— Nós agora devíamos estar rolando no chão de tanto rir, nãoé? Pois
acabamos de descobrir que o tão badalado Camões também―não sabia
português‖, era ―burro‖ e falava ―língua de índio‖!
— Está mesmo escrito assim, tia, lá n’Os Lusíadas? —pergunta Vera.
— Pois está — responde Irene. — Não é terrível? Será que nãohouve uma
só alma caridosa que dissesse a ele: ―Não, Luís, não éfrauta, frecha, ingrês,
pranta, pruma, pubrica, mas sim flauta, flecha,inglês, planta, pluma,
publica‖?Irene pára e observa o ar surpreso das três jovens.
— Mas ainda há pior — ameaça ela. — Vocês se lembram deJosé de
Alencar e de Machado de Assis? Pois é, eles tambémescreviam froco em
vez de floco. [pág. 45]
— Decifre logo esse enigma, Irene — pede Emília. — Minhacuriosidade
está me mordendo toda!Irene sorri:
— Mas a coisa é bem simples, Emília. Existe na línguaportuguesa uma
tendência natural em transformar em R o L dosencontros consonantais, e
este fenômeno tem até um nomecomplicado: rotacismo. Quem diz broco em
lugar de bloco não é―burro‖, não fala ―errado‖ nem é ―engraçado‖, mas está
apenasacompanhando a natural inclinação rotacizante da língua. O que
eraL em latim, nessas palavras do quadro 3, permaneceu L em francês eem
espanhol, mas em português se transformou em R. Já emitaliano, só para
vocês saberem, este mesmo L virou um I: fiamma(―flama‖), fiore (―flor‖),
pianta (―planta‖).
— Se a tendência é essa — pergunta Emília —, porque existempalavras em
português que mantiveram aquele L depois deconsoante?
— Há mais de uma razão, Emília — responde Irene —, masnenhuma delas
tem nada a ver com ―certo‖ ou ―errado‖. Pode ter sidouma tentativa de
alguns escritores e gramáticos de ―recuperar‖ aforma latina original. Pode
ter sido uma simples questão de opção:na época de Alencar e Machado
havia a liberdade de escolha entrefroco e floco, o que hoje já não existe. O
próprio Camões, n’OsLusíadas, escreve ora ingrês, ora inglês. Por razões
como essas, entreoutras, é que algumas palavras permaneceram na norma-
padrãocom o L do latim, enquanto outras, pelo fenômeno do