Sim, porque, quando tenho questões importantes a resolver, sei que não adianta falar com os
adultos. Ou eles não te escutam ou te dizem não pense nisso, depois passa. Ora, mas se eu estou
falando disso é justamente porque não passa, não?! Ou então se safam com o mágico um dia: um
dia você vai entender, um dia, quando tiver filhos, você vai entender, um dia terá um trabalho
e vai entender.
Eu só espero que esse dia não chegue nunca, porque então cai tudo junto em cima de você:
maturidade, filhos, trabalho... e eu acho um absurdo que, pra entender, você tenha que ser
atingido por essas coisas todas, como uma espécie de raio. Será que não se pode começar desde
já, pouco a pouco, sem esperar esse dia maldito? Hoje. Eu quero entender hoje, e não um dia.
Hoje. Agora. Mas não: esse dia vai te atropelar e aí será tarde demais, porque você, que queria
pensar nas coisas com tempo, não encontrou ninguém que se dignasse a lhe responder. Só
encontrou alguém que lhe previu esse dia como uma profecia de morte e destruição...
Pra não falar dos professores. Quando você tenta conversar seriamente com eles, respondem
agora não, o que significa “nunca”. Quando as coisas são ruins, os professores te informam
rapidinho: notas, arguições, anotações na caderneta, deveres... Já as boas eles não comunicam,
senão — afirmam — você vai se acomodar sobre os louros, que, aliás, não me parecem tão
cômodos assim. Enfim, não temos muito o que dizer a eles.
Pai e mãe? Nem pensar. Tenho vergonha só de imaginar. Parece que eles nunca tiveram a
minha idade. E também papai chega sempre cansado do trabalho e quer ver o futebol. Mamãe?
Tenho vergonha. Na minha idade, não posso mais falar com ela! Excluídos os professores,
eliminados os pais, assim como Niko, que não fala comigo desde a partida com os Fantacalcio,
quem me resta? Terminator. Pelo menos ele fica ali calado, me escutando, principalmente se
depois eu lhe der biscoitos com sabor de gato frito.
“Veja bem, Terminator, desde quando o Sonhador falou do sonho, isso sempre me volta à
cabeça, como uma coceira, só que mais forte. Você, o que desejava, Terminator, o que queria
fazer quando crescesse? Você só pode ser cachorro: comer como cachorro, dormir como
cachorro, fazer xixi como cachorro e morrer como cachorro. Mas eu, não. Gosto de ter desejos
grandes. Um grande sonho. Ainda não sei qual é, mas gosto de sonhar que tenho um sonho. Ficar
deitado na cama, em silêncio, sonhando meu sonho. Sem fazer mais nada. Passar em revista os
sonhos e ver quais me agradam. Quem sabe não vou deixar uma marca? Somente os sonhos
deixam marcas.”
Terminator me dá um puxão, ele não sabe nem se concentrar, sei lá o que quer. Continuamos
caminhando.
“Não me interrompa!... Eu gosto de ter sonhos. Gosto. Mas como faço para achar meu sonho,
Terminator? O seu, você já achou pronto. Só que eu não sou um cão. Ao Sonhador bastaram um
avô com suas fábulas e um filme. Talvez eu devesse ir mais vezes ao cinema, já que não tenho
avô, e a vovó, sempre que falo com ela preciso gritar, porque ela não escuta e tem também
aquele cheiro de velho que eu não suporto, me faz espirrar. Ou talvez eu devesse ler mais livros.