TARDE DEMAIS
7 a 30 de Maio de 2008 – Um capítulo por dia, durante 24 dias.
Blog “Palavras Criativas”
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Capítulo I - Como uma brisa
Começou devagarinho, como uma brisa no final de um dia quente de verão. Uma
vontade de fugir de tudo sem olhar para trás.
Chamo-me Ísis e tenho quarenta anos. Sou casada, mãe de um menino irrequieto
de dez anos, que revolucionou a minha vida ainda antes de nascer. Quando me
lembro do dia em que soube que estava grávida, fiquei tão feliz, a flutuar. A
responsabilidade, o encantamento de ser mãe, um turbilhão de emoções que me
acompanharam ao longo de toda a gravidez. “É menino”. Lourenço. Vai chamar-
se Lourenço. Que magia este momento.
“Drª. Ísis é o Dr. Paulo”. “Como? Ah sim, o telefone. Está? Não vens jantar, está
bem.” Desligo apreensiva. Já é a segunda vez esta semana. Será que tem outra?
Disparates.
“Luísa, pode retirar o prato do meu marido. Hoje janto só com o Lourenço”. Nem
posso acreditar, o Lourenço já tem dez anos. “Vamos jantar?” “Sim, mãe”. Mãe.
A ecoar na minha cabeça a primeira vez que o ouvi dizer mãe. Mãe. Como é que
uma palavra tão pequena pode encerrar um significado tão grande. Maior do que
o mundo. Mãe. Transformou a minha vida. Mãe. Recordo como se fosse hoje a
sensação de força, de invencibilidade, que me trouxe aquele bebé tão
pequenino. Senti-me tão protectora, tão doce, tão preenchida por um amor
incondicional.
Porquê agora este vazio? Esta insatisfação. Só sei que quero mais. Mais amor?
Mastigo a carne sem atenção, a voar com o pensamento e o Lourenço a chamar-
me. Mãe. Mãe. “Ah sim, diz filho?” “Estás zangada?” “Não filho, está tudo bem”.
Sim, está sempre tudo bem. Menos eu, claro. Sinto-me um objecto estranho,
deslocado, que não encaixa perfeitamente em lado nenhum. Haverá pior
sensação do que sentir-se só no meio de gente? Como naquele dia, na festa da
Joana. A casa cheia de convidados, e eu a sentir-me tão sozinha. Ruído à minha
volta. Assim que pude arranjei uma desculpa qualquer e vim-me embora. O Paulo
não gostou de abandonar a festa a meio, mas não teve alternativa. “É sempre a
mesma coisa. Insistes em vir e depois não queres ficar”. Desta vez até tinha
razão. Saímos mais cedo do que o socialmente aconselhável. Quero lá saber do
socialmente correcto, que importa o que os outros pensam. Acabam sempre por