A arte de ser leve

margahirata 6,591 views 4 slides Jan 22, 2014
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Excerpts from the book


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A Arte de ser leve
Leila Ferreira
(Ed. Principium – 2010)
“A esperança nos dá asas. O desespero nos dá pés de chumbo”, argumenta Mario
Sergio Cortella, para quem o pessimista é um desistente e um desesperado. (...) “O
otimista ingênuo é um bobo” -, fundamentado em expectativas realistas: “Muitos
livros de autoajuda pregam o infactível. Sem factibilidade, o desejo é delírio”. Mas a
tentação de cair na falta de esperança e no desespero também deve ser evitada.
“Nossas avós estavam certas quando diziam que não há mal que sempre dure e nem
bem que nunca acabe”, lembra o filósofo. “Há uma transitoriedade no bom e no ruim.”
É nessa linha tênue do provisório que temos que aprender a andar – e tanto o
otimismo ingênuo quanto o pessimismo descabido podem aumentar o peso e nos
fazer cair. (p. 100-101)
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Segundo Jorge, simplificar a vida não é fazer voto de pobreza nem renunciar a tudo
que temos. É abrir mão daquilo que nos incomoda e nos prende, coisas e situações que
restringem a nossa liberdade e atrapalham os nossos movimentos. O consumismo que
nos faz gastar o que não temos ou nos faz acumular o supérfluo é uma dessas cadeias:
“Não percebemos que estamos muito carentes e, então, passamos a tentar suprir
essas carências – que são de sentido, de beleza, de partilhas – com elementos
externos, com bens de consumo”.
A simplicidade voluntária propõe focar no essencial. É ser mais generoso, ter mais
relações genuínas de afeto, consumir e desperdiçar menos, não se preocupar tanto
com status. Os excessos são aparados: aquilo que nos desgasta sem necessidade, os
fatores de tensão que podem ser evitados, as complicações infinitas que criamos para
embaraçar o dia a dia. A opção central é por uma vida exterior mais simples e
comedida e uma vida interior ais rica – algo que muita gente consegue fazer durante
um mês quando volta de Santiago de Compostela (o duro é continuar depois).
Jorge Mello afirma se sentir muito mais leve desde que escolheu viver com
simplicidade. “Costumo dizer que não devemos cometer o equívoco – trágico – de
confundir condição de vida com qualidade de vida. Ou vamos nos enfraquecendo
progressivamente por nos tornarmos mais e mais dependentes de elementos externos
para viver, ou ampliamos cada vez mais os danos ao planeta, tanto no aspecto
ambiental quanto no aspecto social.”
O impacto do consumismo no planeta é uma das preocupações centrais do
Simplicidade Voluntária e da filosofia proposta pelo inglês John Naish que ganhou o

nome de enoughism. Autor do livro Enough: Breaking free from the world of more
(que pode ser traduzido como Basta: libertando-se do mundo do mais), Naish afirma
que devemos aprender a querer menos, ou seja, o bastante deve bastar. Ele acha que
estamos consumindo além da conta, nos alimentando além da conta (as porções se
agigantam) e produzindo informações além da conta. Perdemos a capacidade de pisar
no freio, empurrados pela busca do mais. Essa cultura do exagero está deixando as
pessoas que têm poder aquisitivo cada vez mais infelizes, os pobres cada vez mais
pobres e o planeta cada vez mais ameaçado. Ou seja, é hora de dizer “basta!” (p. 126-
128)
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“Vida leve não é vida fácil nem superficial. É vida simples”, disse. “E simples não quer
dizer pequeno, banal ou simplório. Simples é aquilo que é menos desgastante, que não
esgota nossa energia. Posso ter uma vida simples em São Paulo, em Nova York ou na
Ilha do Mel, assim como ter uma vida complicada em Caxambu, na Ilha do Mel ou em
São Paulo.” Pergunto por que tem sido tão difícil viver com simplicidade. Quais têm
sido os fatores de complicação? O filósofo acredita que o primeiro deles é a falta de
sentido: muitas vezes não sabemos por que ou para que fazemos o que estamos
fazendo. (...)
O segundo complicador, segundo Cortella, é a desvitalização do cotidiano: não
conseguimos repor as energias e vamos vivendo de forma cada vez mais anêmica.
Muitas vezes porque estamos presos ao passado. O filósofo adverte que devemos ter
raízes e não âncoras em relação ao passado. “Aquilo que já vivi tem que alimentar o
que posso e quero viver e não me aprisionar. A pessoa que tem âncoras acha que
deveria viver em outro tempo. E, em vez de saudade, tem lamentação: ‘Ah, no meu
tempo... Ah, se eu pudesse...’. Isso torna a vida complicada.”
Cortella aponta também a nossa dificuldade de viver com menos ostentação e de
trabalhar de forma menos desgastante. Ele se refere à atual obsessão com a carreira e
a acumulação patrimonial como complicadores da vida e cita Millôr Fernandes: “O
importante é ter sem que o ter te tenha.” Quando se trabalha além da conta com o
objetivo de ter cada vez mais, a vida se enche de nós, cada um mais difícil que o outro
de ser desfeito, e é muito fácil ficar preso nessa rede.
O filósofo observa que apreciamos as coisas pelo seu tempo de ausência: “A presença
do alimento farto nos enfastia. Beber muito vinho todos os dias retira o prazer que o
vinho proporciona. E o sexo sem intervalos ou latências leva ao esgotamento inútil.
Sentir saudades é umas das coisas que mais renovam a energia: querer estar, querer
abraçar, querer ficar... O desejo resulta da ausência e não da presença excessiva”. Mas
na cultura do muito, não dá tempo de sentir falta de nada: “Estamos vivendo numa
sociedade soterrada pela presença. Não estamos obesos somente no corpo. Temos

uma obesidade de mercadorias, de informações, de trabalhos, de tarefas – e
perdemos a leveza”.(...)
Ter que meditar na empresa, ter que ser vendedor agressivo, ter que ser bem-
sucedido, ter que se casar e ter filhos, ter que, ter que, ter que... Quando a vida se
enche de “ter que”, e as razões por trás dessas obrigações não fazem sentido, viver é
mais difícil do que “tem que” ser. Cortella conta que, sempre que alguém fica sabendo
que ele não dirige, vem a pergunta: “Mas como, você não dirige?” A resposta do
filósofo é sempre a mesma: “Não dirijo, não boto ovo, não fabrico rádios – tem um
punhado de coisas que eu não faço”. (p.133-136)

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A possibilidade de ficarmos mais próximos daquilo que desejamos parece ser um dos
alicerces na construção de uma vida mais simples. Quando converso com o escritor e
jornalista carioca Márcio Vassallo – que escreve e vive com leveza – sobre o exercício
da descomplicação, ele põe alguns “mais” e alguns “menos” na balança. Acha que
precisamos ficar “menos obcecados pelo sucesso pessoal e de nossos filhos, menos
presos ao passado e ao futuro, menos irritados, menos raivosos, menos ressentidos.
Mas precisamos aproveitar mais o nosso tempo e reparar mais profundamente em
nossos amores, nas pessoas à nossa volta, em nossos desejos essenciais”. (p. 137)

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Ao conversarmos sobre desaceleração, o canadense Carl Honoré disse algo parecido:
”Algumas coisas não podem ser aceleradas, têm um ritmo natural. Os relacionamentos
entram nessa categoria. Você não pode obrigar alguém a se apaixonar por você mais
rapidamente porque quer se casar em agosto. E não pode apressar uma amizade que
está começando porque precisa de companhia para viajar no próximo verão. Essas
coisas têm seu próprio tempo”. Talvez por isso estejamos convivendo cada vez menos
com pessoas que gostaríamos de ter por perto: os velhos amigos, aquele ex-colega de
trabalho com quem se tinha enorme afinidade, a amiga que é quase uma irmã, mas
passamos três meses sem ver. Não é só formar um vínculo afetivo que requer tempo:
mantê-lo também exige disponibilidade, algo raro em nosso mundo pautado pelo
relógio. (p. 201)

Duas palavras curtas podem prejudicar o percurso de quem está em busca de uma vida
mais leve: se e quando. Se tivesse me formado cinco anos mais cedo, se não tivesse
tido filhos, se meu marido fosse mais compreensivo, se o tempo estivesse melhor, se,
se, se... As possibilidades do se são infinitas e, enquanto ruminamos bovinamente
sobre elas, como diz a psicóloga portuguesa Helena Marujo, a vida passa. O muro das
lamentações que construímos a partir do se, além de incontornável para nós mesmos,
nos separa de quem tenta conviver conosco – não é fácil dividir um cotidiano com
quem vive no condicional. Como diz o filósofo Mario Sergio Cortella, pessoas que
vivem presas ao que aconteceu ou deixou de acontecer costumam ter um grande
passado pela frente. Geralmente, acrescento, para desfrutar a sós.
A palavra quando denota certa esperança – mas o risco é justamente o de esperar
além da conta e, quando percebemos, o futuro virou passado. Quando tiver um salário
melhor, quando meus filhos crescerem, quando o fim de semana chegar (às vezes, os
melhores fins de semana caem na terça-feira), quando trocar de apartamento, quando
tiver um carro mais confortável, quando emagrecer, quando o tempo melhorar...
Também aqui as possibilidades são infinitas, e é aí que mora o perigo. No território
vasto do infinito, é muito fácil se perder. (p. 275-276)
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