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RASCUNHO da própria confissão e juramento que por morte deixou a seus filhos
Álvaro Soares da Cunha
(1)
Diz Álvaro Soares da Cunha, fidalgo cidadão da cidade do Porto, que ora é assistente em S. Vicente do Pinheiro,
termo da dita cidade, que ele é homem de noventa anos e foi vereador na referida cidade três vezes e guarda-mor um
ano em tempo de peste por mandado de el-rei D. Manuel, que santa glória haja, e antes e depois servi a coroa destes
reinos, tanto neles como em França, Aragão, Castela e Portugal, com muita fazenda, tudo com muita honra e verdade
em serviço dos senhores reis deste reino, em cujo tempo fui casado 2 vezes; e houve da primeira mulher três filhos, a
saber: António Soares, que faleceu na Índia em serviço deste reino, outro chamado Cristóvão Soares que ora também
lá vive casado em serviço de el-rei presente e há muitos anos, e outro chamado Martim Soares da Cunha, cavaleiro-
fidalgo da casa de el-rei D. João II. que santa glória haja; ora estante em Lagos por capitão da gente de pé e sargento-
mor por seu mandado. E desta derradeira mulher tenho a Diogo Soares da Cunha, que veio este ano de Ceuta, aonde
esteve muito tempo em serviço de el-rei e de lá o fizeram cavaleiro, de que traz certidão, e mais tive a Salvador Soares
de Carvalho, que ficou na sua casa comigo no cuidado das suas fazendas, os quais são todos de legítimo matrimónio e
Sua Alteza os tem já por seus e os mandou assentar em seus livros no mesmo foro de seu irmão Martim Soares e a ele
e aos outros fará mercê como a filhos de quem são e sangue que tem como adiante se dirá e a mim fará nisso muita, etc.
E por que não deve passar a notícia e memória dos antepassados por míngua de seus defeitos e que não tão-somente
parece havê-los porque não são notificados (claro que seja tarde dão sempre a cada um o que é seu) e por que não seja
havido por de pouco saber.
Diz a V. Alteza como a seu rei e senhor que a ele suplicante foi declarado por sua mãe D. Maria da Cunha, estando já
viúva) que el-rei D. Afonso V, estando ela moça em casa de sua tia D. Maria da Cunha, mulher de Fernão Coutinho
que depois a casara, tivera parte e ajuntamento com ela o dito rei, que santa glória haja, e a emprenhara e parira um
menino, que fora eu Álvaro, que assim me puseram o nome e me criara a dita sua tia D. Maria da Cunha, mulher do
dito Fernão Coutinho, e depois, quando houvera de ir falar a el-rei, que adoecera e eu não fora, e depois estando el-rei
em Vila Nova de Alvito, que fora lá falar com ele minha mãe D. Maria e que me levara consigo a mostrar a el-rei; e
que eu, por seu falecimento, ficara com a minha tia D. Maria da Cunha, mulher que fora do dito Fernão Coutinho e
já depois o era de Nuno Martins de Porto Carreiro, seu terceiro marido que foi; e aí fui criado em Celorico pelo seu
novo casamento por me fazer nisso muito a minha mãe quando el-rei faleceu (28 de Agosto de 1481). E depois da
morte dos ditos meus tios e minha mãe, fiquei com meu primo Pedro da Cunha Coutinho, primo 1º da dita minha
mãe, a qual me tornou a dizer que eu era seu filho e de el-rei D. Afonso V deste reino e por assim mo dizer tarde e eu
me ver pobre, me casei duas vezes, como acima deixo dito com os filhos que declaro na verdade.
Isto mesmo que aqui certifico me diziam muitos que o sabiam, e eu sempre negava, mas porque agora sou já velho, e
estou em termos de morrer, por declarar a verdade e dar minha fama e de meus herdeiros não perderem esta sua honra e
cobrarem [minha] linhagem; portanto
Peço por muita mercê a Suas Altezas que lhes praza, por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, que queiram suprir e saber
todo o possível em restaurarem a minha boa fama, e nome, e linhagem, porque disto me disseram muitas vezes que
tinham boa notícia e sabedoria, o duque de Bragança D. Fernando, 2º; filho do duque que foi casado com D. Joana de
Castro, filha de uma prima de minha tia D. Maria, o qual andou em Ceuta, como também um pajem que foi do dito
duque, que se chamava Martim de Sousa, e um neto, que ficou de Duarte Peixoto, e uns seus criados, e mais António de
Magalhães, procurador de Lopo Peixoto, e uns padres de Vilela, filhos que foram de João da Maia, e Pedro Gonçalves,
que é muitas vezes rendeiro em Baltar, e Bastião Dinis rendeiro e portageiro da Paiva, e finalmente outros muitos que
disso sabem e alguns de seus criados; e por ser certo eles mo dizerem e disso saberem a verdade, assim o afirmo, e juro,