é um
esforço de restauração de um pedaço da
Floresta Atlântica, no litoral do Paraná, um dos
mais valiosos e ameaçados ecossistemas da
Terra, considerado pela ONU como Reserva da
Biosfera.
Denominado Ação Contra o Aquecimento
Global, o trabalho, pioneiro na Floresta
Atlântica, é realizado nos municípios de
88
A conservação da natureza
não deve ser vista
exatamente como um
negócio, mas não deixa de
ser uma das justificativas
para que o envolvimento
privado aconteça cada vez
com maior intensidade.

89
Clóvis Borges
Diretor Executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental – SPVS
www.spvs.org.br
Antonina e Guaraqueçaba, região inserida na
maior porção contínua de Floresta Atlântica. A
meta é contribuir para a diminuição do processo
de aquecimento do planeta, provocado pela
elevada concentração na atmosfera de gases
conhecidos como gases do efeito estufa,
principalmente o gás carbônico, através da
absorção do CO2 pelas florestas em fase de
regeneração.
O projeto no litoral do Paraná garante o
emprego de 50 moradores da região, e outras
15 pessoas, entre pesquisadores e técnicos,
responsáveis pela recuperação das áreas desma-
tadas através do plantio de espécies nativas.
Enquanto o sumidouro natural de carbono vai se
desenvolvendo, a SPVS também se preocupa
com as áreas de entorno, estabelecendo parce-
rias com outras organizações, procedimento
fundamental para o sucesso do projeto e para o
futuro da economia regional. Em menos de dois
anos de trabalho, a SPVS já elenca algumas
iniciativas em parceria com outras organizações
que buscam oferecer geração de renda para as
comunidades, não deixando de respeitar o meio
ambiente, como cultivo de agricultura orgânica
e criação de búfalos com menos impacto
ambiental.
Os projetos de seqüestro de carbono são
somente um exemplo do quanto pode ser
produtiva a parceria da iniciativa privada com a
conservação ambiental – para os dois lados.
Este é um campo aberto de oportunidades. Ao
passo que áreas preservadas tornam-se cada vez
mais raras, investimentos privados devem
constar nas agendas das empresas como uma
oportunidade real de negócio para sua imagem
institucional.
Outro ganho fundamental para quem investe
na conservação da natureza é o retorno de
imagem, um aditivo ao qual boa parte do
mercado consumidor já está atento. Daqui para
a frente, o que vai diferenciar um produto de
outro é a imagem positiva que ele carrega
consigo. Com base neste pressuposto, a SPVS
vem construindo uma rede de parcerias formada
por empresas brasileiras e estrangeiras.
A floresta só é um grande instrumento de
realização se estiver de pé, oferecendo uma
gama ilimitada de oportunidades, como o
turismo ecológico, a farmacologia, as pesquisas
avançadas e a produção de alimentos livres de
aditivos químicos como alguns exemplos do
leque de possibilidades escondido sob as copas
das árvores – além de outros “serv i ç o s
ambientais” prestados pela floresta, como a
proteção de rios e nascentes d’água e a conser-
vação do solo que ajuda a evitar assoreamento
de rios e baías. Trata-se de um novo movimento
não convencional, distinto do modelo coloni-
zador, que ainda vê as grandes áreas verdes
como um empecilho ao desenvolvimento.

Pioneirismo e respeito ao meio ambiente e à
sociedade têm sido os fatores que mais
caracterizam a trajetória da Cia Suzano de
Papel e Celulose ao longo dos mais de 75 anos
de atividades da empresa.
Na década de 50, a Cia Suzano apresentou
ao mundo a celulose de fibra curta, produzida
com 100% de eucalipto, o que garantiu ao
Brasil um lugar de destaque entre os grandes
fabricantes de papel. As pesquisas conduzidas
pela empresa, inclusive nos Estados Unidos,
mostraram a viabilidade técnica e comercial da
utilização dessa matéria-prima, muito mais
adaptada ao clima brasileiro e com um período
de corte bem mais curto que o pinus.
A Cia Suzano foi igualmente pioneira na
produção de papel com celulose 100% ECF, o
que significa a utilização de oxigênio no
necessário processo de branqueamento da
celulose, substituindo o cloro elementar. A
Empresa também inovou na implementação de
práticas de manejo sustentado e na superação
de padrões internacionais de tratamento de
efluentes.
Uma de suas empresas, a Bahia Sul Celulose,
foi a primeira das Américas a receber a
certificação ISO 14 000 no setor de papel e
celulose sendo a única fabricante do setor em
todo o mundo a ter recebido distinção da ONU
pelo elevado nível ambiental.
Todos os produtos da Cia Suzano são obtidos
a partir de recursos renováveis. A celulose, sua
matéria-prima, é extraída de florestas planta-
das de eucaliptos, que convivem com áreas de
florestas nativas, conservadas e preservadas
dentro das fazendas da empresa.
A demanda por papéis reciclados tornou-se
cada vez maior nos mais diversos segmentos.
Sua utilização, contudo, ainda era limitada,
pois não havia preço competitivo e a qualidade
de impressão deixava a desejar.
Dentro deste cenário e com todas estas
credenciais, a Cia Suzano inovou mais uma vez:
passou a produzir em escala industrial, e vem
comercializando com sucesso, o primeiro papel
offset brasileiro 100% reciclado: o reciclato.
Oreciclato, disponível em diversas grama-
turas, de 75g/m2 até 240 g/m2, destina-se à
impressão de alta qualidade de manuais, publi-
cações editoriais, agendas, envelopes, cadernos,
livros e de muitos outros produtos nos campos
promocional e corporativo.
A reciclagem já é uma prática na indústria
papeleira brasileira, que há muito tempo utiliza
aparas (papel usado) em nichos específicos, como
papel-cartão e cartonados para embalagem.
Como o processamento de aparas é uma
atividade complexa, que exige investimentos
significativos em tecnologia e equipamentos,
para que a produção esteja sempre alinhada às
políticas ambiental e de qualidade, a Cia Suzano
cuidou muito do desenvolvimento do re c i c l a t o, de
modo que ele pudesse, de fato, torn a r-se uma
opção interessante do ponto de vista de sua
utilização e uma alternativa inteligente em
t e rmos ambientais.
Não por outros motivos, mas apenas pelo
fato de que papel e papelão correspondem a
93
Produção de papel
reciclado em escala
i n d u s t r i a l :
experiência pioneira

quase 25% de todo o lixo urbano existente nas
grandes metrópoles, fica clara a importância do
reciclato. Todavia, o ponto mais importante deste
novo produto é que a aquisição de aparas para
sua produção tem um diferencial comercial: a
compra direta de material reaproveitável de
uma ONG, composta por catadores de papel,
que buscam a reinserção social do morador de
rua a partir da recuperação de sua dignidade,
dando-lhes novas oportunidades de trabalho.
A Cia Suzano garante a compra de mais de
50 toneladas por mês de papel e papelão, o que
contribui para o aumento da receita daquela
ONG e ainda permitirá viabilizar parte dos
projetos sociais, voltados para os catadores de
papel e suas famílias.
Outro fator importante é que parte da receita
obtida com a venda do reciclatoé destinada a
projetos sociais e ambientais do Instituto
Ecofuturo, instituição criada pela Cia Suzano
para promover o desenvolvimento sustentável
no Brasil.
É assim que a Cia Suzano cumpre o seu papel
social: fabricando e desenvolvendo produtos de
alta qualidade e de custo competitivo para seus
clientes, oferecendo elevado valor agregado para
seus acionistas, e simultaneamente, respeitando
o meio ambiente e a sociedade.
94
David Feffer
Presidente da Suzano Celulose e Papel

As transformações pelas quais vêm passando
a sociedade nas últimas décadas impõem
grandes desafios para as empresas privadas,
especialmente as do segmento industrial, sendo
um desses desafios - e talvez o principal - o da
p r e s e rvação do ambiente em que vivemos. A
indústria de celulose e papel ocupa uma posição
importante na cadeia que faz de um recurso
primário vasto e renovável, a madeira, uma
c o m m o d i t y, o papel. O papel é criticamente
importante para proporcionar informação e
cultura, como também para atender outras
necessidades cotidianas. A indústria da celulose,
pela sua natureza, necessita de muita água para
transportar eficientemente as fibras provenien-
tes da madeira ao longo do processo de fabrica-
ção. Por outro lado, existe a necessidade de
produção de madeira em hortos florestais, em
volume compatível com a produção desejada.
Para harmonizar essa relação produção x meio
ambiente é que estabelecemos programas volta-
dos especificamente à preservação ambiental.
A Klabin Celulose Riocell controla o impacto
ambiental de suas atividades, produtos e
serviços através do Sistema de Gerenciamento
Ambiental, certificado pela norma ISO 14001,
buscando a melhoria contínua do seu desem-
penho. A empresa possui estação de tratamento
de efluentes de ponta, onde se incluem reator
biológico e tratamento terciário, proporcionan-
do alta qualidade ao efluente final. A utilização
de tecnologias que não agridem o meio ambi-
ente proporciona o emprego de avançados
sistemas de reaproveitamento e reciclagem dos
resíduos gerados. Após avaliação científica,
programa de testes e desenvolvimento de parce-
ria entre Klabin Celulose Riocell e a empresa
Vida Produtos e Serviços, 99% dos resíduos
sólidos da Riocell possuem reciclagem com uti-
lização específica. Em nossa empresa, a palavra
resíduo foi substituída por novos produtos.
Nosso Programa de Gerenciamento de
Recursos Hídricos na Indústria é conduzido por
uma equipe própria, acrescida de consultores
especializados. Assim, passamos a interagir com
as demais fábricas, através da Federação das
Indústrias do Rio Grande do Sul - FIERGS, com
a finalidade de fixar diretrizes comuns, disponi-
bilizar informações ambientais atualizadas e
incentivar a implantação de sistemas de gestão
ambiental em todos os setores produtivos
abrangidos pela FIERGS. Outras importantes
motivações orientam esse grupo de trabalho, tais
como: acompanhar as inovações e tendências
tecnológicas na legislação e afins da área
ambiental; identificar incentivos a projetos
ambientais, bem como para pesquisa e desenvol-
vimento; manter postura pró-ativa no relaciona-
mento com todos os públicos; acompanhar o
sistema de gerenciamento de recursos hídricos
do Estado; e, identificar o papel da indústria no
Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica
do Lago Guaíba.
O conceito de desenvolvimento florestal
sustentável está intimamente associado ao
princípio de utilização da microbacia hidro-
gráfica como base física para o manejo
florestal, buscando a implementação de práticas
conservacionistas. Tais práticas, neste enfoque,
97
Programas Klabin
Celulose Riocell
para preservação
do meio ambiente

devem considerar a integração, as inter-
relações e os efeitos das atividades florestais
sobre o solo, a água e sobre a diversidade bioló-
gica. As práticas florestais para a produção da
madeira necessária à produção de celulose são
desenvolvidas com cuidados que, no entendi-
mento da empresa, minimizam e possivelmente
até anulam os impactos ambientais sobre o solo,
a água e a biodiversidade. Para tanto, a
empresa investiga os impactos causados, avalia
o comportamento e a qualidade da água do
corpo receptor e seleciona
indicadores para identificar
os impactos das operações
florestais. A visão e o
comprometimento persegui-
do é o de uma fábrica de
mínimo impacto. Isso está
presente e orienta todas as
decisões acerca das melho-
rias nas operações industri-
ais e na seleção de tecnolo-
gias. Investir em tecnologias
e em gerenciamento ambien-
tal não são atividades disso-
ciáveis. Uma fábrica mal
gerenciada pode não bene-
ficiar-se de tecnologias disponíveis, enquanto
fábricas bem gerenciadas, mas carentes de
investimentos e operando equipamentos anti-
quados terão sua capacidade de atingir
melhorias ambientais muito dificultada.
O conceito básico a ser seguido é a
modificação contínua dos processos envolvidos.
Já na área florestal, onde os eucaliptos são
árvores de rápido crescimento, pode-se fazer
melhoramentos por seleção de indivíduos natu-
rais, ou cruzados seletivamente para produzir
propriedades tecnológicas superiores. Entre
estas propriedades, árvores que consomem
menor quantidade de insumos químicos e que
têm rendimento industrial superior são
realidade e fruto de investimento continuado.
Práticas como esta, certamente, foram respon-
sáveis pela certificação do Forest Sterwardship
Council - FSC obtida recentemente pela empre-
sa, atestando que seu produto é confeccionado
com madeira proveniente de floresta manejada
de forma ambientalmente adequada, social-
mente justa e economicamente viável.
Os estudos e programas estabelecidos nos
Objetivos e Metas Ambientais da Área Florestal
buscam melhorar as condições ambientais de
áreas protegidas, recuperar áreas utilizadas
para extração de materiais ou
áreas atingidas por processos
erosivos; proporcionar melho-
res condições para planeja-
mento das atividades e obter
i n s t rumentos para monitorar
os impactos das operações
florestais. Esses programas
c o n t e m p l a m :
•Adequação Ambiental das
Áreas de Preservação Perma-
nentes
•Recuperação de Áreas
Degradadas
•Adequação da Base
Cartográfica
•Adequação da Rede Viária
•Monitoramento de Indicadores Ambientais:
a)produção e qualidade da água
b)perdas de solo
c)biodiversidade
Paralelamente, a Klabin Celulose Riocell
mantém o Centro de Educação Ambiental que
interage com a comunidade dos 25 municípios
onde possui planta industrial ou florestas. A
educação ambiental da Riocell tem como
objetivo auxiliar na formação da cidadania
ambiental dessas comunidades e, igualmente,
divulgar seus processos de busca permanente da
sustentabilidade da produção e dos ecossistemas.
98
As práticas florestais para a
produção da madeira
necessária à produção de
celulose são desenvolvidas
com cuidados que
minimizam e possivelmente,
até anulam os impactos
ambientais sobre o solo, a
água e a biodiversidade.

Mediante o conhecimento da realidade dos
vizinhos, são realizadas atividades com o
objetivo de estimular novos hábitos quanto à
disposição de resíduos, queimadas, práticas de
agricultura de subsistência e esclarecimentos
sobre a cultura do eucalipto. Trabalhos junto às
escolas da região, estabelecimento de trilhas
temáticas no parque ecológico da empresa e em
seu principal horto florestal, formação de
multiplicadores e programa de coleta seletiva de
lixo, são alguns dos pontos fortes trabalhados
pelo Centro de Educação Ambiental da empresa.
Andando nessa direção, nossa empresa fabrica,
desde 1994, o papel Ecograph produzido a
partir da celulose Oxicell, clareada ao oxigênio.
Esse produto, considerado por ONG´s e
ambientalistas como ecologicamente correto, é
uma saudável contribuição que a Riocell dá a
esta sociedade, cada vez mais preocupada com o
meio ambiente. No futuro, nossos filhos e netos
certamente nos agradecerão por essa iniciativa.
99
Geraldo Ribeiro do Vale Haenel
Diretor-gerente da Klabin Celulose Riocell

No mês de novembro passado tive a
oportunidade de conhecer alguns projetos de
manejo de recursos naturais na Amazônia
brasileira, a convite do Ministério de Relações
Exteriores. Entre os múltiples aspectos de
interesse vinculados com o desenvolvimento e os
problemas ambientais que pude observ a r
durante a visita, há um que pretendo destacar
neste artigo: a participação crescente da
sociedade na gestão dos recursos naturais.
Este é um fator que está intimamente
relacionado com algumas problemáticas da
região, tais como a conservação ambiental, o
desenvolvimento social, a construção da cida-
dania e o fortalecimento da democracia, a redu-
ção das desigualdades sociais e o aproveita-
mento de recursos naturais renováveis, o
reconhecimento e o respeito pelas culturas dos
povos de origem ancestral e os papéis dos gover-
nos locais no desenvolvimento sustentável.
Definitivamente, a participação social na gestão
ambiental surge como uma via idônea para o
encontro de respostas apropriadas aos proble-
mas da região e aos desafios do desenvolvi-
mento sustentável.
A importância estratégica que pode ter a
participação social na gestão ambiental para o
desenvolvimento da região exige uma atenção
especial às diversas experiências que são
realizadas em realidades semelhantes nos países
da América do Sul, apesar das diferenças locais
e a especificidade de cada situação. O contraste
entre as diversas experiências pode conduzir à
adoção de pautas e critérios tomados por mútuo
acordo para o desenvolvimento da região que
possui suas particularidades, a partir das quais
deve inserir-se e potencializar-se em um mundo
globalizado.
Atualmente, existem várias tendências e
posições sobre o manejo de recursos naturais
renováveis. Assim, existem correntes que
privilegiam a conservação dos recursos em seu
estado natural, excluindo toda forma de inter-
venção antrópica. Há outras que subordinam a
conservação às necessidades do mercado e do
crescimento econômico. Por último, estão as
correntes de pensamento e de ação que reconhe-
cem a necessidade de encontrar práticas produ-
tivas equilibradas que permitam o desenvol-
vimento econômico e o manejo adequado da
natureza.
Nas experiências que se desenvolvem na
Amazônia do Brasil, como ocorre em outros
países da região, podem ser reconhecidas estas
diferentes tendências. Junto a experiências de
pesquisa vinculadas à conservação intern a c i o n a l
de aves migratórias, políticas e práticas de
c o n s e rvação de ecossistemas frágeis como os
bosques úmidos amazônicos e as florestas
tropicais, encontram-se experiências de
c o n s e rvação que incluem políticas que promovem
a melhoria da qualidade de vida das populações
locais, utilizando para isso os recursos naturais
de maneira sustentável. Assim mesmo, existem
experiências de manejo de recursos naturais não
103
A participação social
na gestão ambiental:
percepções sobre
algumas experiências
a m a z ô n i c a s

renováveis - como o gás natural e o petróleo de
U rucú— que realizam um enorme esforço para
o controle da qualidade ambiental, com o
propósito de reduzir os níveis e os riscos de
contaminação, ainda que neste caso não se inclua
a participação social devido a inexistência de
populações relevantes nas áreas de interv e n ç ã o .
Em todas estas experiências podem ser
encontrados alguns elementos comuns: a preo-
cupação pela conservação, a necessidade de
promover o desenvolvimento econômico, a luta
contra a pobreza, a promoção da participação
da sociedade civil no planejamento e gestão de
iniciativas de manejo ambiental e a responsa-
bilidade industrial.
Na base destes elementos comuns existe
também uma preocupação: a de encontrar alter-
nativas próprias para o desenvolvimento da
América Latina que enfatizem a necessidade de
responder aos objetivos de melhoria da qualida-
de de vida de nossos povos, ao mesmo tempo em
que permitam conservar os recursos naturais
como fatores estratégicos do desenvolvimento.
Ainda que a América Latina enfrente o
desafio de construir seus próprios caminhos e de
encontrar suas próprias respostas em um mundo
integrado, os países que compartilhamos a
bacia amazônica temos o desafio particular de
encontrar as vias mais adequadas para o
desenvolvimento dos povos amazônicos, o
aproveitamento de seus recursos naturais e a
conservação de seus frágeis ecossistemas.
EXPERIÊNCIAS DE MANEJO DE
RECURSOS E PARTICIPAÇÃO
SOCIAL
Desde a perspectiva do fomento da
participação social na gestão ambiental,
destaco duas experiências: a conservação do
Parque Nacional do Jaú e a do Lago do Tupé em
Manaus.
A Fundação Vitória Amazônica:
População e conservação do Parque
Nacional do Jaú
Vitória Amazônica é uma organização não-
g o v e rnamental com sede em Manaus que
trabalha no Rio Negro desde 1991. Atualmente,
colabora no manejo do Parque Nacional do Jaú,
com uma extensão de 2.2 milhões de hectares e
está localizado a 220 quilômetros de Manaus.
Como em muitas outras experiências
semelhantes, a presença de organizações não-
governamentais em áreas protegidas propicia o
fortalecimento da política e gestão públicas de
conservação e, ao mesmo tempo, aprofunda o
conhecimento sobre as áreas que se protegem, o
que por sua vez abre a possibilidade de uma
visão crítica das políticas públicas existentes, o
que contribui, mediante uma adequada interlo-
cução, a uma constante adequação de ditas
políticas.
No caso do Parque Nacional do Jaú se
descobriu que nele habitavam aproximadamente
1.000 pessoas, antes da declaração desta
unidade de conservação. No caso da legislação
brasileira, está proibida a presença de pessoas
no interior de uma unidade de conservação
deste tipo, o que provoca a disjuntiva de
assentar em outros lugares a uma população
dispersa ou de encontrar mecanismos para
vinculá-la à gestão das ações conservacionistas.
Esta situação, que se repete em outros casos
do Brasil e em muitos outros países, nos coloca
dentro de uma das problemáticas que interessa
ressaltar neste artigo: É compatível a presença
de populações humanas com as estratégias para
consolidar unidades de conservação? É possível
e conveniente incorporar essas populações às
práticas de conservação?
Evidentemente que não existe uma resposta
única, pois as respostas dependerão das
particularidades ambientais de cada ecossis-
104

tema ou grupos de ecossistemas que se
pretendam conserv a r, das particularidades
socio-culturais, políticas, e das práticas
produtivas que se realizam ou que influem nas
áreas de conservação. Em princípio, a presença
de populações dentro de áreas de conservação
ou em zonas de influência não é incompatível
com os esforços e as necessidades de
conservação. Mais ainda, em muitos casos são
aliados naturais porque do aproveitamento
sustentável de recursos depende suas possibi-
lidades de sobrevivência, reprodução e melhora-
mento da qualidade de vida, e esta circunstância
faz que em muitas ocasiões se constituam em
guardiões naturais frente a tentativas de
invasão de grupos colonizadores ou de grupos
de interesse vinculados a práticas extrativistas
indiscriminadas ou de plantações extensivas que
requerem a destruição de bosques naturais.
No caso do Equador, muitos dos conflitos
sociais em áreas protegidas tem relação com
suas declaratórias sem que se considere a
população preexistente e, portanto, seus direitos
sobre o uso dos recursos. No entanto, esta é uma
situação inevitável dado o tamanho do país e a
presença de população indígena ou rural em
todo seu território. Para o Equador, é pratica-
mente impossível ter unidades de conservação
que não guardem relação com gru p o s
populacionais no seu interior ou em áreas de
amortecimento, o que vem obrigando a flexibili-
zação das práticas de conservação no sentido de
buscar alianças com estes grupos humanos, de
modo a promover a valorização das áreas
protegidas como uma oportunidade para o
desenvolvimento destas populações e não
somente como uma limitação a suas práticas
extrativistas e produtivas.
No caso brasileiro, a experiência da Vitória
Amazônica nos mostra que, apesar da extensão
do território, também subsistem estes
problemas. Frente a eles, parece que o mais
adequado é reconhecer esta realidade e
promover a articulação das populações locais à
c o n s e rvação e bom manejo dos recursos
naturais antes que a busca de sua expulsão.
Nesta direção deram resultados positivos
uma série de iniciativas como a incorporação
dos critérios da população local na formulação
de planos de manejo, na promoção de educação
ambiental, na geração de atividades para
melhorar os níveis de saúde e educação, assim
como na execução de ações coordenadas entre
as prefeituras municipais para melhorar as
condições de vida da população.
Linhas de trabalho como as propostas abrem
o caminho para níveis de acordo e conciliação
para incorporar as populações locais ao manejo
de recursos naturais conservados, sem violentar
seus direitos e são coerentes com o necessário
vínculo entre conservação e o melhoria da
qualidade de vida das populações locais.
Adicionalmente, estas são experiências que
contribuem para o diálogo sobre as políticas
públicas e, eventualmente, à modificação de
normas jurídicas, particularmente no que se
refere aos povos indígenas ou a assentamentos
bem mais antiguos que as decisões públicas de
declarar unidades de conservação.
A Prefeitura Municipal de Manaus:
Participação comunitária na
conservação do Lago do Tupé
O Lago do Tupé é um lugar de excepcional
beleza. Está localizado a aproximadamente uma
hora de viagem fluvial de Manaus, separado do
Rio Negro por uns duzentos metros de fina areia
branca. Nas margens do lago e do rio que o
alimenta, vivem há mais de cinquenta anos cerca
de vinte famílias rurais de maneira perm a n e n t e
e outras cinquenta de forma intermitente; todas
elas sendo sumamente pobres.
A Prefeitura desenvolveu com a Comunidade
de São João do Tupé um conjunto de atividades
105

106
Miguel Carvajal Aguirre
Diretor da Fundação Ambiente e Sociedade, Quito-Equador.
E-mail: [email protected]
sociais e de assistência técnica produtiva
orientada para a melhoria da qualidade de vida
e à incorporação da população na conservação
de seus recursos naturais.
É necessário reconhecer dois fatores
importantes desta experiência. Em primeiro
lugar, o vínculo da conservação do Lago do Tupé
com o sistema de conservação nacional do Rio
Negro e com uma política ambiental da Prefei-
tura, que inclui também um Jardim Botânico, o
Parque do Mindú, entre outros. Em segundo
lugar, a geração de iniciativas de desenvol-
vimento local baseadas em um eixo de
conservação de recursos naturais, promovido
pelo governo local.
As atividades que se realizam com a
população consistem na promoção de iniciativas
produtivas que combinam o melhoramento da
produção agrícola, a recuperação de solos e a
diversificação produtiva através de sistemas
agro-florestais, a apicultura, o artesanato e o
turismo comunitário.
Um dos aspectos relevantes desta
experiência é a possibilidade de combinar ações
cujos resultados demoram alguns anos para sua
concretização, com atividades que produzem
resultados imediatos como a apicultura, a venda
de artesanato e o turismo comunitário. Esta
relação permite consolidar iniciativas de
conservação a médio prazo na medida em que
responde às urgências da população para
melhorar suas renda econômica, o que parece
ser uma condição para a eficácia de qualquer
projeto de manejo de recursos naturais que
trabalhe com populações pobres.
Esta é também uma iniciativa que coloca a
c o n s e rvação de recursos como uma
oportunidade para as comunidades locais, pois
em torno das iniciativas municipais de
conservação do Lago foram gerados diversos
investimentos que oferecem alternativas à
população, tais como a promoção de um novo
destino turístico para a população local de
Manaus e, eventualmente, para um segmento do
turismo internacional, o melhoramento dos
estabelecimentos de educação e saúde, a
capacitação e promoção de artesanato para
g rupos de mulheres, a assistência técnica
orientada para a diversificação de ingressos
familiares na agricultura e em novas atividades
como o turismo comunitário. Simultâneamente,
a população foi incorporada de maneira
organizada ao controle da pesca e da extração
de madeira.
Esta experiência da Prefeitura de Manaus
tem uma semelhança de enfoque com respeito a
outras práticas que se realizam na América
Latina, particularmente na Amazônia. Sem
dúvida, constitui uma contribuição especial
para as políticas e possibilidades de intervenção
dos governos locais amazônicos na gestão ambi-
ental, articulando iniciativas de conservação, de
promoção de alternativas produtivas, de práti-
cas de educação ambiental e de construção da
cidadania, em momentos em que crescem as
tendências de descentralização em nossos
países.

Tr a n s c o rridos dez anos da histórica
Conferência do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, o período de 1992 a 2002 pode
ser legitimamente lembrado, pelos que se dedicam
às questões atinentes ao desenvolvimento susten-
tado, como “a década da Agenda 21”. Po u c o s
documentos multilaterais juridicamente não
obrigatórios tiveram impacto análogo ao da
Agenda 21 na moldagem de políticas e atitudes
dos Governos. Isso se deve certamente à ampli-
tude da temática e ao enfoque inovador das reco-
mendações do documento
1
. Deve-se, por igual, ao
fato de ele haver resultado de uma negociação
ampla que acabou sem dissidências entre seus
p a r t i c i p a n t e s .
A Agenda 21 passou a ser referência para
políticas públicas e para a ação do setor privado
nas ações para a conservação do meio ambiente
e promoção do desenvolvimento. Foi igualmente
o fundamento para que se ampliasse a partici-
pação da sociedade civil na discussão de
políticas públicas no plano interno e no chama-
do multistakeholder dialogueinstaurado pela
Comissão de Desenvolvimento Sustentável das
Nações Unidas. Essa Comissão, aliás, foi um
dos principais avanços institucionais produzidos
pela Conferência do Rio, pois se constitui no
mais alto foro político multilateral, em nível
ministerial, orientado para a discussão do
desenvolvimento sustentável em suas diversas
dimensões e para o acompanhamento da
implementação da Agenda 21.
Enquanto documento de base para a ação dos
G o v e rnos, a Agenda 21 também serviu de
alavanca para a elaboração de suas corr e s-
pondentes locais. Nesse particular, o Brasil se
apresenta como um dos países cujo processo de
elaboração da Agenda 21 Nacional foi mais
transparente e participativo. A Comissão de
Políticas de Desenvolvimento Sustentável e
Agenda 21 Nacional, instalada no âmbito do
Ministério do Meio Ambiente e na qual o
Itamaraty tem sido um ativo participante,
realizou consultas nos 27 Estados da Federação e
promoveu cinco reuniões regionais com vistas a
levantar e a consolidar propostas orientadoras de
um documento final capaz de servir de base para
assegurar a sustentabilidade do processo de
desenvolvimento nacional.
A Agenda 21 foi o produto de um momento
histórico definidor das relações internacionais. O
debate sobre a questão ambiental, nas duas
últimas décadas do século XX, coincidiu com o
fim do bipolarismo que caracterizara a
organização do mundo durante a Guerra Fria e
um reforço da projeção política, militar e
econômica dos Estados Unidos em âmbito global.
O modelo de desenvolvimento prevalecente, tanto
nos países de economia capitalista quanto
naqueles centralmente planificados, até os anos
80, mostrou-se insuficiente para acomodar
interesses dos diversos segmentos sociais, bem
como para suportar as pressões de uma economia
de mercado crescentemente transnacionalizada.
Após a Conferência do Rio, a globalização
acentuou as características transnacionais da
economia e dos movimentos sociais. É preciso
s a l i e n t a r, porém, que a crescente presença das
corporações transnacionais na economia e a
intensificação dos fluxos financeiros e de
i n f o rmação, que caracterizam a globalização, não
111
A década da Agenda 21

o c o rrem de maneira eqüitativa ou inclusiva no
plano mundial. Estudos mostram que a integração
global pela economia e pelas comunicações é
seletiva: alguns países dela se beneficiam, outros
não. Mesmo dentro dos países, os benefícios
sociais e políticos são díspares. Níveis de
comércio e de investimento externo direto
indicam que cerca de 30% da população mundial
não se beneficiou de forma alguma com a
globalização. Quedas nos preços dos produtos de
base, sustentáculo das exportações dos países em
desenvolvimento, concorreram para aprofundar
sua marginalização no mercado intern a c i o n a l
2
.
Ora, a evolução do cenário intern a c i o n a l
durante a década que se seguiu
à adoção da Agenda 21
claramente indica que, não
obstante sua condição de
referência apontada acima,
sua tradução no plano
concreto ficou aquém do com-
promisso assumido pelos
G o v e rnos no Rio de Janeiro em
1992. Não se torn a r a m
realidade, no nível adequado,
os recursos financeiros novos e
a d i c i o n a i s
3
; tampouco logrou-
se maior intensificação da
transferência de tecnologia.
No entanto, o esforço de
diversos países em desenvolvimento de adotarem
legislações mais protetivas da propriedade
intelectual – uma exigência reiterada dos países
industrializados durante as negociações para que
se pudesse intensificar a transferência de
tecnologia – não se concretizaram os mecanismos
previstos na Agenda 21 para intensificar o fluxo
tecnológico entre o Norte e o Sul que permitiria a
este último inserir-se no caminho do
desenvolvimento sustentável.
Apesar da retórica quanto ao imperativo da
sustentabilidade, a verdade é que os bens e
s e rviços produzidos segundo metodologias
sustentáveis de exploração dos recursos naturais
não competem com aqueles produzidos de modo
predatório. Agrava-se isso com a prevalência de
políticas protecionistas e distorções tarifárias e
não tarifárias nos grandes mercados intern a-
cionais que obstaculizam a entrada de produtos
oriundos dos países em desenvolvimento. Os
subsídios à agricultura, por exemplo, forçam uma
expansão da fronteira agrícola nos países em de-
senvolvimento colocando em perigo a proteção de
áreas florestais ou ricas em biodiversidade, con-
c o rrendo para a perda de um patrimônio estraté-
gico para o desenvolvimento dos países pobres.
A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Sustentável, em Joanesburgo,
de 26 de agosto a 4 de
setembro próximo, terá como
um de seus objetivos centrais
d e b ru ç a r-se sobre as causas do
cumprimento insuficiente dos
compromissos assumidos no
Rio pela comunidade intern a-
cional, especialmente no que
tange às recomendações da
Agenda 21. A Conferência de
Joanesburgo se distingue, por
conseguinte, das demais confe-
rências organizadas pelas
Nações Unidas, na última
década, ao voltar-se para o
aspecto da implementação dos compromissos
assumidos na Rio-92. Destacam-se, para esse fim,
entre outras, as questões relativas à err a d i c a ç ã o
da pobreza e à mudança dos padrões insusten-
táveis de produção e consumo que prevalecem nas
sociedades industrializadas. O desafio político que
se coloca para os Governos e para a sociedade civil
é saber precisamente o escopo das possibilidades
para compromissos operativos por parte da
comunidade internacional, em particular dos
países industrializados, que permitam a implemen-
tação das recomendações da Agenda 21.
O desenvolvimento sustentável não é algo que
112
A Conferência de
J o a nesburgo se distingue
das demais confe r ê n c i a s
organizadas pelas Nações
U n i d a s ,na última década,
ao volta r-se para o aspecto
da implementação dos
compromissos assumidos
na Rio-92.

possa ser atingido apenas por uma parcela da
comunidade internacional. Ele envolve múltiplos
enfoques segundo as características e as condições
de cada nação e somente será eficaz se for universal.
A concretização das decisões da Conferência
do Rio, em particular da Agenda 21, exige torn a r
competitivas as metodologias e práticas de uso
dos recursos naturais e produção de bens e
s e rviços que viabilizam o desenvolvimento susten-
tável. To rnar o desenvolvimento sustentável com-
petitivo é um elemento essencial para transform a r
o paradigma de desenvolvimento prevalecente. A
competitividade é um atrativo poderoso para o
envolvimento do setor privado na realização dos
compromissos da Agenda 21, embora tal
envolvimento não se substitua àquele assumido
pelos Estados na Conferência do Rio. Os Govern o s
têm uma parcela importante de contribuição para
a promoção dessa competitividade mediante
políticas públicas, reforço institucional, apoio
financeiro e tecnológico que estimulem o
abandono das práticas predatórias vigentes.
Nesse contexto, a questão do acesso aos
mercados ganha especial relevância. A nova
rodada de negociações comerciais, no âmbito da
OMC, lançada em Doha, em novembro passado,
entrelaça-se com os objetivos da Conferência de
Joanesburgo, pois as decisões no plano da política
comercial podem ser um estímulo para um novo
padrão de desenvolvimento e de bem estar.
As discussões em Joanesburgo devem, portanto,
ser vistas de maneira integrada nas dimensões
social, econômica, ambiental e política. Será
necessário ter presente que as necessidades das
nações são distintas e que as necessidades das
futuras gerações serão diferentes daquelas da
geração atual. O desenvolvimento, tal como o
conhecemos, tem por premissa a concepção
protestante de que a riqueza é algo intrinse-
camente bom para o homem. A acumulação da
riqueza desde a Revolução Industrial baseou-se na
idéia de que a natureza era um bem comum da
humanidade. Todavia, o uso indiscriminado dos
recursos naturais despertou as nações para a
necessidade de sua conservação como um requisito
para o próprio exercício de sua soberania. A res-
ponsabilidade dos Estados pela conservação dos
recursos naturais e pela proteção do meio
ambiente é comum mas é também diferenciada em
função das capacidades de cada um. Um dos
desafios de Joanesburgo reside exatamente em
refletir esse princípio numa vontade política clara
de implementar as decisões acordadas no Rio em
1 9 9 2 .
113
Ministro Everton Vieira Vargas
Diretor Geral do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Itamaraty
1A Agenda 21 compõe-se de 34 capítulos que abrangem diferentes aspectos do desenvolvimento sustentável. Da
conservação da biodiversidade e da proteção da atmosfera até a participação dos grupos sociais principais e da
sociedade civil em geral no processo de discussão e elaboração das decisões; da transferência de tecnologia e da
provisão de recursos financeiros novos e adicionais aos países em desenvolvimento passando pela mudança dos padrões
de produção e consumo dos países desenvolvidos até o combate à pobreza nos países pobres.
2THE ECONOMIST. Is it at risk? February 2nd, 2002. pp.65-68.
3O recursos financeiros para a implementação da Agenda 21 foram estimados, em 1992, em US$ 625 bilhões, dos quais
US$ 125 bilhões na forma de assistência oficial para o desenvolvimento (ODA) provida pelos países desenvolvidos. Na
verdade, a ODA foi reduzida nesses dez anos agravando ainda mais a possibilidade de os países em desenvolvimento
colocarem em prática as recomendações da Agenda 21.

A atuação diplomática do Brasil tem sido
historicamente caracterizada por uma partici-
pação ativa e efetiva no encaminhamento dos
problemas internacionais. Assim foi em ques-
tões atinentes ao desenvolvimento econômico,
ao desarmamento, ao direito do mar e,
especialmente, a partir da Conferência de
Estocolmo de 1972, nos temas ligados ao meio
ambiente. Em todos os eventos internacionais
em que esses e outros temas têm sido discutidos,
as delegações brasileiras, sob a orientação do
I t a m a r a t y, têm adotado posições de salva-
guarda dos interesses nacionais, ao mesmo
tempo em que se procura ter presente os
dilemas ensejados pelas assimetrias entre as
nações.
Para o Brasil, o tratamento da questão do
meio ambiente no plano internacional não pode
estar dissociado da história do desenvolvimento
econômico deflagrada pela Revolução Industrial
e pela prevalência dos meios técnicos na
produção de bens e serviços. Essa evolução
delineou um padrão de relações entre as
sociedades que detinham esses meios, fruto do
avanço do conhecimento, e aquelas que, sem
acesso a esses instrumentos, detinham
expressivas quantidades de recursos naturais.
Contemporaneamente, esse dilema se polariza
entre os padrões de produção e consumo, que
prevalecem nas nações industrializadas, e o
acesso aos recursos naturais que se encontram
principalmente no território dos países em
desenvolvimento. As distorções geradas por essa
dicotomia, acentuadas pela pobreza em que se
encontra a maioria da população que vive na
América Latina e Caribe, na África e na Ásia,
não podem ser resolvidas sem se levar em conta
o quanto os padrões de produção e consumo
exigem do meio ambiente.
A consciência dessa situação tem levado o
Brasil – juntamente com os demais países em
desenvolvimento que formam o Grupo dos 77 e
China – a defender o princípio das responsa-
bilidades comuns porém diferenciadas dos
Estados como pilar conceitual e político para a
ação internacional em matéria de meio
ambiente. Tal princípio significa que todos os
Estados são igualmente responsáveis pela
preservação do meio ambiente; todavia, a forma
que toma o exercício dessa responsabilidade no
plano concreto se diferencia em função do
histórico do processo de desenvolvimento e dos
recursos financeiros, humanos, tecnológicos,
institucionais existentes em cada país.
Um exemplo da aplicação do princípio das
responsabilidades comuns mas diferenciadas é a
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima e seu Protocolo de Quioto.
O Brasil teve um papel ativo desde o início
das negociações da Convenção-Quadro. Não por
acaso, foi o Brasil o primeiro país que assinou a
Convenção, em 4 de junho de 1992, por ocasião
da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento – a Rio-92. No
delineamento da estrutura do Protocolo de
Quioto, a atuação brasileira foi decisiva.
Apresentou o Brasil propostas concretas para a
determinação das metas de redução de emissões
de gases de efeito estufa. Nesse quadro, cabe
referência à chamada “Proposta brasileira”
para determinação das metas de redução de
115
Balanço da atuação
diplomática brasileira
em foros ambientais

emissões com base na responsabilidade
histórica de cada país pelo aumento da
temperatura do planeta, a qual se tornou item
permanente da agenda do Órgão Subsidiário de
Aconselhamento Técnico e Científico da Con-
venção e figura como referência para as
negociações sobre compromissos para o
segundo período de cumprimento, que deverão
iniciar-se em 2005 (de acordo com o artigo 3.9
do Protocolo). Ademais, o Mecanismo de Desen-
volvimento Limpo do Protocolo, de grande
importância para os países em desenvolvimento,
foi proposto pelo Brasil como instrumento que
ao mesmo tempo concorreria para a redução
das emissões e para a atração de investimentos
e geração de empregos nos países em desenvol-
vimento.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
refletiu a percepção e a sensibilidade do
Governo brasileiro acerca da necessidade de se
incorporar os países em desenvolvimento no
mercado de carbono que, já se antecipava, se
constituirá num poderoso veículo para a
promoção do desenvolvimento sustentável.
No âmbito doméstico, cabe ressaltar que o
Brasil ocupa posição singular e de vanguarda no
que se refere à regulamentação institucional de
sua participação no MDL. Desde 1999,
funciona a Comissão Interministerial sobre
Mudança do Clima, responsável pela aprovação
dos projetos MDL nacionais, bem como, e
sobretudo, pela definição dos critérios de
sustentabilidade que nortearão a participação
brasileira no MDL. Ademais, foi criado, em
2000, o Fórum Brasileiro de Mudanças
Climáticas, presidido pelo Presidente da
República e integrado por diversos
representantes da sociedade civil, é a interface
entre o Governo e a sociedade na discussão do
tema de mudança do clima e na provisão de
contribuições relevantes para a elaboração das
posições defendidas pelo Brasil nas negociações
internacionais.
O Brasil teve uma participação destacada na
f o rmulação da arquitetura do entendimento
político que permitiu finalizar a regulamen-
tação do Protocolo de Quioto na VII sessão da
Conferência das Partes da Convenção (realizada
em Marraqueche, de 29 de outubro a 9 de
novembro de 2001). A Delegação brasileira
defendeu, desde a VI Sessão reconvocada (em
Bonn, em julho passado), a concentração dos
esforços em torno da regulamentação dos temas
essenciais para permitir a ratificação do
Protocolo especialmente pelos países do Anexo
I, como os mecanismos de flexibilidade; os
princípios para a contabilização das atividades
de uso da terra, mudança do uso da terra e
florestas nas políticas de redução de emissões
dos países do Anexo I; e o regime de
cumprimento do Protocolo.
O papel relevante do Brasil para o correto
encaminhamento da temática da mudança do
clima culminou na eleição unânime do País, por
ocasião da Conferência de Marraqueche, como
representante do Grupo da América Latina e
Caribe na Junta Executiva do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo, instância que será
responsável pela coordenação do ciclo de
projetos do Mecanismo.
Outra área na qual a diplomacia brasileira
tem atuação destacada é a relativa à
conservação e uso sustentável das florestas.
Uma das conseqüências mais notórias da
Revolução Industrial foi o desaparecimento de
extensas faixas de cobertura florestal, especial-
mente no hemisfério norte. Todavia, a consciên-
cia quanto ao significado econômico e ecológico
dessas perdas dessas perdas somente começou a
manifestar-se em décadas recentes. A expressão
concreta dessa consciência foi o crescimento
das pressões para a conservação das florestas
tropicais das quais o Brasil detém a maior
extensão do planeta.
O Brasil favorece um tratamento abrangente
116

do tema florestal, que englobe não apenas as
chamadas questões quantitativas (taxa de
desmatamento), mas os aspectos “ q u a l i t a t i v o s ” ,
que envolve questões sociais e culturais, bem
como a necessidade da correta valoração dos
recursos e de competitividade aos produtos
manejados oriundos de países em desenvol-
vimento. Essa atitude é
reflexo da implementação de
políticas públicas que privile-
giam o manejo sustentável dos
recursos florestais, coíbem a
exploração predatória das
florestas e buscam a valori-
zação econômica adequada
dos bens e serviços florestais.
Por outro lado, tem estado o
Brasil atento às práticas
discriminatórias, adotadas em
alguns países consumidores,
c o n t r aprodutos florestais
com maior valor agregado. O Governo tem dado
ênfase, nos foros internacionais onde o tema
florestal é discutido, à importância de se
eliminarem as barreiras tarifárias e não-
tarifárias aos produtos oriundos de florestas
tropicais, e à necessidade de preços
remuneratórios que viabilizem o manejo
sustentável.
Desde a preparação da Conferência do Rio de
1992, o Brasil tem indicado os inconvenientes
de se negociar uma convenção internacional
sobre florestas, de cunho marcadamente
conservacionista. Essa atitude é compartilhada
pela maioria dos países em desenvolvimento e
pelos Estados-parte do Tratado de Cooperação
Amazônica, além de vários países desenvol-
vidos. Esse países consideram que a prioridade
deve ser conferida à efetiva implementação das
múltiplas recomendações sobre conserv a ç ã o ,
manejo e desenvolvimento sustentável de todos
os tipos de florestas negociados desde a
Conferência do Rio.
Na Rio-92, por pressão do Brasil,
juntamente com outros países em
desenvolvimento (em especial Peru, Colômbia,
Índia, Malásia e Gabão), em lugar de uma
convenção global, acordaram-se ações para
combate ao desmatamento, incluídas na Agenda
21, bem como a Declaração de Princípios sobre
Florestas, as quais procu-
ravam conferir um trata-
mento integrado à temática
florestal incluindo, além do
aspecto da conservação, os
do manejo e do seu desen-
volvimento sustentável. A
Agenda 21 e os Princípios
sobre Florestas são documen-
tos que vêm norteando o
debate internacional sobre
florestas, assim como a atu-
ação dos Governos no âmbito
nacional, desde a Rio 92.
As decisões da Conferência do Rio ensejaram
que, no âmbito das Nações Unidas, as
discussões sobre florestas confluíssem,
inicialmente, para o Painel Intergovernamental
sobre Florestas (IPF) da Comissão de Desenvol-
vimento Sustentável (CDS), estabelecido em
1995. A criação do Painel, por proposta do
Brasil, objetivou evitar que as pressões
i n t e rnacionais em matérias de florestas,
exercidas de maneira fragmentada, e que
estavam induzindo a decisões que não envolviam
a comunidade internacional em seu conjunto
resultassem num fechamento de mercados
i n t e rnacionais ou em aumento de condicio-
nalidades para acesso a recursos financeiros e
tecnologia. O Painel foi sucedido, em 1997, pelo
Foro Intergovernamental de Florestas (IFF),
cujo mandato era o de promover a implemen-
tação das recomendações do Painel, monitorar
o progresso do manejo sustentável de todos os
tipos de florestas e dar continuidade ao trabalho
pendente do Painel (em especial sobre os
117
O Brasil favorece um
tratamento abrangente do
tema florestal,que englobe
não apenas as chamadas
questões quantitativas mas
os aspectos “qualitativos”,
que envolve questões
sociais e culturais.

vínculos entre o comércio e o meio ambiente no
que tange a produtos e serviços florestais,
transferência de tecnologia e necessidade de
recursos financeiros).
Em 2000, o Brasil atuou decisivamente no
sentido de encaminhar o debate internacional
sobre florestas para uma instância na qual se
privilegiasse a implementação de ações em
lugar do mero diagnóstico sobre a situação das
florestas. Atuando em conjunto com uma
maioria de países desenvolvidos e em desenvol-
vimento, a delegação brasileira teve partici-
pação de liderança no estabelecimento do Foro
das Nações Unidas sobre Florestas (UNFF).
Este Foro tem estrutura inovadora, orientada
para a implementação concreta das medidas
necessárias para a implementação, em bases
definitivas, do manejo sustentável de florestas, a
partir da experiência nacional dos Estados
Parte na implementação das Propostas de Ação
do IPF/IFF. A viabilidade de se iniciar um
processo de definição dos parâmetros de uma
convenção será discutida, por proposta
brasileira, apenas em 2005, quando se anali-
sará o resultado dos trabalhos do Foro.
Nas negociações no plano multilateral, o
Brasil vem promovendo, com o apoio dos
demais países em desenvolvimento, a idéia da
criação de um fundo internacional que, por meio
de contribuições dos países doadores, possa
apoiar investimentos públicos em favor do
manejo sustentável de florestas. Um Fundo
Internacional de Florestas, além de ser um
poderoso sinal político do comprometimento da
comunidade internacional com o manejo
sustentável, viria complementar outras
iniciativas de cooperação importantes, estabele-
cidas com escopo mais específico ou limitado,
como, por exemplo, o Programa Piloto para
Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras
(PPG-7) e as iniciativas desenvolvidas no
âmbito do Tratado de Cooperação Amazônica.
A criação de um fundo deve ser articulada com
a promoção de investimentos privados em
projetos de manejo sustentável de florestas.
O Programa Nacional de Florestas (PNF),
lançado no ano de 2000, busca promover essa
i n t e rface entre as políticas públicas que
viabilizem o manejo sustentável de florestas e o
investimento privado. Essa linha adotada no
PNF foi uma das primeiras internalizações no
mundo das propostas de ação adotadas pelo
Painel e pelo Foro Intergovernamental de
Florestas. O programa integra atividades de
conservação e manejo sustentável dos recursos
florestais e promove a capacitação das popula-
ções que vivem da exploração florestal. Também
no plano interno ressalte-se o Programa Avança
Brasil, que contempla três projetos voltados
especificamente para a área florestal. Esses
projetos compreendem medidas para elevar a
qualidade de vida das populações que vivem às
margens das florestas, buscando reverter,
assim, a modalidade de interação predatória
dessas populações com os recursos florestais.
O Governo brasileiro concluiu, também no
ano de 2000, o processo de definição nacional
dos critérios e indicadores de Tarapoto para o
Manejo Sustentável de Florestas, no contexto do
Tratado de Cooperação Amazônica, o que envol-
veu a participação dos diferentes “stakeholders”
em reuniões de consultas públicas realizadas em
todos os estados da região amazônica. Os resul-
tados de todos os países membros do TCA foram
h a rmonizados, em 2001, em reunião realizada
na cidade de Tarapoto, no Pe ru. Com isso,
definiram-se, no plano regional, os Critérios e
Indicadores de Tarapoto do Tratado de Coope-
ração Amazônica, que atuarão como relevante
i n s t rumento para a implantação do manejo
sustentável das florestas dos países amazônicos.
Diplomacia é forma e conteúdo. As ações
adotadas pelo Governo têm servido de base para
que o Brasil possa atuar de maneira decisiva
nos foros ambientais. Nossa extensão geográ-
118

fica e a diversidade de recursos naturais
existentes em nosso território fazem com que
atuação diplomática em matéria ambiental
assuma um cunho estratégico para os interesses
brasileiros. Temos assim buscado, como
procurei mostrar com os dois exemplos acima,
refletir nos foros internacionais a importância
que a conservação e o uso sustentável dos
recursos naturais e a correta distribuição de
responsabilidades pela preservação das
condições de vida no planeta têm para o
desenvolvimento da sociedade brasileira.
Embaixador Osmar V. Chohfi
Secretário-Geral das Relações Exteriores
119

A atuação diplomática do Brasil tem sido
historicamente caracterizada por uma partici-
pação ativa e efetiva no encaminhamento dos
problemas internacionais. Assim foi em ques-
tões atinentes ao desenvolvimento econômico,
ao desarmamento, ao direito do mar e,
especialmente, a partir da Conferência de
Estocolmo de 1972, nos temas ligados ao meio
ambiente. Em todos os eventos internacionais
em que esses e outros temas têm sido discutidos,
as delegações brasileiras, sob a orientação do
I t a m a r a t y, têm adotado posições de salva-
guarda dos interesses nacionais, ao mesmo
tempo em que se procura ter presente os
dilemas ensejados pelas assimetrias entre as
nações.
Para o Brasil, o tratamento da questão do
meio ambiente no plano internacional não pode
estar dissociado da história do desenvolvimento
econômico deflagrada pela Revolução Industrial
e pela prevalência dos meios técnicos na
produção de bens e serviços. Essa evolução
delineou um padrão de relações entre as
sociedades que detinham esses meios, fruto do
avanço do conhecimento, e aquelas que, sem
acesso a esses instrumentos, detinham
expressivas quantidades de recursos naturais.
Contemporaneamente, esse dilema se polariza
entre os padrões de produção e consumo, que
prevalecem nas nações industrializadas, e o
acesso aos recursos naturais que se encontram
principalmente no território dos países em
desenvolvimento. As distorções geradas por essa
dicotomia, acentuadas pela pobreza em que se
encontra a maioria da população que vive na
América Latina e Caribe, na África e na Ásia,
não podem ser resolvidas sem se levar em conta
o quanto os padrões de produção e consumo
exigem do meio ambiente.
A consciência dessa situação tem levado o
Brasil – juntamente com os demais países em
desenvolvimento que formam o Grupo dos 77 e
China – a defender o princípio das responsa-
bilidades comuns porém diferenciadas dos
Estados como pilar conceitual e político para a
ação internacional em matéria de meio
ambiente. Tal princípio significa que todos os
Estados são igualmente responsáveis pela
preservação do meio ambiente; todavia, a forma
que toma o exercício dessa responsabilidade no
plano concreto se diferencia em função do
histórico do processo de desenvolvimento e dos
recursos financeiros, humanos, tecnológicos,
institucionais existentes em cada país.
Um exemplo da aplicação do princípio das
responsabilidades comuns mas diferenciadas é a
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima e seu Protocolo de Quioto.
O Brasil teve um papel ativo desde o início
das negociações da Convenção-Quadro. Não por
acaso, foi o Brasil o primeiro país que assinou a
Convenção, em 4 de junho de 1992, por ocasião
da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento – a Rio-92. No
delineamento da estrutura do Protocolo de
Quioto, a atuação brasileira foi decisiva.
Apresentou o Brasil propostas concretas para a
determinação das metas de redução de emissões
de gases de efeito estufa. Nesse quadro, cabe
referência à chamada “Proposta brasileira”
para determinação das metas de redução de
115
Balanço da atuação
diplomática brasileira
em foros ambientais

emissões com base na responsabilidade
histórica de cada país pelo aumento da
temperatura do planeta, a qual se tornou item
permanente da agenda do Órgão Subsidiário de
Aconselhamento Técnico e Científico da Con-
venção e figura como referência para as
negociações sobre compromissos para o
segundo período de cumprimento, que deverão
iniciar-se em 2005 (de acordo com o artigo 3.9
do Protocolo). Ademais, o Mecanismo de Desen-
volvimento Limpo do Protocolo, de grande
importância para os países em desenvolvimento,
foi proposto pelo Brasil como instrumento que
ao mesmo tempo concorreria para a redução
das emissões e para a atração de investimentos
e geração de empregos nos países em desenvol-
vimento.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
refletiu a percepção e a sensibilidade do
Governo brasileiro acerca da necessidade de se
incorporar os países em desenvolvimento no
mercado de carbono que, já se antecipava, se
constituirá num poderoso veículo para a
promoção do desenvolvimento sustentável.
No âmbito doméstico, cabe ressaltar que o
Brasil ocupa posição singular e de vanguarda no
que se refere à regulamentação institucional de
sua participação no MDL. Desde 1999,
funciona a Comissão Interministerial sobre
Mudança do Clima, responsável pela aprovação
dos projetos MDL nacionais, bem como, e
sobretudo, pela definição dos critérios de
sustentabilidade que nortearão a participação
brasileira no MDL. Ademais, foi criado, em
2000, o Fórum Brasileiro de Mudanças
Climáticas, presidido pelo Presidente da
República e integrado por diversos
representantes da sociedade civil, é a interface
entre o Governo e a sociedade na discussão do
tema de mudança do clima e na provisão de
contribuições relevantes para a elaboração das
posições defendidas pelo Brasil nas negociações
internacionais.
O Brasil teve uma participação destacada na
f o rmulação da arquitetura do entendimento
político que permitiu finalizar a regulamen-
tação do Protocolo de Quioto na VII sessão da
Conferência das Partes da Convenção (realizada
em Marraqueche, de 29 de outubro a 9 de
novembro de 2001). A Delegação brasileira
defendeu, desde a VI Sessão reconvocada (em
Bonn, em julho passado), a concentração dos
esforços em torno da regulamentação dos temas
essenciais para permitir a ratificação do
Protocolo especialmente pelos países do Anexo
I, como os mecanismos de flexibilidade; os
princípios para a contabilização das atividades
de uso da terra, mudança do uso da terra e
florestas nas políticas de redução de emissões
dos países do Anexo I; e o regime de
cumprimento do Protocolo.
O papel relevante do Brasil para o correto
encaminhamento da temática da mudança do
clima culminou na eleição unânime do País, por
ocasião da Conferência de Marraqueche, como
representante do Grupo da América Latina e
Caribe na Junta Executiva do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo, instância que será
responsável pela coordenação do ciclo de
projetos do Mecanismo.
Outra área na qual a diplomacia brasileira
tem atuação destacada é a relativa à
conservação e uso sustentável das florestas.
Uma das conseqüências mais notórias da
Revolução Industrial foi o desaparecimento de
extensas faixas de cobertura florestal, especial-
mente no hemisfério norte. Todavia, a consciên-
cia quanto ao significado econômico e ecológico
dessas perdas dessas perdas somente começou a
manifestar-se em décadas recentes. A expressão
concreta dessa consciência foi o crescimento
das pressões para a conservação das florestas
tropicais das quais o Brasil detém a maior
extensão do planeta.
O Brasil favorece um tratamento abrangente
116

do tema florestal, que englobe não apenas as
chamadas questões quantitativas (taxa de
desmatamento), mas os aspectos “ q u a l i t a t i v o s ” ,
que envolve questões sociais e culturais, bem
como a necessidade da correta valoração dos
recursos e de competitividade aos produtos
manejados oriundos de países em desenvol-
vimento. Essa atitude é
reflexo da implementação de
políticas públicas que privile-
giam o manejo sustentável dos
recursos florestais, coíbem a
exploração predatória das
florestas e buscam a valori-
zação econômica adequada
dos bens e serviços florestais.
Por outro lado, tem estado o
Brasil atento às práticas
discriminatórias, adotadas em
alguns países consumidores,
c o n t r aprodutos florestais
com maior valor agregado. O Governo tem dado
ênfase, nos foros internacionais onde o tema
florestal é discutido, à importância de se
eliminarem as barreiras tarifárias e não-
tarifárias aos produtos oriundos de florestas
tropicais, e à necessidade de preços
remuneratórios que viabilizem o manejo
sustentável.
Desde a preparação da Conferência do Rio de
1992, o Brasil tem indicado os inconvenientes
de se negociar uma convenção internacional
sobre florestas, de cunho marcadamente
conservacionista. Essa atitude é compartilhada
pela maioria dos países em desenvolvimento e
pelos Estados-parte do Tratado de Cooperação
Amazônica, além de vários países desenvol-
vidos. Esse países consideram que a prioridade
deve ser conferida à efetiva implementação das
múltiplas recomendações sobre conserv a ç ã o ,
manejo e desenvolvimento sustentável de todos
os tipos de florestas negociados desde a
Conferência do Rio.
Na Rio-92, por pressão do Brasil,
juntamente com outros países em
desenvolvimento (em especial Peru, Colômbia,
Índia, Malásia e Gabão), em lugar de uma
convenção global, acordaram-se ações para
combate ao desmatamento, incluídas na Agenda
21, bem como a Declaração de Princípios sobre
Florestas, as quais procu-
ravam conferir um trata-
mento integrado à temática
florestal incluindo, além do
aspecto da conservação, os
do manejo e do seu desen-
volvimento sustentável. A
Agenda 21 e os Princípios
sobre Florestas são documen-
tos que vêm norteando o
debate internacional sobre
florestas, assim como a atu-
ação dos Governos no âmbito
nacional, desde a Rio 92.
As decisões da Conferência do Rio ensejaram
que, no âmbito das Nações Unidas, as
discussões sobre florestas confluíssem,
inicialmente, para o Painel Intergovernamental
sobre Florestas (IPF) da Comissão de Desenvol-
vimento Sustentável (CDS), estabelecido em
1995. A criação do Painel, por proposta do
Brasil, objetivou evitar que as pressões
i n t e rnacionais em matérias de florestas,
exercidas de maneira fragmentada, e que
estavam induzindo a decisões que não envolviam
a comunidade internacional em seu conjunto
resultassem num fechamento de mercados
i n t e rnacionais ou em aumento de condicio-
nalidades para acesso a recursos financeiros e
tecnologia. O Painel foi sucedido, em 1997, pelo
Foro Intergovernamental de Florestas (IFF),
cujo mandato era o de promover a implemen-
tação das recomendações do Painel, monitorar
o progresso do manejo sustentável de todos os
tipos de florestas e dar continuidade ao trabalho
pendente do Painel (em especial sobre os
117
O Brasil favorece um
tratamento abrangente do
tema florestal,que englobe
não apenas as chamadas
questões quantitativas mas
os aspectos “qualitativos”,
que envolve questões
sociais e culturais.

vínculos entre o comércio e o meio ambiente no
que tange a produtos e serviços florestais,
transferência de tecnologia e necessidade de
recursos financeiros).
Em 2000, o Brasil atuou decisivamente no
sentido de encaminhar o debate internacional
sobre florestas para uma instância na qual se
privilegiasse a implementação de ações em
lugar do mero diagnóstico sobre a situação das
florestas. Atuando em conjunto com uma
maioria de países desenvolvidos e em desenvol-
vimento, a delegação brasileira teve partici-
pação de liderança no estabelecimento do Foro
das Nações Unidas sobre Florestas (UNFF).
Este Foro tem estrutura inovadora, orientada
para a implementação concreta das medidas
necessárias para a implementação, em bases
definitivas, do manejo sustentável de florestas, a
partir da experiência nacional dos Estados
Parte na implementação das Propostas de Ação
do IPF/IFF. A viabilidade de se iniciar um
processo de definição dos parâmetros de uma
convenção será discutida, por proposta
brasileira, apenas em 2005, quando se anali-
sará o resultado dos trabalhos do Foro.
Nas negociações no plano multilateral, o
Brasil vem promovendo, com o apoio dos
demais países em desenvolvimento, a idéia da
criação de um fundo internacional que, por meio
de contribuições dos países doadores, possa
apoiar investimentos públicos em favor do
manejo sustentável de florestas. Um Fundo
Internacional de Florestas, além de ser um
poderoso sinal político do comprometimento da
comunidade internacional com o manejo
sustentável, viria complementar outras
iniciativas de cooperação importantes, estabele-
cidas com escopo mais específico ou limitado,
como, por exemplo, o Programa Piloto para
Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras
(PPG-7) e as iniciativas desenvolvidas no
âmbito do Tratado de Cooperação Amazônica.
A criação de um fundo deve ser articulada com
a promoção de investimentos privados em
projetos de manejo sustentável de florestas.
O Programa Nacional de Florestas (PNF),
lançado no ano de 2000, busca promover essa
i n t e rface entre as políticas públicas que
viabilizem o manejo sustentável de florestas e o
investimento privado. Essa linha adotada no
PNF foi uma das primeiras internalizações no
mundo das propostas de ação adotadas pelo
Painel e pelo Foro Intergovernamental de
Florestas. O programa integra atividades de
conservação e manejo sustentável dos recursos
florestais e promove a capacitação das popula-
ções que vivem da exploração florestal. Também
no plano interno ressalte-se o Programa Avança
Brasil, que contempla três projetos voltados
especificamente para a área florestal. Esses
projetos compreendem medidas para elevar a
qualidade de vida das populações que vivem às
margens das florestas, buscando reverter,
assim, a modalidade de interação predatória
dessas populações com os recursos florestais.
O Governo brasileiro concluiu, também no
ano de 2000, o processo de definição nacional
dos critérios e indicadores de Tarapoto para o
Manejo Sustentável de Florestas, no contexto do
Tratado de Cooperação Amazônica, o que envol-
veu a participação dos diferentes “stakeholders”
em reuniões de consultas públicas realizadas em
todos os estados da região amazônica. Os resul-
tados de todos os países membros do TCA foram
h a rmonizados, em 2001, em reunião realizada
na cidade de Tarapoto, no Pe ru. Com isso,
definiram-se, no plano regional, os Critérios e
Indicadores de Tarapoto do Tratado de Coope-
ração Amazônica, que atuarão como relevante
i n s t rumento para a implantação do manejo
sustentável das florestas dos países amazônicos.
Diplomacia é forma e conteúdo. As ações
adotadas pelo Governo têm servido de base para
que o Brasil possa atuar de maneira decisiva
nos foros ambientais. Nossa extensão geográ-
118

fica e a diversidade de recursos naturais
existentes em nosso território fazem com que
atuação diplomática em matéria ambiental
assuma um cunho estratégico para os interesses
brasileiros. Temos assim buscado, como
procurei mostrar com os dois exemplos acima,
refletir nos foros internacionais a importância
que a conservação e o uso sustentável dos
recursos naturais e a correta distribuição de
responsabilidades pela preservação das
condições de vida no planeta têm para o
desenvolvimento da sociedade brasileira.
Embaixador Osmar V. Chohfi
Secretário-Geral das Relações Exteriores
119