menina não conseguiu manter. Ao final ela tem o apoio da avó, e assim triunfa sobre a
prima. A própria avó relativiza o efeito das infrações, e as considera até necessárias em
alguns casos, para evitar piores malefícios, como quando escondia as coisas do marido
para evitar-lhe aborrecimentos.
Em alguns momentos as infrações adquirem um verniz perverso, como aconteceu
no aniversário de Helena. Ela convenceu a irmã a gastar as economias para lhe
proporcionar um jantar, que traria convidados e, consequentemente, presentes, que ao
final seriam divididos. A divisão, obviamente, foi injusta para Luisinha, que reclamou
frouxamente. A lógica prática de Helena, evidentemente, não permitiu que ela sofresse
remorsos, alegando que ela precisava mais do que a irmã de vestidos, lenços, meias etc.,
porque ela saía muito e a irmã estava sempre em casa.
Tia Madge é representante da tradicional família inglesa, e sempre que pode
ensina a sobrinha a se comportar com etiqueta. Helena gosta dela, apesar de sua
formalidade, mas não vê muito sentido prático nos ensinamentos dela. Na lição de boas
maneiras à mesa, por exemplo, a professora prescreve que, além de não palitar os dentes,
não se pode empurrar o prato após a refeição. A pessoa educada deve ficar “aguentando
o prato na frente até a criada tirar”. A avó fica exultante com as maravilhas que tia Madge
ensina a Helena, e aconselha-a a praticar. Pela lógica da menina, vai ser um pouco difícil
praticar isso, já que na casa dela não existe criada e ela é que faz o prato no fogão e o lava
depois de comer. Etiqueta não é para qualquer um.
A menina mostra um certo determinismo ao avaliar seu próprio desenvolvimento:
pouco pode ser mudado, por mais que tia Madge lhe empreste livros e cobre sua leitura,
como A força de vontade e O caráter, de Samuel Smiles. Para ela, seu caráter, bondade,
vontade ou o que seja não mudaram em nada com as leituras. Talvez apenas sua
capacidade de economizar e guardar tenha aumentado, mas não necessariamente por
causa dos livros.
Uma peculiaridade das mulheres da família Morley são os frouxos de riso. A
intenção talvez não seja exatamente destilar o sarcasmo sobre as vítimas, mas rir da
própria vida, ou do estranhamento que certas situações provocam, como no acontecido
na casa de dona Mariquinha, que dizia ter uma sobrinha, ausente no momento,
parecidíssima com a Luisinha, irmã de Helena. O fato franqueava a elas o pomar da
residência: “Nós íamos aproveitando a parecença e comendo as frutas”. No dia do
encontro das “sósias”, o grotesco da situação disparou nelas a máquina do riso, criando
um constrangimento que terminou com a amizade entre as famílias. No affair
Quitinha/Luisinha, o benefício da manutenção da amizade e do obséquio não justifica não
rir, pois, afinal de contas, a fartura da natureza acaba contrabalançando as carências. O
riso espanta também o hóspede estranho e calado, estraga a visita de pêsames, acentua a
timidez do irmão Renato. Difícil é ficar sem rir, porque “riso comprimido deve fazer
mal”. A única maneira de não rir, quando a situação não o permite, é pensar em coisas
tristes, como a mãe de perna quebrada ou a irmã num caixão.
O PRAGMATISMO DA MENINA
Embora a família de Helena pareça ser feliz, é marcada, na visão da menina, pela
falta de sorte ou incompetência nos negócios e atividades de sobrevivência, a começar
pelo início da carreira de minerador do pai, em que ele perdeu uma sociedade com o
cunhado por interferência da mulher, que recebeu um “sinal” de Santo Antônio. O santo
se enganou e a lavra produziu grande quantidade de diamante, enriquecendo tio Geraldo.
Todos os negócios que a família inicia — com exceção da lavra de diamantes, que dá