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A contempla-
ção é um ato
de criação, de
co-autoria.
Poetas, com sua turma de crianças de nove a
onze anos, cujo objetivo foi ampliar a leitura
e trabalhar a apreciação e a criação de poesias,
de forma que ultrapassassem a concepção
reduzida de poesia como aquilo que “rima e
tem sílabas contadas” e alcançassem a com-
preensão de que a poesia é, acima de tudo,
“jogo de palavras, é emoção que desperta, é
uma maneira especial de ler e ver o mundo”.
A professora iniciou o projeto, lendo poesias
para as crianças, no início e no fi m de cada
dia letivo, durante uma semana, envolvendo
gêneros diferentes, poetas variados (Elias José,
Ruth Rocha, Ferreira Gullar, Olavo Bilac,
Arnaldo Antunes, Cecília Meireles, Manuel
Bandeira), poesias com e sem rimas, en-
graçadas e tristes. Em seguida, a partir
do conto “O catador de pensamen-
tos”, de Monica Feth, as crianças
foram convidadas a ser “catadores
de poesias”, o que consistia em sair
pela escola, pelo bairro, pela cidade
e conversar com as pessoas sobre poe-
sia, convidando algumas delas para irem
à escola declamar uma poesia de sua escolha.
A partir da análise de poesias de diversos au-
tores e da busca de compreensão de recursos
poéticos, tais como rimas, intertextualidade,
aliterações, parlendas, as crianças produziram
suas próprias poesias. Organizaram um livro
ao término do projeto, com uma seleção de
temas e produções contemplando todas as
crianças. Segundo a professora Kátia, o projeto
ensinou a todos “que produzir uma boa poesia
não é só uma questão de inspiração, mas sim
de busca, de refl exão; enfi m, que o poeta tem
trabalho...” (Brasil. Ministério da Educação
– Prêmio Incentivo à Educação Fundamental
2004, p.157-164).
Tais relatos ajudam-nos a compreender que
o acesso à arte signifi ca possibilitar às crian-
ças, de qualquer idade, e aos (às) professores
(as), o contato e a intimidade com a arte no
espaço escolar e, dessa forma, abrir caminhos
para a experiência estética, provocando novas
formas de sentir, pensar, compreender, dizer
e fazer. Signifi ca promover o encontro dos
sujeitos com diferentes formas de expressão e
de compreensão da vida.
Mas como se dá esse encontro? Bakhtin nos diz
que o sujeito, ao entrar em contato com uma
obra de arte e contemplá-la, vivencia uma rela-
ção estética movida pela busca de compreensão
de seu signifi cado. A pessoa que aprecia uma
obra, seja ela criança ou adulto, entra em diá-
logo com ela, com seu autor e com o contexto
em que ambos estão referenciados. Relaciona-
se com os signos que a compõem, elabora uma
compreensão dos seus sentidos, procurando
reconstruir e apreender sua totalidade. Nessa
relação, coloca em articulação a expe-
riência nova provocada pela relação
com a obra – de estranhamento da
situação habitual, de surpresa, de
assombro, de inquietação – com
a experiência pessoal acumulada
– encontros com outras obras, co-
nhecimentos apropriados nas práticas
sociais e culturais vivenciadas nos espaços
familiares, escolares, comunitários etc. – tra-
zendo o seu ponto de vista para completar a
obra. A contemplação é um ato de criação, de
co-autoria. Aquele que aprecia a obra continua
a produção do autor ao tomar para si o processo
de refl exão e de compreensão.
Na experiência estética, a apreciação oferece o
“excedente de visão” (Bakhtin, 2000), aquilo
que o outro não vê e que eu vejo, uma vez que me
situo fora do objeto estético. Dele me distan-
ciando, admirando-o e inquietando-me com
as emoções que em mim provoca, busco sua
compreensão penetrando no seu interior, vol-
tando então a mim mesmo para lhe dar forma,
completando-o e atribuindo-lhe signifi cados.
Essa relação envolve o entrelaçamento entre
mim e o outro, ir e vir, velho e novo, distância
e aproximação, atos externos e internos, me-
mória e imaginação, passado-presente-futuro.
A apreciação como ato de criação estética, e
não como atitude passiva ou olhar conformado
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