A insônia do vampiro ivan jaf-

JussaneyRaniellyGodoy 10,244 views 70 slides Sep 23, 2012
Slide 1
Slide 1 of 70
Slide 1
1
Slide 2
2
Slide 3
3
Slide 4
4
Slide 5
5
Slide 6
6
Slide 7
7
Slide 8
8
Slide 9
9
Slide 10
10
Slide 11
11
Slide 12
12
Slide 13
13
Slide 14
14
Slide 15
15
Slide 16
16
Slide 17
17
Slide 18
18
Slide 19
19
Slide 20
20
Slide 21
21
Slide 22
22
Slide 23
23
Slide 24
24
Slide 25
25
Slide 26
26
Slide 27
27
Slide 28
28
Slide 29
29
Slide 30
30
Slide 31
31
Slide 32
32
Slide 33
33
Slide 34
34
Slide 35
35
Slide 36
36
Slide 37
37
Slide 38
38
Slide 39
39
Slide 40
40
Slide 41
41
Slide 42
42
Slide 43
43
Slide 44
44
Slide 45
45
Slide 46
46
Slide 47
47
Slide 48
48
Slide 49
49
Slide 50
50
Slide 51
51
Slide 52
52
Slide 53
53
Slide 54
54
Slide 55
55
Slide 56
56
Slide 57
57
Slide 58
58
Slide 59
59
Slide 60
60
Slide 61
61
Slide 62
62
Slide 63
63
Slide 64
64
Slide 65
65
Slide 66
66
Slide 67
67
Slide 68
68
Slide 69
69
Slide 70
70

About This Presentation

As aventuras de um vampiro com insonia pela história do Brasil e de Portugal na idade média. pode ser usado nas aulas de História por profs.


Slide Content

:.
..~,..

'/'li
')')
~----------------------~
~--- y"'-< 1'" ,~.. !
\<:,1<~'~/l}/''';;: n·'· ~, ,')
e __ ft.tIiI t~;,~~j,,-
~ ~arituI~c~,,''""Id,""LU, liI,',,I,' -; CaPit!:,I~.',~:;',"" 1"<1,,<I m",l!ee
:i CaPitU:~}'e' '" 11 Capit~I,~,,1,8';,,," ",,,I,,"ee
-il Capitulo3 ,,- C3pítulo19
,i 'I 1/
. I I, ' iI'i!.;d liiI,"I11111,L'iII!;,I
í)U
("\'7
"!
11;~
IlU
1)2
10')
~-_,;i,,-)
100
)I
rII:i\1 i:
tiI
i,i
liiJ)(Il'i1'-li.'i t~!li\."(
Apêndice
t\
Capítulo29
Capítulo28
Capítulo27
Capítulo26
IJ( <i", ) .111:1 11"li"1 (,11 (!'1 ',li,!ií1ii:I
I,qUi'1'llI,:;il.:Ikl
Capítulo25
I\li('Ii11','::) 1't',)! (.I(I":i1\
I,"" '•
';~,I:'f).11,I ) r\(i': 1iI;I ('"11\ \ \1,'!(
Capítulo24
I,,H.LiUill qlH';'l\ill,'pur'-.i"t'11;':1)id!:;I',i!.nF(I
Capítulo23
Capítulo22
lil!l111!);)Ili'111!li;I;1 1,'1,111\' d"
Capítulo21
Capítulo20
).,~
-4~3
\\
-)
.h()
1\
./i:{
,21
.,',1/1
""",TI
Iii1i!:I
I
(!t)\:1:\'
1.,,1II
1
)i]
\~\:
q:il.'l
1 ~'\,' ~ (ií i\:'
Capítulo16
Capítulo15
i",1 ,Iv
jlt\i J : \ I,H',\: jI'U,(i,. il,
\\:) ;\,.1:;1 li1(
Capítulo14
Capítulo13
Capítulo12
Capítulo11
Capítulo10
I'~j(\::111"11 I,IdI',Il!li1j 111(!li ••,-•....•.••••••
Capítulo9
iJil'"'I'iíll,111.1'"1\1111PIII,ill'1(',I'III\"",'""""
Capítulo
8
~li\;( I\I,,"i;-I(~, :.!11~~"1';"il:)l)~;d<()rl:,'
:,,)i(. i: \ .i
Capítulo7
!.,)i.HI'\ii:j:i[u\11\;d("-,t;'~,\1.l1il
,iLiIIi '.,\:
CapítuloG
Capítulo
5
Capítulo4

I
~
I
I
i
,
#
I
1
I
I

.'

lvanJaf
maisconhecedoresdanaturezahumanaedoVamplrlSmo.Podemos
estudar,aprenderaler,apintar,afalaroutraslínguas.Podemosnos
desenvolverespiritualmente.
Oespíritonãovoltaaoqueeraantes,du­
ranteodia,comoocabeloeasunhas.
Procurei,portanto,apsicanálise,queéumadasfurmasdedesen­
vulvimentoaoalcancedosvampiroseoquemaisseaproximadeum
tratamento".
Naturalmente,apsicanalistaeraumav~lll1piratambém.
Comoeupoderiameabrir,falardemim,sc'mdisfarcesnemmen­
tiras,P~lLIumapsicanalistahumana,normal?Euamatariadesustona
primeirasessão-alémdadificuldadedearranjarhorárioànoite.
H{lmuitosprofissionaisliberaisvampirosespalhadosporumaci­
dadegrande.Meutécnicodeinform{ltica,quemesocorrequandoum
vírusinvademeucomputador,entravoandopelajaneladomeuescri­
tório.Tenhoumencadernadordelivruscujaoficinaéemumjazigo
perpétuonocemitériodoCaju.
Nósprecisamos"viver",comoqualquerum.Eprestamosserviços
unsaosoutros.
Aminhapsicanalista-vampirotinhaconsultórioemumprédio,na
orladeumparquecomflores,gramadoseárvoresfrondosas.Deviaser
muitobonitoduranteodia,masissonemeunemelaíamossabernunca.
Ànoiteerasinistro,Icomonosconvén1,con1morcegosenormesvoando
entreascopasdasamendoeirasev~lgabundoscomaresameaçadores.
Elamoravanodécimoandar.
Oedifícioeraluxuoso,portariacom
pisodemármorebranco,maçanet;lsdouradas,tapetesorientais...ainda
bemqueeunãosofriadeausênciadereflexo,comoacontececomaJguns
vampirus,pois~lSparedeseramtodasespelh~Hbseoporteiroteriaficldo
muituassustado.
Apertouminhamilocomfirmeza.Seucorpofísicodeviateruns40
anos.Entrenóséumagall:'horrorosadizerqueumavampiraébemcon­
servada.Tinhaumsorrisomuitodoceefranco.Umsorrisudequemresol­
veutodososseusproblemas.Umsorrisoquedeix;lvaagenteàvontade.
Euaacheimuitobonita.Cabelosescurospresosnoaltodacabeça.
Jeamecamisasocialdesedapreta.Umolharpenetrante,comoodas
corujas.Umcorpoleveeágil,comoodosmorcegos.Doiscaninospon­
tudossedest;lcandoquandosorria.
Quandoelabloumeunome...seutomdevozerasuave,masgrave,
nlllt'nrn1110seviessedeaJl!umlugarmuituprofundo.Eseuhálitonilo
Alnsônia doVampiro
fediaaabatedouro,comoodamaioriadenós,mas,aocontrário,era
cornoumpasseioporumcampodelavanda.
Eunãosabianadasobreela.Tinhasidoindicadaporumamigo,um
joalheirojudeu,vampiro,sofrendohaviaséculoseleumagravemania
deperseguição.
Fiqueicuriosoparaconhecero"relato"dela.
"Relato"éamaneirapelaqualapessoavirouvampiro,equasesem­
prtéotemaquesurgenacunversaquandodoisdenósseencontram
pelaprimeiravez.Masnãoest~ívamosaliparatrocar"rt1atus·'.
()consultórioeranumackpendê'nciaisobdadoapartamento.
Aocontráriodoqueeuesperava,eraalegre,colorido,comquadros
abstratosnasparedes,móveismodernoseumgrandejanelãoaberto
voltadoparaoparque.
Elasesentounumapoltronapreta,deapar2'nciamuitomaciaema­
ternal;eeumedeiteiemseu"divã",umcaixãodejequitibámaciço,
combraçadeirasdeprata,acolchoadopordentrocomumveludopreto
espessoecomdoistravesseirosderendabranca,umparaacabeçae
outroparaospés.
_Deveentrarmuitaluzdosolaqui,duranteodia-eudisse.
~-Comtodoessejanelão...
Foiumcomentáriobobo,quedemonstravatodoomeudescon!i)rto.
_Certamente-elasorriu.-Maseununcavi.
_É tudomuitobonito.Eimpedvel-continuei,semsaber()
quefazer.
-Tenhoumaótimadiarist~1.
-Nãoconsigoencontrarumaboa...
-O nome"diarista"nosdeix;linconscientementedem3vontade.
__É verdade.EstemUIHloIÚOfoifeitoparaosv;unpiros.Vouten­
tarencontLlrum;l"noturnisra".
Elariu.Euj-jqueiolhandoparaotetu.
Numaprimeirasessiíodean;llise,nãoh3comoevit~ncertop:lI1ico.
()sujeitoest;Íprestesare\'olveropassado,amexerem{lguasp<lrac1as,
arevirartodoolododofundo,afazerasujeiraviràtona.Ser\'ampiro
sópioraascoisas.EutinhamaispassadoqueumlivrodeHistória.Ea
sujeira,olodo...
Oqueeuestavafazendoali?
-Vamoscomeçar?-elaperguntou,docemente.
Efoiassimqueinici;lmosminhassessôesdeanálise,umavezpor
semana,àsquintas-feiras,àstrêshorasdamadrugada.
~í1Itij;':',':,.~~

-.
-Nãopossoficarassimeternamente...
Elasorriu:
-Nãosomostãoeternosassim...
Tinharazão.
Éclaroquesomosbemmenosmortaisqueaspes­
soascomuns,mastambémmorremos.Osolnostorra.Secortam
nossacabeçaeaafastambemdorestodocorpo,ouseespetamuma
estacanonossocoração...()maiscomumemvampirosmuitoantigos
éenlouqueceresematar.Sejogamnofogo,ouesperamosolnascer
deitadosnaareiadapraia,ousentadostranqüilamentenavaranda
doapartamento.
Meuapartamentotinhavaranda.
-VamosnosconcentrarnasGlusasdesuacrise,enãonainsônia
-elainsistiu.-Vocêacabarádormindo.
-Tudobem.
Elatambémexplicouquepsicanáliseparavampiroseradiferente
daquesepraticacomhumanos.
-Noseucaso,porexemplo,nãoépossívelnos
basearmosnasrelaçõescompaisemãesbiológicos
porque,depoisdetantosséculos,nãohácomose
lembrardireitodeles,nãoé?
-Nãolembromesmo.
-Osvampirostêmumsegundonascimento,
queéanoiteemquevirarammortos-vivos,eesse
costumaserumtraumamaismarcantedoque()par­
to,odesmameouumasurradopai.Nessesegundo
nascimento,surgeinevitavelmenteumsegundopai,
~__oumãe:ovampi.ro,ouvampira,queostransformou
"':~:':emmortos-VIVOS.
~IJtt,. E ,I1:F' .,"',:-:.•+.'." - ~sseeureCOf(olem.()Jumvan1pJ[o
11'•.•.,.,.
maluco.
-Nossossegundospaissãomaisimportan­
tesdoqueospaisbiológicosporquenãonos
dãoavida,masaquase-eternidade,oquegeraumarela­
çãodeamoreódiomuitomaisprofunda.Eduradoura...
-Entendo...
-VamospartirdaÍ.Doseun:lS(llll('lllo
(01110
vampiro.
Quantoàminhainsônia,logonaprimeirasessãoelaafirmouser
apenasumaconseqüência.
-Conseqüênciadequê?-perguntei.
-Estamosaquiparadescobrir.
_Nlaseuprecisodormir.Tenteimeenterrar,semcaixjo,masnem
.
'
aSSln1conseguI.
_Essemétodosódácertoparamalesfísicos,vocêsabe.
-Estoudesesperado...
_Ainstll1iaéosintomaeleumacrise.Eelaseagravanosvampiros,
porteremdiasinfinitospelafrente.Maséapenasumsintoma.Nãose
preocupecomela.Quandoacausapassar,ainsôniapassa.

elvanJaf•,]
~~!
1
"
r ~
'.
Alnsôn;a doVampiro e((li
••
(.
••
••
(•.
Ie-
••
••
••
••
Ia-
••
a-
••
(w.
••
•••
Q.
••
••
••
••
••
•••
••
•••
•••
•••
••••
••••
•••
~

i•
\.
:,.~,..
l\h
I,.
I
1\~
...
..
·f.
I'
n
J.
I!
\.
,I
1\

lvanJaf
_Certo.Entãovouiniciarcontandoomeu"relato",emPortugal,no
século...
Elacolocouamãodireitaemmeuombro.Seutoquefoisuavee
relaxante.Eomaisespantosoéquenãoasentisemexer.Eupodiajurar
quenãohaviasidoamãodela,porquesuavozcontinuoudistante,vin-
doládapoltrona.Massóhavíamosnósdoisali.
_Não_eladisse.-Porfavor.Nadadecomeçarpelo"pai"evir
atéoano2006...Basearoprocessopsicanalíticonumresgatedamemória
pessoaldeumsujeitode')00anoslevariatodaaeternidade...
--Éverclade.
_Umegode500anosnãotemmaisjeito-elariu.-Faremos
umarecapitulaçãodasuavida,comoapsicanáliseprega,masnãofoca­
danasuapessoa.Emnossassessões,vocêtrará
àtonahistóriasdeoutros
vampirosqueconheceu.Vamosvercomoelesviverameenfrentaram
seusdestinos.Ecomooinfluenciaram.
_Vouficarfalandodosoutros?
_Éumaboamaneiradetentaraplacaraangústiaegomaníacaque
fazaspessoasnãoconseguiremsedesligardosseusproblemaspessoais,
nãoacha?
_Nãoseiporondecomeçar...
_EscolhaalguCmnopassado...Algumvampiroquetenhasido
importantenasuavidamudadoseudestino...
Ficamosemsilêncio.Elaesperavaqueeucomeçasseafalar,masme
sentivazioedesconfortável.
Mexi-meumpouconocaixão.Fecheiosolhos.
Deixeiafinaloespíritomeguiar,paratrás,notempo;naslembsanças...
OprimeiroasurgirfoiRaimundoPascoal.
MeuvelhoamigoRaimuncloPascoal.Umvampiroque,naLisboa
doséculoXVIIl,enlouqueceueresolveuserpai.


aIvanJaf•
t'\1'1,:)\J11'U ••..•'"'
oMalle1l5maleflcarurn
foi(1111Illamlal
madoporpcldres
dOnllnlCallospara
enSllldlosIllquislLiOl'esa
l"ec(JI-',heu;;reniasbru'\clS
eseusIlldiefi(io~;,O
livro
inrJic,:w(-lm\:;ll()clo:~
detorturap~lraa
COllfi'-,:.;âudo',; uílfles,
,iJf::,'lllde'ilJ:,llll',()es
pdr-cl<,(01Hk'ncll:~lo
FUIplCliI.lldopela
iCllejdciPPOIS de
p"hIIGldo,ulIl',icl"rado
dlltiHIlO("Ilegal,o
queIIdU11!Ii'PUIUsua
r~puhli(ilG'lo.Ficou
mui10f,Hlloso
11<1época.
NllIl(dloiusadona
illquisi,duCatólica,mas
CJdllhouadeptosentre
osprotestantes,que
tambémfizeramuma
intensacaçaàsbruxas

,.
H
\
J
~
Ii~
,/
\
r
~

11
JI
,I
,.
I'
,I
APesteNegramatou
milhõesdepessoasa
partirdoséculoXIV
naÁsiaenaEuropa.
Adoença,causada
porumabactéria,é
transmitidaaohomem
pelaspulgasdosratos.
Emseuprimeiroestágio,
apesteprovocafebre
einchaçosnapele,
chamadosdebubos
-daiserconhecida
tambémcomopeste
bubônica.Emseguida,
abactériainvadea
correntesangüinea
ecausahemorragia
internaHojeemdiaé
raraemdlSfacilmente
controlada,graçasao
usodeantibióticos.
APesteGrandefoi
amaiorepidemiade
Portugal.Naépoca,
muitosachamaram
de"pestesemnome",
porqueeraproibido
mencionaradoença.
Prejudicouaeconomia
dopais,poismUitos
camponesesmorreram
edeixaramasterras
daIgrejiJedosnobres
semcultivo.
Ogoverno
impôsumasériede
medidaspreventivas,
comooisolamentoe
asindlizaçãodascasas
dosdoentes,além
depuniçõesáqueles
quenãocumprISsem
asnormas:multas,
açoitamentoeaté
mesmoamorte.
deumvelhomoribundoqueagonizavajuntoaumapi­
lhadecadáveres.
EraoanodaPesteGrande,comoficouconhecidaa
terceiraemaiorepidemiadetodas,emquechegarallia
morrersetecentaspessoaspordiaemLishoa.
Jánãoha­
viaondeenterraroscorpos.Jogavam-seos«HLlveresem
valascomuns,àsdezenas,paraseremcomidospc!os«les,
ratosedoninhas.
Apesteerafulminante.Apessoapodidcairmortana
ruasemantestersentidonada.AIgrejatinhacertezadeque
setratavadecastigodocéupelospecadosdoscristãos-novos.
Omaucheirodoscorposapodrecendoerainsuportável.
Maisdeumterçodapopulaç;lodeLisboamorreu.
Umas40milpessoas.
AsepidemiasdePesteNegrasempreforamconsi­
deradasgrandesgeradorasdevampiros.Masisso
éum
mito.Omotivonãoeraapesteemsi.
UmtratadopublicadopelaIgreja,denominado
Maf.­
leusmal(~jicarum,de1484,eaprovadopelopapaInocên­
ciaVIII,reconheceuaexistênciadosmortos-vivos.Pou­
codepois,aReformaProtestantecorroborouacrençade
queaPesteNegrageravaessesmortos-vivos,comopró­
prioLuteroafirmandoqueouviracadáveresmastigando
emsuastumbas.Issosóreforçouomito.
Naverdade,ofatodenãosedarumenterrocris­
tãodecenteàsvítimas,pelarapidezeqHantidadeemque
morriam,levavaopovoaacreditarqueosmortosnão
haviammorridoempaz,eissojc1ospredispunhaaachar
queestavamgerandomortos-vivos.Quandoosouviam
semexer...Maseracomumcadáveressemexerem,eaté
seautodevorarem,porquemuitaspessoasatacada;;pela
peste,n3pressa,eramenterradasaindavivas.Seidisso
porquefoioqueaconteceucomigo.
Acordeidotorpordadoençadentrodeumacovaain­
daaberta,aoserpuxadoparaforaporumafigurasombria,
numanoitegeladadedezembrode1506,emLisboa.
Fuierguidonoarsobreosoutroscadáveres,eohomem,
muitomagroealto,comumacabeleirabrancaimensa,in-
clinouacabeçasobreumeupescoçoemordeuminhaju­
guIar.Lembroapenasqueestremeciecomeceiaouvirmeu
coraçãobaterforte,comoumtambornumagruta,cadavez
maisfórte,esentiumalíviocompletodetodasasdoresque
vinhasofrendoporcausadapeste,echoreidefelicidade
enquantoviaimagenseu\lviasunsdeiminhainfinci;l.Mel!
curpu
j()jamolecendoeesfriandu,balançandonoshraços
duvampirocomoumacalçano
v:\T:l1numanoitefria,atC­
qUl·ele-retirouosdentes,arrotou t'mejogoulkvolta:1pi­
lhadecadáveres,
COIl1Uoshum:lllosClzemcomopauzill!Jo
dC'PuisqueacabamdechupeIropicoll-.
AssimqueeleseaLIstoutiveumasedeterrívelechu­
peiosanguedeumcorpodemulherqueestav;lperto,
tambémvivo,equeacabaradeserchupadopelomesmo
vampiro.Haviasanguedelenopescoçodela.
Foiassimquemetorneivampiro.
Nãofoinadagrandioso.
-Vocêestácontandooseu"relato".-Apsicana-
listabalançouacabeça.
-Saiusemquerer...-medesculpei.
-Nadaaquisaisemquerer.
-Équeissotemligaçãocomaformacomoencon-
treiRaimundo...
NãoeraaPesteNegra,portanto,quegeravaosvam­
piros,comoacreditavaopovo.Oqueaconteciaeraque,
quandoseespalhavaanotíciadequeaepidemiaestava
assolandoumacidade,vampirosdetodasaspartesvi­
nhamparafarrearcomosanguefútodosmoribundos.
Etinhamliberdadedeação,
jáqueninguémsepreocu­
pavaeminvestigarasmortes.
Naembriaguezdahehida,nãosepreocupavamem
matarasvítimasdepois,comodeveserfeito;aocontrá­
rio,deixavamrestosdeseuprópriosanguelambuzadosno
pe~coçodelas,asquais,porsuavez,precisavamdesangue
emordiamoscorposmeio-mortosaolado,bebendorestos
desanguedevampiro,tornando-sI'v:llllpirosl:llltll("lll,,_
assimpordiante.
--:'.
fi
fi
"
"







,
,
,
,
AReformaProtestante
foiummovimentode
4
contestaçãodaspráticas
daIgrejaCatólicano•
séculoXVIquedividiuo
cristianismo,fundando•
asIgrejasProtestantes,II
MartinhoLutero
liderouomovimento,"
apresentandoCOIllO
pl'illcipalsreivilldicacóf'~_II
ofimelacomprado
perdào1)PloI,pe;ri"I
COllletlcio
p"lr"cill';(J('
dasE,crlll1r.r',
(,11111",
soelll1011111)11,)1,1 !l',I
idiolllasde'
1,J(I,II',II·.
Afirmouae,II'<I(liI,II\I'
moraleIlldIVlilll.rII',II,'
atingiraSaiV<lldl',
'.1'111
precisarderlt(l,II'.,' 1'1111'
exigiaocat(illi 1"1111,

r
j•
li
1\
II
I
,'
\'
1\

elvanJaf

Asfeiteriasferam
asprimeirasbases
queosportugueses
montaralT,nascoiônias
Elasserviampara
gual'diusuprimentos
comocomida,armase
ferramentas,etambém
comopo';topiHa
estclbel"certrocasde
produtoscomindlos.
A rir,'iils,no
Brasil,foifumlaclaem
15U4
emCabofriO
-hojl'uniaeicldde
doestadocioRiode
Janeiro.
Ascapitanias
hereditáriasforam
criadasparaajudar
Portugalacolonizaras
terrasbrasileiras
Oreidividiuoterritório
emenormes"fatias",
queiamdolitoralaté
ointeriordescollhecido,
paraentregá-Ias
aquemqUisesse
explorarsuasriquezas.
Osberlf'ficiados
eramc11alllaclosde
"donatárlos",porque,
apesardeIlãoserem
osdonosdaterra,
reprec,entavama
autondademáxima
110
local.OsdOllatários
Ilaopilgavamimpostos,
masdeviamfUlldarvilas
eatraircolemospara
cultivaraterra,
RaimundoPascoalfoiumdessesvampirosachegar
aLisboaem1569,atraídopelapeste,depoisdemaisde
trintaanosperegrinandopeloscamposmiseráveisde
Portugal,alimentando-sedevacas,ratoseumaououtra
raparigaquelhelembrasseaamadaAlmerinda.
Vinhacomumasedetremenda.Assimqueacaboude
chuparosanguedovelho,iapartirparaopescoçoeleuma
negrapraticamentemorta,comocorpojácobertopelasfe­
ridas,quandoeuoarrasteiparaosfundoseleumaconstru­
çãodepedraeordeneiqueparassecomaquilo.
_Chuparosanguedosmortais
éumaartequene-
cessitadecaprichoemoderação-disseaele,commeu
arafetadodevampiroculto.
Eujáeraumvampiroexperientenessaépoca,com
4Ranosdecorpomortalemais63devampirocriado
nametrópole,freqüentandoaCortedaRainhaviúva
D.Catarina,levandoumavidacalmaerefinada,culti­
vandomeuespírito,dedicando-meaprazereseruditos
comoapintura,amúsicaealiteraturaeacompanhando
aexpansãocolonialportuguesa,que,àquelaaltura,jáes­
tabelecerafeitoriasportodaaÁfricaedividiraoBrasil
emcapitaniashereditárias.
NãoqueriaverminhaLisboainfestadademortos-
vivossemnenhumaclasse;porisso,rondava
ànoiteas
valasondejogavamoscorposparaimpedirquevam­
piroscomoRaimundogerassemmaisvampirqscomo
Raimundo.
Elemeescutou,humilde,decabeçabaixa.Eujáesta-
vadecostas,meafastando,quandoouviseupedido:
_Queriasercomoosenhor.Estoucansadodeser
ummorto-vivosujoeatrasado,vestindoessasr@upas
rasgadasemolambentas,retiradasdecadáveresdece­
mitério.Queroserassim...Falarbem...Usarpunhosde
renda,gargantilhaseperucas...
Alguémquesinceramentenosadmira,quedizque
farátudoparasercomonós,nos
éirresistível.
Foiassimquecomeçounossaamizade.

Alnsônia doVampiro
L----------.
----_/..--
.r'--_
Aidéiade!Juinto
el'auma
antigaprofecia,Uplca
doper'íocJobarroco
portugués
>:'.;11,:,
segundodqualPortuCJa!
sucecierlclosquatro
g'·alld~·,wlll;~'''QSela
AntlCluldacle82IJllónia,
Medu--F\;\!"~~;"i, C;I'pua
~P,:II fIaCp"clre
j('SUltCi,t\JltUI"iIG\2Ira
It:,'Uf~J('-11il~'UL:d,;cie,'dno
IIIUI"I"lt-'llluH-:"I
CI,-iea
IÇJI·f::'.iclCI:ltcJlic':1l:Jusc(j':a
rede]ir;':1
Réiorma
f'rol,,·~.tilllll·
,,OquefiCOU
(Lllil Ccntre:-
r~E-"rcnl(iJ)Ireunindo
un-IaPI"opostapoiitKa
PIell(jlu:,apalaailrrnar
oc1cslitlQeamissãoda
CoroaPmtuguesade
IUtlt&cristãoseJudeus
tlumaúnicacrença.
'.----'-,'--=:~_;;F;,:~
simplesmentesumiranumturbilhãodesangueeareia.
QuandoaprimeiranauchegouaLisboatrazendoano­
tícia,RaimundoPascoaiestavanocais,comotàziatodasas
noitesdesdequeoreipartira.Aosaberqueocorponãofóra
encontrado,gritouqueD.Sebastiãonãohavial1lorrido
1
Tantoconfundiraoreiconsigomesmoqueacredi­
tavaqueD.Sebastiãoeraimortalcomoumvampiro.E
comcçouagritarnomeiodopovoqueoreivoltaria
I
(:OIllOninguémqueriaacreditarnamortefísicado
rei,nJOhaviamesmoumcorpoparaprovarsuamorte,e
ofmatismocatólicodaépocabcilitavaacrençaemqual­
querabsurdo,averSJOdeRaimundoPascoalsepropa­
goucomof~)goempalhast'cI.
E,naverdade,chegouaténossosdias.
Eleer:\umvampiroteimoso.Seaindaestivessemor­
to-vivo,seriasebastianistaatéhoje,ouseja,acreditaria
queD.SebastiJonãomorreraequevoltariaparalevar
Portugalnovamenteaosseusdiasdeglória,consertando
tudooqueestáerradoefundandoo
<)Ul!lt,)!lll!,t'li••.
MasD.SebastiãonJOapareceununcamais.Nemos
deramnotíciasdele.Portugal,tendogastoo
quenJOtinhanaempreitada,
perdidoamaiorpartedeseus
fidalgoseprecisandopegardi­
nheirocomaEspanhapar:lpag:1r
oreiacaboumesmopartindoparaaÁfrica,comoi­
tocentasnaus.Raimundoquisirjunto,mastivedecon­
vencê-iadainutilidadedeumsoldadoquesópoderia
combaterànoite.
Foisortemeuamigunioterido.Oreinioquisse­
guirosconselhosprudentesdeguerrearapartirdacosta,
apoiando-senaesquadranaval.Resolveuirterraadentru
evenceroinImIgoemcasa.
Osmourosgostar:lmdess:1estratégia.Deixaramque
osinimigosseafundassemcadavezmaisnasareiasdu
deserto.Quando
jjn:lohaviamais:íguanemcomida,
D.Sebastiioeus16milhomensqueaindaestavamdepé
fóramatacadusedestroçados.Ospoucosqueconseguiram
escaparlevaramaLisboa:1notícia:nãohaviamvistoorei
dePortugalmorrernemcairprisioneiro.D.Sebasti:lo
fv10uroseramospovos
árabesmuçuimanos
doNortedaj1.fricaque
ocuparamaregião
daPeninsulaIbérica
duranteaexpansãodo
ImpérioMuçulmano, no
séculoVIIId.C
Odomíniornuçulmaflo
começouem711e56
temllrlOUem1492,
(-0111as~Juerrasdp
reconquista.
Olongoperlodoele
dominaçãorJei>:ou
marcasprofundasda
cultura.31'abc
1--13ilrl9ua,
naarqultf'llüaenas
praticasITltilt,lresdos
povosdaquelaregião

alvanJaf•
Constantlnopla,
PaiesliIldef'v'lt1rro(os
forar1lpalcosdegrandes
batalhasentrecrrstaos
emuçulmanos durante
asCruzadas-uma
sérieelebatalhasqú'é
osárabesmuçulmanos
eoseuropeuscristilos
travaramaolongode
partr'daId,1dc·Média
porrdzéJe',pollticas_
preligiosas.Urnadas
prltlClpeil'.dlspllta'.era
peleipossedil
<'idildr.'de
Jerusalem,localsilnto
palaludeus,Cttstilus
eIllUçullTlallos
~

\.
I!
11
I.
\
r
~.
If
1..1
i
,
I
,I
d
~~
I'
'I
11


~.
,IL
II
n
I,
I;
~.
1II
li
tI
n'
,.
,I•
I\~

e

lvanJaf
oresgateaosmourospelosnobresquesobreviveram,acabouanexado à
Espanha,em1580,eseafundoudevez.
Comoreinopassandoportantasdificuldades,opovotãodesiludido
emiserável,osebastianismocriadopelomeuamigotornou-seumaepide­
miaespiritual,alienante,comoasnovelasdetevêhojeemdia.
Nesseperíodo,eumoravanaminhaquinta,aunsvintequilômetros
deLisboa.Construíra,numporãosemjanelas,deparedesdepedra,
umsarcélfagodemármorecomumatampabempesada,ondeinstalei
umcômodocaixãodenogueiraparapassarconfortavelmenteosdias.À
noite,saíaparapassearemLisboa,ondepossuíaumpequenosobrado
noBairroAlto,eiaàÓpera,aoteatroeàsfestasnaCorte.Erarecebido
normalmente,semqueninguémdesconfiasseelequetninhapelecom-
pletamentebrancanãoerapó-de-arroz.
Algumasnoites,nãoresistindoàtentaçãodebebersanguehumano,
atacavaalgumafielalga.Depois,meapropriavadeseusbens,principal­
menteouroejélias,edessafórmajuntavadoisremorsosnumsó.
RaimundoPascoalseguiameuspassos.
Vestia-secomoeu,aprendiaaandarcomoeu,liaoqueeulia(de­
poisqueoensineialer),assistiaaosespetáculosqueeurecomendava,
enfim,tentavaserumacópiamaisnovademim.
Maserameiolouco.Issoacontececomfreqüência.Simplesmente
háespíritosquenãoseadaptamaovampirismo.
NuncaesqueceuAlmerinda.
Foratransformadoemvampirojustamentequandooquemais
querianavidaeracasar-seeterfilhos.Essaimpossibilidadeeternao
desesperouparaorestodesuasnoites.
_Nãosedevetransformarumapessoaemvampiroseelaest~1pres­
tesarealizarumdesejo-lembrouminhapsicanalista.-Seuespírito
ficapresoaessedesejoirrealizável.
_Éverdade-concordei.
_Assimcomolevamosasmarcasdonossocorpofísicoparaaeterni-
dadedosmortos-vivos,tambémlevamososdesejosinsatisfeitos.
_Enaqueletemponãohaviapsicanálise...Minhasorte
éque,de­
poisdesemanasnaagoniadapeste,quandofuitransformadoemvam­
piro,jánãodesejavamaisnadaanãosermorrer.

~]
t~
,
:\
,]
',<
I
I
I
\
,'
,.
~.
n,I.
,I
.1
"
:,~
'//
,:,':
,"
1.
p
11
JI
fII
~.
I.
l';
,,I
ll'

$lvanJaf

SantosPadressãoos
"PaisdaIgreJa",que
viveramentreosséculos
11eVII,noOrienteeno
OCidente,d'lvu',gando
econstruindomUitos
dosconceitosenormas
daIgrejaCatólicaque
vigoramatéhoje
Muitosdelesforam
perseguidosemortos
porsuasatlvlrlarlpse
Idelas,SantoAgo"tlnho
eSãoJerônlmoforam
algumdosSalltos
Padres,
Em1580,orelllo
portuguêsse
subordinouàEspanha
ARl'stauraçãc),ocorrida
seisdécadasdepois,
sedeuporuma
conspiraçãoformada
porUITIgrupode
nobresquelevouo
duquedeBragançaao
trono,restabelecerldoa
soberaniaportuguesa, culpaemdela,por"teramadreseca".Talvez,porser
religiosademais,nãoinspirassemuitoalibidoreal.
Nãoeraparaserumagravidezcomum.
Oreipre­
cisavaprocriarcomsuarainhaeterumfilhohomem,a
fimdeassegurarumasuceSSJOtranqüila.PorissonJOse
falouemoutracoisapormuitotempoemLisboa:como
fazerD.JoãoVserpai. .
FoientãoqueRaimundoPascoalvoltouapensarno
assuntocomobsessão,comoseoproblemadoreifos­
setambémoseu,numamisturadedesejoparticulare
patriotismo.
-Raimundoprojetava-senafiguraelos'reis-a
psicanalistaLllou.-
Oreiéumaencarnaçãoelafigura
paternaeestabeleceumvínculomuitofortecomseus
súditos.
-Poisé.()problemadeD.JoãoVpassouasero
problemadomeuamigovampiro.Gerarumfilho.
osexorealviraraassuntodeEstado.Arainha
D.MariaAnaJosefachegaradaÁustriahaviaj~ldois
anosparadarinfantesàCoroa,enada.()rei,todaaCor­
teosabia,cumpriaasuaparteduasvezesporsemana,
religiosamente.
Opovofazianovenaseoraçê'>es.
Arainhaseguiaospreceitosmédicos.Ficavaabso­
lutamenteimóveldepoisdeoreisairelacama,l;;jaraque
nãoseperturbassemoslíquiduscomuns,Nasvésperas,
LlZiasuasdevoções,visitavaoconventoelascarmelitas
descalçasdaConceiçãodosCardais,rezavanovenaspara
SãoFranciscoXavier,proferiaonomedossantosdehora
emhora,inteirava-sedosmartíriosaseufavore~utros
sacrifíciosparticularesdepadresefreirasnosconventos
portodooreino.Enada.E,
jánacamacomorei,antes
doato,rezavamosdois,paraquedessanovatentativa
resultasseafinalumherdeiroparaotrono.
Unsdiziamseraquantidadedepercevejosnacama
realqueimpediaagravidez,eparaissorezavamaSanto
Al,,;vn'lF.n~rl" nllPn~ li\lr",~~f'rbnr:lp':lf' rb(,o(,f'ir:l.Oll-
Alnsônia doVampiro
trosafirmavamqueosdistraíamosataquesdepiolhos,osquaisinfesta­
vamasperucasdanobreza,chupandomaissanguequetodososvampiros
portuguesesjuntos.Paraoscrentes,Deuspodiaestarquerendodispensar
oreiefazerquearainhaconcebessesempecar,comolvIaria,pijraque,no
futuro,PortugaltivesseumnovoMessiascomosoberano...quebempodia
seropróprioD.Sebastião,comoimaginavaRaimundoPascoa1.
Alguns,maispráticos,sugeriamumainfinidadecle-chás,emplas­
tros,promessaseobrig:lvamarainhaareZilroten;onacama,emhaixo
des~ucobertordepenastrazidodaÁustria,depois
qllC'() rt'ipilrtia,rl~­
pt'tindosempararuma"ave-mari;\cht'iacle-graça(...),bendito
C-ufrutu
dovossoventre..."atédormir.
DizemqueelaseconfessavaminutosantesdefIzerSt'xo,(UIllmedo
dt'morrerempecadoduranteoato.
Raim\1l1doPascoalacompanhoutodaeSsamovimt'ntac,:ãu.Rezava
oterço,fazial1ovena,sofriacomosalarmesfalsos,sempreaflitopara
saberdasnovidades.
Foiumdosquemaisvibraramquando,afinal,anotíciadagravi­
dezseespalhou.Eracomoseofilhofossedele,e,arainha,suaamada
Almerinda.
Porém,comoofilho
11:10eradele,pass;ldaaeuforiaRaimundo
caiunarealidade,enumamelanculiaprofunda.Deixoudefreqüentar
asfestasnaCorte,a()pera,oteatro.Saía
àl1oÍtl',solitário,pelasvielas
imundasdeLisboa,percorriaosbairrospobrescLtcidade,alimentan-
,du-sedosanguedecãesvadiosqueperambubvillllausmilharespor
todaaparte.
Àsvezesmordiaopescoçodealgumbêbadoin(ol1scit'ntenassarje­
taseaparecianaquintaembriagado,resmungandosempilLtrqueque­
riaserpai,amaldiçoando()diaemquehaviasetornadovampiroese
afastaradeAlmerinda.
Tivepaciência.Erameuamigo.
Cuidavadele,Seguia-oànoiteparaverporondeandava.Vigiava
parasaberquemeramsuascompanhias.Quepescoçosmordia.
Culpo-me,aindahoje,pornãoestarcomelenamadrugadadodia
25deabrilde
1755,quandotudoaconteceu.

rcpdinduuspalavrôeslusitanus. ()sguizos
IIllSPl'SC1'Ç'l'Sdascabrasedasmulas.()sgri­
lllSdos\l'ndedoresambulantes.Osmartelm
h:ltl'Ilc1lJn;lshigurnas,/\sn'lhsdasCllTUÇ':\S
"lllll'Jldl),
.\'0sah'asdl'sn:\viusnlJj1l)rtl).,~
.\n"ite,naqualp:\ssl'i:\''yi\lT''depuis
l\<-\:\l11pirL),;\cunll'ci:\II0llUStl).
A\ilJ1tnci:\
n;l"\1l'1a..Sl'Il1ilulllin:l<;<iuprlJ\lJ(;\:\UllltllqUl'dl
rlculhnl'SP<'Illânl'o.]"L\i:1rni!h:1\TSd(,haIldidos,
,:..;ruj1o,s:ll'lll:\dust'nuhres:lI'ruan'irus.()hando
lilIS1';l1nIilhasSualbsalacava
:\'0C\rruagl'nsqUl
S(':\Tisc\v:ulll"ntrl'
(1'0hccoscSlrl'itos,undel\1Uit:1S
('(''0('llubv:\1\n:\sfugas. J\cscllrid:luc :\'0Li<ki..
r:\ssinuusasslTviam;lScmhuscadas.()cUllllTciu
d:\vinganpj1ruspcrav:\,('(Il1lt:I11(-1;\Sdl'prl\Uljue
v:lri:lV:lIllsl'gundo;1import:lnci:ld;\vÍtill1:1.As..
s:tssinosprotíssionaisconll'ss:\vam-sc:lOpadre,1:1­
(i:l\11seusdonativosl'S:IÍaIllsel1lpl'Cados.
()COl1llTeioabri:1(t'doe1l.'CI1:IV:\:\0tuquede
rl'ColhLT,Umvampiro,seqUiSCSSl'e\1Cont'r:lrpes­
Sl):lSdl)j1ovo,tinhadefn:qüent;uastabernaseos
prL)stíhu\os,cmboranosdoislug:esn;\ohouvesse
l,ljU('pudéssemosconsumir('ocheirodl'tabaco
hr:lsikirol'strag;lsse\1OSSl)olLrto,
RailIlu\1dlJPascoa
1,sel1lpremeLncúlico,era
:\ssÍ<hll'nohotl'ljllillldaROS:l,n:\rll:lNov:\;<IlI
\1l'l'st;lhl'1ccillll'ntolk"m:ld:lIl1l'Sj1l'n('n",onde
h:I\'i:\\1111:\imagemdeS:lIllu/ltl!1ion:\j1ort:l,
j1::1:ltr:\irosh()mcns:\IX'Clr.Meuamiguera
CilllllSl)
11llrch:lInar;lSmcninasdl'/\!mcrinda
l'IIleirl11úsic\sl1ltlllldJ!iC1Snaguit:\rr;\.
N:1\1l)itl'de~')(k:lhril
de17')\R:\imundo
saiudohotcquil1ldaRosa,: ra\'CSSUlluTer­
n:irodoPaço,agrandepraÇ:lemfrente:10
Tejo,eficouv:1gandnpelaRibeira,entreas
barracasdepeixes,fechadasàquelahorada
noite.Estavacomumasedeterrível.Nãohe­
biaS;guehaviatrêsdi;ls.Suapele
j:ímur..

Alnsônia doVampiro
.--.-----~.- ••••._,.~.:o.•••.~__
A._••._••. ._ .••.__'..•..•._..•••
"
••."
.,
."
"

"-

'"
~





--
--
•••

•••

•••
••

••

•••
•••
•••
••••
Aparteiraverificouseasbainhasdasfraldasestavambem-feitas.
Bainhasdefraldasbemcosturadasimpediamqueobebêficasseemmá
posiçãodentrodoútero.
Amulherberrava,sacudiaaspernas,reviravaacabeça,invocava
santosedemônios.Asvirgenstocavamossinos.Assenhorasrezavamas
ave-marias.Ocheirodosangueenlouqueciaomeuamigo,comosolhos
negrosefundoscoladosaosburacosdatreliça.
Apartei~asuava,agoraentreaspernasdamulher,egritavasúplicas
desesperadasaoprofetaDaniel;àssantasCunegundes,
JulianaeMar­
(rarida;eI)rometiairsentar-senacadeiradeNossaSenhoradaGuia;e
n r
empenhavaapalavracomopróprioJesusdequeopaidacriançaofere­
ceriaaoscofresdoreiopesociorecém-nascidoemprataoutrigo.
()cheirudosangueentranhavacadavezmaisnocorpodeRaimun­
doPascoal.Vampiros,comooslobos,dependendoelasede,sãocapazes
deenlouquecereatacar.
Meuamigo
jáestavaapontoderasgarcomseusdedosossudose
longosafrágiltreliça,entrarnaquelequartoedizimarcomosdentes
todasasnovevirgenseasvelhas,sóparacravarosdentesnadona
daquelesanguefrescoque...Então,ouviuumberroagudo!Umgrito!
Umchoro!
chava,eseusolhossetornavamopacos.Umvampironesseestadoémuito
perigoso.Eleiaembuçado,comumcapotepretoqueocobriadopescoço
aospés,eumchapéudeabaslargas.Assimsevestiamoshomensquando
precisavamsairànoite.Acapaescondiaasarmas.Impunharespeito.
Iasemrumo,corroídodesaudadesdeAlmerinda,esmagadopela
eternidadesemsentido.
Seguiuvagando,aoacaso,entrandocadavezmaisnosbecosescu­
rosdafreguesiadaMadalena,oslábiostremendodesede,oscaninosjá
sobreoqueixo.
Atravessavaruelasmuitoescuraseestreitas,ondemuravamtrabalha­
doresdocomércio,comocostul11ededormircedoeacordarcedo.
Ouviuumaestranhaalgazarradehumanos.
Passavadameia-noite,deumdiadesemana,eaquelebarulhode
humanosointrigou.AsvozesvinhamdobecodoEspera-Rapaz.
Eraumaconstruçãodegranito,dedoisanelares,cobertaportelhas
debarro.Norés-elo-chão,haviaumaportaestreita,fechada,comuma
imagemdeSãoLázaropregadanocentro.Noandardecima,trêsjane­
lascobertascomtreliçasdemadeira,unidasporumaúnicasacada.Era
deláquevinhaagritaria.
RaimundoPascoalpulouparaasacadaeolhoupelasjanelas.Depois
dechuparsangue,éomaiorprazerdovampiro:versemservisto.
Noprimeirocômodo,àesquerda,umamulherestavadeitadaem
umacama,rodeadapornovemeninas,cadaumacomumpequenosino
nasmãos,quebadalavamdevezemquando.Atrásdasmeninas,um
grupodevelhasrezavanovevezesseguidasaave-maria,parava,torna­
vaarezarnovevezes.
Umavelha,entreasave-marias,acendiaeespalhavavelasportodo
ocômodo.
Amulher,quepareciasonolenta,derepentegritoumuitoalto.Só
entãoRaimunelocompreendeu.
Elaestavaparindo.
Porissoasnovemeninasvirgenseasnoveave-marias,umapara
cadamêsdegravidez.
Amulhergritavacadavezmaisalto,esecontorcia,ebatiaanuca
noespaldardacama.Aparteirapegousuamãoelembrou-adeque,
desdeEva,eraprecisoparircomdor.
Raimundosentiuocheirodesangue.Suasnarinasdilataram.Os
r~ninosbtei:uam.

elvanJaf•
,)
.~
I•
\.
H
,
.1
.~
"i~,,
i;
'l.
,'I
1,1
,~
,I
111
~.
I.
,I;
'li
111
~
I

AInsônia doVampiro
fumandocharutosbrasileiros.Umgordo,combigodescompridose
roupasendomingadas,eummagroealto,devinteepoucosanos,cles­
cabelaclo,suandoacamisetapuída.Esteeraopai,erecebeuobebêcom
umartranstornadoealegre.
Logoasduaslevaramobebêparaoterceirocômodo,eRaimundoPas­
coalnovamenteasacompanhou,deslizandosilenciosamentepelasacada.
HaviaapenasU,11acama,eumnichonaparedecomumaimagemde
SantaRira,quedavapaciênciaeeraadvogadadascausasdesesperadas.
AparteiracolocouohebênacImae()cobriucomumamanta.Ele
paroudeberrar.Estavacansado.()solhosmuitoabertos,vendotudo
pelaprimeiravez.
A~xlrteirasaiu,preocupadaemrecolherorestodocordãoumbilical
queficaranumabacia,noleitodap;lrturiente.Seumgatooualgum
ratoolevasse,ogarotoserialadrão.Precisavatambémcobriracabeça
damãecomochapéudeumhomemcorno,afimdequeaplacenta
saíssesemproblemas.
Aavóficoumaisumpouco,ocupadaemacender,edeixarqueiman­
donumprato,umasoladesapato,paraafugentarasbruxas.Depoissaiu
edeixouobebêsozinho.
Raimundonãoconseguiusedespregardajanela.Nãoeramaiso
cheirodesanguequeoatraía.Eraaimagemdobebê,emsuacaminha,
silencioso,olhandoasparedesdoquarto,oteto,ocorpo
;15vezestre­
mendoaindaemespasn10snervosos.
Cadaqualéfilhodas
SU;lSobras.
Doisséculospensandonoassunto,erasóumaquestãodeocasião.
Emmovimentosfelinos,nomaisabsolutosilêncio,abriuajanelae
entrou.
()heb2-olhouaquelerostohranco,osdentesenormes,viuosdoisolhos
pretoshrilhanelonoescuro,masnãochorou.Aindanãoconheciaomal.
Raimundosentiuocheirodecarne,fresca,viva,tenracomoum
botãoeleflor.Suasveiasardiamelesede.
Nãoeraumvampiromau.Contentava-secomGlbras,ratosaté.1{;)ra­
mente,paraaplacarosinstintos,atacavaalgumbandidonasvielasescuras
deLisboa;ouuminglêsouholandês,"umprotestantepagãoelosinfer­
nos",comodizia;emesmoassimpassavasemanasseculpando.
Aproximouseurosto,edesuabocasaiuumsussurro:
-Meufilhinho...meufilhinho...
Obebêabriumuitoosolhosecomeçouachorar.
~.','

,
I
i
,
~
:I
I•
.IL
,
I
~
n
I~
j;
I.
iI
t
,
,
~
JI.
Pl
i'
I';
'li
II:
•• lvanJaf

Comosabemos,obafodosvampiroséumadascoisasmaisfedoren­
tasqueexistem.Umamisturainsuportáveldemofoecarneestragada.
Elecobriuosolhosdorécem-nascidocomasmãos,numgestode
hipnosequeeuhaviaensinadoparaelecaçargalinhassemqueficassem
cacarejandocomodoidas,eomeninodormiuimediatamente.
Raimundopegou-oassim,indefeso,eosegurounocolo.Embalou-o
comumacançãoeleninardesuaaldeia.
"Quesedane",pensou.Ecravouosdentesnopescocinhodobebê.
Sóapontinhadoscaninospenetrounacarnemacia,atéencontrara
veiajugular.
Imediatamentesentiuseucorpoesquentar.
Sugouumpoucomais.
Necessitoudetodooseuautocontroleparaparar.
Recolocouobebênacamaeocobriunovamente.
Ninguémiaimaginar.Amarcanopescoçopareciacomumamor­
didademosquito.
Obebêabriuosolhos,ansioso,comsede.
RaimundoPascoalfurouapontadoprópriodedoindicadorda
mãodireita.Quandoosanguesaiu,deupara()bebêmamá-Ia.Baru­
lhosnoscômodosaoladoofizeramvoltaràrealidade.
Osnovesinostornaramarepicar.Asave-marias.Eosberrosda
mãe.
RaimundoPascoalvoltouàsacada,deslizouatéaprimeirajanela,
grudou()rostonatreliçaeficoumuitoespantado.
Todooritualserepetia.Aavótornavaaacenderasvebs.Apartei­
raimploravaaoscéusaajudadetodosossantosq\leconhecia.Amãe
gritava,sedebatia,torciaacabeçaparaoslados.Asnovevirgens,assus­
tadas,cobriamosolhoscomasmãos.
Amulherestavaparindooutro.
/
,
-----_._-_."-'-'--'
·QSX'.t4~tpxr~~~~
.!. ~ 1,-- ~,
(~il~ f ii, ",
I,.
\I
-~----

Alnsônia doVampiro
l'I~~';';epe.r-ic1o'nde
P,5
TOl'é:nió=sevirarporcontaprópria,comoaleijados,mutiladose
cri,l11ças,porqueelesficarãoassimpar;lsempre.
Puisfuiessa
ú!timaregraquefiqueigritando Stm
p,lrarapóssaber,umasem;lI1adepois,dabarb,lfiebde
queJ\,limundocometera,qu,mdooremursoafin;11
(Jt~?
C(JIlkssar.
N,lotransr()rn1t'iubebêemY<1mpiru-elegri­
Ll\<1t;ullbl-m.-
Sódeiumall10nlidinhaIlele,edepuis
(';lm<1ll1eIlteicumUlllpouguillhudumeusangue,p,lra
eleparardechurarl
S()isso'Umpuul]uinhus{).Nilov,li
,IC(,ntecnnada!()bebêseráulllacrianç;lnurm;tl.Estuu
arrependidulPruntu!
()Y,lIl1pirismunilol'um;1ciC'nci;\exatal
-~l"lldis­
se.--NuITlulHlodosmortos-vivos,comonodusvivos­
YiYos,e; (nodosmortos-murtos,tudopodeacontecer!
Ate-murderopescuçodobebê,apesardeserumacuvar­
di;l,tudohemoAcarne,mesmoamorta-viva,éfraca.l\ifas
tL"rdaduseusangueaelelogodepois,mesmoquesóoda
pontadodedo,issofoiumatemeridadesemprecedentes,
l'ningul-mpodesaberoquevaiacontecer!
Euestavafurioso.Raimunduseexcedera.Eurepe­
tiraexaustivamenteasregras.Eele;lgor;linfringiauma
debs,dam;lIleiramaisinf:tntil.
Ni1utT,1súum;\guest;lul,ticldaminhap;lrte.Como
emtodacidadegrande,haviaumacungreg;lçJOdevam­
pirosemLisbo;l,lideradapurumal1lorta--viY;1chamada
R()saLu],;\.
ElayiYianumcorpode
3U;mos,eragord;letinha
sidocUIldcIl;llhalevarcumelaumbigudeespessupor
tod,1
;1t'tcrni(bde.Diziatermaisdeseissl'cuJoslkvam­
PlrLSJn(),eterestadupresentenas
111, ,,' ',IrII Ide
II(>1.EraUmavampirahistéricaemuitocruel.
I'\uncafuiummorto-vivosocial,nJOfreqüenta\'aas
rt'lJJ1iôesdacongregaçiío,massabiamdaminhaexistên­
CIa,visitavamàsvezesminhapropriedadenocampoeti­
nham-Inecomoumvampiroesnobemasrespeitadordas
rt'gras,RaimunduPascoal,;ltéentão,agi,)comoeu,por
ISSOnosdeixavamempaz,

Alnsônia doVampiro •

\
J
I
,
~
!
,
.
~I
1-,.
I
,I
.~
!~
.~'\i
.,
.,
l,
,ti
f
~
,
JI.
nl
~.
I
'liI
,I
11:
e•
lvan Jaf
-Tenhoabsolutacertezadeque,seaquelebebêsetornarumvam­
pirinho,vocêeeleserãoconsideradosproscritos,eRosaLobaosconde­
naráàmorte,Eébemprovávelqueeu,comoseututor,sejajogadona
mesmafogueiraI
-Tenhofédequeobebên.'1ovaivirarvampiro.
-Fé?!Diaboelevampirocatólico!Vocên.'1opodementirpara
mim!-gritei.-Oseupropósitofui,sim,oelefaztTumacriança,
umfilhovampiro'
f~issoquevocêvemLllandohámaisdeduzentos
anos!Niiofazidéiadabarbaridadequecometeu?
I()espíritovampi­
rosedesenvolve,progride,comoodoshumanosnormais!Seu"filho"
vaievoluirindefinidamente,masaprisionadonumcorpodebebê!
UmbebêquepoderálerAristóteIes,masn.'1oconseguiránemen­
gatinharatrásdeumavítima!QuepoderádarumaaulasohreArte
Grega,masseráincapazdemorderumpescoço,pornãoterdentes!
Oquevocêimagina?Quevaiassistiraocrescimentodoseugaroto?
Queficaráfelizquandosurgiremosprimeirosdentinhos?Doisca­
ninosdeleite?
Raimundonãorespondia.Olhavaparaochão.Euficavacadavez
maisirritado.
-Oquevocêquer?Fazerumafamília?Pai,mãe,filhinhos,todos
vampiros,ninguémenvelhecendo?UmaLuníliaeterna?!Diabo!
Averdadeandasobreamentira,comooazeitesobrea~1gua.En­
quantoeufalava,RaimundoPascoaliaconcordando,admitindoque,
defato,quistransformarobebêemvampiro.
Assistiraalguémsedeixarvencerpelaverdadeéumespetáculotriste.
-Temraziío-eledisse,derrotado.-Souumserdastrevas.
Deviasaberquenãopossoamarninguém.
Aquilomearrasou.
-Não,Raimundo,aocontrário...Podemosamar.Nenhumvampiro
conseguiriasobreviversenãoamasseascoisas,aspessoas,osbichos...
.
-Certo-concordouminhapsicanalista.-Umvampiropode
anur.Amaréumdostruquesqueusamosparasuportaraeternidade.
Masnãopodemosnosiludir,querendocriarlaçosduradouros.Não
podemosconstruirpontessólidas.Vivemosdemais.Otempodestrói
tudo.Omundogira.
Éimpossívelconstruiralg;orealmentesólidoso­
breumplanetaquesemove.
-Niio-Raimundo Pascoalchoramingava._
Amarsófuncionacomoshumanos.Nós,vampiros,so­
mosapenasn10nstros.
--VocêacreditaemDeus,náoacredita?-argumen­
tei.--V(lCêécatólico!Desistiudeserfranciscano,mas
agoraseconsideraumjesuíta,niioé?Poisseacreditaem
Ikus,equeElecrioutodasascoisas,ent.'1otemdeadmitir
quev~lInpirustambéms50expressõesdavuntadedivina.
Sumospartedumundu,en~loerrosdanatureza.SeDeus
nuscriuu,énecessáriuinocentá-Lo.Nãosomosmonstros!
Paracunvencê-lu,econfurt;Í-lu,chegueiaafirmar
terin!()rmaçüessegurasdequehaviaumpardevampi­
rusnaArcadeNoé,quandoDeusdecidiurenov:1ftodas
asespécies,equecertamentetambéméramosdescen­
dentesdeAd.'1o.
N:loadiantou.Nuncaviumvampirotãomelancóli­
co.Naquelestemposaindanãohaviapsicanálise.Agente
tinhadesevirarcomosamigos.Elesórepetia:
-Somosmonstros!Somosmonstros!
-Eunãosouummonstro!-gritei.-Souapenas
raro.Oseclipsessãoraros,enãosãomonstruosos!Ser
monstroounãoéumaquest.'1odeopinião.Umvampiro
numdesertoéummonstro?Senãoháninguémemvolta
p:lfaseespantar,nadaémonstruoso.
Mastudooqueeudiziaaeleerapregarnodeserto.
Eramalharnoferrofrio.ComoestáescritonoEcksi:\s­
(·s,"onúmerodeinsensatoséinfinito".
Agora,oimportanteerairatéacasadobebêvero
queestavaacontecendo.PrecisávamosvigiJ-lotodasas
noites,daliemdiante,paraverseelesetransformaria
emvampiro.Tínhamosdeserosprimeirosasaber,para
tomaralgumaprovidência.
Emlugaresrelativamentepequenos,comoaLisboa
doséculoXVIII,detudosecuida,detudosemurmura,e
anotíciadeumbebêvampiroseespalhariacomoapeste.
AidéiadereverobebêanimouRaimunoo,c
S\I:1pr("()
cup_. .
açaoImediatafoimas! ig:1r11111IlIll"L\ll,"""(1.11",-o.1',11,I
acaharCOII I,.I I IIIli111.1\11.111,L 11,I'111.11,1"11\.11111111.111I"
Ecieolastc'séum
doslivrosdoVelho
TestamentodaBíblía.
OnomeécJIIgllladodu
hebraico
kohe/et("Cl
pregador")Aautoliaela
obra
étlaellclollall1lente
a~rlbuidaaoRei
Salomão,aindaque
mUitoshistoriadores
acreclltemqueLellha
',leiUeScritaséculos
ciepoi'.elesuamorte.
Retletlndosobrea
naturezahumana,
oEclesldstesaponta
paraaímportância
dodesenvolvimento
espiritualemdetrimento
dosprazeresmundanos.

.
1.:I,
~.
11
I
,
I
fI
fI,
I'
i
IIII
,I
1.11jIl
elvanJaf•
Euvinhatentandoconvencê-Ioaselavarhaviameses,semsucesso.
Agora,elerapidamentetinhapreparadoumatinadeáguamorna,es­
fregava-secomumabarradesebodecachorroeatécantava.
-Apartedenaturezahumanaquerestaemnósanseiaporcriar
vínculoscomarealidade-disseapsicanalista-,eomaiordeles,o
maisprofundo,éaL11l1ília.Comoparanóséimpossível...nãopodemos
procriar,nãopodemosreproduzirpelacarne,sópelosangue...transfor­
mamospessoasqueridasemvampiros.
Vendoeleali,dentrodatina,tomandobanhoparairvisitaro"filho",
comentandocomoAlmerinclaficariafelizsesoubesse...medeicontade
quealoucuradeRaimundoPascoaleracomoacidadedeVeneza:eleia
vivendodelembranças,enquantoafundava,muitolentamente.
Apressei-oepartimos.
Jáeraumaquestãodesalvarminhaprópriapele.Aquelahistória
nãopodiachegaraosouvidosdeRosaLoba.

;1.")
',~
.,
j
I
I
~

\I
JI,l.
I
J
.~
11
I;
,
r
~.
q
1
,
j

fi
1,1
I.
',lI.
'I
11:
olvanJaf•
Osdoisprimeiroscômodosestavamàsescuras.Naausênciadeluz,
possoverasemanaçõesdecalordoscorposedosobjetos.Noprimeiro,
haviaacamalarga,ondeamulherquepariradormia,aoladodomarido.
Nosegundo,asala,duascadeiras,umamesaeumbaúcompridoque
tambémserviadeassento.
Noterceiro,afinal,acama,comonichodeSantaRitanapare­
de.Aolado,pertodaportafechada,aavódormia,sentadanuma
cadeira.
Semdizerpalavra,Raimuneloabriuotrincodajanelaeentramos.
Passeiamãosobreosolhoselavelhaeahipnotizei,paratercerteza
dequenãoacordaria.
Oquartopequenorecendiaacouroqueimado.Tinh:lmmuitomedo
dequeasbruxasviessematacarseusbehêseoschuchassem,querdizer,
sugassemsuaenergia.Numcanto,àesquerdadajanela,viumabacia
comascinzasdeváriassolasdesapato.
Assimqueentrou,Raimundoparouaoladodacamaeficouolhan­
do.Aproximei-meepareijuntoaele.Custou-meentender.
Comamantade
Liatéopescoço,nãohaviaumasó,masduas
cabecinhas!
-Oquesignificaisso?
Raimundosimplesmentehalançouacabeçaedisse:
-Gêmeos.
-Como,gêmeos?
--Ora,amãetiroudoisfilhosdamesnwbarrig:1.
-Evocêchupouosanguedosdois?
-Claroquenão.
-Qualdeleséohebê-vampiro?
Raimundoinclinou-se,puxouamantaparabaixoeprocurouas
marcasdamordidanospescocinhos.FicouconfiJso.Hipnotizamosos
dois,queestavamprestesaacordar,eosseguramosnocolo,cadaumo
seu,eosreviramosdealtoabaixoatrásdasmarcasdosdentesdeRai­
mundo.Nada.
Encontramosapenasduastatuagens:umpeixepequenonanádega
esquerdadecadaumdeles.Algumasbmíliasmarcavamosfilhoscom
ossímbolosdesuaprofissão,paraidentificá-Iosemcasodeperdaou
roubo.Nuncaentendiporqueosportuguesesescolhiamparaissouma
partedocorpoqueraramenteévista,obrigandoosujeitoaarriaras
calçasparaseidentificar.
AInsonla00vamplru
Comeceiacheirarolugar.Numabaciapequena,embaixodacadeira
davelha,encontreiosrestosdeumemplastro,comumagosmadesale
rosmaninho.Haviamdescobertoaspicadas,eastratado.Apelejovemdo
bebêcicatrizaraemumasemana.Pormaisquetentássemos,nãopude­
mosdescobrirInarcanenhUlna,emnenhumpescoço.
Osdoisbebêseramiguaiscomodoisovos.
Fiqueifurioso.
-Agoran:iosabemosqualdosbebê·sévampiro'Vamosprecisar
quenos:ljudemocéu,afortunaeoacaso'Todosostrh'
()maisirritanteer;1oardeIJ<1ternidadedeRaimundoPascoa!.To­
talmenteinconscientedoperigo,olhavaparaosdoiscumosetivesse
acordadonomeiodanoiteeviesseverseostllhinhosestavamdormindo
hem.Tornouacobri-Iosatéoqueixucomamanta,etenhocertez;1de
quepordentroestavacantandoUlnacançãodeninar.
Fiqueisemsaberoquefazer.ArrasteiRaimuncioparafc)radoquar­
to,escaleiaparedeeosenteiaomeulado,notelh:ldo.
--E:lgora?Eagora?--eumeperguntavaemvozalta.
Elecolocouam:ioemmeuombro,balançouacabt'çlresignadoe
disse:
-Disponhaocéucomolheaprouver.
Eu
jáiadarumsocoemsuacar:lbrancaquandoouvimosochorodo
bebê.Nosdeitamosdebruçosnotelhado,declbeçaparabaixo,eolhamos
paradentrodoquarto.
Amãechegouemseguida,esfregandoosolhosdesono,etentou
~lCordaravelha,cutucando-adetodojeito.Maseuh;wiameesqueci­
doderetirá-Iadahipnose.Sacudiu-apelosombros,masavelhanão
acordava.Achouqueestavamorta.Chegouom;lri<io,viuqueavelha
respiravaevoltoupara:lcama,dizendoparaamulheramamentarlogo
ascriançasp;lraqueparasseUldechorareodeixassemdormir.
Am:icsentounapequenacamaecolocouumbebêemcadaseio.
Olheip:lraolado.RaiUlundoPascoalestavacompletamenteembe­
vecidocom:1cena.Tivepenadele.Emseusdevaneios,eledeviaestar
vendoaliaprópriaAlmerindaalimentandoseusfilhos.
.Eutambémestavafelizcomaquelacena.Seosdoisbebêstomavam
leIte,erasinaldequenenhumdeleshaviaviradovampiro.
Leveimeuamigoaténossoscavalosepartimos,devoltap:lfaomeu
sobradonoBairroAlto.
Eleiaatrásdenlinl
CUIII"11111~,(IIJ.llld'III".,'lill" "'1'1111",111,,1.11'"
W'l"

~oàcasadobecodoEspera-Rapaz.Eeuiapens:mdo, fnencloum1:;;(­
lançodasituaç}o.
-\~()Cl·ncTn}_lrt.:'\~i";;J"'C':I1C/dT1()(Lif- ,Jtdj.\~·.=-.--1)('J~u~L~r pLin­
tiiono
L:lh:H!OL1:lldq,kJn '()7inhu.
ab,()lur~1Cer!t':~adequ~
Tudoindic1\'aquenadaaconteceria.
~bs
adiligt'nci:lta1118edabO:1sone.
DecidinJUdesgrudardosgémeosatéter
-:\}o.Eu\ouiumu.
Elepodiamordero bebénO\:lIlkntt...
nc:-.hu;n\Jelcscr~l\<{111piru.Iri~l!TJ()sYlgL:t-lo:-;DIJS11ltSt.:'S st~LlintC's.()u~ln­
\.fllC(lnt~:lts~an1inh~l inrcns~~1c'~-lI{~lú11Und(jFj~l"C(J,-lL.. nunCJ\iurn.. ~lr:n-
pirut,lufeliz.
~;:II-:~~.'"~...•.••----------------
~I.
~l
~i
.Jfi
~;
~i
~
~

~
::;I1I ~. ,,," Jo' , A,,,'"1,d" V,mp'"
1.,I O,maridodeAntôn~a,Júlio,erap.eixeirotam~ém,mas~anhav~uns Fiqueial.erta.P~reciaumasimplesdordegargantainflal~1ada.Dei-
:J trocaaosquandoapareCiaalgumserVlCOdepedrelfo.Tero-emeosplora- .ueopaieamaeresolvessemoproblema,acendendo\·elaseem-
, . • ' te> };é'1q
.'i
ramUitoasituaçãoeconômicadafamília,equemossalvavaeraopaide .lhandoopescocinhoememplastrosdebanhadeporco,mel,1050a
____
..
11' JÚ.lio,colocandodiscretamentealgumasmoedasembaixodotravesseiro l)fUbuCTueifo.EfazendooracõesaSãoSebastião,quecuravaasferidas
~ ,. l..-. esab -'>
.-JA dosbebes.Foraelequempagaraasdespesasdeumpartotãocaro. .ternaseexternas.
""""'E'" . Alémdopaiedamãe,moravanacasaaavómaterna.Porpassarqua- 10Comoobebêbocejavamuito,chamaramumacurandeira.Eladiag-
~ I
i setodasas.noitescomosnetos,foitantasvezeshipnotizadapornósque n05ticouquebranto,mau-olhado,trespasso,epassouváriasnoitesao
~ II acabuul1:elOlesa. ..... .. ladodelenacama,repetindo: _ _._...
~I, Eu)de~ta\a.cansadodaquIlo.DepOISdaeXCItaçãodaspnmelrasse- _...eutebenzoen1nomedeDeus,emnumedeJesus,ahUlaem
~II :nal~:ls,~~erdlUInteresse,conv:ncidode qu<:,ati.nal,amordidadomeu queDeusna~ceu,m~~sen?orJesus,Criste~,t'l~ponhoml~lhasmãoso~de
J
! aml.•..onaot!ilhaafetadoobebeemnada.OsdOISmamavam ecresCIam vóspondes\cossaDlVlOa\1ftude,SantaEuseblapanuSanta.~~a,San-
~ : normalmente.Eusóc~ntinua~a~aquelavig.íliapormedodequeRai- taAnapariuaVirgem.a_Virgempariu1'\ossoSenhorJ.esusCnsto,as-
~ i i mundo,vendoqueacnançanaoviravavamp1fO,an10rdessedenovo. simcomoessaspalavrassaosantasverdades,assimvost1femeuSenhor
II Ele,aocontrário,acadadiaficavamaisexcitado,maisacentuava lesusCristoestemal,esteolho,estequebranto,sejaforadocorpoedas
seusdelíriospaternos,apontodeváriasvezes,estandoavelhaincons- ilhargasedetodososmembrosdessepecador...
ciente,trocarfraldas. ~lasobebênãomelhorava.
Kuncaviumvampiromaisfeliz.Tomavabanhoquasetodocomeço Fiqueicadavezmaispreocupado.
denoite,antesdesairmos,ecomeçouainventartc)rmulasparacombater Mordidaslevesdevampiro,emqueasvítimassãohipnotizadase
omauhálito:bochechoscominfusões;novenasàSantaApolônia,que,já nemsabemqueforamatacadas,costumaminflamargargantas._
queserviaparadoresdedente,talveztambémmelhorasseocheirodeles; Raimundo,aocontrário,emsuaignorância,concluiuqueseuhlho
echegavaalavarabocacomáguaesaldepoisdebebersangue. sópodiaserooutro,porquevampirosnãoadoecem,epassouasededi-
Inventouumapastacomsabão,cravoehortelãamassados,eessência carexclusivamenteaobebêsaudável.
deeucaJipto,umanovidaderecém-chegadadaAustrália.Eleesfregava Emumanoitequentedemeadosdesetembrode
1755,porém,de-
apastanosdentescomumaescovinhafeitacomospêlosmaisdurosda poisdehorastossindoechorandosemparar,mexendomuitoaspernas
basedacrinadeseucavalo.Antes,passavaentretodososdentesum eosbracinhos,ebemnomeiodostrabalhosdacurandeira,cercadopela
longofiodorabodocavalo.EununcatinhavistoaqueJemétodoantes. avóepelospais,obebêchorousangue.
NãoseiseRaimundoinventouodentifrício,mascomcertezafóiopai
damodernahigienebucal. .
Oúnicodetalheaestragarsuaalegriaeranãosaberqualeraoseu
"filho".
Todasasnoitesprocuravasinaldasmarcasdeseusdentesmaselas
haviamsumidoirremediavelmente.Osmeninoseramabsolutam~nteidên­
ticos.Asaídafoiamá-losdamesmamaneira,C0111asecretaesperançade
queumdosdoisvirassevampiro,pondofimàqueladúvida.
Ocomeçodessefimfoicomumchororepetido,sofrido,quenão
parava,acompanhadoporumatosseseca.
Apósmaisdetrêsmeses,pelaprimeiravezumdosbebêssedistin­
guiadooutro.Sóumtossia,tinhafebreechoravadaquelamaneira.
w

~
­
.-
-:•..
,.
fI!I
••

~
.,..
-...
••
~
--.
'-­
••••
•••

•••
•••
••••
!••••
.~
~
opai,maisprátIco,pegouumalágrimanodedoparaverseera
(Tuemesma.Era.
~'ln
.'~t.,.mãe,lpertavaosbraçoscontraopeito.Tinhamedodechorar.
..:;"deseusolhostambémbrotassesangueaacusariamdeter-sedeitado
L.~•• Oodemônioeajogariamnumafogueira.
LU.l~
Acurandeira,tentandoaparentaracalmaqueaprofissãoexige
ji.l!1tedosfatosincompreensíveis,eprocurandovenderseusserviços,
.1i1fhSOU-seadarseudiagnóstico:
._Obeb~sofredecarnetalhada,ourendida.
()useja,ele"estavaferido.
Haviacertalógica.
_Seaparecesangue-elaexplicou-,acarneestáabertaemalgum
ponto,queéporcarnesrasgadasqueosanguesaidedentrodosnossos
.::orpoS.Nãoseverondeestáaferidasóindicaqueelaéinterna.Como
()bebêestáachorarhátantosdias,omotivodissodevesertercarne
talhadanagarganta.Poraí,pois,saiuosangue,emtalquantidadeque
brotoUpelosolhos.
.-\.mãeeopaiaderiramimediatamenteaessaexplicaçãoepediram
queiniciasselogo
°tratamento.Tiveramdearrastaraavóparaumcan­
to.Elanãoparavaderezar,ajoelhada,comosolhossaindodasórbitase
osbraçoserguidosaoscéus.
.-\.curandeiracobriuomeninodesinaisdacruz,enquantorepetia:
_EmnomeevirtudedeDeusPai,emnomeevirtudedeDeusFi­
lho,emnomeevirtudedeDeusEspíritoSanto,trêspessoasdivinasem
umsóDeusverdadeiro,NossoSenhornasceu,NossoSenhormorreu,
NossoSenhorressuscitou,eaVirgemopariuficandosempreVirgem,
antesdoparto,nopartoedepoisdoparto,rogoaoSenhor,porvirtude
dessassantaspalavras,eporvirtudedevossasagradamorteepaixão,
queestaferidaoufogosecofiquesãoesalvoenãocrieoutromalne-
nhum,Amém...
Eraestaasituação:umavelhaloucaemtransemístico,repetindosem
pararumexorcismo,ajoelhadaaumcanto;umamãecatatônica,tentan­
dolembrarsenãotinhatraídoseumaridocomodiaboemsonhos;uma
mulherdeolhosfechados,inclinandoocorpoparaafrenteeparatrás,
fazendosinais-da-cruzerezandosemparar;umhomemandando
d('11111
ladoparaooutro,xingandoocéueaterrapornãoestard< 11'111iIliI.I;'1<JlIl'I.I
hora,poisnodiaseguintehaviaummuroclcpcdr:ls P:ILI1"1)',11<1, I11I1 1"1,,
esperneando,berrando,chorando S;lllglll'; 11111S<').',IIlICI.,1"1,, ,1)'."'111111
r 5- ~.

11'
I1!,
.-
bémchorando,assustadoequerendomamar;edoisvampiros,decabtcaparabaixo,penduradosnotelhado. ~
'\iãohaYianadaqueeupudessetàzer,anãosercontrolara~dnsi"spaternasdeRaimundo.
Tivemosdeesperartodaanoite,atéqueacurandeirasaísse.Eb
afirmouque
CJtratamentoexigiriadriasoutrasvisitas.
Quandotodosafinaldormiram.faltavapoucotempoparaosc,]
lIdS­
cer.Eu jáestavapreparado.Mataraumpombonumtelhadopeno.Cif­
tei-Iheopescoço,eomeninochupou-ocomusefosseumamamac1,ird.
comsofreguidão,aosolhosdeRaimunclo,embevecido,queemseguida
limpoubemsuaboquinha.colocou-ocontraoombrodireitopara
YUt'
arrotasse,embalou-oumpouco,cantandosuavemente,edepoiso p(JS
nacama,comoirmão.
Obebêsossegou.Dormiutranqüilamente.Voltamosàspressaspara
nossoscaixões,emmeusobradonoBairroAlto.
Acordamosnoprincípiodanoite,enaturalmentepartimosmuito
aflitosparaveroqueaconteciacomonossobebê.
Nãoprecisamosdemuitotempopenduradosnotelhadoparacom­
preenderoquesepassaraduranteodia.
Depoisquesaímos,edevíamosterprevistoisso,
jádedia,obebê
acordoue,comotodobebêdepoisdemamar,regurgitou.Sóquenãofoi
leite.Regurgitousangue.

r-"; , .~-:::c
~,,:rn
4,
ótt:'
curarCLif.:-:Cê.Sao
NascidonaGrécia
porvoltadoséculo
Va.c.,HqJócralese
consideradoo
"pai03
n....edicina"Emoposicão
apfátiC~S:,upf2rstlcio:::,as,
eledesenvo!v'éUum
rí":etodo
cien1:f!cc)r~:)
diagnó~~ticoded(::'f:"',ça:~.
Crio'.ltC1!-:·t·~~n
U:,-'
,:cdiÇ}o
deé1!(~a:).:::r".::1
~r:C'dic( (':'Jlt_',
ri2S J~~;
~é;cul,dacf':CH~\ e,:;I'~d-':él,
,:i.')rr':J(Jc]('S
De
"~ôr,ç~!"ar"
D:~I,>i€T::e,
el!"õ;:-l?I·':C,')ci.:i5:n-:dS


r;Jrêl\2a
-2rã
u-:·a'::,::;ca
C'E:,:,(~;::: 'C2~~O
i!':';P!";~-~':ê':;des~u
SéH-Çld'2,'::)Uê'i~~,-~Cl ;":12i5
r.les(lng!Je:_s'.~ÇJ.é3C,~J(jor
('Clr~e:;.E!"Y) Fcrt~":g?!e:lQ
8r21si!,foipl'a~:'::2GG~le1:,5
,.:r:édiccs- b2'"b!2:"c's"I
mUitoprocurados p€:i05
maispObres.
mu:"!cI::ilT.'S]U,
noOcid~::-jle:::te ::,eC'~dQ
n-',~f·i'J,
d,:red:t,-r,!,:'-~~e~~.~;:.:\ 'ss;vel
11":F:Ji
Ir~fi~<';3cc,es,
t:i:rrlilléir
fe::;r'?,o:)re
Culpatet1edemematal;
porqueemlugardecura,
'norremédiomedeuasepultura.
iramapenascurandeirosdeluxo,quenãovacilavam
:;-111receitarpódemúmia,raspasdechifredeboi,óleo
'"ollroouInercúrio,eassustavan1opaciente,sempre
;;:zc:nduoqueaquelefez:abriusuavalisedecourosobre
.1"·1j11ostrandonincas,Scrr~lS,s'lncias,lancetas, ÚIClS,l.liJ.l-,-..' . r- ::. .
:'rc:':111I)S...Tudodeaçosuec<),p,lrajustificaropreço..,
Limitou-se,purém,aLlzerperguntas àmãeea eX,I-
!Ilin~lrosolhose ;1garg;lnt:ldohehê.Poucodepois,deu
!I('redicto:
_()meninoesLÍtuberculoso.
Eraumadoençacomum.Asimundíciesjogacbsdas
iand;lsajudavamaprop;!g:1fessasJnuléstiascontagiosas.
Fnosmeseschuvosos,ounoinverno,aumidadeeofrio
pentt~:l\amnaquelascasaspohres,semaquecimento,co­
hrind"todasascoisasdemofo.
Onovodiagnósticoumbtmfezsentido.Natubercu­
lose,
(1doentecospesangue.
-O fatodeobebêterchoradosangue-omédico
explicou-deve-seaodesvio,lut1uxosan,L;üíneo.()san­
gue-.emvezelesairpebh.)(.l,chegouprimeiroaosolhos,
subindopelosonaislacrimais.
A.uscultanduospulmôesdobebê·,concluiu:
-Trata-sedeumatuberculosebranda,talvezape­
nasumapneumonia,quesecurarácomumameiadúzia
de
S,l!':;,rias.
Aospais,horrorizados
COI11aperspectivadesangrar
umhebêdeseismeses,()doutorconsolou:
-Issoabreviaráacura,poisosanguequeteimaem
~~otaraospoucos,pelabocaeatépelosolhos,sairálogo
tUmavez,peloscortes.
Oavôpaternocoçouacabeça.Seumaconsultacusta­
ra-lheumdobrão,quantonãosairiamseissangrias?Pela
e~pressãodeseurostoadivinheisuasintenções:jáqUl'llél
\'Iadol'S . . d' I.
netosexatan1enteIguaIS,poIam
(t'IX;Irv,.,,,c"
c10entinh .
osecuravapor
51n1eSITIO,sempre'•... 1:111.111111

icomumbarbeiroambulante, Ohomemestavadebranco,comman­
~~asdesangueseconacamisaecaradesono',Traziatambémumavalise,
_iue\';lg3bunda,decourocruensehado,eIadedentrotirouumalance-
~lq, b' 'd d'
tJ,umapequenaaClaeumacaixaemaeiracomsanguessugas.
Amãédeuumgrito:
_Sanguéssugasnão.gUéomédiconãoasreceitou'
Obc:rbtirodeudeombrosecolocouas"bichas·'de\'oltanav:l1ise.
Clhcb2.tüdootémpo,chorav.l.
EuéRdimunJosabi,illlCJSqueeleestavanOV~1Elentecomsédede
sancrUé.
111:tSlÜO podíamosfazernada.R,1imunc1o;lpertavaasnúosno
" t"
beiraldotelhado,comoódiomortalqueenlouqueceumvampiro.
eVir:~2r,l.
ZTwnti»If' b ' ri' _
~r
r

• AInS0111a UU VCJlllf)IIU lG:fo~,"
••!.,,~' Iv~nJa T f '.,JiI'1 f
,JJt Oc:c')rá')erauma Oprópriomédico,porém,vendoquenaquelacaSas6 St~
• moedade aura . dbld d'h li:
",. PClftuguesa ehlspano- comiasopaeeroegas,ousarInacomalace,eprt-
,IJI 11' õn".IE'Cicõna'.=l.,r.,;-ao3.. em,.:vendodi.ficu.ldadesemreceberseushonor.ários,contentou_,r_
~'~:,n7~s..,:er~~"=~T~=,,~:2.lcomseudubrju,fechouavaliseedisse: -
!fiaI e, LJ-u.,,,~a,,~_,_ O
,.. II sec,,!c;<';<,/3':224 cr,,! - AsangriaésimplesepodeserfeitaporqualqUtr
AII ----.""-"-"'-..•-. bb',.- I lero, :,~~e'e,'",~,e,,",c areira.
11 i 'r:-;.,TI(::lr'~I:)r",,-.;:..•.. ,""1:::-
,JIIII ;='",-c:;--,--;;-:,'a~=-ê Retirou-seemseguida,estimandoasmdhoras.,JJjII ~~~~,r~~~,~~,:>;~=;,=~~~, Osogrosuspiroualiviado.Amãemandouomari,i"
IA'11 C~r~,".,'..~>-,'O' s:l!rebuscar Uinbarbeiro,
~ 111 ~.~i.=::;nc.".'e,c~.:~~:5-,f~;~3'1'\aLisboad.aquelaépocaencomra\'a-seU~llbarlJtifílI :'=:é~3,:JS:ã~ ' emcadaesquma,aqualquerhora,PoucodepOISemra\:l 'J

1fJ.·

lvanJaf
opaitevedesegurarobebê,enquantoobarbeirooviravapara()
ladoesquerdoefaziaumtorniqueteacimadocotovelodobracinhodi­
reito.Ohomemtremia.Eraaprimeiravezquesangravaumbebê.Pós
abaciaporbaixoeprocurou,comapontadodedoindicador,aveiaba­
sílica.queiadotorniqueteattoombro.EraumaH:iadevolumemtdiCi.
superficial.eelelogoaencontrou.Comalanceta,cortouapele"dolxbê.
a,éarin:;ira""c·i".Osangu,:-
,,'en(1SUêscor!'eulogo.ti;lgindoofundi>
b~1cia.DeUl1i~dultodet1r,1[i:1
\.lflSdllzcntu5,zum,lSde"5;,lIgue.Tirel):.l
nl:-t~:d:-.commuitomed,),e]':·go~lp~1í<::ceuaaV(I.con1ume"mplastr(,'1<::
rosma:linhuparacobriroferimênto.
Tornaramapôrobebê
debarrigaparacima.
Éf:lcilimaginaroquantoelebe"navaeesperne;l\anessemomento.
Obarbeiwestavamuiwaflito.Oavô(Ipagou,e"combiruram
,I,
próxim.asSeSS(le"S.;\avóreza\aottrçoereacendia,1veladoniei1u c\c
SaDtaRita.Opaisentaranacade"ira.exaustopelatens2io.Am:iear:,,'­
ment;1\';1ooutrofilho.
Foient:io,nupoucuespaçodetc:mpoqUe"udeixaramemP,1Z,clueo
bebê-\ampiroc(Jnseguill\'irardebruços,enfiaracaradentrodabaciagele
aincbestavasobreacamaebeberseuprópriosangue,diantedetodos.

~II
~II
i
':""I"
morte-vida:ofanatismocegogeradopelacrençanaverdadeabsolutada
palavradeumDeusúnico.
SeumapessoafossedenunciadaaosTribunaisdoSantoOfício,era
quasecertasuacondenação;porisso,apeixeira,seumaridoetodosOs
queacercavamseapavoraram.Pormenos,muitosjáhaviamcaídonas
garrasdaIgreja.
Ocônsulinglês,porinstalarumrecém-inventadopára-raiosnote­
lhadodesuacasa,foidenunciado
àInquisiçãodacidadedoPortopor
possuiropoderdiabólicodedomesticarofogodocéu.
Doisirmãosmorreramnasmasmorraspordenúnciadosvizinhos,
queosviamseajoelharerezardiantededeusesafricanosdejadesobre
alareira.Osdeusesnãopassavamdelembrançasdeumaviagem.Na
verdade,elescultuavamograndecrucifixoquehavianaparede,sobre
asestátuas,masquenãoseviadajanela.
Umpaieseufilhoforamqueimadosvivosporseremvistos,delon­
ge,batendocompausnabasedeumadasinúmerascruzesqueseespe­
tavamnasencruzilhadasparacortarocaminhoaoslobisomens.Oque
elesqueriameramatarumacobra.
Alémdaheresia,oSantoOfíciocondenavaabigamia,ohomosse­
xualismoeafeitiçaria.
Umbebêquechorava,vomitavaebebiasangueeraobradefeitiça­
ria,pactosexualdamãecomodiabo,vítimadebruxas,ummonstroge­
radopormagianegra,enfim,umpratocheioparaotribunaldaIgreja.
EueRaimundoacompanhávamosodramadafamília,deponta­
cabeçanotelhado,protegidospelaescuridãodanoite,eoquemaisme
irritavaeraquemeuamigocustavaasedarcontadagravidadedocaso,
tãoorgulhosoestavadeseu"filhinho"tersidocapazdeseaHastare
beberosanguedabacia.
Odesesperohistéricodamãeafezvoltar-senovamenteparaa
curandeira,emboraosogroaprevenisse:
-Olhaquecurandeirastambémsãotidascomofeiticeiras.Issosó
pioraasituação.
Estávamoschegandoaofinaldesetembrode1755.Pormaisque
oboatocorresse,pormaisqueobarbeirodominicanoseencarregasse
deespalhá-loportodasasesquinas,atéchegaraoconhecimentodos
membrosdoSantoOfício,edaíseremtomadasasprimeirasprovidên­
cias,amãeacreditouqueteriamalgumassemanas,epôstodaasuafée
esperançaemqueacurandeirapoderiacurá-Ia.Curado,seriaapalavra
deumbarbeirocontraadeumafamíliainteira,jáqueacurandeira
aceitaraosubornodosogroparaguardarosfatosparasi.
EueRaimundoacompanhamostudo,noitesafio.
Incitadapelospaisdobebêeincentivadapelodinheirodoavó,a
curandeiramostrouserviço.
l\Janreve-sefirmenodiagnósticoanteriorecontinuouotratamento
tópicoparacarnetalhadaourendida,aplicandopapasdeazeitequente (l;mmassadepãoemformadecruznagargantadobebê,bafejando
júmaçadetabacoemseupeitoerezandoemvozmuitobaixapalavras
ininteligíveis.
Porém,comocarnetalhadanointeriordocorponãoexplicavao
fatodeogarototerenfiadoacaranabaciaparabeberoprópriosangue,
elatevededarumsegundodiagnóstico:
-Elefoivítimademalefício.
Doençascomunseramoresultadodecastigosdivinos,mas,quando
osujeitoapresentavasintomasmuitoestranhos,eracertoestarsofrendo
defeitiçoprovocadoporalguém,pessoaoumonstrodastrevas,eaío
procedimentodecuraeraoutro.
-Éprecisosaberquemprovocouomalefício,parapoderanular
seuspoderes.
Foientãoqueaavó,quesempreserecusaraaadmitirotrabalhoda
curandeira,porsercontrário
àsuacadavezmaiscrescenteefanática
fécatólica,lembrou-sedasmarcasdasduaspicadasqueencontrouno
pescoçodobebê,nanoitedoparto.Elasónãosabiadizeremqualdos
doisencontraraasmarcas.
-Obebêfoiatacadopormonstroschupadoresdesanguedere­
cém-nascidos-concluiuacurandeira.
-Eunãosouparva!-aavóprotestou.-Seimuitobemdos
perigos,porissopregueiaimagemdeSãoLázaronaportadecasa!E
venhoqueimandosolasdesapatonoquartodesdeodiadoparto,que
paraissojáestragueicalçadosquasenovos!
-Solasdesapatoespantamapenasbruxas-retrucouacurandei­
ra-,enadaadiantamcontralobisomensevampiros.
Foiaprimeiravezquefomoscitados.
OlheiparaRaimundoebalanceiacabeça.
.."".

~­•
\].',
J
;t;:11
11111
otratamentoprosseguiuporváriosdias.
Umsabugodemilho,comocabelodamãenaponta,foiespetado
.1umalfineteecolocadonumagaveta.,-(.]1 ~
.:\mãeeopaiforamobrigadosadormirinvertidos,umcomospés
""l(losnaraacabecadooutro,paraimpedirqueolobisomemvoltasse.
\lr,·r '
.\11l;1ep3.SS0Utodaumanoitecomumag<11inhapretasemcabeça
,-.breabarriga.
Umgrandesaposecof"icolocade)sobotr<wesseirodobebê,por
dU;I'nuites,edê)'oisenterndojuntoaomurodocemitério,enquanto
1cUf;tndclrapedia<lpoio)salm.lSdosdefuntos,asquais,porestarem
Jl~,li,pre~)ximaseleDeus,pCJdi:]msermaisbemüuvidas.
ACHianoiteelavinhacomrezaserituaisdiferentes,usando
V;}S­
se.uras,facas,azeite,água,fogo,incenso,mel,banhadeporco,cabeça
defrango,raÍzes...Tudoisso àcustadodinheirodoavô,queabrira
umaconUnumarmazénldaRibeira,cujodonocomeçouadesconfiar
quealihaviarituaisdefeitiçaria.Umafamílianãopodiaconsumirtudo
<,quiloemtãopoucosdias,nemtertantaurgênciadeseterabosdeporco
àsseted3manhãnodia7deoutubro,entrandoesaindodoarmazém
comsetepassosparaafrenteeseteparatrás.
Acurandeirasónãousavavelas.Elaserammonopóliodaavó,que
queriarivalizaremmatériaderituais,espalhandovelasportodaacasa:
cincovelassempreacesasnosbraçosdascadeiras;velasimensas,dotama­
nhodobebêenfeitiçado,sobreacômodadasala;velascercandoossantos,
osquaiscomeçaramaproliferarportodososcantosdacasa;eacadavela
acesamuitospais-nossoseave-marias;foraasnovenaseasidas
àigreja
duasvezesaodia;eosterçosrezadosdurantetodaanoite.
Eunãosuportavamaisaquilotudo.Estavaprestesaacompanhar
Rail1lundonumachacinapararesgataropobrecoitadodobebê,que
sofriatodotipodemaluquicenasmãosdaquelagente.Masotemorde
queumataquedevampiroschegasseaosouvidosdeRosaLobasempre
mefaziarecuperarojuízoeapaciência.Eesperar.
RaimundoPascoalsofriamuito.
Obebêchoravadurantetodaanoite,berravafuriosamente,eaúni­
cacoisaquepodíamosfazereradar-lheumpoucodesanguedepombo,
nasrarasvezesemqueodeixavamasós.
Obebêgostavadesangue,issoécerto.Acalmava-se,dormiapro­
fundamentelogoemseguida.Mastambémmamavaoleitedamãe.
Outracoisaestranha:eleestavacrescendo.
"'~




t
fi,
41
G.
••

t-
o.


a.
a.
Q.
Q.
Q.
Q..

li
li
111li,
'I'
ill
i:í
11/
Ji
!~
/I
r
11
li
1
r
f
!
,
f
j
~

k
!
í
i
t
~
r
l
Duranteodia,umoficialdoTribunaldeInquisiçãodoSantoOfício
.aoSpaisdobebêumaintimaçãoparacomparecerem
àpresençado
levou .
'sidor-mor,nasemanasegUinte.
rnqUl. . .
Anoite,eueRalmundo,entretldossobreotelhado,olhandooque
se(1:!~,a\"anoquartodosbebês,fomosagarrado;pelospescoços,pela
.••.1 lescomunald"ólsmãosdôMorcegão,earrastadosporsobreoste-
ler~.v'. ~,
"h'j,l(lo;dafreg.uesladal\1adalena.IJ•tI-~ ....

---------------------- ••••ilII••• ÍÍIII•••_"'_.~"'••,""","_
rI'''",VII''''.•.•V ~""'''!,,'IU
olugarfediaàcarnepodre,mofoexixiderato.Barataseimensas
ratazanascirculavamàvontadeportodososcantos.
Aluzvinhadequatrograndeslamparinasdeazeitependuradasnas
paredes,queproduziamsombrasdançantes.
Eraumacavernaartificial,comumconjuntodepiscinasvazias
:,Cifundo,ondehaviamcolocadoalgunscaixôes.~ichosretangulares,
;:bertos,comobclich:s.c)briamum~leL1sparedes.Aumcanto,desta­
(.,dos.sl'bre~ilTl;1pedraairaêc!UL1.doiscaixôes
hL\Ll\hUS.Um,muito
"~'cF;trH'.()outro.irnenso.
.Osproprinúiu'daquelesdo;sclixl>(sestaV:lmbem
:1nossafrente:
1<"5:1Luhaeseuse\Cur:lIlça,oMorcegãd.
t\usaLübadevian-.edirménoseleuml1iétrnemeio,gordinha,sem
nenhumacurva,comoum:!rolha.Eracabeluda.US;l\<1umalong:l
Iranç:1,eohigudeact:'ltu:du.Vestia-sedepreto,sempre.Suaaparência
(;,,;caeradeumatipic:lmulherportuguesade
3(1anosdaquelaépoca,
entlhecidaprtm:,turamentepelasquantidadesindustriaisdeaçúcar
brasileiroqueconsumia.Seusúnicosdenteseramosdoiscaninossa­
;ientesna:lfC;l(1asuperior.CarrC:i,!..lvanorostoostraçosdaascendência
:nOUD.
Seusegurançcl,oMorcegão.eraumnegrodedoismetrosdealtura,
cobertodemúsculos.
EleforatLl!1Sic)rmaduemvamriroassimqueasprimeiraslevasde
c~;cr;l'.'OSchegar;lJ11aLisboa.nocomeçodoséculo:XV.SuatC)fçaeraes­
}':int(ISCI.Podiaerguerpec1r;,squepesavamtoneladas.Darsaltostãoaltos
c'iarg(ISqueeraJ11quasevôos,puLmdosobreruasinteiras.
i\]t'l11denós,t'l11volta,maisdevintevampirosemorcegos,edois
,:-:'«nclesepeludosJubisomens.
1\':\0gostodelobisomens.PeSSO;lSnormaisduranteamaiorparte
dotempo,emcleterrninadasnoitesdeluacheiavirammonstrossangui­
nolentosdescontrolados,atacandoaprimeiravítimaqueencontram.
Comogeralmentesãooscaçulasdeumafamíliadeseteirmãos,sãomi­
mados,cheiosdemaniasecaprichos,sempreseachandoinjustiçadose
perseguidos.
-A"monstruosidade"delesnãoépermanente,comoanossa­
explicouminhapsicanalista.-
Émaisparecidacomoquechamamos
de"crise",ou"surto".
WJ

r\lll;,>urlld UU Vdllll,I1IU ~l<'

"G'
~;;'~S
-:-=-~,
;:~=~:::::
:I~i::.
;;"'>-;;:.":;;:;--,':'-:?:)':;
t.pesarjesues
d:fere::t.:-s:,r:ge"s,
.7':.7::':~.:-"_.;:.-:,::
--"':- :,ê::-:::-;
s~rrie;~;=:-:':'2S:.:'~::,='5
s:wg')-=J-:'::=:'-:,:::'::.
:-=r::,~~e2=ç~ :~-=
c:;
'::;02
se3 r,~O::;-:.:.'''-~::'
s;:·rt:,,:,,_;~,2;--'-
5',,:';;ê,~~:"
=:=7:::-'-;"'-'~
U'?:'-Jra:s:~':' .:aT;':d;:..
Ç'3'.:.;~=-:: >::';':':-.
ce:::-:-'~ê'-:;_,~--'::'-"-i
;:.-.:.r"-::-':'~
~sart':::'::er~~-; ;:",-::tE:·:.:e
RosaLobaestavapossessa:
_Umbarbeiroestáhádiasaperambularpelafregue­
.;'1daMadalena,aespalharanotíciadequeumbebêbebeu
'J.'
umabaciacheiadesangue.Issopodeseroindíciodeum
bebé-\-ampiro.Ecomoosvampirosnãoserazemsozinhos,
aítemcoisa.Coisamuitoerrada.Pelofioseachaonovelo.
~1andeiinvestigaredescobriacasadobebê.Equevocês
doistêmp3ssadorodasasnoitesemcimadotelh;,dodela'
Eu
jávinhamepreparandoparaaquilo:
_Justamente.Tambémouvimosfalarnahistória
queobarbeiroandacontando,daípassamosalgumasnoi­
tessobreotaltelhado,parasaberdoquesetratav;:.
Elameencarou,desconfiada.
-Nãogostode
VOCtS- disse.-Fic3111atentar
\ivervidasdeanjoemcorpodevampiro.Tenhocerteza
dequeestãometidosnisso.
-Absolut3mente-retruquei.-Souumestudioso
(].)mundodastrevasequisimestig3rseobebêforaata­
cadoporalgumacriaturadasquechuchamrecém-nasci­
dos,comoasbruxas;ouatémesmoaslendárias
Ílllin,;i.',da
Grécia~ouas
lanf!.-,uyare.c,malaias~ouquemsabeuma /i/;r/"
ludia,jáquehátantosjudeusemLisboa...
Semprefizotipovampiro-culto.Continuei:
-Depoisdenoitesenoitesdevigília.possoadiantar
quenãodetectamosnadademaisnobebê.
ÉumlX'bê
absolutamentenormal,humano.Nãofoiatacadonem
sofreunenhummalefício.Oqueeleestá
étísico.Porisso
expeliusangue.Fizeram-lheumasangria,eeleacabou
porcaircomacaradentrodabacia.Sóisso.Umaciden­
te.Elenãopretendiabeber,dejeitonenhum.Amente
dominican3dobarbeiro,loucoparalev3rdenúncias
à
I~quisição,quetodossabemosestarnasmãosdosdomi­
nlcanos,acrescentouaofatoumaversãofantasiosa.
AchoqueteriaconvencidoRosaLobanãofossea
presençadeRaimundoPascoalameulado,olhando-me
Comaraparvalhado,semdisfarçarqueouviaoqueeu
diziapelaprimeiravez.
-Tudopodeser-eladisse-,masparamimvo-

'li
!
:1,IL'Cru ;'1l1t.1.i
rCL...~·!r:J" 1.:.!LJ>~t!-r'J
:lt)lfc.~_l:If2'linl(t~~cUJ:L_~"
\"'I~'~:
~':~tC~-lc·:,.:;,::':'\..~t'. Cu::1lU22:lr:~;l~~c:
1'11.'T1!!.:ii.,L;
·-1":"t.•..rdn:~.l..,..
"~'l,!~~14,1cl':rc,:isf,tT1t:"dir-hrinquei_]""
I'~~:l:jl
t·::-nl
,-
~Irn~':n!1l.1lT~::~rr~i,.J_
1
:-~-lr:'nli.. '>•::~i
"'~::''-'1(:'j-,l....~nl,..;,~:n,t()rJll;}UIrl{L~:-,r()'1nla~
-i)n,_k 'J
S~il(lêL..'t.Cljlt~:i_11, I.5c1l1dizL'flpLd,,-Li !,)lrit"Ur~Lln(l.
cêsandamaquerercolherlegumesnomar.Criaramumbebê-vampiro,
oqueéumainfraçãoterrívelecondenável.equeoslevará
àfogueira,
combebêetudo.
Osoutrosvampiros,eoslobisomens.grunhiramdesatisfação.
Euprecisavaseresperto.Percebialgc!aliquepodiausar.
-T.)r,··~c\11rl")'-')r (]1'r'"':'""'\'-:;r''-"-('n1-""':-';;:""j•..•• r,--l....-1,-,,1---1--;, -r':'....,.'... ..-..,-·l._",'_',
r,-~~,.t"'-'..., .••..•~.•.•...•,)•..•\..-}~~,,-•.. I...-L1J.d,.j~1~,~_,llC'•..).••.•L l..~LC,11,,-~\1'.' l<::-~:
\"(lCtmesmaanalisar.Seosespt:ci,:distascatólic,'sdoTribun,il Li"
()fíciusão caJ")aze;;des~tbcr~e ~lJ,gu~~rrj:0YJ1T}1_~ir(lI_>un:icl.C('!11(Jf-1L\.i,>".
obebêfLtSCrn~(nJqu~'(jr.l~,~:ç<.:cur...l,,;Cl.'nJJir..ti;-J1~l~:i\,)~.. ~\,.~rt'dil"(,qu:'
R~Js:tL(ILX:t. (l,lrn[tJ\.Lt~'i:-.U...'.:-xpt'riérh.-i<.l::-~..ibc-d()ri~t. Llrnb~Tnp,-,':""!
-E CL1fC'queseiíjizer Se~ttratJOl:r:~ud~tIll1i)t"bt-\>~llllplr,
(Jt1Ycrn~l~ .i"l1}(".<':"
-f~n ~~"l{)ur.r~-ifC'1l11'SJ]~l~:nli~l:1n()1te".
\'(1(('n:ic,\'(lJ::c'~:--.
t.~](_:~\..
- ,
rllJ)StL'1f
":'iLlen~l(1t:':- ~I\'~J. lJ::::'1]j'lJ!".;JF"L".:l.tCl,l ~-\:-t"1)C-;,:pJ u,~.
-~()U('ll'i~-:;LC:11 e~t~:;.c' lrL-ilC:'~CfJlht,~n:1'J"r:qU;:l~e-eela t·nCc.Ti::.'.l
1"iJ ;-~"c';':'·1'(:·i" \o1,,:c:::
R~li~Tl'\.lnd(·1e~:ibjaunI~lrrj() l.tll1t',:Jjl'lfltJdc)qll~t:-rllique c()nrt~,."~'!S<.c-
tl..h.!t'~~u~d:doSe\i~~t:~i)z.;nh(':.\Ll"';_qU..1nd" rH!S,.1,~·sF:·diI!1()5.CfJCf:':-
':!!'·~lL· :'~l~:-"~'.lt.1",;..1(1.. lpr('>lTj'-'::~:<l\"~t'Tl(•. -:1''--~!
\...~~--l-';''-.:'- ;rlu~t':,.,';:<.;1).
()~'~~~unt().
.--
i'!
1:1
!;;
111
I
,I
I:
11
II
i:l'
I"
I'!:
j:
I'!:
,,~I~'J
I::
!'11I:'"

~
comoumabaforadadecharuto,e,emseguida,umaminúsculavelha,só
peleeossos,ergueu-semuitolentamente,atéficarsentada.
Suasmãosapoiavam-senasbordasdemadeiradocaixão.Osdedos
eramfinosenodosos,comogravetosressecados.Apeleforravaorosto
comopapelcelofanesobreumacaveira,tãofinaquesepodiamveras
raízesdosdentes.Umamantapreta.mofadaepuída.combabadosde
rendaamareladospelotempo,cobriaoesqueletodavelha.Eraumavi.,:!"
pavorosa,mesmoparaosolhosdeumvampiro.masoquemaismecho­
coufoiqueaqueleespectrousa\aumacabeleirapostiça.umabela
penlCt
morena.decabeloslongosecacheados.Umcadávervaidoso.
Avelhaficouimóvel.sentadadentrodocaixão.olhosvidrados.
"1\8"
respirava.Apenasdesprendia,devezemquando,pequenasbaforaebs
depoeiracinza.
-Estaéi\lariaRomana-RosaLobaexplicou-,avampiramais
velhadePortugal.l\lorcegãoafoibuscar,numcemitériodooutrolado
doTejo,porqueMariaRomanatemopoderderevelarseosanguede
umhumanofoicontaminadopelodeumvampiro.Elaarranharáapele
dobebêcomsuaunha.Se,emsetenoites,oarranhãotiverdeixadouma
marcapermanente,hásanguedevampirocorrendonasveiasdessepe­
quenocorpo.
Eunãoesperavapelaapariçãodeumacoisacomoaquela...Maria
Romana.Masumachefedecongregaçãoprecisaterseustruques,mm­
trarporqueéalíder.Tudobem.Eucontinuavatranqüilo.Avelha
podiaarranharobebêtodoquenãoiaacontecernada.
RosaLobadescobriuobebêelevou-onocolo,nu,parajuntodavelha.
Eunãoacreditavaqueelativesseforçasparalevantarobraço,masMaria
Romanacomeçouaergueramãodireita,fechada,lentamente,comouma
marioneteguiadaporumfioinvisível.Tambémmuitodevagar,foiesten­
dendoodedoindicador,eaívimossuaimensaunha,pretadesujeira.
RosaLobaaproximouobebêdaquelededodescarnado.Numsú­
bitomovimentoparaafrenteeparabaixo,comosetivesselevadouma
descargaelétrica,MariaRomanaarranhouacoxaesquerdadobebê.
OsangueapenasaBorou
àsuperfície.Umafinalinhavermelha.
MariaRomanafoiamparadaporMorcegão,queadeitounovamen­
tenocaixãoecomeçouafecharatampa.
-FiqueiadmiradocomospoderesdeMariaRomana-eudisse,
paraaparentarsegurança.-Comoestudioso,gostariadevoltarpara
sabermaissobreela.Agoraprecisamoslevarobebêparacasa.Têm
todosaminhapalavradequedaquiasetenoitesnós
otraremosnovamenteparaconferiroresultadodo
arranhão.
_"Traremos",não!-RosaLobamecorrigiu
denovo.-SeuamigoRaimundoPascoalcáfica
todaasel11ana,con10garantia.
Tomeiumsusto.~ãohaviapensadonisso.1\10s-
uei-meindignado:
_Desconfiamdemim'Isso
éumdespropó-
sit').
\1111,1arbitrariedade1Fazermeuamigoprisio­
neiro.tendoapenasumalevesuspeita'
_~30percaseutempoafalar,queaspala­
vrasdesacreditamasobras.Tenhocácertezade
quesãoculpados,quejáseihátemposqueRai­
mundoPascoalnãoseconformaemservampiro
equeatéhoje,duzentosanosdepois,aindasonha
comsuaamadaAlmerinda.Todasasmulheres
dosprostíbulosdeLisboasabemqueelesofrepor
nãoterumafamília.
Elaestavabeminformada.
Tenteisermaisagressivo,pegandoRai­
mundopelobraço:
-Voulevá-Iocomigodequalquerjeito.
-Sedigopedra,pedrahádeser,mes-
moquesejapau!-elagritou.
:\lorcegãodeudoispassosparaafren­
te,naminhadireção,osuficienteparaque
eusoltasseRaimundoemeconformasse
comseudestino.
Elatornouaembrulharobebênaman­
taeodevolveuamim:
-Daquiaumasemana,seoarranhão
tiversetransformadonumacicatriz.vocês
trêsvãoparaafogueira.Vampirosquedes­
respeitamasregrasnãotêmumasegunda
chance.Cachorroquecomegalinhanão
servemaisparatomarcontadegalinhei~
ro.Sómatando.

RaimundoPascoalestavaestranhamentealheioatudo.Aceneipara
eie,fizumsinalpositivo.Elepareceunemmeenxergar.
Era
30deoutubrode1755.Un1Jsexta-feira.Eusó\"()1ta,ianapró­
ximaquinta.0:ãohavianadaqueeupudessefazer.
Colocariaobebeemsuacama.aoladodoirmão.eficariavigia:ido,
todasasnoites.paraquenenhumvampiro.oulobison,e:n.ouque;'ü
querqueaparecessed~'lstH'V:lSamandodeRe,saLubadcsc1,brisseLJUc
ha\"iad()i~bebês.
gtn1tO~.c;"':(1tan1entcjgu~lIS,curnudU~lS;(lt~lSde'3,2T1J.
:\"dUtivcup0rtunidadededizer;1R;,imund"PascoaJqueaquele:era
obeb2hum,lnu.()01!tfO.
(J:1Orm,,1.
fJep~l'''ariaU!1"'!~lSI.:'!Tl~t!!:: d()~·~Ji~·:l)(~s.S;iíti\.L.~ L'u111l(JUlt~1pella d{J
meuamIgo.
:\'uncamaisoveria.

I!
,I
1I
'.1
ri
••••

Acendialamparina.Dezenasderatoscorriamdeumladoparaooutro,
guinchando,muitoassustados.Cachorrosuivavamaolonge.~leucavalo
relinchava,aflito,escoiceandoasparedesdetábuasdacocheÍra.
Falta\'apoucoparaasdezhorasdamanhã.:-\ãopodiaabrirapOrta.
Temiserumataquedacongregação.
::'\uvoestrC:1TJe<:imento,seguidodeumestrondoforte,chegouame
desequilibrar.emquadrocaJUdaparc:de.Odntarocomáguatombc)u
equebrou.
Seria:\lorcc:g:io,temandopôrabaixomeusalicercesdepedra-l\Ls
comoerapossÍ\'eLseestávamosemplenodia,eeleeraumv:lmpiro.
comoeu-
Osratosafinalencontraramumabrechaentreaspedraseoch:iode
barroesaíram.Tudoficouquieto.Deiteinovamentenocaixão.:'-Jãohavia
oquefazer.EspereiopIOr.
Nadamaisaconteceu.Definitivamentequieto.Volteiadormir.
Assimqueosolsepôs,puleiciocaixão,seleimeucavaloepartipara
Lisboa.
Naestrada,cruzeicomumamultidãovindoemsentidocontrário.
Homens,mulheres,cri:lnças,\'elhos.Todospareciamteracabadode
\'er
°demônio.Alguns,companosenroladosnacabeça,empapadosde
sangue.Esfarrapados.l\luitosprecisavamserarrastados,compernase
braçosquebrados.Váriosvestiamapenasceroulas.Todoscobertosde
poeiraecinza,comosolhosvidradosdeterror.
FugiamdeLisboa.
Chicoteeiocavalo.Doaltodeumacolina,olheiacidade.Lisboa
ardianumaimensafogueira!
Deixeimeucavaloamarradoàsportasdacidade.ElesereCU~'1va
;1
prosseguir.Seguiapé.
Océuer;lpurafumaçanegra.
Aslabaredassubiamalto,iluminandoasruasdestroçadas,asracha­
durasqueseabriamemabismosnaterra.
l'ãohaviamaisnadadepé.Paredes,torres,campanários,palácios,
mosteiros,telhados...tudodesabara,rachara,emilharesdepessoasgri­
tavamsobosescombros.Choros,gritos,pedidosdesocorro.Pessoas
semi-esmagadasporblocosdepedragritavampormisericórdia.Pilhas
decorposardiamsobomadeiramedostelhadosdesabados.
Loucosvagavamentreaschamas.
Euviatudoatravésdeumanuvemdepóecinzas.Prosseguia,

II
!
I
I
I
·-
contornandopirâmidesdecadáveres,umedecendoasbotasempoças
desangue,ouvindogemidosdosmoribundoseladainhasdehomens
t
mulheresajoelhados,abraçadosapedaçosdecruzesarrancadasàsigre_
jasemruínas.
Euatravessavaentreterrosretorcidos.escalavamontanhasdepedra~
que.atéodiaanterior,haviamsidoigreiasepalácios.Abriacaminhoentre
paredesdefumaça,ouvindocorposaindavivescrepiLmdonotc'go.
: àstavademimpessoasénlouquecidasque':tentavammeagarr~tr
aspernas,osbraços.Pulava.comsaltosdevampiro.gr.1ndesCf:.!krac;
abertasnasruas,decujofundoescurorelinchavamcavalosegritavarl1
pessoastragadaspelaterra.Euiaemfrente.Euprecis.wasaber
U'-jLk
haviaacontecido.
Ofogoardiaportodososlados.Tantaluzquepareciadia.
LTmanlulaemchamascorria,roçando-seentreosescombros,
t"\l'd­
lhandoofogoondeaindanãohavia.
Euprecisavasaber..\1aseracomoseeujásoubesse.
OTerreirodoPaçodesaparecera.DesapareceraolargodoPc:louri­
nho,acasadoHaveroPeso,omercadodopeixe.Nãosobraraum.1
S'l
barraca.Aterraseabrira,tragandotudo,asconstruções.Ofogotrans­
formavaoquerestouemcinzas.
Haviabarcos,decascosparaoar,portodososlados.
AtravesseiafreguesiadaMadalena.
DesapareceramosHospitaisdosPaJmeiroseda:Misericórdia.
le­
vandoseusperegrinos,seuscegos,suasramalhtiras,ohomemqUtinll­
ravanasescadasefaziatatuagens.
Desapareceramarua:\'ovadosFerrosetodasassuaslivrarias;arua
dosOurivesdePrata;aermidadasPedrasKegras.
Desapareceramasruelaseescadariasescuras,ondeasprostitutas
prestavamseusserviços;osaçouguesdaruadasCarniçasVelhas;opa­
láciodoCorreio-mar;osbecosdoJoãodasArmas,doOliveiradaPa­
daria,doCura.
NãorestavamaisnadadobecodoEspera-Rapaz.Nada.
Umagrandefenda,paralelaaoTejo,tragaratodasascasas.Tudo
erapoeiraefumaça.
Pareidiantedoqueanteseraosobradodafamíliadobebê.Cho­
reisangue.Aindanãohaviacompreendidooqueacontecera.Confllso,
acreditavaquetudoaquiloeraurnavingançadeRosaLoba,pordesco-
1~.brirqueeuaenganara,mostrandoobebêerrado. '
Enchi-medecoragemefuidiretoaoinimigo.Caminheiparaosli­
mitesdafreguesia,diretoparaocemitérioparoquialdaermidadeNos­
saSenhoradaConsolação.EmmeuensandecidojUÍzo,queriaafrontar
RosaLoba,amaldiçoá-Iaporaqueladestruição.
Custou-mereconhecerolocal.APortadoFerrohaviaafundado
numacratera.Aermidadesabaraeeraagoraummontedeentulho
fumegante.Corriparaocel11it~rio.Umafendagigantescaocortarade
foraafora.Semptnsar,puleidentrodela.
AcavtrnaartificiaLobalneárioromano,aindaestavalá.Cobertode
pedr~lssolras,terra,poeira.
.Aindaviaoscaixi'íts,ul1pilhadosnasparedes,algunsespalhados
nelochão.Osde:\lorce2:ãoeRosaLobacontinuavamsobreosgrandes
blocosdepedraretangular. '
Todosmortos.
.-\.fendaabertanaterraexpuseraacongregaçãoàluzdosol'Todos
haviamviradopunhadosdecinzas,emseuscaixõessemtampa.
Pedaçosdevigasemchamascaíamnafenda.Eutinhadesairdali.
Procurei...atéencontrá-Io.Estavaemumcaixãodepinhovagabundo.
TudooquerestavadeRaimundoPascoaleraoaneldeesmeralda
brasileiraquelhederadepresente,equeaindabrilhavaentreomonti­
nhodecinzas.

opróprioPaláciodaSantaInquisiçãoruiu.EaCasadaAlfândega,
aVedoriaGeraldeGuerraemuitasoutrasconstruçõesqueabrigavam
instituiçõespúblicasimportantes.
Tudoissoaconteceuemumdomingodecéulimpo.semnuvens.na
manhãagradáveldeumdiadegrandedevoçãoreligiosa.
Aofinaldoterremoto,aságuasdo
Tejarecuarammaisdemilme­
trOS,deixandodezenasdebarcosenavios":!1calhados.Umamultidão,
:;sq;sudacomaterraqueaindatremiadetemposemtempos.
tcomos
Inc~ndIOs,fugiuparaoleitosecodoriü.procurandoat~lstar-seomais
possíveldaquelepesadelo.
OTeia.então,tornouaavançar.Umaondadedezmetrosdealtura.
AondainvestiucontraapartebaixadeLisboa.CobriuoTerreiro
doPaço.VarreuafreguesiadaI'v1adalena.Arremessoubarcosdoisqui­
!ómetrosterraadentro.
Centenasmorreramafogadosnaressaca,arrastadospelaságuasque
avançavamemturbilhõesdeondassucessivas,estraçalhandobarcos,en­
golindoedestruindoorecém-construídoCaisdaPedra,todoemmár­
morebruto.
Depoisdoterremoto,edomaremoto.ofogoficoulivreparacom­
pletaradestruição.
Aschamasdasmilharesdevelasacesasnodiasantoseespalharam
rapidamente.
Osincêndiosduraramumasemana.Aslabaredasavançaramsem
parar,consumindotudo,objetosecorpos.Nãohaviacomocombatero
fogo.OstremoresdeterrahaviamsecadoaspoucasfontesdeLisboa.
Durantesetenoitesvagueipelocaos,comaabsurdaesperançade
aindaencontrarobebêvivo.
Namadrugadadodomingodoterremoto,euescutaraafamíliadis­
~utirsobreemqualigrejairiaassistiràmissanodiasanto.Avelhabeata
InsistiaquefossemaotemplodoConventodoCarmo,umdosmaisim­
POrtantesdacidade,paraquetodosvissemcomoeramdevotos.Amãee
opaipreferiampresenciarocultoemalgumtemplodominicano,como
umaformadeagradaràInquisição.
.Ficaramdedecidirnamanhãseguinte,eeuacabarasemsaberaque
Igrejatinhamido.
Naprimeiranoite,corriparaasruínasdoConventodoCarmo.
.Desesperado,revireiosescombroscomumaenergiadescomunal,
atirandolongepedrasimensasevigasdemadeira.
~

'fi
li
Nada.Quatrocentoscorposesmagados, muitosaindagemendo.O
bebênãoestavalá.
Fuiaoutrotemploimportante,abasílica
deSantaMaria.Suanave
centralhaviadesabadosobrecentenasdefiéis.
:\ada.
Ti\'edepararasbuscas.Osolnasceriaem breve.
,...
"..

i
I
I

--------~.~..~~.~ ..
F .
.11111
.~
}
I~I
I
colares,anéis,moedas-decorposmortosouaindaemagonia.Cruzei
comumfranciscanoquedavaextrema-unçãoaosmoribundosedepois
lhesroubavamoedasetabaco.
TurbassaqueavamaigrejaPatriarcal,levandoosvaliosospara.­
mentoseornamentos.:MultidõesreviravamasruínasdoPalácioBra­
gança,levandoasjóiasdaCoroa,asbaixelas,astapeçariasdesedacom
fiosdeouro;hordasroubavamasespeciariasdasÍndias,nosarmazéns
expostosdaCasadaAlfândega,eosbensdasmansõesdesabadasdos
. .
COIllerClantesncos.
L:maricasenhora,cobertaelejóiascomdiamantesbrasileiros,as
pernasesmagadasporumapedradecantaria,gritavaporajudaem
meioaosescombros.'emhomem,bemvestido,arrancou-lhemeticulo­
samenteasjóiasejogou-lhemaispedrasemcima.
Euprecisavaencontrarobebê.
Jáprocuraraemtodasasgrandesruínas.Porduasnoitesestivereme­
xendonosmilequinhentoscorposesmagadospelasparedesdepedrado
ConventodaTrindade.
Haviamaiselecemlugaresondeatlmíliapodiaterassistidoàmissado
diadeTodososSantosnaqueledomingo,eeuresokeracomeçarpelosque
tinhamreunidograndesmultidões,atéchegaràspequenasennidas.Issome
pareciamaissensatodoqueprocuraraoacasonasruínasdasparóquias.
Asemanapassou.Lisboaeraumacampamentocaótico.Oscorpos
aindanãoenterradosouqueimadoscomeçavamafederterrivelmente.
1\1inhaesperançaeraalimentadapelosgemidosqueaindaseescuta­
vam,saindodesobosescombrosedofundodasfendas,decorposàsvezes
jácobertosdecal.
Umamulherfoiencontradaseisdiasdepoisdoterremoto,sobum
arcodepedra,comopéesmagado,abraçadaaumaimagemdeSanto
Antônio,esobrevivendograçasaumaparreiracheiadecachosdeuvaque
desabaracomacasa.
Masesperançatemlimite.
-Paranós-apsicanalistalembrou-,queduramosquaseuma
eternidade,aesperançaseraúltimaquemorrenãotraznenhumalento.
Nofimdaprimeirasemana,oincêndiojáseextinguiaporsipróprio,os
sobreviventescomiamratos,mulas,cavalos,cãeseatécascasdeárvores,eca­
minhava-sesobumachuvafinadecinzas.Afumaçanãodeixavaverocéu.
",,,•.••...,•••••..••..•v••.••• 11PIIV
Bandosdefreirasperdidaspassavamentreasruínas.Fanáticosenlou­
quecidosinsistiamempenitênciasabsurdas,chicoteandoasprópriascos­
tas.Beatosandavampelosbecoscarregandoimagensdesantoserezando
diaenoite.Padresjogavam
05corposnasfendaseoscobriamdecale
ten3.dandoumaextre1113-unçãocolt-tiva.
P<1reideprocurarobebê.
:\leusobrado110BairroAltoforaCOlTlpletamenteconsumidopelo
t;,:'u.Dêcidirecolha-mê àquinta,cuen:,oforaabllbJa DeIOterremoto.b ~!
p:lssdriaumte111po Liatéoshumll11(Jsseorganizarem.
.'\tamíliadobecodoESDêf:I-RaD:lzn:ioexistiamais.R:iÍmundoPas-
o •
COltldesapllfecera.ROS:lLoba,:\Iorceg:ioetodaacongrega(íohaviam
\]fadocinza.OPabcio
daInquisiç:1odesllbara.
Er:<,portanto,asétin1llnoitedebuscas,eeuvoltavaparacasa,confor­
mado,quandoasonemepregouumapeça.
EstavalxmdiantedopequenotemplodominicanodoCorpoSanto
quandoviumgrandeajur.tamentodepadresdaquelaseita,realizando
umavigíliaemtornodoconventodestruÍdo.
Agrandeepesadaabóh,c1aqueC'lbriaacapeladesabara,trazendo
juntoasgrossasparedesdepedra,eumsinodeferropesandotoneladas,
soterrandoumastrêsdezen:lsdefiéisqueassistiamàmissadasdez.Eles
sabiamqueeraimpossívelhaversobreviventesesepreocupavammaisem
resguardaroconventodesaquesdoqueemvasculharosescombros.
Comminhaaudiçãodevampiro,ouviclaramenteestranhosruídos
sobasruínas.
Amanheceriaembreve.Eutinhapressa.Incentiveiospadresarevol-
veremaspedras,dizendoqueouvirabarulhodegenteviva
L1embaixo.
Começaramatrabalhar,aprincípiocommuitamávontade,maslogo
ouvimosduascriançasaberrarsobasruínas.
Láestavamosgêmeos
I
l\'1aisdevintepadresdominicanosfi:Jramtestemunhas.
Quatrogrossasvigasdemadeirabrasileirahaviamescoradoogrande
sino,criandoumabolhadearsobele.Issonãohaviaimpedidoquemuitos
corposjazessemali,esmagados,cortados.
Apenasosdoisbebêsestavamvivos,embaixodosino.
Umsobreviverachupandooleitedopeitodeumamulher,quenão
eraAntôniaBatista,amãedele.
Ooutro,parahorrortotaldospadres,chupavaosangueque
S;\Í;Ido
pescoçocortadodeumhomemmuitogordo.
~7;•
••
",

p ".:._._._-
-------.._ ..-..__...._---- ••
••
fi.,#,•.••,.".'
\
\.
\
\
Lisboacomeçouaseerguerdascinzas.
Nãoeraumatarefasimples.Umterçodacidadefora
destruído.Assedesadministrativastinhamvindoabaixo.
Orei,D.JoséI,quenuncatinhadadoprovasde
tergrandeiniciativa,emuitomenosdeheroísmo,num
ataquedepânicosepôsarezar,enãosaiudeBelém.
Dostrêsministros,umficouinválidocomosusto,
oOUtrofugiu.Oterceiro,SebastiãoJosédeCarva­
lhoe~lelo,maistardeconhecidocomomarquêsde
Pombal,foiquemtomouasrédeasdasituação.
Foinessaocasiãoqueeleproferiuacélebrefrase:
-Éprecisocuidardosvivoseenterrarosmortos.
Comtantagenteferidaedesamp:lr;rd:I,,'1:1111'"
"I
dáveresapodrecendonasr\1;IS, c<Jlllid""1'(11',I,IH"I(I',.
roídosporratos,issoP:Ij'('l'j:1 <.,)\j",
Assinavamemcruzepodiampassartoda
umavidasemterdetratarcomaadministração
.,ública.Registrosdenascimentoeramanotados
~elosp3dres,nasparóquias,emgrandescader-
noSdecapassebosas.Oterremoto,o111,uemoto
e,pc,r
t1m,oincêndiohaviamdestruídoamaior
narredessesregistroseapagadodefiniti\'amen-
:.l11ilhJresdevínculosL1J11iJiares.
"
I;nurou-seopassadodosgemeos.Seuspais
n:iua~xueceran1.Estavam111ortOS.
Sobre\'Íveremfoiconsideradoummilagre:.O
fatodeSC'femgêmeosreforçouamística.Viraram
símbolos.Ummaueumbom.UmenviadoporDeus;
liUlltru,peloDemônio.
_Temosdecuidarparanãoembaralhá-Ios-lem­
brouumpadre-,poissãotãoiguaisquecorremoso
riscodetrocá-Ias,esantificarofilhodastrevas.
Eunãopodiafazernada.Vicente,afinal,poroutros
motivos,acabaranasmãosdaIgreja.Elenãoeraum
vampirocompleto,nãodormiadedia.Eunãopoderia
criá-Io.Recolhi-me
àminhaquintaefiqueiassistindoao
seudestino.
AscoisasfuncionavamassimnaLisboadoséculr)
XVIII,efoiporissoqueosbebêsencontradosvivosnos
escombrosdoconventodominicanoforamlogobatizadr.s
comnomesdesantos.
Um,oquesealimentaradeleite,obom,foichalhad(J
deAntônio,emhomenagemaSantoAntônio,opadrOei_
rodePortugal.
Ooutro,oquechuparasangue,omau,re:ebêu"
numedeYiceme,emrepres:diaaSão\'iceme,o
TOdeLisbo,1.
EnquantoSantoAntôIliomostrara-semuitoeTicaz
aoprotegerorestodePortugaldetãoterríveltrélgédia,
São\'icentehaviademonstradonãoteromenorprestí­
gioperanteDeus.
Defato,oterremotosócausoudestruiçãonoCé'ntru
deLisboa.Atéosarredores,comoaregiãoaonorte,onde
eutinhaaminhaquinta,aapenasvintequilômetros,t~l­
rampoupados.Isso,aliás,foioquesalvouanobreza.
NaqueledomingodeTodososSantos,aquasetotalida­
dedosfidalgosencontrava-seemsuasquintas.Comosem­
pre,passavamofimdesemanafora,acordavamtardeeas­
sistiamàsmissasdedomingoemsuascapelasparticulares.
TodaafamíliarealestavaemBelém,aapenasonze
quilômetros.SeestivessemnoPaçodaRibeira,queveio
totalmenteabaixo,teriammorrido.
Aimensamaioriadasvítimaseradopovo.
Comentou-sequeDeusera:ibsolutista.
Agoraosgêmeoschamavam-se,portanto,Antônio
eYicente.
Ninguémsepreocupouemsaberquemeleseraman­
tes,deondevinham,quemseriamseuspais.
Naquelaépoca,aspessoasdoPO\'otinhamapenas
onomedebatismoe,comosobrenome,aprofissãoque
exerciam:RicardadoPeixe,TeodorodasCouves,Pe­
draSapateiro;ouonomedosantopadroeirodafamília:
TeresaBatista,~lariaGenoveva;oudeumaárvoreque
brotavaemseuquintal:TeodoroPereira,ClaraFigueira;
ouumacaracterísticafísica:ÁlvaroManco,JoséVesgo.
~'~3rjC:S88se::,.;:c
-;;:c::~·,o:;.::~c- :.=.
o;:'cs:<Ut;S;-f:8foiuma
teonê.pC.i:·t!ca
q:..;e
Eca:E'SCJ'l~:e:~;a
Gefe~.:"uopodertotal,
abso!:.j'10,d,:)mcnc~ca,
::ic;:'2:'S.'.'i;;lC'~:'::U,-:3
:i~;r8::J:::se:,S2::;~)~OX\/:a
êrt,:c:d2525inST~:<~as
'.J:J-='~,:,;:/:--"
7~:~;_,e
E::"'~;-r:':,r·Js'::e
......"21,::·-~Scr,Q
0,:,J:E;5
2::-;':>j;:::::::'2-:::_'5.:::'~J
:3t;::;'~r:5::3:::::"2,o.
~O~'~~,:~a:êC::;:'Bi.~E
C'2~:':'3,'?:::,_,,_;,~~' 3~')-
"
i
,
I
'li!!
, "li
'I!'illl
11!J1;11,.
,i :i:!!i
Ili!:II/!
III:li!I
'jI'.I'!
:'li /111
;;;1 I
:i .1:'II!'
,II'1111
li!ili
I" li1.1
II
11
1111~
I,

rápido,logoestariamenfrentando
acon:es1:3,~ãoao
::cderd',
r\c,c~ore
::or:,~;;si31~"':CJ:C.'J~os
~:lêgS~~-=~c'sC3 :::''J:~':-'3
:Y,::;S,-=,~aS~,,52,: ';~2~~:::'1
::::,'~e..~:,.: =-:5~t'f- :ç::?
:::.c:':~.:;?:ns~,::C"~::;1':::::1
jdnose::L,'C "::',S
o:taOur3~oc·s2no~
~i93De~9é,,=,':C' E:,"asii
,reSU,;t"":gi;~a'~1::>5(;-,'"'::,105
;n~:}\',;JLc,IS,n'iéiSTC<2m
!J~,,n~:,S;r:S::~~:-':;':":-:::-;':,
5e~4.C1ue::;r;i2ian",o
:5:2-:101"'(:2:5a~..rlco1·!iarlo,
cer";C'/Oc:-e..encCJa
pena':2;:,;~a:para o:;
:evc:~c::c'r;ê,r;c:s1969).
,~;)e:-l2.CE ;y:cy:e\-'c!tc-u
aSE~e;':l!:-:aCC\~-:a
Co!'""'s:;-:::j:-;ãc.-ce;988,
sen,jc:YE'/5tê: sc..'me:lte
enlCêSOdeguerra.
Senãoagissem
denovoapeste.
Percorrendoacidadeemsuacarruagem,diaenoite,
Pombaldavaordenseassinavadecretos.
Cuidardosvivos...Construiralbergues.barracas.
tendas..-rigarosbandosdefreirasperdidas.Confiscar
todaacomidapossíYêlinclusiveasarmazenadasnospo­
f(-)esdosn,n-iosatracadosnacosta.Impedirqueospreços
aumentassem.Cortarimpostos.Recolheralimentosnas
pro\"ínciasvizinhas.
Enterrarosmortos...Organizartropasdecoveiros.
Cobriroscorposcombastantecal.Atirarcadáveresao
mar,;}marrados3.pedras.Ospadresdavamaextrema­
unç50poratac3.do,confiandoqueDeus,nocéu,saberia
quemer3.quem.
Criaram-sepatrulhas.Umjuiz,umconfessoreum
carrascopercorriamosescombros,condenandoeexecutan­
donoatoquemfossepegoemflagrantedepilhagem.
NaPraçadoRossio,viduzentoscorposbalanç3.ndo
naforcaeoutrastantascabeçasespetadasemest3.casnas
esqull1as.
Enfim,muitacoisaaserfeita,emcurtoprazo.Eu,
porém,nãomeenvolviacoma"noite-a-noite"doshu­
manos,muitomenoscomodia-a-dia,emelimiteiaal­
gunsp3.sseiosporLisbo3.,paravercomoiamascois~ls
eparaacompanhar,comojádisse,ofuturode\'icente,
que,poralgummotivoqueaindameeraestranhá,n30
mesaíadacabeça.

------------,-------------------------------_._------,.._~-_._-_._---_.-----------_.-._-._-_..----------
- , ------------...:...._..-. - - .- ~-----
.~-

~
Osi:umin,stasíoramos
primeirosacontestare
CDnde~,aro,A.bsolutismo
:::~:'Jrc='c,;dace
:Il",.;....COca1'J~:C2
8e7E-nO!arnosdireitos
0cr:"';~2:seun!\'e"sê.!s:
:)r':);:r:-=:Cla:::'?~Yi\:3C;3
::·e':;:;d-=e
"25!s:e:--Cld
as>'3"-;:2';.:f~:~:'::'-:jgai.
....-r-sr:-:::;ch~~c,;~:
SC-='"'2S:'":c7::-:-1:;,::
SE<::_~':'
,.;Qi:Jérr:dc·mj;::car:a fOI
ur-:-.êrn-:a("jadêf'Jn.j~Qa
:Jcr
5~c0',::,n-;:ngc's:jE'
G;Jsr'iãoern~21-S.CJs
0::;"-'1'-C2:!OS :!ni-':~ql.'.::'
C:)~é~i·,.,O~eseaeolcara
:xe;;:s.::ãeo
:iaE\'ar:gelho
norr:'...i:"'.jQeaos
ideaiSdE;J:J8rezadC'5
or;;;,e:rc'33pc.'IS10iOS.
Fcran~:
:i-r:..;;toalua:-ites
nê:nqu:Slção.
OsJesuítaseramoadrE~
iiga::osaCorrlpanh!ade
}ESJS,urnair~Tiandade
exci~svapa;'a
Oclero
catci:coTundaaaPDf
inac;odeLoy'oia,em
15.34.~c:·ammL.,lito
ir::Donanlespara
aConH2-Reforma
(niovirnentoque
co",batEuaReforma
Protestõnte),pois
e:-:fa~i:::?'."3ma
obediênciaaopapa
OsJesu;tõstinham
grandeiní'uênm
politcaporserem
educadorese,muitas
vezes,con"essorese
conselheirosdosreis.
Pascoal,apesardevenerá-Ias,tinhadefugirdoscrUci_
fixosedaságuasbentascomofugiadosol.Eu,quesou
ateueiluminista,possodormirabraçadoaumacruz
t
lavarorostocomáguabenta.
-Apsicanálisevampíricajáestudouessefenôme_
no.Ovampiroqueachaqueossímboloscatólicos
sAI)
do'·bem".equeelepróprioédo"mal",éafetadoepodt
atéserdestruídoporeles.
Éumproblemapsicossomáti_
co,.,sintomasorg,'inicosproduzidosporinfluenciasp~í­
quicas...
Jácureimuitosvampirosdisso.Bastamelhorar
suaauto-estima,ouseja,nósprecisamosnosachardu
"ben1".
-Temrazão.EutentavaconversarcomRaimundu,
"Ocatolicismonosconsideraobradodemônio",euim­
plicavacomele."Comopodeumvampiro,como
VOCt.
terfénumDeusquequerdestruí-Ia?"
"LouvooDeuscatólicoportudooquefaz",Rai­
mundoPascoalexplicava."Daí,louvo-Oporprecisar
nosdestruir."
Euriadaquelalógicaabsurda.
DepoisdoterremotoeuteriaperguntadoaRaimun­
doPascoal:"Sevocêestivessecommetadedocorpoes­
magadopelasruínasdeumaigreja,ondefoivenerá-Lo,
vendoaoladotodaasuafamíliamorta,mesmoassimes­
tariasatisfeitocomasobrasdeDeus?".
Quandoeuoencostavanaparedecomaminharazão.
seuargumentofinaleraumaespéciedereza,emqu~ficl­
varepetindo:"Tudoemminhavoltapodeserdestruído,
contantoquemerestesóDeuseeu",
Aoqueeuretrucava:"Sevocêestiversozinhocom
Deus,
éporqueestámorto".
TenhomuitassaudadesdemeuamigoRaimundo
Pascoal.
Opovo,porsuavez,tinhamuitomedo.
Eraummedoantigo,frutodemuitastragédias:
aspestes,osterremotos,osumiçodeD.Sebastião,a
derrotaparaosmouros,aocupaçãoespanhola,adeca-
dênciadeumimpérioquejáforasenhor
doOcidente.
AIgrejaaproveitouparaesfolarascons-
ciências.Omisticismofoilêvadoaoparoxismo.
Tudofoiusadoparaaumentaressemedo,
InclusiveYicente.
Osdominicanosentregaramosgêmeosaos
it'5UiLlS,queerammaispoderososemmatéria
de'pf\lpagandaearticulaçãopolítica,Deco­
n1l1macordo,usaramosdoiscomosímbolos
domaledobem.Dadestruiçãoedarecons­
tru(io,Dospecadosedaabsolviçi1o.Docas­
tigoedasalvaçi1o.CaimeAbel.
Levaramosbebésparaomosteirode
SãoBento,umdospoucosapermanecer
depé,eláforamexpostos,comomotivode
peregrinação.
Redigirampanfletosexplicando,emlin­
gua;embarroca,ascircunstânciasmilagros:ls
emquehaviamsidoencontrados,depoisde
umasen1anaenterradosvivos,ecomoun1so­
breviveracomleite,eooutro,comsangue.
Antôniofoicolocadonumberçofolheado
aouro,juntoaoaltar,aoladodeumaestátua
deSantoAntônio,enorme.Umaama-de-leite
comaresvirginaisfoiencarregadadeama­
ment<1-lonafrentedetodos.
Yicentefoialoiadonumacelaimundana
masmorra,emumleitodepalhasujaeúmida.
Umcarrascoiriaalimentá-Iocomsanguede
ratosegalinhas.
Assimqueopovosoube,formaram-selon-
gasfilas.
OspadresconduziamprimeiroaAntô­
nio,osímbolodeumavidapuraereligiosa,
Depois,aVicente,arepresentaçãovivado
pecado,domal,damonstruosidade,dopa­
ganismo.

,'"E-:?ren·::e2
Aperegrinaçãoatravessavaasnoites.Asvezeseu
estavaentreosfiéis.
:\'ãoagüentavaverobebê-vampironaquelasituaçào
etàriaalgumacoisaparasalvá-lo.nemquecustassemi­
nhaprópria111CJrte-vje13.
IVd11 JaI
'2,T'J>::-3~
~~.C1::':-::."~"',-,
~::,:1'2 ;;_:''::'~.
~- ':...;,:',31':"
<>:'3tl-:,?'5:
c~:;_:'-'ê _::r=,::~
:éré;~_'3.rl'::ê2:r:2"'2
*3S=".~5=;>a~~':35e
", ç'_::;~i_' i':::3 ~ =--
:~:i:iZad::iCê:CEanc<c,
::L:ê
f.:::j'::2t~:.dê~iClê
c'~p~,i5'--,'"1;::nl~-:-3:~'=3,- a
~y;
::":,~>:3:E':':::-- ,''::2
,~~-,'-.':;;-':::l,-.,.','":;;_
~.:I:,::';~C':-['/i"::5':'2,2-,:
I;
:1
!
1I
II
I"
I
II
I
l
11:iI
I
I'
I."
"
i
II
11:
,li
'I"
J,
IJ
'li
11
!lI
~I
~t
I~I
I,
~!"
ri'lil"
I!
o
N
I~.;~
11;
~
'I
~'I
".'

NospaísesdaPe~insu!a
Ibérica,aciénc:a
I!uministademoro,jmais
..-:-
~
~~II' .-
.I
•I' OséculoXVIIIficou
'!1 conhecidocomoSéculo
. dasLuzespormarcar
'..:1 , d"mm",'mm'Odo
! IluminlsmonaEuropa,
oquetevereflexos
políticosecuit'urais
-incluindoa eXllnção
do"obscurantismo"
causadape'Gdomínio
oaIg~e.:2e
':jS
!llOr:êiqUJasôOSD:ut:5tas.
::eguncic'essar0êJ':~;ra
c€pensar,araZdOseria
oprlnc:palmeiOde
Ilbertac~odoh·yriem,
aque!sedariapor
r:leiodaEducacão
edapartic:pação
Doinicaےfium
gOl.,'Erno
repreSE!itat.II'Oe
constitUCional.Na
-,"merlca,seusecos
chegaramcoma
indecenoéncia dos
estadosUnidos,
em
1775.No
Brasil,influenciaa
InconfidênciaMineira,
em1739.
OsdéspotasesclareCidos
foramosmonarcas
Queadotaramosideais
i1uministas,ouseja,
"esclarecidos"pelas
novasidéias,masaliados
ãburgueSiaemum
esforçodeadequaro
regimemonárqulCO aos
"novostempos".
Poisbem:euprefiroserumasuperstiçãoaummonstro
dastrevas.
Naquelaépoca,arazãoavançavaportodaaEuropa.
Atéosregimesabsolutistasjáprecisavamde"déSpotas
esclarecidos"parapodercontinuarnopoder.
E,nessecontextodeidéiasiluministas,oterremoto
deLisboafoiummarco.
Portugaleraconsideradoopaíseuropeumaisatra­
sado,justamenteporaindaestarnasmãosdoclero.
Apósoterremoto,Deuscomeçouaserquestionadoem
Portugal.
ComoacreditarnaperfeiçãodasobrasdeDeusde­
poisdaquilo?ComocontinuarafirmandoqueSuasobras
trazememsiocaráterdeseuCriador?Comoensinar
paraumacriança,cujospaisforamesmagadosdentrode
umaigreja,quetudooqueDeusfaztemdeserglorifica­
do?ComoconvencerosfiéisdequeacrençaemDeusos
protegiacontraomal,seoterremotosoterrarajustamen­
teosqueassistiam
àmissa?
Oterremotodestruiuamaioriadosconventos,
igrejas,mosteiroseermidas,numahoraenumdiaem
quetodosestavamlotados.Comodizerqueaquilofoi
castigodeDeus,secastigadosforamosqueacredita­
vamn'Ele?
AbondadedeDeustornava-se,nomínimo,suspeita.
Asdúvidassurgiram.Mesmoentreosdevotos.Umaes­
péciedemal-estarmetafísico.Umacertamágoa...Deus
nãodeviaterfeitoaquilo...
Aexplicaçãoiluministafaziamaissentidoecomeçou
aganharadeptos:terremotoseramsucessosdanatureza,
enãodacóleradivina;nãosetratavadecastigodivino,e
simdecausasnaturais;anoçãodebemedemalerahu­
mana;anaturezanãoconheciaamoral,sujeitava-seaos
elementosqueàsvezesentravamemfúriaunscontraos
outroseproduziamcatástrofesqueatingiamossereshu­
manos,mascujoalvonãoeraahumanidade;anóscabia
apenasnosdefender,nosprotegerdanatureza,usandoa
razão.
IlumiDlstasmaisradicaisdiziamqueoterremoto
foracastigo,sim,mascontraosjesuítas,tantoquederru­
baratodososseussetetemplos.Osjesuítassedefendiam,
afirmandoqueDeusdestruíramuitosoutrostemplose
centenasdecasas.Osiluministasconcluíram,então,que
DeuSnãotinhaumamiraboa.
OIluminismoprecisoudaciênciaparajustificaro
terremoto,masaciênciadaépocaeratãomalucaquanto
usdelíriosmísticos...
"ATerraéumovogigante,cu;ofogocentralconsti-
tuiagema,eagrand~massalíquida,aclara,eportantoé
muitonaturalque,devezemquando,acasca,ondevive-
mos,serache."
"ATerraéumservivo,queàsvezesgagueja."
"Terremotossãoataquesepiléticosdoplaneta."
"Lisboafoiconstruídasobreumcaldofumegantede
betume,enxofreenitro,capazdeprovocartempestades
intestinas,comopeidos,produtorasdetrovões(oqueex­
plicaoestrondoqueseouviuantesdosismo),eque,não
tendoumorifíciopeloqualescapar,provocamorompi­
mentodascamadasrochosas."
Paramim,ahumanidadequesedanassecomsuas
loucurasesuastentativasdeexplicaroinexplicável.
Encontrava-meaflitocomonuncameaconteceraan­
tes,PrecisavaresgatarVicentedaquelacondiçãohumi­
lhante.Mortificava-meverobebê-vampironaquelacela
imunda,expostocomoaencarnaçãodomal,servindo
àmistificaçãofanáticadosreligiosos.Sentiaumafúria
incontrolável.
Nãopodiatomá-lonosbraçoseescapar,enfrentando
amultidão,ascentenasdepadreseodestacamentode
soldadosqueoprestígiodosjesuítasconseguiradeslocar
paradarsegurançaaomosteirodeSãoBento.
Masmesmoesseatosuicidaeuteriatentado,seVi-
centenãotivesseresolvidoascoisaspormim.
Oqueelefezfoisimples:nãofeznada.
Desdequeoretiraramdosescombrosdaigreja,não
bebeunemmaisumagotadesangue.
ésetOf:!ar.:or.r'E:c!oae
Uliiiza::ia.Essaden-,ua
ccorre'Jporcc:!taca
fortedorninac3oda
Igrejaedosa'/3ílçOSda
('Jntra-F:.e7orrna.
,A,ss:r:""
a:dé!3de OLi:::'"Jeus
qUIsassim"CC:'l,tinuou
semisturanDOC0fi'.25
superS1.;çÕesP:jPU:d!'~S
eaclénclaprat'C.~dano
períooomedieval.

I
I
,.
Chorava,berrava,tentavam lhedarmamadeirasdesangue, aprOxi_
marratoscombarrigasabertas,enfiarpescoçoscortadosdegalinha (11)
'o,boco.ma,decom;n",,"eho;ando.Então.,1""".lh, Ie;,c.o''''"',i.
comoodeqü"lquercriança,eelemamava,eseacalmava,edr'rnli"
comoumanJo.
Frustrouospbno5daIgr-:jJ.
Cmasemanadeprocissc,esdepois,anotíciaj,\hJ\lJSêesp:dh.\dl':I,
Llêb;:dumal,C,rim,:.almaruimportr:lS dokrrelTluto.tf.tLlil~.lLr'J.
.-\s
ribsaCll>:iLim.ChjesmüsdecidiramiIl\estJr elllC'~1tfl'Stil''''k
;~liLtgrc,cumuodamadresLlJ.kriurJdo [(JJ) nrod,)Anunci.'"J,!,li;l,.•
religiosa,juminicanaobsef\'ante qUé',desdé' arrdgé,/iJ,l'umitd\,lI'Iic­mônioemt{>rmadealtinetcs.
A.ntóni,';
L1l11bémfóidescartado.Sema comp,H;l~;lOcomom,d. lih:'1])
:~;l()tinha .'2'ac"l,enhurn,L.\:in,:.:utm :úiari!.lp"r;1\t:rUll) btb~s,-r""'JéI­
memaduporUm,lraparigaquemet3dedeLisboasJhianiioSer\ir,~tl'l.
CJsjesUít,15c('meçaram JpensaremcomoSeli\Tar deles.
..,.

.-
05'rnêL;Spassos"eram
adesobediênciaaos
votosdecastidade:
rrIJ!::asvezes,as
TrE:!rêS
7i:S\'amg:-av:das,senao
cbr:gadasaabortaroua
2ba~!dor:arosfilhcs.
Quandoabriapesadaportademadeiraparasair,as
dobradiçasrangeramcomoseeutivesseapertadoopes­
coçodedoisgatossonolentos.Opadreseergueunacama
ecomeçouaresmungar:
-Quemé?Quemé?
Aúnicaluzvinhadoladodefora,dalamparinana
parededocorredor.Refugiei-menasombradaporta.O
padrelevantou,esticouacabeça,olhouocorredor.Seu
pescoçoficoumuitopertodemeusdentes.l'vleucorpo
tremeu.Eudeviaterbebidomais,antesdesairdecasa
àquelanoite.Doiscoposdesanguedecabranãoeram
suficientesparaaplacaravontadeirresistÍveldeenfiar
meusdentesnaquelepescoçogordinhoesuculento.Eu
precisavasóesticarosbraços,puxarocorpodopadre,
cravaroscaninosnaquelajugularpulsante...Podiasen­
tirocoraçãodohomembatendojuntocomomeu.
Éumaespéciededelírio.Umvampironesseestado
deixaoslimitesdoprópriocorpo.Sentimososangueda
vítimabombeando,correndonasveias,comosejáfosse
onossosangue.
Dei-lheumapancadananucaejoguei-odevolta
à
cama.Eraomaissensatoafazer.Nãoqueriaroubarum
bebêquechuparasanguedeumcadávernamesmanoite
emqueencontrassemumavítimadevampiro.
Apagueialamparinadocorredoreapressei-menadi­
reçãodapartefrontaldomosteiro,ondeeusabiaexistir
umagrandeescadariadepedraquelevavaaotérreo.
Madrugada.Nãohavianinguémdesperto,
Desciasescadasmuitorápido,quaseinvisívelparao
olhardeumhumano.Saípróximoaoimensoportalde
entrada.Doissentinelasdormiam,sentadosnochão,as
costasapoiadasnaparede.Soquei-osnatesta.Nãofaria
maldeixarumrastrodeviolênciacomum,quecombi­
nassecomoraptodobebê.
Repetiotrajetoqueopovofazia,nafilaparavisitar
Vicente.Percorricorredoresestreitoseescadassombrias,
afundando-menossubterrâneosdomosteiro.Nocami­
nho,abaticomsocostrêsguardas,surgindodastrevasan-
tesquemevissem.Doúltimoretireiaschavesdograndeportãodeferro
queisolavaascelasdoscondenados,ondehaviamenfiado·Vicente.
Apagueiasduaslamparinasqueiluminavamolongocorredor.
Comojádisse,noescuropossoverocalorquesaidosobjetos,suaener­
giapura.Oúltimoguardaeraumabolaredondaevermelha,queveio
aomeuencontro.naescuridão,verquemapagaraasluzes,Derrubei-o
etireideseucinturãoachavecom.queabriaceladeVicente.
Eledormiacomoumanjo.
Passeiamãoemseurostinho,hipnotizando-oparaquenãochorasse.
Embrulhei-obemnamantafedidacomquehaviamforradosuacamae
saímosdomosteiro,voltandopelomesmocaminho,atéojanelãodotercei­
ropiso,deondepuleiparaaescuridãodasruínasdeLisboa.
Corricomoumloboassustado.
Tinhaaimpressãodeestarsendoseguido.
AtravesseicomoumabalaoquerestaradoPaçodaRibeira.Havia
fogueirasacesasportodososlados,esobreviventestentandodormir
embarracasimprovisadas.
Algumacoisaestavaemmeuencalço.
Corrimuito.Praticamentevoei.Imensasparedesdepedra,semtelha­
dos,projetavamsombrasfantasmagóricasumassobreasoutras.Paredes
quepareciamdestruÍdasadentadasporumgiganteenlouquecido.
Umpavorterrívelmebrotavadasentranhas.AperteiVicenteainda
maiscontraomeucorpoemudeiderota,saídosbecos,enveredeipelas
ruínas,puleisobrecasasdesabadas,sobreabóbadasdestruÍdasdeigre­
jas,porbaixodeimensospórticoscaídos,sabendoqueoquequerque
fosseiamealcançar,nãoiapoderfugirdaquilo.
E,então,láestavaela,sobreosescombrosdeumaparóquia,comos
braçoscruzadossobreopeito.
RosaLoba.
-.

_Deusprotegeatéosmosquitosnoar-elafalou,embalando
Vicente.-Estávamosforadagrutanahoradoterremoto,apassar
odiaemumacovarasa,numcemitériodeparóquiaparaosladosdo
BairroAlto,aresolverumaquestãoentredoislobisomens,dosquais
umfoidevidamentequeimado.Poislátambématerraseabriuenos
surpreendeuosol.iv1as,comovê,tivemostempodecobrir-nos,apesar
desairmosbemchamuscados.Láoterremotofoimaisdelicado.Deus
nãofezdistinçãoentrebonsemaus,masentrericosepobres.
-1\lashaviacinzasnoscaixõesdevocês-lembrei.
_Viu,donaRosa?-Morcegãoqueixou-se.-Eunãodisse?Os
malditosvampirospiolhentosdormiamnosnossosesquifesquando
viajávamos.
_Lamentomuitooqueaconteceu-falei-,masnãotenhocul-
pa.Oterremotofoi...
_Ésempreumconsolonasdesgraçasacharquemaslamente-
elaironizou.-Agoratemosobebêverdadeiro.Vocêsdoismorrerão.
Elasabia.
_Eumeenganei-menti.-Pegueiomeninoerrado.Esseaíéo
certo.Maselenãoévampiro.Estevecomosjesuítas,nomosteirodeSão
Bento,enãoaconteceunada.Podemseinformar.Poupemobebê.Sehá
umculpadodissotudo,foimeuamigoRaimundoPascoal,maseleestá
morto,foitorradopelosol,vocêssabemdisso!
RosaLobasacudiuosombros.
_Quemrecebemorterepentina,depressaterminaapena.Cada
umqueomateasorte,ouDeus,queofez.Masvocêhádearderlenta­
mente,porterenganadoumachefedecongregação.Nãovimaomun­
doparafazerpapeldeparva.Elevarájuntoestefilhinhodastrevas,pois
Lisboatodasabequesobreviveusobosescombrosdoconventodomini­
canodoCorpoSantochupandoosanguedeumhomem.
_Estavaembaixodosino.Comoqueriaquesealimentasse?Qual-
querbebêfariaisso.
Faleiaquilosemnenhumaconvicção.Nãohaviamaisargumentos.
Lanceiopédireitoparatrás,contraavirilhadeMorcegão.Haviaforça
suficienteparaderrubarumaparede,maseleapenaslargouomeupesco­
çoelevouasduasmãos
àparteatingida,maisdesustoquededor.
_Tentemeferrar,paravercomodoucoice!-gritei.
Ebati-lhenacabeçacomumpedaçodecaibro.Umapancadaque
teriaderrubadoumtouro.Morcegãocaiudejoelhos.Váriasbolhasestou-

;--
raram,transformandooladodireitodeseurostonumapastagosmenta,
Acertei-lhenovamenteacabeça,decimaparabaixo.Aquilorachariaum
blocodepedra.Ocaibrosequebrou,eelenemsemexeu.)Jummo\'i_
mentomuitorápido,agarrouminhapernadireitaepuxou.Caí.Então,
calmamente,elequebrouminhacanela,comosefosseumgraveto.
Urreidedor.Vampirossentemdor.Temossangue,veias,sentimen_
tos,mauhálito.
Emseguida,atécomcertadelicadeza,.\lorcegáoquebrou-mea
ca­
nelaesquerda.
Nãoparou.Partiuosmeusdoisfémures.Comcuidado,paraque
C's
ossosnáorasgassemapele.Estavamepreparando}Xlraafógueira.
-Achoqueassimnãodarámaiscoices,donaRosa-eleexplicou,
depoisdoserviçopronto.
Detodososlados,dasruínasdeLisboa,surgiamvampirosimun­
dos,cobertosdeterra,raÍzes,commatosaindodoscabelosdesgrenhados,
roupasemfrangalhos,larvasbrotandodosbolsos.
Ahordafétida,comrostosemãossujosdesangue,silenciosa,nos
cercou.
Lembro-meapenasdefragmentosdeimagens.
OsorrisodeRosaLoba.
Ratazanasfugindodosescombros.
Morcegãoerguendorápidoumafogueira,usandoomadeiramedo
telhadodesabado.
Rostosnojentosmeolhandoentreasbolhasgosmentas.
Eueraumsacovazio.lorcegãomearrastoupeloscabelospara
juntodofogo,que
jáardia,alto.
RosaLobagritava,erguendoVicentenosbraços,exibindo-o.
Iaatirá-loaofogo.
Ivforcegãoapertavameupescoço.Emeerguia.
Aslabaredaschamuscaramminhascalças,queimaram-measbotas.
Ocheirodacarneassando.Ouviumgrito.Fecheiosolhos.Continuei
suspensonoar.Tudopareciaterparadodepoisdaquelegrito.
umhomemestavaempé,noaltodeummuro.Umasilhueta,alta,
imponente,comumacapapretaesvoaçanteeumalongacabeleirabranca.
-Parecomisso,bruxacovarde!-asilhuetafalou.
Fiqueideolhosmuitoabertos.Aquelavozerafamiliar.
Clemente.
cal.
_Estanãoésuacongregação,Clemen-
te'-RosaLobagritou.
-NãohámaiscongregaçãoemLisboa
_meupaifalou.-Aqueexistiaaquio
solincinerou.Earesponsabilidadefoisua.
Dormiremcaixõesabertos
éfrutodesober­
b.:leindisciplina.
_Cadaumqueolheporsi,enãofará
pouco-elatentoumanteraautoridade.­
Estáinterrompendoumritualdepunição.Se
querdiscutirprocedimentos,conversemos
depois,dechefeparachefe.Agora,afaste-se.
ivlorcegão,jogueessetrasteaofogo.
Eueraissomesmo,umtraste.Morcegão
tornouapegar-mepelopescoçoelançou-me
àfogueira.
Nummovimentoaindamaisrápido,
meupaibateu-menascostasemeatiroupor
sobreofogo,jogando-melonge.
Morcegãoavançouparaelecomasmãos
emgarra.Oqueaconteceuemseguid<lpa­
receuabsurdo.Quandoogigantenegro
agarroumeupaipelosombros,estavasem
cabeça.
Foidifícildecompreender.Ocorpode
Morcegãodesabou.Suacabeçaestavano
chão.Meupaiseguravaumafinaecurtaespa­
da,quetiraradetrásdacapa.Fisgouacabeça
deMorcegãocomapontadaespadaeaatirou
aofogo.Acabeçaardeu,chiandocomoum
bolinhodebacalhaunoazeitequente.

-Inimigos,quantomenos,melhor-meupaisorriu.
RosaLobaeraoutrapessoa.AindacomVicentenocolo,parecia
umapobremãedesamparada.
Aplatéiadevampirosesfarrapadoscontinuavamuda,masde
olhosmuitoabertos.NãotàziampartedaantigacongregaçãodeRosa
Loba.Eramapenasmortos-vivosarrebanhadosemcemitériosdepro­
víncias,atraídospelosmilharesdecadáveresfrescosdeLisboa.J\ão
querIamsemeter.
ClementetomouVicentedasmãosdeRosaLobaeoaconchegou
nosbraços.
-Estebebêestácrescendo-eledisse.-Ebebeleite.Nãofoi
transformadoemvampiro.Vocêsabedisso.RosaLoba.Querapenas
exerceratirania.Seeufossevocê,sairiaomaisrápidopossíveldêPor­
tugal.Sepermaneceraqui,convoc.J.reiumareuniãocomoutroschefes
decongregaçãoe,podeterCêrtêza,vamosjogá-Ianumafogueira.
Elaestavasemalma.l\lurcha.Pêrmaneceucaladaequieta.
Clementeenxotouosoutros,comopombos.
Depoisempurroucomospésocorpodel\lorcegãoparadentroda
fogueira.
-Acabeçadeveestarsemprejuntoaocorpo.
SegurandoVicentenumdosbraços,comooutromeergueu.
-Tireforçasdafraqueza,filho.Vamosparacasa.

li
íI: i
lIl#lvanJaf

Naquelaépoca,derrotasignificavadestino.Nãoerammuitootimistas.
Euinvejavaopragmatismodemeupai.Queriasercomoele.
-Nãoquernão-apsicanalistabalançouacabeça.-
'Vocêestá
aqui,nesteconsultório,justamenteparasedistinguirdeseupai,simple~­
menteporquenãoécomoele,nãopode,nemprecisaser.
l\"aquelanoite,Clementenoslevou,eueobebê,paraaminhaquinta.
Euestavacomaspernasarruinadas.Paramerecuperar,deveriafi­
carembaixodaterraporpelomenosseismeses,tempoemqueosmeus
ossosvoltariamasesoldarcomperfeição.
Antes,porém,precisavaresolverodestinodeVicente.
-1\'ãoévampiro.Entregue-oaalguém,paraqueocriem-Cle­
menteaconselhou.
-Maselechorouebebeusangue...
-É normal.Raimundodeusangueaele.Sangue égostoso.i\;ós
sabemosdisso.Elequismais.Berrouechoroutantoporissoqueosangue
brotoudeseusolhos.Quandoviuesentiuocheirodesanguenabaci~l,
mergulhoudecabeça.SeRaimundotivessedadoaçúcar,Vicenteteria
atacadoaçucareiros.E,embaixodosino,chupouopescoçodogordopor­
queestavamaIsperto.
Ocinismopodeserbastantesensato.
-E,depoisdeterpassadodiaschupandosanguesobosescombros,
Vicentenemquermaissangue.Issoprovaqueoqueeletevefoiumaânsia
normaldebebê.Quandosesacioucompletamente,acabouenjoando.E
voltouaquererleite.
-Nãosei...Nãoexisteummétodorápidoedefinitivodesaberse
Vicenteéumvampiroounão?Osenhorjáouviufalarnumavelhacha­
madaMariaRomana?
-MariaRomana...-eleriu.-AquilofoiumembustedeRosa
Loba.
Éumtruqueantigo,usadopeloschefesdecongregação,quando
queremcondenaralguém.Oarranhãodaunhadeumavampiravelh;l
comoaquelasempreformaumacicatrizmedonha,emqualquerpessoa,
vivaoumorta-viva,masdepoissome.
Senti-meumidiota.
-Precisofazeralgumacoisa,Clemente.SaberseVicente
é...ter
certeza...
-Apenasenterre-seporumtempo.Sevocêquermanterasanidade,
meufilho,émelhornãoteroutrorumonavidasenãoaquelequeoacaso
mostrar.
Elecuidoudetudo.
Fingindo-sedegrandesenhor,umconde,levouVicenteaSetúbal,
umaaldeiadooutroladodoTejo,parasercriadoporumafamíliade
agricultoresqueconheciabc:m,masque,éclaro,nemdesconfiavadesua
condiçãodevampiro.Deixoucomelesumabolsacommoedasdeouro,
prometendocontribuirperiodicamente,casoomeninofossebemtratado.
Exigiuquenuncarevelassemaomeninoquempagavaporsuaeducaç3.o;
porissoreceberiamvisitasmisteriosas,sempredemadrugada.
Ocasalnãofezperguntas.Eracomumfilhosbastardosdanobreza
seremdadosaÚmíliasestranhas,paraevitarescândalos.Filhas,quase
sempre,paravamnosconventos.
Clementeosinstruiua,nofuturo,contaraVicentequeseuspaisha­
viamdesaparecidonoterremoto,eeleforarecolhido,pelocasaldeagricul­
tores,porpiedade,nasescadariasquesobraramdaCasadelisericórdia.
Quanto
àRosaLoba,Clementeconvenceu-medequeomelhorera
deixá-Iair:
-);'.1verdade,n3.oébommatarumachefedecongregaçãosemle­
varocasoainstânciassuperiores.Reunirvárioschefesdecongregações...
Fiquetranqüilo.Tenhocertezadequeelanãocausarámaisproblemas.
Estádestruída.Nãotemescolha.TerádesairdePortugal.
Quantoamim,elemesmo,antesdevoltarparaacidadedoPorto,
abriuumacovaconfortávelnochãodeterradomeuporãoemeenterrou.
Enquantoeumerecuperavaembaixodaterra,emcimaLisboafazia
omeSlno.
Pombalcontinuavaadarordens,aassinardecretos,amandarqueaca­
bassemlogodebotarabaixoasruínas.Derrubavamparedesqueinsistiam
emficardepéecolocavamoentulhoemcarroçasdebois,queemfilasinin­
terruptasdespejavamtudonoTejo,ounascolinasaonortedacidade.
Aregiãomaisatingidapelaestratégiado
bota-abaixofoiabeirado
Tejo.Agoratotalmentenivelada,tornou-seumbairrocomercial,com
rUastraçadas
àréguaedistribuídasdeacordocomasprofissões.Uma
paraoscambistas,outraparaoslapidárioseourives,outraparaossapa­
teiros,douradores,peleteiros...
AreconstruçãodeLisboacriouoportunidadesdetrabalhoparami­
lharesdehomens.Umimensocanteirodeobras.Pagavam-sequinhentos

réispordiaapedreirosecarpinteiros.Contrata_
vam-seferreiros,pintores,carreiras,canalizado_
res,condutoresdecarroças...
Parafinanciartudoisso,impôsPombal,en­
tremuitasoutrasmedidas,oconfiscodaspro­
priedadescujosdonoshaviammorrido,que
erammuitas.Foiesseodestinodoquerestoude
meusobradonoBairroAlto.Nãopudeprovar
queestavavivo...
Lisboasetransformava.Suanovaarquite­
turamostravaapassagemdamentalidadereli­
giosa,comseusbecoseladeirassinuosas,paraa
iluminista,dequadrassimétricas,ruasniveladas,
Cé'ntrosdecomércioelazer.Omísticodavalugar
aoprático.
Avidavoltavaaonormal.
E,comela,asintrigaspolíticas.
Aaristocracia,enriquecidacomas3mil
toneladasdeourobrasileiroqueentraramna
primeirametadedoséculoXVIII,haviaaban­
i.rr&donadoaproduçãoeocomércio,deixandoas
~'""_ terrassemcultivo.
Odinheiroquechegavadas
:liJZI~.·". colônias,principalmentedoBr~sil,perdia-senas.
~~.' ImportaçõesdaInglaterra.NavIOScarregadosde
'1J!ili'\ ourobrasileiroi~mdiret~men_teparaoportode
.~..,Londres.ParapIOrarasItuaçao.,aterçapartedo
, 'I reino,incluindoterraeimóveis,eradoclero,que
~l~~ "nadaproduziaesódavadespesa.
r'I'-~j Masoourocomeçouaescassear.Ascolônias
/L:('~ sofriaminvasõesdeoutrospaíses.Navioseram
<~."':"'1.roubadosporpiratas.Paramanteroluxo,aCor-
teaumentavaimpostoseseendividavacoma
Inglaterra.
Oterremotoacaboudearrasaressaecono­
miadecadente.
AIgreja,comtantaspropriedadesperdidas,
entrouemcrisefinanceiraprofunda.Emcrise
tambémficouanobreza.
I
Umanovacamadasocial,osgrandescomerciantes,contandocom
ocapitalinglêsealiando-seaPombal,começouaconquistarpoder
político.
OreiD.JoséIdeucartabrancaaPombal,oqueenfureceuanobre­
zaeoclero.
"Afaste-sedapolítica",meupaisempremeaconselhou."Políticos
costumamserpsicopatasperigosos.Podemcontaminarosvampiros
comsuasvaidades.Sãopéssimasinfluênciasparanós."
Seismesesdepoissaídaminhacova.Tinhaaspernasperfeitamente
restauradas,mascompletamentebambas,etivedereaprenderaandar.
Nadademesesdefisioterapia,
éclaro,masdurantealgumassemanas
caminheicomobêbado.
Meuscabelospareciamraízesdecapimarrancadascomamão.
Tivedemeenterrarcompletamentenu,eocontatodapelecoma
terraduranteseismesesatornamurchaefina,quasetransparente.Eu
mesentiaumaminhocadeprimida.

,.'''..••V",U••.• v"(AIII tJlIU
omaisinfluentedessesprofetasdadesgraçaeraumjesuítachama­
doi\1alagrida,espéciedesantomilagreiro,freqüentadordasaltasrodas
daCorte.AcabaradevoltardoBrasil,ondehaviaperegrinadomuitos
anoSpelosertão,doPiauÍàBahia,pregandosermõesdramáticos,em
queseaçoitavaempúblico.Lembro-medeterlidoumpanfletoqueele
t:scre\'ê~Uchamado
juízoda!'erdadeiracalL,adoterremotoquepadeceua
Cor!t'deLi.,boa 110primeirode1l0z.:embrode 1755,emqueojesuítaexpli­
(Jvaqueoabalodaterranãosedeuporcausasnaturais,mas,sim,pelo
cxce,sodepecadosdanação,edeixavanoarumaintrigacomendereço
certo:Pombal,
"0perpétuoinimigoquemuitoimportavacomhater".
PombaloexpulsoudeLisboa.
OreiD.JoséIobedeciaaosseusdecretos.
llagridat()imandadojustamenteparaSetúbal,ondeviviaVicente.
Eunãoestavagostandodaquelascoincidências.Preocupava-me
comodestinodosgêmeos.Estavampróximosaosdoismaioresfocos
deintrigapolítica:oduquedeAveiroseopadreMalagrida.Eosdois
conspiradoresnãoficavamquietos.
SemprequepodiaeuiaaSetúbal,secretamente,semqueocasal
queocriava,nemopróprioVicente,soubesse.Queriaconferirseo
meninomanifestavaalgumtraçodevampirismo.E,nãoseibempor
que,iatambém
àquintadeAzeitão,vercomoandavaAntônio.
Amboscresciamfortesesaudáveis.
AntôniosemisturavaentreosserviçaisdoduquedeAveiros,estri­
beiros,porteiros,esmoleiros,mordomos,pajens,mestres-salas,armeiros,
capitãesdeguarda,criadosdequarto,camareiras,trinchantesdecar­
nes...Eracriadoporumacozinheiragorda,queoenchiadecomida.
Vicentetambémnãopodiareclamar.AsmoedasdeourodeCle­
mente,edepoisasminhas,queeupassavaaocasalnasmadrugadas,
misteriosamenteenvoltoemcapasescuras,elevarambastanteopa­
drãodevidadafamíliadeagricultores,quetratavamomeninoadota­
docomouminvestimentoaserprotegidocomaprópriavida.
JVlaseuviaaquintadeAzeitãotransformar-senumantrodecons­
piradores,comreuniõessecretascontraogoverno,irradiadorasdeintri­
gas,delaçõesetraições.
EMalagridacontinuavaapregarcontraPombal,transformando
SetúbalnumatrincheiradaCompanhiadeJesus,pontodeconvergência
defanáticos,comsuasprocissõesdiáriasdebeatosdescalços,cordasno
pescoÇoecoroasdeespinhosnacabeça.
Jáviaahoraemqueoexército
arrasariaacidade.
'U,re


Mas1756chegouaofim,semquepudessemconteroavançodo
IluminismosobreLisboa.Surgiramavenidaslargas.Oestiloneoclás_
sicofoisubstituindoobarroco.Jesuítasperdiampodersobreasins­
tituiçõesdeensino.Reformaspolíticaseadministrativasafastavama
IgrejadoEstado.
Anobrezatinhamaisprestígioqueforça.Eramapenasquaw)
duques,dezmarquesesetrintacondes.Oclero,sim,erapoderosü.
Influenciavadiretamenteopovo.Enãoqueriaasmudanças.Eram
sebastianistas,conservadores.Afast3raIgrejadoEstadofoiumgolpe
mortalparaeles.Trataramdeindisporapopulaçãocontraogoverno
esuasleis.
Oanode1757tambémterminou.Vivia-sesobreumbarrildepól­
vora.PenduradonotelhadodaquintadoduquedeAveiros,euescu­
tavaplanosconspiratórios.
Nanoitede3desetembrode1758,poucoantesdameia-noite,o
reivoltavadecarruagemparaseubarracãopalaciano.Vinhadeum
encontrocomaamante,aesposadofilhodomarquêsdeTávora,tam­
bémmarquês,ambosconspiradoresassíduosàquintadoAzeitão.
Acompanheioatentadodecimadeumaárvore.
Osdoisprimeirostirosvararamascortinasdacarruagem,mas
nãoacertaramD.JoséL
PedroTeixeira,seucocheiro,chicoteouoscavalos.Passoupelas
formassombriasdedoishomens,encapuzados,cobertosporlongas
capas.
Maisadiante,novostiros.
Obraçoeoombrodoreiforamatingidos.
D.JoséIcaiunochãodacarruagem,banhadoemsangue.Pe(ho
Teixeira,tambémferido,conseguiufugir. .
Nãovoltaramaobarracão.Aquilopareciamaisvingançadema­
ridotraídodoqueatentadopolítico.Ocertoeraabafarofato,evitar
oescândalo;porisso,PedroTeixeiraconduziuacarruagemparaa
regiãodaJunqueira,ondemoravaomédicopessoaldeD.Josér.Fi-.
zeram-lheumcurativodeemergência,eservidoresdiscretosderam
sumiçonacarruagemcrivadadebalas.
Oreiretomouaseusaposentosetrancou-se,alegandoindisposição.
Osolianascer.Odiabodeservampiroéficarsemsaberoquese
passaduranteodia.Somoscomoascensoristas,oumotoristasdetáxi,
sofrendocomhistóriasinterrompidas.
.~.-
Oqueaconteceunamanhãseguinte,segundoouvicontardepois,
foiumaestupidezsemtamanho.
OpróprioduquedeAveirosapareceunopalácioparasabernotícias
dasaúdedorei.Issosemqueoatentadotivessesidodivulgado.
Eabestadoduque,quandoinformadodequeoreiestava"indis-
posto",aindabrincou:
_Omaldequeelesofredne-oaalgumadonzela.
PortrêsmesesaindaPombaleoreiguardaramoatentadoem
segredo,preparandooterreno,investigando.Osautoresdoatentado
jásejulgavamasalvo.
Derepente,obarrilexplodiu.
AgentesdapolíciaavançaramsobreaquintadeAzeit:i.oecaptu­
raramoduque.Comoeracomumpatrõesjogaremnosempregadosa
culpasobreseusdelitos,osserviçaisfugiram.
Descobri,tardedemais,queacozinheirahaviadesaparecidocom
Antônio.
OsTávor3stambémforampresos.
Osconspiradorestentaramtransformarocasonumaquestãode
honra,desfechodeumcasodeadultério,crimepassional,masessa
versãocomprometiaoreienãofoiaceita.
Submeteramtodos
àtortura,comaparelhosconfiscadosdaInqui­
siç:1o.OduquedeAveiros,poupado,mesmoassimconfessoutudo.
Bastaramalgunsinterrogatóriosparaquedenunciasseumporum.
SobrouatéparaovelhojesuítaexiladoemSetúbal,Malagrida.Por
influenciarosTávorascomseusconselhoseparticipardasreuniõesna
quintadeAzeitão,foipreso,juntamentecomseuscriadosealguns
seguidoresmaisfanáticos.Usaram-noparaimplicaraCompanhiade
Jesusnoatentado.
Aleinãopreviacastigoespecíficopararegicidas.Diziaapenasque
deveriaserexemplar,eomaiscruelpossível.
De
12para13dejaneirode 1759,numabelanoitedeeclipselunar,
amultidãoseaglomerouemBelém,
àbeiradoTejo.
Caíaumachuvafina.
Trazidaemumapequenaliteira,apareceuamatriarca,amarquesa
LeonordeTávora.
Amarquesasubiuosdegrausdocadafalso.Ataram-lheasmãose
vendaram-lheosolhos.Cortaramsuacabeça.
Depoisdela,seucaçulafoicolocadosobrea"aspa",queerauma

"t. -tE
armaçãodeduasvigasgrossasdemadeiraformandoumx,ondeamar­
ravamosbraçoseaspernasdoscondenados.Umcarrascoquebrou-lhe
todososossoscomumpesadomartelodemadeira.Primeiroaspernas,
depoisosbraços,porfimafundaram-lheopeito,deixando-omorrer
lentamente.
Emseguida,damesmaforma,naaspa,mataramomarquêsjo­
vem,cujamulhe-r,amarquesinha,eraamantedorei.
FaziapartedasentençaqueovelhomarquêsdeTávoraassistisse
àmortedosparentes.Assimfoifeito,eesmigalharam-lheosossos.
Depoisumcondeemaistrêscúmplices.
QuantoaoduquedeAveiros,oprotetordeAntônio,untaram-node
breu,colocaram-lheumsacodeenxofrenopescoçoeoassaramvivo,
lentamente,numafogueira.Eraumhomembaixo,masvolumoso.Um
filetedegorduraescorriaentreascinzas.Oventoafastavaaschamas,e
elesóacaboudemorrernofinaldatarde.
Lembroquenoitesdepois,encontrandoporacasoumlobisomem
numaestradadebarropertodeminhaquinta,comentamoscomooser
humano~1110nstruoso.
-.
~
fi-
~
-.
-.
~
••
••

••
\.li
~
\J,
\iilI
W.
W.
~
~
~
~
-...
•••
••••

•••
•••
(..
(.­
(.-

i
I

Nomesmojaneirode1759,prenderaml'vfalagrida.Emsetembro,
D.JoséIassinouumdecretoexpulsandoaCompanhiadeJesusdoter­
ritórioportuguêseconfiscandotodososseusbens.
Mesmodestinotiveramosjesuítasexpulsosdascolônias.Principalmen­
teosdoBrasil,osquemaisincomodavamaadministraçãoportuguesa.
MalagridaficoumofandonaprisãodaJunqueira,ondefezjejuns
epenitências,eescreveucoislivros,ambosditadosdiretamenteporJe­
susCristo.DeusempessoaodesignaraembaixadordoCéunaTerrae
11era-Iheamissãodeprc,regeraCompanhiadeJesus,queseriaafun­
dadoradenovosinlpérios.Eleconversa\asobre
°assuntodiretamente
comSantoInácio,SãoFelipeeSãoFrancisco.
Nãoeraprecisoseriluministaparaconcluirqueeleestavacomple­
tamentemaluco.
FoiiulgadoecondenadopelotribunaldoSantoOfício,quenaépo­
(;1erapresididopor;\unodeMelo,por"coincidência"irmãodePom­
bal,equeimadonafogueiraemsetembrode176l.
Euseguiaminhavidadevampiroculto,estudandomuito,princi­
palmenteosnovosfilósofosiluministaseosgrandesavançosdafísica
propostospeloinglêsIsaacNevvton.IaàÓperaeaoteatro.
QuandoVicentecompletou13anos,decidilevá-IaparaLisboa.Ins­
taleiafamíliadeagricultoresnumsobradodoBairroAlto,pertodo
meuantigolocaldepousonacidade.
QueriaqueeleestudasseArtes.Omeninohaviaadquiridouma
habilidadeespantosa.Apartirdos7anos,passavahorasdesenhando
animaisepássaroscomumgravetonobarromole,ounosmuros,
compedaçosdecarvão.Tambémreproduziacatedraisdestruídas
peloterremoto.
Matriculei-o,porintermédiodospaisadotivos,noColégiodosNo­
bres.Fundadoem1761,paraosfilhosdanobrezateremumaformação
maismoderna,tinhaumensinoafastadodomodelojesuítico.Embora
sempoderprovarumaascendênciaaristocrática,umsacodemoedasde
ouroconvenceuoreitoraaceitarVicente.
Nessaépoca,Pombalgozavadeumpoderquaseilimitado,ehouve
umperíododepaz.AnãoserporumaguerradesastradacontraaEs­
panha,em1762,naregiãodeTrás-as-Montes,equeteriafortesligações
comodestinodosgêmeos.
Aos16anos,Vicenteeraumrapazmagroedesengonçado,comavas­
tacabeleirapretadopaieosolhosmouriscosdamãe,masextremamente
bonito-ondepassavaasmulheresoespiavamportrásdasgelosias.

ComDugood,produziuumagrandeplantadacidadedeRoma
paradoar
àRealBiblioteca,cujoacervocomeçavaaserrecomposto,de­
poisdagrandedestruiçãoprovocadapeloterremoto.Doaramtambém
umálbumaquareladocomretratosdenobres.
AúnicacoisaestranhaemVicenteerasuafixaçãopelospeixes.
Aosdomingos,deiaàsbarracasdepeixes,quevoltavamasereunirna
Ribeira,paracomprarvários,umdecadaespécie,eosreproduziaaLápis.
emseuquartodeestudante.freneticamente,antesqueseestrag~lssem.
Eutinhacertezadequeelenãosabianadasobreoseupassado.
Amaniadospeixesmostrou-seinofensiva.ConcluíqueSU<lfixação
decorriadatatuagemquecarregavaimpressananádegaedeseuinte-
ressepelosanim<lis.
Porém,comosemprediziaClemente:"Tantasvezesocântarovaià
fontequeacabaquebrando".
Em1775,alimesmo,próximoaoTerreirodoPaço,Vicenteconhe-
ceuumaprostitutaqueolevouparaumquartonaruaSuja.
Quandoelaviuatatuagemdopeixe,contouaVicentequeeletinha
umirmão!
~ IVOII JOI•
Nuncamaisbeberasangue.Eraumaalmasensível,umartista.
Gostavadedesenhar,edosanimais.FicarafamosoemSetúbalporre­
colheretratarcentenasdecãesvadios,quenaquelaépocainfestavam
Portugal.
ParalelamenteaoColégiodosNobres,começouaestudardesenho
epinturacomummestreinglêschamadoGuilhermeDugood.que
tambémeraourivesetrabalhavaparaaCorte.Foiláqueaprendeu
:lStécnicasdagra\"uraeda:lquarela.interessando-semuitoporesta
últim:l.Yicenteiriasetornarummestreemaquarela.
FoinoateliêdeDugood.ajudandonotrabalhodeourivesaria,quc
pelaprimeiravezte\"enasmãosoourobrasileiro.Ficoutãof3scinadu
quejulgou
SC"foBrasilumparaíso.
DugoodproduziaestampasdeLisboaapedidodePombal,que
encomendavaimagensquereproduzissemareconstruçãodacidaJe,
comoumaformadepropagandadesuaadministração.Aos18anos,
Vicentepassavaosdiasdiantedepalácios.praças,ruas,ounospátiosdo
Castc'lodeSãoJorge,recriandoemaquarelasaluminosidadedeLisboa
easáguascordeestanhodoTejoaocrepúsculo.
/JI
-,-
,./'d
,r>=::""--.•
-...:-..;-...::.:=::::-
....-\
(\.
('
('\-

_Comcertezasãofilhosdepeixeiros-elaafirmou.
_Ecomosechamameu...irmão?
-Antônio.
_Oqueelefaz?Ondemora?
_Éummilitar.Umsoldado.VivenafortalezadeBragança.Ain-
dadeveestarlá.
IssonãosaiumaisdacabeçadeVicente.
Ficouobcecadopelaidéiadeencontraroirmão.
Duassemanasdepoiselelargoutudo,encheuumavalisecomrou­
pas,papéiseumestojodeaquarelas,epartiurumoaTrás-os-Montes.
Tivemauspresse:l1l:imentos.Atravessarasprovínciasdointerior
de:Portugalnaqueleste:mposeraumaromuitotemerário.Haviatan­
tdmisérianocampo,umulabandono.asestradasviviamtãoinfesta­
dasdebandidos,queosviajantesprecisavamfazerte:stamentosantes
departir.
Vicentedespediu-sedospaisadotivos,comovido,muitograto,mas
afirmouquenadanemninguémnomundopoderiaimpedi-lodeen­
contraroirmãogêmeoeresgatarseupassado.TalvezAntôniosoubesse
quemeramseuspais,mortoSnoterremotode1755.
Ocasal,semsaberseoquehaviacombinadohátantoSanoscom
ohomemmisteriosoquelhetrouxeraobebêeraafinalverdade,pre-
feriucalar-se.
Vicentepartiunumamanhãfriadenovembrode1775.
Tinha20anosdeidade.
Euosegui,escondido.
Elenuncamevira.Nãosabiadaminhaexistência.
Eupassavaosdiasdentrodealgumatumbavazia,nosmalcui­
dadoscemitériosprovincianos,eàsnoites,depoisdechuparosangue
deumacabra,ouespremerumfranguinhosemcabeçanumacaneca,
deitava-menostelhadosdasestalagensondeeleseabrigava,velando
porsuavida.
Nãotinhadificuldadeemencontrá-lo.Erasóseguirumaespécie
defluidoemocionalqueeledesprendiaeeupodiacaptar.
DeLisboa
àcidadedoPortonãohouvenenhumincidente.Havia
umserviçodecarruagensregular,eaestradanãoeradetodoruim.
AnovaadministraçãopombalinainiciaraatéacolocaçãodegLlIlt1cs
colunas
àbeiradaestrada,paramarcaras1égll:ls.Nu;ill(,.I('(;i<h 111.11
codesses,haviaumrelógiodesol.() pruhl(·111.1('(111<' ,I',\1'/(',,I I,)',11.1
4
•••

terminavaàsombra.Deu-seentãoumgrandedebate:haviaosparti­
dáriosdeseerraramedição,deixandoalgumasléguasmaioresdoque
asoutras,eosqueachavammaiscorretoficarorelógiodesolsemsol.
Nãochegaramanenhumaconclusão,esqueceramaidéiadosmarcose
abandonaramareformadaestrada.
NacidadedoPorto,aproveiteiparaencontrarClementeeavisá-Io
doprojetodogarotoedaminhaapreensão.
-Ficoorgulhosodomeu"neto"-eledisse.-Vocêestásetor-
nandoumavelhavampirarabujenta,commedodetudo.
-i as
éumaviagemtãoarriscada...
-Vicente
évalente,eovalenteestáentreocovardeeoimprudente.
DacidadedoPortoVicentesubiuorioD'Ouronumabarcade
transportedevinho,atéaviladePesodaRégua.Parasegui-Ia,tivede
meesconderdentrodeumbarrilduranteodia,eànoitemealimentar
desanguederatazanasnoporão.
Atéaítudotranscorreratranqüilamente,semnenhumperigo.De
PesodaRéguaaMirandelaeleaindapôdecontarcomserviçosdecar­
ruagens.Daíemdiante,porém,avançandocadavezmaisparaonorte,
emdireção
àEspanha,sólherestouirapé,porestradasdesertas.
Anobrezaabandonaraoscampos,indoparaascidadesatrásdo
luxofácilqueoourodoBrasilpodiacomprar.Deixaraaterraentregue
aagregadoseparentes,queviviamdecevarporcosecriargalinhasda
Índia,comertremaços,pinhões,broasdemilhoepastéisdetutano,ea
abanarasmoscascomrabosderaposa.
Eramrarasasestalagens.Vicentevia-seobrigadoadormiremse­
desdefazendasdecadentes,comcriadasvelhascozinhandoempanelas
debarro,ondeagordurafaziacrostascastanhas;senhorasfrisando
9
cabelocomgarfosquentes,bebendoemcanecasdeprataenegrecida,e
papagaioscatandopiolhossobasasas.
Elepassavaasnoitesfriasdedezembroaopédealgumalarei­
ra,bebendovinhobarato,jogandoofaraó,opacauouochincalhão
comalgumgrupodehomensmiseráveiseembrutecidos,enquanto
eu,penavasobanevedoladodefora,sentadoentreosgalhosdeuma
árvore,oucomocorpoesticadosobreochãodetábuasdeumsótão,
quandooshavia.
Eucontinuavaapreensivo.Orapazchamavamuitaatençãocom
seuarcosmopolita,ojeitodeestudantearistocrático,asmaneirasre­
finadas,asroupascaras.Cruzavaasestradasusandochapéuredondo,
;.
l
~
1
,~
5
I
~
i
t
'1.
-.
casacopresoàcintura,calçasatadascomfita,camisabordadaepu­
nhosrendados.
Quandoanoitechegava,eusaíadoburaconaterraondehavia
meenfiado,loucodepreocupação,eoprocuravaemalgumacasapelo
caminho.
Atéaquelanoiteterrível.VésperadoNatalde1775.
Eramadrugada,eeunãooencontravaempartealguma.
HádoisdiascomeçáramosasubiraSerradoNogueira.Nãoha­
viaestalagensnemcasas,anevecobriaasescarpas,aestradasinuosa
eestreitapareciaumcaminhodecabras,eosuivosdoslobosfamintos
ecoavamnasgrutasenosparedôes.
Eucorriamontanhaacima,desesperado,semconseguircaptarne-
nhumsinaldeVicente.
Elenãopodiaterseafastadodatrilha.Nãohavianadaemvolta.Teria
deterdormidoemalgumagrutadaquelas,comonasduasnoitesanterio­
res.Foramuitofácilachá-Iaentão,evelarporele,espantandooslobos.
Sómerestouvoltarumbomtrechoepercorrernovamenteatrilha,
vasculhartodasasgrutasdocaminho,comumarapidezaquesóos
vampirosdesesperadospodemchegar.
Afinaloencontrei.
Nofundodeumareentrância,tãopequenaquetivedepuxá-Iape-
laspernas.
Oladoesquerdodeseuventrehaviasidoabertoporumgolpede
faca.Umpedaçodeintestinosaíaparafora.
Estavanafronteiraentreavidaeamorte,massuaalmaaindalutava
paraficarcomocorpo.Umapoçadesangueformou-sesobreapedra.
Esfregueidoisgalhossecoscomtantaenergiaqueelespegaramfogo
emminhasmãos.Fizumafogueiraparaesquentá-Ia.Echorei.
Meurostoficoucobertodelágrimasdesangue.
AvidadeVicenteseesvaíadiantedemim.
Euteriadadominhaeternidadeidiotaporele,paraquevivessesua
curtavidamortal.
Salteadoresdeestrada,comoeupensei.Haviamroubadosuavalise
eodeixadoparamorrernumafrestaderocha.Oslobossentiriamo
cheirodosangueeodevorariam.Nãosobrariamrastrosdocrime.
Sentei-measeulado.Sómerestavaversuamorte.Confortá-Iano
momentofinal.Aconteceu,porém,umacoisainacreditável.
Nummovimentomuitolento,semqueeutivessefeitonada,ope-

daçodeintestino,comcontraçõesnervosas,foivoltandoparadentrodo
ventreeacabouseacomodandolá.
Sempremuitodevagar,apeleaberta
àfaca,umgranderasgode
maisdeumpalmo,começouasefechar,comoumzíper.Umaouduas
horasdepoisoferimentohaviadesaparecido.
Vicenteabriuosolhos.Suaspupilasestavamcompletamentenegras.
Apeledeseurosto...maisbrancadoqueaneveemvolta.
Elesorriu.Eutambém.
SeusdoiscaninossuperioresdeYÍammediragoraunssetecentímetros.
Eusabiaoquefaur.
Empoucotempovolteicomumaraposasonolentaecorteiseupes-
coço.\'icentebebeuosanguecomavidez.

raiva.Algunsfatosdesuavidadeviamestarfazendosentido.Tudoeramui­
toassustadorparaele,maspelomenosestavaconhecendoseupassado.
Cadaumdenósaceitaofatodevirarvampirodeumjeito.Vicente
fingiuqueseconformavacomaqueledestino.Rápidodemais.
Porfimfizemosumsilênciopesado.Encostei-metambémaumape­
draeficamosolhandoparaalua.emlobouivouaolonge.
_Oquevocêpensaemfazerdaquiparaafrente?-acabeipergun-
tando,afinaleleestavaentrandonumanoYaexistência.
_Seguirviagem.ChegarlogoaBragança.EncontrarAntônio.
_Écomovocêdiz-lembrei àpsicanalista.-Eraseumaiorde­
sejoquandovirouvampiro...encontraroirmão,sabersobresuafamília,
seuspaisbiológicos...econtinuoucomessedesejotodootempo,mesmo
depoisdevampiro,quandogeralmentenãodamosmaisimportânciaao
nossopassadomortal.
Eusimplesmenteosegui.Sentia-memuitobemportudoter-seescla­
recidoeVicenteestarameulado,morto-vivoebemdisposto,apesarde
muitoconfuso.
Tivedeconvencê-Iodeseusnovospoderes.Passávamososdiases-
condidosnofundodascavernas.Ànoite,escalávamosasmontanhase
corríamospelasestradas,maisrápidoquelobos.Empoucotempoche-
gamosaBragança.
Eraumadasmuitasvilasportuguesasabandonadas
àprópriasorte,
comaúnicadiferençadeabrigarumafortalezaincrustadaemseusarre-
doresescarpados.
Naguerrade1762,contraosespanhóis,elaviveradiasagitados.
OreidaFrança,LuísXV,apósváriasderrotasnalutacontraosingle­
ses,nadisputaparasaberquemeraaprimeirapotênciacomercialdomun­
do,aliou-se
àEspanhaeexigiuquePortugalrompessecomaInglaterra.
D.JoséIeracunhadodoreiCarlos
m,daEspanha.Tinhadeaderir
aumtratadochamadoPactodeFamília.MasPortugaldependiadaIn­
glaterraparatudo.Nãopodiarompercomela.Nãorompeu.Pressionada
pelaFrança,aEspanhainvadiuPortugalemmarçode1762,numconflito
queficouconhecidocomoGuerraFantástica.Oexércitoportuguêserauma
piada.Ossoldadoseramrecrutados
àforçaentreoscriadosdasgrandes
casasdaprovíncia,peloscomandantesdastropas,quearrebanhavamqual­
querhomementre15e60anosquenãopudessepagarparaescapardesse
destinotrágico.

----~--
Adefesadoterritóriocomeçouaserfeitapelospróprioscamponeses,
armadosdefoices,pausealgunsbacamartesvelhosusadosnacaçaàsra­
posas,irritadoscomasir.vasõesdepropriedades,aslavouraspisoteadase
oconfiscodegalinhas,porcos,cabrasevinho.
Astropasespanholas,quenãoerammuitomelhoresqueaslusitanas,
recuaram.
ParaPombal,amaiordordecabepnãoeraaguerra,masadespesa
comaalimentação,epordecretofezcortêSnaquantidadedecomidaofe­
recida
ZlStropas.Issopro\'ocoudeserçõesemmassa.
UmaautoridadeinglesachegouareclamarqueEspanhaePortugal
n.1oesta\'amfaz'.:ndoumaguerraasério,segundoosprincípiosmilita­
reslxisicos.
Umanodepois,umtratadodepazentreInglaterraeFrançafez;}
Espanharecuarparaseuterritório,eaguerrasimplesmenteacabou,
tãoabsurdaque,quandocontaramosmortos,descobriramapenas
dois:umpedreiroeumcavalariça,quenãotinhamnadaavercom
ahistória.
--.
.....-_...__.-
;-
J.I'i
\
I
I
ocoitadorecebiaapenasumpardebotas,calção,um
sabreouummosquete,oqualnamaioriadasvezestermi­
navavendendo.Davam-lheumasopaedoispãespordia.
Esquadrõesdesoldadosmaltrapilhoseesfomeados
mendigavampelasvilaseestradas.
Osohciaisnãolevavamumavidamuitomdhor,rece­
ber:.dosoldoscomatrasodemaisdeano,sóselinando
d,l
misénaporumcasamentorico.
AGuerraFantásticapôsemaçãoesseexércitodecomé­
diapastelão.
Osprimeirosdestacamentosespanhóisavançaram
sobreaviladelvliranda.Atropaportuguesaaliaquar­
teladaexplodiuoprópriopaioldepólvora,arruinandoa
fortalezaecapitulandosemresistência.
OsespanhóislogoocuparamBragança,ChaveseTorre
de!\loncorvo,s~mpreespantadoscomafacilidadecomque
osportuguesesserendiam.
en',,':JIJeros'=::':P2r-!hj;::;
naGI_:-?~:'a
0:'5S'?~e
~r,cs(:;je c,srrar;C2SE:S
:::1743.() pacte·.-:1e
17E:teraU~~ra:dC:O de
DfOE·;:àaíT:IJ~lJae:-,::e
tra\'a'/2mcontra
Ci5
ingleses,
oo:s
;.:..a:.::t05r;a'~'iar~-I:::do
L.r~-25jess~,
ou~rCJs
nar:'2r';~aena
ts::::=;nr-,2.
dip!oiTlat!CâSen:reeles,
J.3abaladas.OPactode
Fa;-:-:~::j,,~e1761,'Jr'i:U
(,;5~:
..:rbonr'::i~-12;-il;':S
.4.rivê,:jjê.Jeéntre
ingiater:a~Françaera
an,ia,encséculo
XVi
a~,ngi;Jc:: P.err,Js
iber:C':;
eas:"eiacô-::s
',)s:="ç,rses'2[:'1"0::"_';'0'.a
ass:~-,::<;OS-E:''T:
'i:.?3
AGuerraFar:tast,ca
íicouaósimcon:Jec,da
portE:envol'",idomais
mov:r::e:"ttaçõestáticas
quebatalnasdire~as,
Fatorescomoacondição
geogrihcadesíavoravel
noslO:ê4isdeinvâ5ãoea
fa:taseobjetivosclaros
levarama
1550,
.-

QuandochegamosàfortalezadeBragança,numanoiteextremamen­
tefriadecomeçodejaneirode1776,trezeanosapósofimdaguerra,
tivemosumavisãodapobrevidaqueAntôniolevara.
•-\scabrasdormiamdentrodosalojamentos.Ossoldadosjogavame
bebiampeloscantos,omatocresciaportodososlados,abelhastàziam
colméiasnasbocasdoscanhôes.murosseestàrelavameaferrugemcor­
roÍaasbaionetaseosmosquetes.
.-\tropaviYiadepequenosexpedientesna\ila.comocolareditaisnas
paredes,:liucLuarezarasladainhasoupatrulharestradas.Oupartiapara
uruubo,
CUI110salteadorescomuns.
:'\ãotivemosditlculdadesemsabernotíciasde.-tônio.
AcozinheiradoduquedeAveirostinhaparentesemBragançae,apa­
voradacomaprisãoeacondenaçãodopatrãoàtc)gueira,fugiracomAn­
tônioparaTds-os-1\lontes.Aliviveranapobrezaatésuamorte,quandoo
garoto,abandonado,semmaisopçôes,entraraparaoexército.
Antônioestiveraaquarteladoalidesdeos13anos.
Tornara-seumsoldadoarruaceiroeviolento.Haviaumanomatara
doishomens,porcausademulheresejogo,e,paranãoserpego,fugira
comumcontratadordemão-de-obra,queolevaraparaoBrasil,parao
trabalhoemplantaçõesdetabaco,emPernambuco.

-o r _.._, ~_~ ~ ._
AInsonlaaoV~IfIIJ'llI "1ft;

(
I
!
\
\',1·
11
:1
!
1.1
elvanJaf•
luminoso,comumsolintenso.Eleeraumpintor,deslumbradopelacor.
Achavaqueaquideviaseroparaíso.Agoratinhaummotivo.
Oirmão.
.\laseuoconvenciaadiarumpoucoaviagem.Eleprecisavaaprender
primeiroaservampiro.l\'"ãopodiaentrarnumnavioassim,comoesta­
va,eficarquarentadiaspresonumaembarcação,entrehumanosmor­
tais.Seriadescoberto.Custou-me,masvoltoucomigoaLisboa.
-Vocêquisganhartempo...Pretendiaconvencê-Ioanãoir.
-É.
-Eentão·
-Nãoconsegui.Eleficouunsdoismesesnaminhaquinta.Ensinei
obásico.Eleaprendeurápido.Cmanoiteeuacordei,eVicentesimples­
mentetinhaidoembora.FoiparaoBrasil.Pronto.Foiisso.
Fiqueicalado.
Havi,laquelessilênciosduranteassessões,eeramcomoseaanalista
estivesseabrindoaminhacabeçaparaprocuraralgumacoisaládentro.
-O quevocêfez?~elaperguntou.
-Oqueeupodiafazer?Vampirossãosolitários.Eumeconfor-
mei.Continueivivendoaminhamorte.
-Triste?
Quandoeuficavaemsilêncio,elapodiaverdentrodaminhacabe­
ça.Comcerteza.Fiqueiapavorado.Faleiqualquercoisa.
-Lisboaestavaconvulsionada,porqueoreiD.JoséIpassava
muitomal,paralisadodesde1774.Pombaldependiadoapoiodele.A
rainha,D.I\1aria,filhadoreieherdeiranaturaldotrono,sempreti­
nhasidocontraPombal.Elaapoiavaosjesuítas,queriaavoltadelesao
poder.Começouaencabeçaromovimentodosdescontentes...osjesuí­
tas,oscomerciantesquehaviamcaídoemdesgraça,anobrezaafastada:
Quandooreiafinalmorreu,emfevereirode1777,Pombalcaiudefiniti­
vamente...Foidemitidoemseguida.Todosficaramcontraele.AIgreja
voltoucomtodaaforça.Nobrespresosforamlibertos.Degredadosre­
tomaram.Eunãoqueriaassistir
àvoltadoobscurantismo, àvitóriada
Igreja.Resolviabandonartudo.VendiminhaquintaesaídeLisboa.
-VeioparaoBrasil.
-É. Efoiumadecisãomuitoacertada.Poucotempodepoisa
FrançadeclarouoBloqueioContinental,contraobloqueiomarítimo
determinadopelaInglaterraeproibindoospaíseseuropeusdeesta­
beleceremcomérciocomosingleses.Portugalficounomeiodabriga.
NãotinhacomoenfrentarastropasfrancesasdeNapoleãonempodia
.;>j
'1
'~i
i
i
~
:,1
~
l
J
I
,:~
:;
:~
~
I
desrespeitarOStratadosassinadoscomaInglaterra.Para
piorarasitu3ção,arainhaD.MariaIenlouqueceucom­
pletamente.Passavaosdiasdeitada,gritando"Ai,Jesus!
Ai,Jesus",vendoodemônioemtudo.Tiveramdepassar
opoderaoseuiilho,queviriaaseronossoD.JoãoVI.
Resultado:el111808aCorteportuguesarambtmfugiu
paraoBrasil.
_\'ocêveioparaoBrasilporproblemaspolíticos...
_"t:.Sentimentaistambém.Sempregosteidaqui.
Sabiaqueviréivampiroem
15062O Dr:!siltinhasido
descubertopelosportuguesesh:1\'iaseisanos.OquePor­
tugalfezC(;111estaterra?Chupouseusangue.Écomose
oBrasilfossemeuinnão,entende?Começamosjuntos
nossamone-\'ida.
;\laisumgrandesilêncio.
Eutremiademedo.Nãotinhamaisoquedizer.Mi­
nhavoznãosaía.Percebicomohaviadadovoltas,como
haviaesmiuçadoopassado,apolítica,ahistória,comosaí­
radoassuntO,numaespiral,girando,maspassandosem­
prepelomesmolugar,cadavezmaispertodocentroda
questão...Eelaali,olhandodentrodaminhacabeça.
Osilêncio.Dessavezelaodeixouprolongaratétor­
nar-secompletamenteinsuportável.Duasgotasdesangue
escorreramdemeusolhos.
Eunãoconseguiadizerumapalavra.Elaolhavaden­
trodemeucérebroesorria.Euimploravaparaqueelaque­
brasseosilêncio,maselaodeixouiratéolimite,atéfalar:
_Vocêsabequal
éacaracterísticamaisimportante
dapsicanálise?Oquefazoprocessoanalíticoserum"tra­
talnento"?
_Não...-gaguejei,apavoradocomotomdesua
voz.
_Aqui,nestasala,comigo,éoúnicolugaremomen-
toparavocêemqueamentiranãovaleapena.
_Nãoestouentendendo.
_Amentirasempreéútil.Senãofosse,agentefala­
riaaverdade,queémaissimples,nãoprecisariainventar
nada.Masaqui,meuamigo,entrenósdois,amentiraé
Em1804,Napoieão
Bonapartetornou-se
'imperadordaFrança,
ParaenfraGu"cer
suaprinclpairival,a
1~,(]laterrj,eled"cretcu,
ern1806,oBloqueio
ConTlflen"!a!,Dr'~)'bincjo
C)5pa:seseuropeusde
fazercomércio(om
'Ji(]!eses.Fortu(j31,
~;é1CF=I()na!al!acJo03
Inglaterra,não d·::dlOU
oij:oqueic.r'J(~p'~'piedo,
e:-I~áo,invacJi~Jo(!3ís
p-Jrterra,em1208.
;.~,ê3deSlJdc:,e;1é'tda,
:-10e:ltarito,acorte
portuguesacc)nsegulu
fugirpara~Brasil.
-~
••
••
fi
fi
fi
tj
t!
ti
;I

P,"r?..1.tlilvanJaf

ummaunegócio.Vocêestámepagando.:Vlentiraquiéjogardinheirofora.Sem
falarnaperdadetempo.
Fiqueimuitoassustado.
AentonaçãodesuavozlembravaadeRosaLoba.Elameencostounapa-
redeetivedereagir.Infantilmente.
-Eunãoestoumentindo.
Ebdeixouminhafrasecair,desamparaeb.numabismodesilêncioinfinito.
Quandovoltoua[dar,tinhaumavoznovamentesuave,maternal:
_Vicentenãoeraumvampiro.Podetersidocontaminadonaquelanoi­
te:porRaimundoPascoal,apontodevirachorarsangueeaquererbebê-lu,
masissonãofoisuficienteparatransformá-lo.\'icentecontinuoucrescendo.
tornou-seumrapaz!
Eupararadelutarpordentro.Aslágrimasdesangueescorriamàvon­
tade.!\1eucorpoestavadurocomopedra,dentrodocaixão.Elavertiasuas
p3lavrasdentrodaminhacabeçaaberta,comsuavidade,comoumbuleenche
umaxícaradechá...
_~aquelanoite,nasmontanhasdeTrás-os-Montes,aodescobrirVicen-
tecomabarrigaaberta,àbeiradamorte,vocêomordeu.Vocêomordeue
depoisdeuaeleoseusangue.
-Eleiamorrer...
-Foivocêqueotransformouemvampiro!
---Eleiamorrer1
-Kinguémsoube.~inguémsabe!Nemo
11I1I1)rioVicente!
I·Jeestavainconsciente!Estavaquase
1111IrllI'
1'1.1IIW.i,,"11111poucomaisdesilêncio,para
\'I11111ill.l"1,;i1;I\'rascaíremnovazio.
1,'11,11111"
\'.\OUafalar,eumesentiamuito
I,\,I1,"·,'grl'dodedoisséculosemeionão
111'1"',,1\;1maisnaconsciênCia.
I
LI('l1lbalavaminhamente,comoaum
\"\"
Quandoeupediparavocêcontaropas­
'"I'I"(I,,soutrosvampiros,enãooseu,queria
.1"'Illvestigassecomoosoutroslidaramcomo
1,11",\,'servampiro.Queobsessõesdesenvolve­
1,1111.(
:O\TIOsuportaramsuasnoitesinfinitas.
Comosuportarminhasnoitesinfinitas...
_RaimundoPascoalquisserpai,formarumafamília.Comtantos
séculosdevida,vocêdeveterconhecidomilharesdevampiros,masfoi
escolherlogoele.VocêeRaimundoPascoalperseguiramamesmacoisa.
Umafamília.Umpai.Umamãe.Filhos.Família~asensaçãodeuma
vidacompleta.Olheparamim.
Elatirouumlápisdedentrode:umestojodemadeira.Segurou-o
comasduasmãoseoquebrou.De:puis,pegouseisousete.'.juntou-os.
I'ãoconseguiuquebrá-los.Sorrimos.Euhaviaentendido.
_Aeternid~1denos!1,assacra-elacontinuou.-Tudomuda.
:v1enosnós.Osvampirostêmde;lcompanharotempo.
Éesseoperigo.
Umdiaovampiroacordaedescobrequequerdesistir.:\'ãosuporta
maissuasnoitesinfinitas.
:-'1a5nãodesiste,porquetemalguémquepre­
cisadele.Fezuma"Llmília".Umlápissozinhoquebrafácil...
-.
I!
I

":"W"
Continueisorrindo.
-Você\'eioparaoBrasilatrásde\Ticente.
osilênciojánãomeincomoda\'amais.
(.-\lgumacoisamediziaqueeudormiriabemnaguekdia.1
--Est~~nahOLldeche;ar:w}3Llsil-elasoniu.-SeupasSac1(l
emPürtugal
i<1acabouh:1muitotempCI.. -\h;1S.nossohor:íriotambtm.
Atéquinta-feira.
Eufalariav.hre\·iCé!1te.Claro.
Esobrecome,.V1rasah'ar-Ihe-1\id-1.comrodo
(I-1111"rqueum ]xli
pr,deter.condenei-uaumaduplanuldiç~ll).
ComohOl11ém.aserum\·ampiro.
Cumopintor,anuncamais\'eraluzciosol.