Um Apólogo: Texto magnífico de Machado de Assis

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About This Presentation

Machado de Assis, Um apólogo com questões para 7 e 8 anos


Slide Content

Um Apólogo
Machado de Assis
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale
alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar
insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça.
Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e
deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os
cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose
sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição
aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que
vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai
só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo,
ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que
isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar
atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a
linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante,
que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana —
para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta
distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a
eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela,
silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha,
vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na
saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a
costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no
quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se,
levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto
compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali,
alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte
do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você
volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor
experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da
vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para
ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo,
1984, pág. 59.

Texto Um apólogo.
1- O que significa a palavra apólogo?
2- Esse texto está escrito em prosa ou em poesia? Explique.
3- Qual a relação entre o título do texto e o texto.
4- Com qual dos dois personagens você mais se identificou? Na sua vida real você é
mais linha ou mais agulha? Por quê?
5- Analisando os personagens ( agulha e novelo) comente as características psicológicas
de cada um. e qual a relação existente entre eles.
6- Onde se passa a história?
7- “Anda aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da
vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho
para ninguém” analisando a fala acima – de um alfinete – como poderíamos
caracterizar seus valores psicologicamente?
8- “E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic da
agulha no pano.” A parte sublinhada da frase foi utilizada representar o som da agulha
o pano. Denominamos a isso de onomatopéia. Dê outros exemplos de escrita para
representar algum tipo de som. (Exemplo o barulho da chuva, do vento, uma batida na
porta, entre outros.)
9- Quem são os personagens? Qual o motivo da discussão entre a agulha e a linha?
10- Utilize um dicionário, se necessário, e reescreva a frase usando um sinônimo para as
palavras destacadas. “Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo
adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo.”
11- Num determinado momento a linha se calou, por quê?
12- Quantos dias a costureira trabalhou para terminar o vestido da baronesa?
13- Identifique o significado de coser e cozer.
14- Em qual parágrafo do texto podemos localizar o narrador?
15- “Agulha não tem cabeça.” Você já ouviu esta frase dita a alguém? Se sim, que
significado ela tem? Se não, faça uma pesquisa para descobrir.
16- Qual o sentido que podemos atribuir a: “Também os batedores vão adiante do
imperador”?
17- Que sentido poderíamos atribuir à expressão “ professor de melancolia”?
18- Ao final do texto o professor de melancolia diz: “- Também eu tenho servido de agulha
a muita linha ordinária.” O que isto significa?
19- Qual a moral da história?
20- Após leitura do texto “ Um apólogo” relembre a fábula “ A cigarra e a formiga”.
Compare seus personagens e fale sobre a importância do trabalho de cada um.
21- O autor utiliza qual figura de linguagem para as personagens?
22- O autor expressa nesse texto algum tipo de pensamento ou opinião. Onde isso fica
evidente?
20 - Na sociedade atual, quem faz o papel de linha e agulha?
23- Em que época você imagina que o texto tenha sido escrito?
24- Há alguma marca lingüística (modo de escrever) da época em que Machado de Assis
escreveu este conto?
25- O uso de palavras como “cousa” e “mofar” é comum em textos da atualidade? A que
período de tempo nos remete esta linguagem?
26- Releia o início do texto e preste atenção em “Era uma vez”. Você conhece alguma
história que poderia ser escrita começando da mesma maneira? Procure lembrar e
tente passar para o papel.
27- Por que a agulha se achava mais importante que o novelo de linha?
27 - A linha demonstra-se sempre arrogante. Sabendo da importância da agulha apresente
pontos em que ambas são importantes nas suas funções e responda: Uma poderia fazer o
seu trabalho sem a ajuda da outra, por quê?
28 - Você concorda com o comportamento da linha? Dê sua opinião?
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