O DESLOCAMENTO: DE REINO A IMPÉRIO Expansão marítima (deslocamento) = Início do império português; Camões e suas vozes: a voz de um velho desconhecido e experiente e a de um mitológico gigante de nome Adamastor;
A partida das naus em Belém, na praia do Restelo Qual vai dizendo: “Ó filho, a quem eu tinha Só para refrigério e doce amparo Desta cansada já velhice minha , Que em choro acabará, penoso e amaro, Por que me deixas, mísera e mesquinha? Por que de mim te vás, ó filho caro, A fazer o funéreo enterramento Onde sejas de peixes mantimento?” Em tão longo caminho e duvidoso Por perdidos as gentes nos julgavam, As mulheres c’um choro piedoso, Os homens com suspiros que arrancavam. Mães, esposas, irmãs, que o temeroso Amor mais desconfia, acrescentavam A desesperação e frio medo De já nos não tornar a ver tão cedo.
Qual em cabelo: “Ó doce e amado esposo, Sem quem não quis Amor que viver possa, Por que is aventurar ao mar iroso Essa vida que é minha e não é vossa? Como, por um caminho duvidoso, Vos esquece a afeição tão doce nossa? Nosso amor, nosso vão contentamento, Quereis que com as v elas le v e o v ento?” Nestas e outras palavras que diziam, De amor e de piedosa humanidade, Os velhos e os meninos as seguiam, Em quem menos esforço põe a idade. Os montes de mais perto respondiam , Quase movidos de alta piedade; A branca areia as lágrimas banhavam, Que em multidão com elas se igualavam.
Nós outros, sem a vista alevantarmos Nem a mãe, nem a esposa, neste estado, Por nos não magoarmos, ou mudarmos Do propósito firme começado, Determinei de assim nos embarcarmos, Sem o despedimento costumado, Que, posto que é de amor usança boa, A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
Intertextos
O gigante Adamastor Gigante Adamastor
O MOSTRENGO - FP O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tetos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: « El-Rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso, «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: « El-Rei D. João Segundo!» Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um Povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo; Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!»