uma obesidade de mercadorias, de informações, de trabalhos, de tarefas – e
perdemos a leveza”.(...)
Ter que meditar na empresa, ter que ser vendedor agressivo, ter que ser bem-
sucedido, ter que se casar e ter filhos, ter que, ter que, ter que... Quando a vida se
enche de “ter que”, e as razões por trás dessas obrigações não fazem sentido, viver é
mais difícil do que “tem que” ser. Cortella conta que, sempre que alguém fica sabendo
que ele não dirige, vem a pergunta: “Mas como, você não dirige?” A resposta do
filósofo é sempre a mesma: “Não dirijo, não boto ovo, não fabrico rádios – tem um
punhado de coisas que eu não faço”. (p.133-136)
A possibilidade de ficarmos mais próximos daquilo que desejamos parece ser um dos
alicerces na construção de uma vida mais simples. Quando converso com o escritor e
jornalista carioca Márcio Vassallo – que escreve e vive com leveza – sobre o exercício
da descomplicação, ele põe alguns “mais” e alguns “menos” na balança. Acha que
precisamos ficar “menos obcecados pelo sucesso pessoal e de nossos filhos, menos
presos ao passado e ao futuro, menos irritados, menos raivosos, menos ressentidos.
Mas precisamos aproveitar mais o nosso tempo e reparar mais profundamente em
nossos amores, nas pessoas à nossa volta, em nossos desejos essenciais”. (p. 137)
Ao conversarmos sobre desaceleração, o canadense Carl Honoré disse algo parecido:
”Algumas coisas não podem ser aceleradas, têm um ritmo natural. Os relacionamentos
entram nessa categoria. Você não pode obrigar alguém a se apaixonar por você mais
rapidamente porque quer se casar em agosto. E não pode apressar uma amizade que
está começando porque precisa de companhia para viajar no próximo verão. Essas
coisas têm seu próprio tempo”. Talvez por isso estejamos convivendo cada vez menos
com pessoas que gostaríamos de ter por perto: os velhos amigos, aquele ex-colega de
trabalho com quem se tinha enorme afinidade, a amiga que é quase uma irmã, mas
passamos três meses sem ver. Não é só formar um vínculo afetivo que requer tempo:
mantê-lo também exige disponibilidade, algo raro em nosso mundo pautado pelo
relógio. (p. 201)