ASPECTOS GERAIS DA TEOLOGIA DE LUTERO
De que maneira devemos compreender Lutero como teólogo? O corpus
luterano contém muitos gêneros diferentes de escritos: comentários,
catecismos, tratatados polêmicos, controvérsias, hinos, sermões, cartas
pessoais, a Conversa de Mesa, etc. Em nenhum deles, entretanto, há
algo que remotamente se assemelhe a uma teologia sistemática.
Mesmo a Confissão de Augsburgo, pela qual Lutero foi apenas
parcialmente responsável, fornece afirmações teológicas específicas,
não um sistema doutrinário completo. Os escritos de Lutero são
invariavelmente contextuais, ad hoc, dirigidos a situações particulares,
com metas definidas em mente. Isso não significa que a teologia de
Lutero era casual, nem que não havia temas gerais e padrões em seu
pensamento. Entretanto, devemos deixar os temas emergirem das
próprias preocupações primordialmente pastorais de Lutero, em vez de
impor nossa estrutura sobre ele. Para fazer isso, será bastante útil
examinar o enfoque teológico básico de Lutero. O qual podemos
descrever sob o aspecto de três características constantes. A teologia
de Lutero era ao mesmo tempo bíblica, existencial e
dialética.
Lutero era um teólogo essencialmente bíblico. Isso pode significar
simplesmente que ele era um professor de exegese, sobretudo do
Antigo Testamento, na Universidade de Wittenberg. Em termos mais
amplos, contudo, isso significa uma ruptura radical com o currículo
padrão da teologia escolástica e uma reorientação da teologia ao texto
bíblico.
Lutero instrui-se completamente na tradição nominalista da
baixa Idade Média. Em certos tópicos, tais como a questão dos
universais, Lutero continuou sendo um expoente da via moderna,
mesmo após seu aparecimento como reformador. Entretanto, bem
cedo em sua carreira, quando ainda um Sententarius, Lutero revelou
um profundo ceticismo acerca do valor da atividade teológica: “A
teologia é céu, sim, mesmo o reino dos céus; o homem, entretanto, é
terra, e suas especulações são fumaça”. A percepção de Lutero com
respeito ao abismo intransponível entre a teologia e as “especulações”
humanas intensificou-se à medida que ele mergulhava mais
profundamente nos textos bíblicos. A partir de 1515, ele se referiu aos
nominalistas com “teólogos-porcos”. Em setembro de 1517,
aproximadamente dois meses antes da explosão da controvérsia das
indulgências, Lutero resumiu seu ataque contra a teologia escolástica
num disparo contra Aristóteles: